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Fraude de execução e a proteção ao terceiro de boa-fé.

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Agenda 10/06/2014 às 10:10

- Momento divisor do reconhecimento da fraude de execução. 

5.1 - Breve histórico da legislação.

No Brasil, como fruto da legislação portuguesa, mais especificamente das Ordenações do Reino: Manuelinas, Afonsinas e Filipinas, essa última com notada aproximação ao que se entende pelo instituto hodiernamente, a fraude de execução só teve sua confirmação como norma processual pelo Regulamento nº 737, conhecido como Decreto Imperial nº 737, de 25 de novembro de 1850.

Os resquícios histórico-legais desse instituto remontam a disposições específicas, presentes no Livro III, Título LXXXVI, das Ordenações Filipinas, quando era proibido, por exemplo, a alienação de bens de raiz, durante a demanda judicial, consoante expressão literal do § 14º (“Dos agravos e das sentenças definitivas”). Esse capítulo retratava uma espécie de hipoteca judiciária sobre os bens do condenado ao pagamento de soma pecuniária, ao prever que “... o que tiver bens de raiz, que não valham o contido na condenação, não os poderá alhear, durante a demanda, mas logo ficarão hipotecados por esse mesmo feito e por esta Ordenação para pagamento da condenação.”[19]

A partir do Decreto 763, de 19.09.1890, do governo republicano, o Regulamento 737, que até então regia somente o processo comercial, também passou a ser aplicado às causas processuais cíveis, ficando, desta forma, revogadas as Ordenações Filipinas. 

O Regulamento 737 já disciplinava a fraude de execução dispondo no § 6º, do art. 492 que “é competente execução contra”:

§ 6º. O comprador ou possuidor de bens hipotecados, segurados ou alienados, em fraude de execução (art. 494); e em geral contra todos os que recebem causa do vencido, como comprador da herança. [20]

E o art. 494 assim definia fraude de execução: 

“Art. 494. Considerar-se-ão alienados em fraude de execução os bens do executado: 

1º – Quando são litigiosos, ou sobre eles penda demanda; 

2º – Quando a alienação é feita depois da penhora, ou proximamente a ela; 

3º – Quando o possuidor dos bens tinha razão para saber que pendia demanda, e outros bens não tinha o executado por onde pudesse pagar”. 

O Regulamento 737 dispunha, ainda, em seu art. 574 que o devedor que fraudou a execução seria preso por um ano, podendo, no entanto, ser solto antes, se pagasse a dívida. 

Com a promulgação da Constituição da República, em 24.02.1891, a competência para legislar sobre matéria processual foi transferida aos Estados-Membros, que somente passaram a legislar a partir de 1905, quando o Estado do Pará tomou a iniciativa, sendo o primeiro a elaborar seu estatuto processual civil. Seguiram o mesmo caminho os demais Estados, tendo sido São Paulo um dos últimos a promulgar sua lei processual. 

Os Códigos de Processo estaduais foram elaborados com fundamento no Regulamento 737, e trouxeram poucas inovações à execução, em especial, em relação ao instituto da fraude de execução, pois, praticamente se limitaram a repetir o art. 494 do Regulamento 737, podendo ser destacado nessa ocasião, o desaparecimento da prisão civil como meio executório, seja como sanção pela recusa em colaborar com a Justiça ou pelo não cumprimento do dever de lealdade. 

A partir da Constituição Federal de 1934, foi restabelecida a forma de unidade do processo para todo o país, tendo-se retirado a competência dos Estados-Membros, que passaram a ter somente competência supletiva para elaborar leis processuais. Como resultado dessa unidade processual, entrou em vigor um novo Código de Processo Civil, através do Dec.-lei 1.608, de 18.09.1939, que inseriu dispositivo regulando a fraude à execução no art. 895, que continha a seguinte redação: “a alienação de bens considerar-se-á em fraude de execução: I – Quando sobre eles for movida ação real ou reipersecutória. II – Quando, ao tempo da alienação já pendia contra o alienante demanda capaz de alterar-lhe o patrimônio, reduzindo-o à insolvência. III – Quando transcrita a alienação depois de decretada a falência.IV – Nos casos expressos em lei”.

Esse breve histórico da legislação deixa evidenciado que o ‘elemento subjetivo’ sempre foi irrelevante para a configuração da fraude de execução, e ainda, que o Código de 1973 exerceu inegável influência sobre o que o legislador considerava “proposta a ação” ou “demanda pendente”.

5.2 – Demanda pendente e citação.

Enquanto o sistema de 1939 considerava proposta a ação e iniciado o processo somente quando feita a citação do réu, o código de 1973 evoluiu em relação à matéria, prevendo em seus artigos 262 e 263, que se considerava proposta a ação desde o despacho liminar do juiz na petição inicial ou de sua simples distribuição onde houver mais de uma vara.

Apesar da posição isolada na doutrina de Mário Aguiar Moura, para quem, mesmo que já aparelhado se ache o processo pela distribuição ou despacho, em linha de princípio, a alienação, que se efetiva nesse interregno e antes da citação, não enseja a arguição de fraude de execução. Poderá favorecer a verificação da fraude contra credores [21] . Vinha a jurisprudência paulista, de forma majoritária, fixando-se na data da citação,[22]ou na da penhora[23] o marco caracterizador da fraude de execução.[24]

  Outras decisões, porém, já antecipam o marco para o momento da instauração da relação processual admitindo que a alienação do imóvel quando já existia demanda ajuizada, caracteriza fraude à execução, com base no artigo 593, II, do Código de Processo Civil, que não exige a citação do réu (ou devedor, como no caso vertente).[25]

No mesmo sentido é o acórdão da lavra do Relator Ernani de Paiva da 6ª Câmara de Direito Privado-SP., na Apelação Cível n° 066.056.4/2-00 -  da Comarca de Santo AndréSP.[26], onde ressalta: 

“(...) Com efeito, "demanda capaz de causar a insolvência é aquela que provoca, no caso de procedência do pedido, obrigação de o devedor pagar quantia certa. As alienações ou onerações que ele fizer, reduzindo a garantia patrimonial para a referida causa, se consideram fraudatórias da execução e ineficazes com relação a ela. Não há mister nenhuma inscrição no Registro de Imóveis ou no Registro de Títulos e Documentos, para caracterizar-se a fraude de execução, quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência, em que pesem valiosas opiniões contrárias. Parte da doutrina entende que, se houver inscrição, há presunção absoluta de fraude; se não houver, há presunção relativa, cabendo ao credor provar o "consilium fraudis". A participação consciente do adquirente ou de quem onera o bem, no entanto, é dispensável, pois a fraude, na realidade, quando nela presente terceiro de boa-fé, é praticada contra ele e não contra a atividade jurisdicional. O Estado, na sua expressão de soberania, nãopode ser vítima de fraude"

(ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS,Manual de Direito Processual Civil, 4a Edição, vol. 2, págs. 81/82).

"É ineficaz em relação ao credor a alienação do bem feita na pendência de ação capaz de reduzi-lo à insolvência, por que praticada em fraude à execução, conforme dispõem os arts. 592, V, e 593, II, do Código de Processo Civil" (R.T. 584/91, 593/169, 609/107, 613/118 e 139, 617/118, 638/105, 684/98, 687/105, 709/100 e 729/211; RJTJESP Lex 140/62, 143/174 e 173/57).

Segundo ponderações de V. Acórdão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, "a lei não exige, em casos que tais, o registro da penhora para que a mesma seja oposta a terceiro, até porque também o credor, em face dessas sucessivas alienações, se posiciona como terceiro, também de boa fé, fundada em normais legais, que asseguram a garantia de seu crédito e definem como fraudulenta e ineficaz a alienação do bem que o garanta" (Recurso Especial n°34.189-2 - Rel. Min. Dias Trindade - julg. em 14.03.94, in Revista do S.T.J. vol. 58, pág. 353).” (grifos nossos)

Não obstante a posição majoritária da jurisprudência, a postura uniforme da doutrina, sustenta que o melhor entendimento no sentido da configuração da “lide pendente”, é o simples ajuizamento da ação. Nesse sentido, Yussef Cahali diz: “Impõe-se reconhecer, portanto, que se vai consolidando o melhor entendimento no sentido da configuração da “lide pendente”, para os efeitos do art. 593, II, do CPC, com o “simples ajuizamento da ação”, ainda que a citação não tenha sido efetivada: o CPC vigente clareou ainda mais o entendimento, quando, no art. 263, considera proposta a ação tanto que a petição inicial seja despachada pelo Juiz ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma Vara, sendo irrelevante o fato de a citação ainda não ter sido realizada para que se caracterize a alienação em fraude de execução”.[27]  

Nesse sentido, Fredie Didier Jr., Leonardo J. C. Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira: “Tradicionalmente, dize-se que a citação válida do réu induz litispendência, com base no artigo 219 do CPC. Ressalte-se que já há litispendência para o autor desde o momento da propositura da demanda (art. 263 do CPC; (...). A citação do réu/devedor deixa-o ciente da demanda proposta que possa conduzir à sua condenação. A partir daí (citação), atos de diminuição patrimonial que o reduzam ou possam reduzi-lo à insolvência serão considerados fraudulentos.[28]

A divergência jurisprudencial e doutrinária está fundamentada na lei processual vigente, que fixa, em seu art. 263, o momento que se instaura a relação jurídica processual: “considera-se proposta a ação tanto que a petição inicial seja despachada pelo Juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara”. Estabelecendo o seu art. 593 como pressuposto para comprovar a fraude de execução, a existência de “demanda”, não há respaldo legal, para relegar esse momento para a citação.

Yussef Said Cahali[29], interpretando a mens legislatori, afirma:

Não nos parece que, no exato elastério do art. 593, II, do CPC, ao ser considerada em fraude de execução a alienação de bens, ‘quando, ao tempo da alienação ou oneração corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência’, tenha o legislador pretendido que a existência da demanda em curso esteja condicionada à citação do devedor, como se não bastasse o simples ajuizamento da ação contra aquele.

Luiz Fux30, pela simples distribuição ou mesmo do despacho inicial, sustenta:

Em nosso entender, à luz do texto, é fraudulenta a alienação depois da propositura da ação e antes da citação, uma vez que a exigência da lei para considerar ineficaz o ato é de que, ao tempo da alienação, corra contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência (...) a jurisprudência, contudo, revela não haver pacificidade quanto ao tema.

É que o legislador em momento algum fala em litispendência. Fala em demanda no sentido de ação proposta, como se percebe da leitura dos artigos 461, § 3º, 1.016, § 2º e 835, todos do CPC, pelo que o Ordenamento Jurídico tem como existente a demanda desde que ação foi proposta e não só quando a relação processual é angularizada (art. 263 do CPC).

Assim, realizada a alienação ou oneração de bens, ocasionando a inexistência ou insuficiência de patrimônio passíveis de ser penhorados como garantia à satisfação da obrigação (insolvência) – lembrando que ocorre a insolvência quando as dívidas excedem a importância dos bens do devedor (CPC, art. 748) – está configurada a fraude de execução, nos termos do inciso II, do artigo 593, do CPC.

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Desde que haja ação, não importa se a mesma se rege pelo processo de conhecimento ou pelo processo executivo: desde a propositura, a alienação ou oneração pelo devedor determinarão a fraude de execução. Se é a existência de relação jurídica processual contra o alienante o dado objetivo e prático para detectar a validade ou invalidade dos efeitos da transação, mister que se fixe o momento de seu nascimento, em face do verbo legislativo sem especificidade, eis que o inciso I do artigo 593 do CPC fala em “pender ação” e a norma seguinte em “correr demanda” .31

De acordo ainda com Maria Berenice Dias, o Direito brasileiro desconhece a regra do art.101 do CPC italiano, segundo a qual a deliberação do Juiz sobre a demanda depende do chamamento a juízo do réu, e que, consagrando o princípio do contraditório, induziu os processualistas italianos – Chiovenda e Calamandrei à frente – a verem o processo necessariamente angularizado. Diz Liebman, p.ex., que “a demanda se propõe com o ato de citação”, lição inconciliável com a letra do art. 263, primeira parte, do CPC[32]. Respeitadas, então, as diferenças de sistema, nada impede a relação linear.[33]   

Já para Araken de Assis[34], a fraude à execução pressupõe demanda em curso, ou melhor, litispendência (“lide pendente”). E a litispendência dá-se com a citação (CPC, art. 219). Em tal contexto, para caracterizar a fraude de execução, é necessário que o devedor tenha sido citado, não bastando o ajuizamento da ação. No mesmo sentido é a jurisprudência do STJ.[35][36]

Todavia  com o passar dos anos, nos casos de alienação onerosa, o próprio STJ e os Tribunais passaram a exigir, para caracterização da fraude à execução, não só a prova do elemento objetivo (dano ao credor em face da insolvência do devedor e demanda “pendente”), mas também um desconhecido e ignorado elemento subjetivo, até então exigido nos casos de fraude contra credores, que deve ser entendido como a ciência efetiva ou presumida, pelo terceiro adquirente, da existência de demanda contra  o alienante, sob pena de prevalecer a boa-fé do terceiro que adquire o bem.


Penhora e seus efeitos.

A penhora é o ato de apreensão e depósito de bens os quais serão empregados na satisfação do crédito executado. É por intermédio da penhora  que se individualiza o bem que responderá pelo débito executado,  tornando satisfeita a pretensão do credor que pode se dar de forma direta com a adjudicação do bem penhorado, incorporando-se ao seu patrimônio, ou de forma indireta com sua expropriação (alienação), revertendo o produto da venda (dinheiro) ao exequente.

É função da penhora segregar bens do patrimônio do devedor, destinando-os à expropriação. Isso não significa a perda do domínio ou posse do devedor em relação aos mesmos bens. Os direitos do executado permanecem intactos, mas em razão do vínculo processual que os afeta à execução, qualquer ato de disposição será ineficaz em relação ao credor exequente.[37]

Realizada a penhora sobre um bem, isso não impede que outras sobrevenham sobre ele. Mas terá sobre ele preferência, à satisfação de seu crédito, aquele que primeiro a providenciou. Ela se aperfeiçoa, no caso de imóveis, com a apreensão e depósito. Não há necessidade do registro ou averbação da penhora para sua constituição, pois, de acordo com a nova redação do § 4º, do artigo 659, do CPC, o registro, hoje averbação, trata-se de ato necessário apenas à publicidade e oponibilidade a terceiros.

A penhora é tradicionalmente ato do oficial de justiça, o qual após a citação, em não sendo realizado o pagamento vai em busca dos bens passíveis de penhora, ou daqueles dos quais tiver notícia, até mesmo por indicação e auxílio do exequente, e os penhora livremente. Um dos efeitos da penhora é a retirada do bem da posse e administração do executado, entregando-o a depositário nomeado pelo próprio Oficial em cumprimento ao próprio mandado de penhora, lavrando-se um só auto nos termos do art. 664 do CPC.

Decorre ainda do § 4º, do art. 659, que a penhora se realiza mediante “auto” formalizado pelo próprio oficial de justiça, ou ainda por “termo” nos autos em Cartório, mediante a apresentação da certidão da matrícula do imóvel.

6.1 – Registro da penhora.

Na década de 80, mais precisamente em 18 de dezembro de 1985, a Lei nº 7.433, que dispõe sobre os requisitos para a lavratura de escrituras públicas, e dá outras providências, nos arts. 1º e 2º - positivou a diligência já costumeira de busca nos distribuidores forenses por ações pendentes em face do devedor.

No Estado de São Paulo a Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça emitiu parecer concluindo pela facultatividade da apresentação das certidões, podendo o terceiro dispensá-las, assumindo o risco da pendência de ações em face do alienante.[38]  

Não obstante o Decreto nº. 93.240 de 9 de setembro de 1986 que regulamentou a Lei 7.433/1985, tenha restringido a exigência das certidões de  “feitos ajuizados” prevista no art.1º, § 2º da Lei 7.433/1985 em virtude do artigo 1º, IV do Decreto nº.93.240/1986 dispor que a “certidão de ações reais e pessoais reipersecutórias, relativas ao imóvel”, juntamente com a certidão de “ônus reais” seriam expedidas pelo Registro de Imóveis competente, dando ensejo a interpretação que acabava por excluir da incidência da norma as certidões dos cartórios distribuidores forenses, isentando em seu art. 2º, o tabelião da obrigação de manter arquivadas as certidões apresentadas pelas partes, incluindo em contrapartida a obrigação do alienante declarar “sob pena de responsabilidade civil e penal”, a existência “de outras ações reais e pessoais reipersecutórias relativas ao imóvel e de outros ônus reais incidentes sobre o mesmo”, ainda assim, a jurisprudência  interpretou a Lei 7.433/1985, como se ela efetivamente fizesse referência às certidões dos distribuidores forenses.[39]

Como se observa essa legislação já favorecia, naquela época, em que sequer se imaginava o “processo eletrônico” o entendimento que atribuía relevância ao elemento subjetivo na fraude de execução. Sua feição, contudo, ao contrário dos dias de hoje era a má fé do terceiro decorrente do fato de ele poder saber da ação pendente pelas certidões dos distribuidores forenses.

Durante duas décadas, a disciplina da fraude de execução no Código de Processo Civil de 1973 permaneceu inalterada, convivendo com as disposições antes citadas das Leis nºs.6.015/73 e 7.433/85.

No entanto, por sugestão de Décio Antonio Erpen, no VI Encontro de Tribunais de Alçada realizado em Belo Horizonte-MG., em junho de 1983, se fez a primeira das 3 reformas pelas quais passou o artigo 659 do CPC , por força da Lei nº.8.935, de 13 de dezembro de 1994, que incluiu o § 4º do art. 659 do CPC, tornando o registro da penhora até então previsto no art. 266 do Decreto nº.18.542/1928 – repetido nos artigos 280 do Decreto nº.4.857/1939 e 240 da Lei nº6.015/1973 – no lugar de simples publicidade para possibilitar conhecimento por terceiros – verdadeiro elemento constitutivo da penhora.[40]    

A alteração foi aplaudida por pequena parcela da doutrina entre esses, Walter Ceneviva que, comentando os artigos 169 e 240 da Lei de Registros Públicos logo após a reforma do CPC afirmava: “O registro imobiliário é obrigatório (art. 169). A penhora não registrada é inoponível a terceiro que no curso da ação adquire o imóvel penhorado (...) se o credor omite o dever legal de registrar e se mostra desatento ao resguardo do seu direito, sofre as consequências, sendo absurdo transferi-la ao terceiro, inviabilizando a finalidade mesma do sistema registrário. (...) é inaceitável a corrente exegética segundo a qual, feito o negócio pertinente a imóvel, o adquirente tem o dever de obter prévias certidões forenses esclarecedoras da situação do alienante (...) com esse caminho introduz-se uma quebra inaceitável do sistema: afasta-se a predominância do direito real e se dá realce ao pessoal, inerente à penhora não registrada. É interpretação contrária à letra do art. 240. Deste resultado a afirmação positiva de que só o registro da penhora faz prova, quanto à fraude, de transação posterior e de que, ao contrário, inexistente o registro, não se a pode alegar, por força da lei”.[41]      

Esse dispositivo legal foi criticado pela maioria da doutrina, como se vê pela manifestação de Carlos Alberto Carmona: “ao acrescentar o § 4º ao art. 659 do Código de Processo Civil, cometeu o legislador pecado imperdoável. Ouso dizer que, se algum dispositivo legal introduzido pela Lei nº. 8.953/94  merece crítica incisiva, tal dispositivo é exatamente o do parágrafo indigitado. A intenção do reformador foi louvável (...) O remédio encontrado, porém, empregou a fórmula errada.”[42]  

A polêmica gerada em torno do dispositivo levou a que vários autores, valendo-se da exposição de motivos do projeto de lei, o interpretassem contra sua expressão literal, defendendo que o registro representava mera condição de publicidade para terceiros e não elemento integrante da penhora. Nesse sentido, DINAMARCO sustentava que “na justificativa do projeto que se converteu na lei nº. 8.953 (proj. de lei n. 3.810-A, da Câmara dos Deputados) ficou expressamente declarada a intenção com que essa exigência se positivava: “prevenir futuras demandas com alegações de fraude de execução, como tão frequentemente ocorre na prática forense atual.’ Dada a sua finalidade em relação a terceiros, essa exigência não pode ser interpretada como formalidade essencial à existência do ato jurídico penhora. (...) Só poderá não ser eficaz em relação a terceiros. Aí está a grande importância da inovação trazida nesse novo parágrafo: sem ter sido feito o registro, aquele que adquirir o bem presume-se não ter conhecimento da pendência de processo capaz de reduzir o devedor à insolvência.”[43]  

A partir da inserção desse dispositivo ocorreu uma mudança da feição da má-fé do terceiro: não mais se fala da mera existência de razão para saber da ação pendente, mas sim em sua efetiva ciência da pendência da ação, se inexistente o registro da penhora. 

Dessa forma a alteração teve por objetivo proteger o terceiro de boa-fé, que, ao adquirir um imóvel, pode verificar se há ou não penhora, e também dar proteção ao credor, garantindo que seu crédito seja satisfeito, após a realização da hasta pública, sem risco de o bem ser alienado ou onerado por terceiros.[44]

Também defendiam posição análoga Donaldo Armelin (O processo de execução e a reforma do Código de Processo Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.), Reforma do Código de Processo Civil: Saraiva, 1996, p. 708) e Fátima Nancy Andrighi, escrevendo essa última que “o ato do registro da penhora visa a dar conhecimento, a terceiro, de estar aquele bem à disposição da Justiça, pendendo sobre ele gravame. (...) Com a nova regra, fica definida a fraude de execução, pois, conforme o disposto no art. 240 da Lei de Registros Públicos, ‘o registro da penhora faz prova contra qualquer transação posterior’. A adoção do entendimento pretoriano que presume a fraude de execução quando o ato de alienação, ou oneração, ocorra após a penhora, considerando ato atentatório à dignidade da Justiça, por tornar inócuos seus atos, sem tecer maiores questionamentos é passível de causar injustiças, pois, a ausência do registro da penhora, ainda se a alienação ocorreu após o gravame, impossibilita que o adquirente tenha informações seguras a respeito do desembaraço do imóvel.”[45]

A inclusão desse novo § 4º no artigo 659 do Código de Processo Civil também fortaleceu a corrente que, já com base no artigo 240 da Lei de Registros Públicos, sustentava que a ausência do registro acarretava para o credor o ônus de provar que o terceiro tinha ciência da pendência da ação que poderia reduzir o devedor à insolvência para a configuração da fraude de execução.[46]

Luis Carlos de Barros, Juiz do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, em brilhante artigo publicado na Revista da Escola Paulista da Magistratura (2002), defende a desnecessidade do registro da penhora para a concretização da penhora e tipificação da fraude de execução, ante a não revogação do disposto no artigo 593 do Código de Processo Civil, inciso II, que dispõe “considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: quando ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzilo à insolvência”. Portanto, não ocorrendo uma revogação do disposto no art. 593, II, do CPC, se torna necessária uma interpretação sistemática deste dispositivo legal em conjunto com o § 4º do art. 659 do estatuto processual, de forma que os efeitos jurídicos de cada uma das disposições possam ser conciliados e harmonizados.

Ainda, fundamentado em Luis Carlos de Barros, em se tratando de fraude à execução, irrelevante a verificação da boa-fé, ou não, do adquirente. É claro que tal regra não é rígida, pois, como salienta Araken de Assis, o assunto é repleto de casuísmo, e assim não é vedada a perquirição de possível boa-fé do comprador de imóvel, nas circunstâncias de determinado caso concreto.

É que com o advento da Lei nº.7.433/85, regulamentada pelo Decreto nº. 93.240 de 9 de dezembro de 1986, que exige para a lavratura de atos notariais, relativos a imóveis, as certidões de ações reais e pessoais reipersecutórias, coloca o comprador de bem imóvel numa situação difícil, em termos de poder invocar em sua defesa a boa-fé, em caso de fraude de execução, quando, eventualmente, tenha declarado que dispensava as aludidas certidões.

Destarte, partindo do princípio de que para configuração da fraude de execução, basta a existência de demanda pendente; não se requer que, em tal demanda, haja penhora, e muito menos que ela tenha sido inscrita; suficiente a existência da lide pendente e a situação de insolvência do acionado (RJT 58/65, 79/621).   

As reflexões assentadas no art. 659, § 4º, do CPC, giram em torno do inconformismo de pretensa modificação da tipificação da fraude de execução prevista no art. 593, II, cujo pressuposto básico é a existência de lide pendente ao tempo da alienação capaz de reduzir o acionado à insolvência.  Tanto assim, que o reconhecimento da fraude de execução pode ocorrer quando na pendência de uma ação ordinária, antes mesmo da instauração do procedimento de execução.[47]                                                                                                                              

Se o que torna pendente o processo é o seu início, e o próprio legislador, no sistema do código de 1973, desvinculou a propositura da ação do momento de citação do réu, haveria maior razão para fazê-lo no tocante à fraude de execução. Ainda mais porque o código de 1973 também manteve em seu artigo 251, a obrigatoriedade do registro de todos os processos, permitindo sua ciência pelos terceiros.

Destarte, para tipificação da fraude de execução na forma do art. 593, II, do CPC, sequer existe a necessidade da formalização da penhora, e assim muito menos do registro de tal ato constritivo.

Essa inovação processual, que exige o registro da penhora, para Moacyr Lobo da Costa, Cândido Rangel Dinarmarco, Lopes da Costa e outros, não tem qualquer relação com o instituto da fraude à execução, previsto no art. 593.  O registro da penhora não é elemento constitutivo da penhora, mas providência de cunho administrativo realizada posteriormente à penhora. Tanto assim, que o prazo para os embargos do devedor corria da juntada aos autos da prova da intimação da penhora  (art. 738, I do CPC). Nenhum texto de lei diz que o registro da penhora precede à intimação do executado, nem deveria, pois, isso se constituiria inversão da ordem normal do procedimento da penhora, que corre com o mandado em mãos do oficial de justiça até efetivação, com o termo de nomeação ou a intimação, sem interesse registrário, só cogitando do registro da penhora após a efetiva intimação, inclusive, do cônjuge e coproprietários eventualmente existentes.

Ainda no sentido de que o ato registrário não é elemento componente do ato processual da penhora, tem-se o posicionamento de Cândido Rangel Dinamarco[48]:

“Dada sua clara finalidade em relação a terceiros, essa exigência não pode ser interpretada como formalidade essencial à existência do ato jurídico penhora. Sem seu cumprimento, a penhora existe e será válida sempre que atenda às demais exigências formuladas em lei. Só poderá não ser eficaz em relação a terceiros. (...) Não sendo elemento constitutivo da penhora, mas providência destinada a tornála oponível a terceiros, o registro daquela não será necessariamente

feito antes da intimação para embargar, nem a demora em registrar retardará o início do prazo. Penhora-se, intima-se e o prazo flui. Pouco importa, para esse fim, se o registro foi feito de imediato, se está sendo feito paralelamente, se foi retardado ou mesmo se não foi feito.” (grifos nossos)

Moacyr Lobo da Costa[49] leciona o seguinte:

“O registro é um ato complementar, subsequente, mas não integrante da penhora, a qual só pode ser registrada depois de ter sido efetuada. (...) Ao tornar obrigatório o registro da penhora de imóvel, a reforma não modificou o sistema dessa penhora, que permanece o mesmo. Apenas assegurou sua eficácia erga omnes”. (grifos nossos)

No âmbito do Direito Processual, o descumprimento de obrigação corresponde ao risco, enquanto no Direito Material, à ideia de direito, corresponde a de obrigação. Ante o silêncio do legislador, não pode ser criada qualquer consequência, ainda mais que se afaste do âmbito de abrangência do sistema no qual se integra a norma. Descabe, pois, pretender-se que eventual desatendimento a ônus imposto na esfera de lex specialis, sem qualquer consequência expressa, venha a subtrair os resultados da incidência de norma integrante de diverso ramo do Direito, ou afastar presunção jure et de jure, estabelecida em distante estatuto.

O legislador ao normatizar a figura da fraude de execução, nas hipóteses do art. 593 do CPC, em nenhum momento se preocupou com o elemento subjetivo do adquirente do bem, para estabelecer a configuração da ineficácia do ato translativo, perante o credor. Por conseguinte, não se pode criar novo requisito com o único intuito de impor ônus ao desatendimento de formalidade no Registro Imobiliário.

No plano de Direito Processual é impertinente discutir-se o “consilium fraudis”: basta o fato da alienação ou gravame. Às vezes se fala de fraude de execução, mas a fraude, no caso, está in re ipsa. Na fraude de execução não se exige, pois, má-fé ou culpa do adquirente ou possuidor .  

Assentado que o registro não é ato componente da penhora, mas sim exigência legal complementar que visa assegurar a eficácia do ato em relação a terceiros, conclui-se que a inovação processual trouxe, na realidade, duas consequências positivas: a) Criou-se um novo pressuposto para o desenvolvimento válido do processo de execução; b) A eficácia da penhora em relação a terceiros depende do seu registro.

O legislador, ao tornar obrigatório o registro da penhora, instituiu um novo pressuposto para o desenvolvimento válido do processo de execução, evitando que o imóvel seja levado à praça sem o registro, criando uma situação de segurança para a alienação judicial, afastando a geração de incidentes processuais de fraude à execução, visando ao reconhecimento de ineficácia do ato de alienação. É que a penhora devidamente registrada, como ato processual concreto e objetivo, é plenamente oponível a terceiros, por si só, eis que acarreta a absoluta indisponibilidade do bem penhorado, passível de ser reconhecida, apenas com base no fato material da penhora, em mera decisão de natureza interlocutória.

A Ministra Fátima Nancy Andrighi[50], assim se manifestou:

“O registro da penhora atende aos princípios que nortearam a reforma processual. Visou, em primeiro plano, à efetividade da Justiça, pois, não raras vezes, o credor realiza a hasta pública e, somente após a alienação judicial, vem constatar que o bem não mais pertence ao devedor, caso em que, não restando caracterizada a fraude de execução, se torna necessário penhorar outros bens de propriedade do devedor e sobre eles processar novamente toda a arrematação (avaliação e hasta pública), o que redunda em contramarcha do processo. O registro da penhora atende, outrossim, à agilização do processo, evitando o ajuizamento de outra ação, mais especificamente os embargos de terceiro, opostos por aquele que — não sendo parte no processo de execução — sofra turbação ou esbulho na posse de seu bem imóvel, primando, também, por evitar a instalação de incidentes processuais, como o de reconhecimento de ineficácia do ato de alienação, na hipótese do incidente de fraude de execução, ou dos correspondentes recursos cabíveis na espécie”.

“(...)O ato do registro da penhora visa a dar conhecimento, a terceiro, de estar aquele bem à disposição da Justiça, pendendo sobre ele gravame. Convém observar que a exigência imposta no § 4º do artigo 659 há de ser cumprida antes da realização da hasta pública, isto é, da praça, com o fim de evitar que a Justiça se desprestigie procedendo à alienação de bem que não mais pertença ao devedor e evitando, ainda, que terceiros possam vir a alegar boa-fé na aquisição de bem sobre o qual pende gravame de penhora, propiciando seja presumida a fraude de execução iure et iure”.

Evidente que, ao tornar obrigatório o registro da penhora, o legislador visou assegurar a eficácia do ato em relação a terceiros. Este é um ponto importante, que está a merecer algumas considerações.  Na aplicação desse dispositivo, deve-se distinguir a fraude à execução, decorrente da alienação do bem na pendência de ação capaz de reduzir o executado à insolvência (artigo 593, inciso II do Código de Processo Civil), da situação em que o executado aliena bem penhorado.

Na primeira situação, consoante analisado, a fraude à execução decorre do fato de a pendência de uma ação judicial ser capaz de reduzir o executado à insolvência. Na segunda situação, o pressuposto da ineficácia é bem diferente: a ineficácia decorre do fato de ocorrer a alienação de um bem penhorado. Não se cogita aqui, pois, de fraude à execução propriamente dita, nos moldes definidos no artigo 593 do Código de Processo Civil, mas sim de ineficácia do ato em razão da indisponibilidade jurídica do bem apreendido judicialmente, por consequência da penhora e relativamente à execução.[51]

Como bem registrou Lopes da Costa[52], “o efeito da penhora é o de tornar ineficazes em relação ao exequente os atos de disposição praticados pelo executado sobre os bens penhorados. (...) A ineficácia da transferência perante o exequente não decorre, no caso, de uma fraude de execução, de maneira que seu reconhecimento independe de prova ou mesmo da alegação de qualquer prejuízo efetivo sofrido pelo credor. O ato de disposição atenta contra a função jurisdicional que o Estado exerce no processo. Não há que se cogitar nem de má-fé do devedor, nem de boa-fé do adquirente. A transmissão dos bens penhorados, perante a execução será sempre inoperante”. Destarte, o efeito do § 4º do artigo 659 é o de tornar a penhora eficaz em relação terceiros, se registrada. Isto quer dizer que, em razão da inovação legislativa, ocorre a indisponibilidade jurídica do bem penhorado, em relação a terceiros, independentemente da fraude à execução prevista no artigo 593, em razão da penhora registrada.

6.2 – Averbação da penhora.

Quando já prevalecia, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a posição de que o registro não era ato integrativo da penhora de imóveis, e sim, mera condição para a presunção de seu conhecimento por terceiros, o legislador, por meio da Lei nº. 10.444, de 7 de maio de 2002, alterou a redação do § 4º no artigo 659 do Código de Processo Civil, adequando-a a este entendimento:

“Art. 659. Se o devedor não pagar, nem fizer nomeação válida, o oficial de justiça penhorar-lhe-á tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios (...)

§ 4o A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 669), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, o respectivo registro no ofício imobiliário, mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato e independentemente de mandado judicial.”

Sobre tal alteração, assim se manifestou DINAMARCO: “o que há de mais importante no dispositivo é a cláusula para presunção absoluta de conhecimento de terceiros, a qual a um só tempo indica que essa presunção existirá e será absoluta, e também que a finalidade do registro é essa e não outra. Assim, a) feito o registro, a nenhum terceiro será útil alegar desconhecimento da penhora feita, sendo esta oponível erga omnes e portanto fazendo ineficaz eventuais alienações que causem ou agravem a insolvência do executado (fraude de execução – art. 592, inc. V, c/c 593, inc. II); b) não feito o registro, nem por isso fica o adquirente a salvo das consequências da fraude de execução, porque seu conhecimento não é presumido de modo absoluto mas o autor pode sempre prova-lo.”[53]

Nesse mesmo ano, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça reviu seu posicionamento antes fixado no EDREsp 114.415-MG. Assim, no Recurso Especial 442.583/MS, julgado em 27 de novembro de 2002, sob a relatoria do Ministro Aldir Passarinho Júnior, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça passou a entender que o registro da penhora – ou a necessidade de prova pelo credor da ciência do terceiro quanto à pendência da ação – era requisito necessário para a configuração da fraude de execução, ainda que se tratasse de aquisição por terceiros imediatos.[54]

Assim, passou a predominar na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que “inexistindo registro da penhora sobre bem alienado a terceiro, incumbe ao exequente e embargado fazer a prova de que o terceiro tinha conhecimento da ação ou da constrição”, sendo aplicado principalmente em casos de bens alienados antes da penhora, em que o registro da pendência da ação no cartório imobiliário sequer era possível, ensejando críticas por parte da doutrina.

Nesse sentido a manifestação de Araken de Assis: “o termo inicial dos atos ineficazes flui da citação do obrigado, em ‘demanda capaz de reduzi-lo a insolvência’ (art. 593, II), bem antes da penhora, o que revela a insensatez da controvérsia sobre a obrigatoriedade do registro da penhora.”[55]

Em 2006, ocorre a terceira da fase da reforma do processo de execução, o legislador interferiu na disciplina da matéria e, por meio da Lei nº. 11.382, de 6 de dezembro daquele ano, alterou novamente o § 4º do artigo 659 do Código de Processo Civil e inseriu um novo parágrafo (§ 6º) nesse mesmo artigo, passando à seguinte redação:

“Art. 659 A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios. (...)

§ 4º. A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4o), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial. (...)

§ 6º. Obedecidas as normas de segurança que forem instituídas, sob critérios uniformes, pelos Tribunais, a penhora de numerário e as averbações de penhoras de bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meios eletrônicos.”  

A alteração inserida no § 4º se restringiu à substituição do termo “registro” por “averbação”, no intuito de tornar mais simples e menos custosa a publicidade do ato constritivo, tendo em vista que o registro, por vezes não era realizado pelo Oficial, fundamentando sua recusa, na exigência da manutenção da continuidade registraria. Ou seja, caso a penhora recaísse sobre um bem de propriedade do executado, detentor apenas de compromisso de venda e compra quitado, a averbação não poderia ser realizada, a não ser que o credor providenciasse a regularização da Matrícula do imóvel, procedendo ao registro. Falhou, portanto, o legislador em não atentar para a necessidade de alteração da Lei 6.015/73, que permaneceu prevendo a penhora entre os atos passíveis de registro e não de averbação (cf.art. 167, I, 5).56

A norma do novo § 6º possibilitou a averbação da penhora por meios eletrônicos, na linha do que prevê a Lei nº. 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Cabendo lembrar aqui, que o Provimento CG nº 30/2011 - torna obrigatório o uso do sistema da penhora “on line” no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, para averbação, exclusivamente através do sistema denominado ‘penhora on line’, vedada, para esse fim, a expedição de certidões ou mandados em papel.[57]

Ainda, o § 6º ampliou os limites do § 4º, permitindo também a “averbação” da penhora em registros públicos de bens móveis, como veículos automotores, embarcações, cotas ou ações de sociedades, etc.  A opção do legislador pela averbação em registro de bens móveis também é confirmada pela inclusão, pela mesma lei, do artigo 615-A, que será objeto de outro capítulo, e  que assim dispõe:

“Art. 615-A. O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.”

Assim, a averbação prevista no artigo 615-A tem efeito semelhante ao § 4º do artigo 659 do CPC, de fazer presumir, de forma absoluta, a ciência do terceiro quanto à pendência da ação (cf. § 3º do art. 615-A do CPC), não alterando a tipificação da fraude de execução prevista no art. 593, II, do CPC.

Sobre a autora
Marly Vieira de Camargo

Advogada inscrita na OAB/SP sob o nº.86.687, é bacharel em direito pela Universidade de Ribeirão Preto-SP., pós graduada em Direito Empresarial pela EPD - Escola Paulista de Direito, e em Processo Civil, pela Escola Paulista da Magistratura.

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Orientador: Dr. João Batista Amorim de Vilhena Nunes

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