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Fraude de execução e a proteção ao terceiro de boa-fé.

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Agenda 10/06/2014 às 10:10

E possível preservar a típica fraude de execução como prevista no art. 593, II, do CPC, admitindo a caracterização da fraude de execução na pendência de demanda nos precisos termos do art. 263 do CPC

Resumo: Uma análise da fraude de execução em casos de alienação imobiliária - com fundamento no art. 593, II, do CPC, a partir do Código de Processo Civil de 1939, e da repercussão das alterações legislativas na doutrina e jurisprudência, esta última, firmada na proteção aos terceiros adquirentes de boa-fé. A polêmica da Súmula 375-STJ, consolidando o entendimento de que “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente”. Demanda pendente e citação. A insolvência do devedor. Registro e averbação da penhora diante da redação dada ao § 4º do artigo 659 do CPC, pela Lei nº 11.382/2006, no ofício imobiliário, para se estabelecer a “presunção absoluta de conhecimento por terceiros”. O art. 615-A do CPC e a proteção ao terceiro adquirente de boa-fé.

Palavras chave: Fraude, execução, demanda pendente, citação, penhora, registro, boa-fé, terceiro, presunção, “in re ipsa”, insolvência. 


1 - Introdução  

Antes mesmo da primeira reforma do art. 659, § 4º do CPC, a posição do STJ quanto à fraude de execução em casos de alienação imobiliária - com fundamento no art. 593, II, do CPC, estava firmada na proteção aos terceiros adquirentes de boa-fé. São sucessivas as decisões no sentido de que, para se declarar a ineficácia da venda de imóvel, cuja penhora não foi registrada, os exequentes deverão demonstrar, no juízo da execução, que o adquirente tinha condições de saber que o imóvel foi penhorado, ou que o alienante era alvo de ação judicial. Em março de 2009, foi editada a Súmula 375-STJ, consolidando o entendimento de que “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente”, ou seja, contrariando a lei – que considera presumida a existência da fraude se, na data da alienação ou oneração do bem, já estiver em curso ação contra o alienante capaz de reduzi-lo à insolvência; passou-se a exigir, primeiro, a citação do réu/devedor antes da data da alienação do bem; depois, que, além da citação, também a penhora seja realizada e, por fim, diante da redação dada ao § 4º do artigo 659 do CPC pela Lei nº 11.382/2006, que a penhora esteja averbada no ofício imobiliário, para se estabelecer a “presunção absoluta de conhecimento por terceiros”. 

Com o tempo restou abrandado ainda, o entendimento de que no caso de alienações sucessivas, a fraude de execução reconhecida (ineficaz) contamina as demais. Assim, o entendimento então consolidado de que a ineficácia da alienação em fraude de execução, in re ipsa, se estende às que sucessivamente se fizer, no entendimento do STJ esta extensão não ocorrerá, por exemplo, quando não efetuado o respectivo termo de penhora, muito menos a inscrição no respectivo registro imobiliário, nos termos do artigo 659, § 4º, do CPC, viabilizando a aquisição e registro do imóvel pelo terceiro, surpreendido com o prosseguimento da execução em que seu imóvel poderia ser praceado. Dentre as alterações trazidas pela Lei 11.382/2006 está o art. 615-A, que autoriza o exequente, já no momento da propositura da execução, requerer a expedição de uma certidão que ateste a existência da demanda em desfavor do executado, a fim de averbá-la em vários registros públicos, conforme a natureza do bem; por exemplo, tratando-se de imóvel, na respectiva matrícula. Essa formalidade processual tem sido questionada por parte da doutrina, por constituir mais uma proteção ao terceiro adquirente de boa-fé, na medida em que, embora não obrigatória, terminou por representar mais um ônus ao exequente, o de averbar a distribuição da execução sob pena de sua omissão ser interpretada em seu desfavor, com o ônus de comprovar que o terceiro tinha condições de saber da demanda pendente. 

Este trabalho é um breve estudo do instituto processual denominado Fraude de Execução, a partir do Código de Processo Civil de 1939 até o momento, analisando a repercussão das alterações normativas na doutrina e jurisprudência, a aplicação do art. 615-A, inserido por força da Lei nº.11.382/2006, e  a polêmica em relação à Súmula nº.375-STJ, frente ao conceito expresso nos artigos 591 e 593 do CPC, que teve por escopo a efetividade da execução “garantindo a expropriação de bens do devedor”, mas, privilegia a boa-fé do terceiro, alheio à demanda, em detrimento do credor, no interesse de quem a execução se realiza, ou pelo menos deveria se realizar (art. 612 do CPC), descaracterizando a fraude de execução, e a boa-fé do devedor, a quem deveria competir a prova da boa-fé do adquirente.     2 - A Execução em geral.

Antes de adentrarmos ao tema central deste trabalho, não podemos deixar de discorrer sobre o conceito de execução. Executar é dar efetividade e execução é efetivação. Assim, no plano jurídico, executar é dar efetividade a um concreto preceito jurídico, quer ele venha da lei ou do contrato, quer esteja ou não expresso em sentença judicial; destarte, o vocábulo execução é empregado tanto para designar os atos com que o sujeito cumpre por vontade própria e espontânea um dever ou obrigação (a execução dos contratos), como aqueles com que o Estado-juiz lhe impõe os resultados que ele próprio deveria ter produzido e não produziu (execução por sub-rogação)[1].

Para nós interessa a execução por coerção, na qual o Estado, na presença do inadimplemento, invade o patrimônio do devedor para satisfazer o direito material do credor. Para DINAMARCO (2009) execução é o conjunto de medidas com as quais o juiz produz ou propicia a satisfação do direito de uma pessoa à custa do patrimônio de outra, quer com o concurso da vontade desta, quer independentemente ou mesmo contra ela.[2]  

Diante desse conceito, evidenciado está que o patrimônio do devedor responde por suas obrigações, conforme disposto no artigo 591, do Código de Processo Civil: O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Em qualquer de suas modalidades, a execução promovida pelo Estado-juiz visa à satisfação do credor. Toda execução é feita no interesse do credor, dispondo o artigo 612 do CPC: 

Art. 612 - Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (Art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.

Se toda execução é feita no interesse do credor, poderíamos imaginar que dela resultasse sempre a satisfação integral do direito buscado. Não obstante o resultado esperado seja este, há limites à tutela jurisdicional executiva, insculpidos no princípio da efetividade, que será alcançada se houver meios de satisfazer o crédito do credor, através dos bens de propriedade do devedor; na regra da menor onerosidade ditada no art. 620 do CPC[3]; e pela proibição de atingir bens indispensáveis à existência digna do devedor, como a casa residencial do devedor com sua família (Lei n. 8.009, de 29.3.90), os salários, as ferramentas indispensáveis ao trabalho, etc.

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É certo limitar os atos executivos. Há necessidade de moderação nos meios processuais a empregar, privilegiando os princípios da justiça e equidade. Mas conforme assinala DINAMARCO (2009) é preciso também muito cuidado para não transformar moderação em descaso a quem tiver um direito insatisfeito. Não é de hoje que as regras processuais são manipuladas para proteger os maus pagadores. É preciso distinguir o devedor infeliz e de boa-fé, que vai ao desastre patrimonial em razão de involuntárias circunstâncias da vida ou dos negócios (Rubens Requião), e o caloteiro chicanista, que se vale das formas do processo executivo e da benevolência dos juízes como instrumento a serviço de suas falcatruas. Infelizmente, essas práticas são cada vez mais frequentes nos dias de hoje, quando raramente se vê uma execução civil chegar ao fim, com a satisfação do credor.


- As fraudes do devedor.

Fraudes do devedor são as condutas com as quais alguém, na pendência de uma obrigação insatisfeita, procura livrar um bem da responsabilidade patrimonial que pesa sobre ele; são condutas do próprio obrigado (devedor) ou, às vezes, também do mero responsável. Essa expressão, não empregada em lei, serve para designar uma categoria ampla de condutas desse teor, na qual se incluem a fraude de execução, a fraude contra credores e a disposição de bem já constrito judicialmente (penhorado, apreendido, depositado). Todas essas três figuras consistem em atos de disposição que, mesmo sendo intrinsecamente perfeitos (válidos), não produzirão o resultado visado pelo obrigado, ou seja, não terão a eficácia de impedir que o bem venha a ser utilizado em via executiva para a satisfação do credor. Os atos fraudulentos não serão oponíveis ao credor, ou seja, não aproveita ao sujeito beneficiado por eles a alegação de que adquiriu o bem, ou de que este lhe fora dado em garantia real por um crédito seu; eles produzem seus efeitos normais, menos esse de subtrair o bem à responsabilidade pelas obrigações do devedor que os alienou ou os gravou com um ônus real (hipoteca, penhor).[4]

Dentre essas condutas, discorreremos sobre fraude de execução, conceito e requisitos previstos no Código de Processo Civil a partir de 1939 até a Lei 11.382/2006, cuja reforma introduziu alterações importantes, municiando a técnica processual com meios mais eficazes e céleres para garantir a satisfação da tutela executiva.


– Fraude de execução.

Conforme Araken de Assis,[5] desnecessário ressaltar a estreita ligação da problemática da fraude de execução com a responsabilidade patrimonial. Do art. 591 do CPC deriva a consequência de que somente os bens do devedor respondem por suas obrigações. E, por outro lado, tão só na execução patrimonial aparece o problema de recuperar os bens subtraídos pelo obrigado à execução. A rigidez dessa regra se esgaça quando ela incide sobre “bens passados, bens que pertenceram ao devedor, mas no momento da execução não lhe pertencem mais”. E dentre tais bens figuram os alienados em fraude contra credores, fraude de execução, bem como os bens hipotecados ao credor e depois alienados a terceiro.

Não obstante a disposição contida no art. 591 do CPC, o devedor conserva a livre disponibilidade de seus bens, incumbindo a seus credores respeitar-lhes os atos negociais, embora seus resultados venham a ser nocivos e até provoquem a insolvência. Quando os atos de disposição do obrigado, ao invés de retratar alteração normal do patrimônio (que por consequência ao longo do tempo está sujeito a modificações por acréscimo ou diminuição de bens e frutos), revela o propósito de frustrar a realização do direito alheio, aparece a pretensão de revogá-los ou desfazê-los.

Assim, se coíbe a redução artificial do patrimônio, restando hígidas as modificações naturais, como se conclui da leitura do art. 164 do CC de 2002, que assim dispõe: “Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família”. Razão pela qual, as hipóteses de fraude, se encontram tipificadas: a fraude contra credores, na lei civil (arts. 158 a 165 do CC-02), e a fraude de execução, no art. 593 do CPC.

A fraude de execução consiste na alienação de bem que afeta determinado processo, atentando contra a dignidade da Justiça.[6]. Portanto, fraude de execução é a alienação de bens, pelo devedor, na pendência de um processo capaz de reduzi-lo à insolvência, frustrando os meios executórios, por não ter reservado bens suficientes para garantia do débito objeto de cobrança.

Trata-se de instituto de direito processual, regulado na lei processual, que não se confunde com a fraude contra credores prevista na legislação civil como defeito do negócio jurídico (CC, arts. 158 a 165). Talvez seja por isso que nossa cultura jurídica se motivou a afirmar de maneira uníssona, que a fraude de execução tem maior gravidade do que a fraude contra credores, pois, além do prejuízo ao credor, atenta contra a dignidade e a administração da justiça, já que tem natureza processual e se verifica na pendência da lide. O objetivo imediato da fraude de execução é, portanto, preservar o resultado do processo, não se admitindo que, na sua pendência, o devedor aliene bens, frustrando o processo e a execução, impedindo a satisfação do credor mediante a expropriação de bens. Na fraude contra credores, o prejudicado direto é o credor, enquanto na fraude à execução o prejudicado imediato é o Estado-juiz.

Em tais casos, porque já iniciado o processo condenatório ou executório, a fraude adquire aspectos de maior gravidade, porque desde logo evidente o intuito de prejudicar os credores; e de prejudicar a própria ação da Justiça que está se desenvolvendo naqueles processos, mediante a subtração do bem sobre o qual deverá incidir a garantia.

Embora situados na idêntica ilicitude do ato que os caracteriza — a fraude —, não há como confundir aquela, que estamos a examinar, com a fraude contra credores.

A ocorrência da fraude contra credores reclama a prova de existência de consilium fraudis e eventos damni, enquanto na fraude de execução a existência da fraude é presumida pela simples alienação. Tradicionalmente, não se exige, na fraude de execução, prova de conduta maliciosa dos que participaram do negócio. Não haverá necessidade de ação autônoma nem de qualquer providência mais formal para aquele que pleiteia a ineficácia do ato havido em fraude de execução, bastando o credor, por simples petição, noticiar a existência da alienação patrimonial que gerou a insolvência do devedor, e que essa alienação foi praticada nas circunstâncias assinaladas no art. 593 do CPC.[7]

Resumidamente, podemos dizer que, visando proteger o credor contra tentativas de o devedor evitar que seu patrimônio seja atingido por pagamento de dívida inadimplida, é que o Código de Processo Civil cuida da fraude de execução. O Código de Processo Civil define o que seja a fraude de execução: a alienação ou oneração de bens, quando sobre eles pender ação fundada em direito real; quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; ou nas demais hipóteses estabelecidas em lei (art. 593).

A fraude contra credores traz esta característica principal: vem constituída de um ato — ou de uma série de atos — capazes de proporcionar prejuízo aos interesses daqueles. Se o devedor responde, no cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens, presentes ou futuros (artigo 591 do Código de Processo Civil) e se, por meio daquele ato — ou atos —, afasta a garantia que tais bens antes ofereciam, estar-se-á violando o princípio da boa-fé, que deverá existir e persistir nas relações jurídicas estabelecidas entre os contraentes, em particular; e entre todas as pessoas que se integram à sociedade, em geral. [8]

Será essa ilicitude no proceder e no agir que irá determinar o fundamento para a ação revocatória ou pauliana, dirigida à declaração de ineficácia daqueles atos e de seus efeitos, quando verificada a presença dos requisitos que a instruem: anterioridade do crédito, no consilium fraudis e no eventus damni.

Assim, o crédito deve pré-existir aos atos de disposição ou oneração dos bens; ainda que possa depender de alguma condição ou liquidação, não podendo se reduzir a mera expectativa de direito, e sim ser crédito real, já existente. E o elemento subjetivo, caracterizado pelo consilium fraudis, que é o propósito, o intuito do devedor, e não necessariamente da ação deste e do terceiro, de prejudicar; e por último o eventus damni, que é a disposição ou oneração do bem ou dos bens capaz de levar o devedor à insolvência.

Nesta espécie de fraude, segundo o entendimento hoje uniforme da doutrina brasileira, os atos de alienação ou de oneração realizados pelo obrigado se ostentam ineficazes. Ensina, este propósito, Theodório Jr.: “O negócio jurídico, que frauda a execução, diversamente do que se passa com o que frauda credores, gera pleno efeito entre alienante e adquirente. Apenas não pode ser oposto ao exequente. Assim, a força da execução continuará a atingir o objeto da alienação ou oneração fraudulenta, como se estas não tivessem ocorrido. O bem será de propriedade do terceiro, num autêntico exemplo de responsabilidade sem débito”. Neste mesmo sentido, assentou a 4ª Turma do STJ: “Na fraude de execução, o ato não é nulo, inválido, mas sim ineficaz em relação ao credor”.[9]  

Ao contrário da fraude contra credores, na qual se exige o consilium fraudis, na fraude de execução este está in re ipsa, o que significa dizer que ele decorre do próprio fato, o que é presumido. Destarte, em regra, em se tratando de fraude de execução, irrelevante a verificação da boa-fé, ou não, do adquirente. É claro que tal regra não é rígida, pois, como salienta Araken de Assis,[10] o assunto é “repleto de casuísmo”, e assim não é vedada a perquirição de possível boa-fé do comprador de imóvel, nas circunstâncias de determinado caso concreto.

Dois requisitos formam a fraude contra o processo executivo: a litispendência e a frustração dos meios executórios.

4.1 - Litispendência como elemento da fraude

O sistema processual civil pátrio estabelece que o devedor responde com todos os seus bens, presentes e futuros, para garantia de suas obrigações (art. 591), considerando fraude de execução (CPC, art.593, II) a alienação ou oneração de bens quando ao tempo da alienação ou oneração corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência.

A litispendência aqui, portanto, se caracteriza na alienação ou oneração de bens pelo devedor na pendência de demanda. Assim, a instauração da relação processual coloca-se como pressuposto indispensável. Se não há demanda, a fraude é contra credores. É a existência de relação processual que serve de divisor para que se reconheça que o ato fraudulento foi levado a efeito tão-só contra o credor ou se restou atingida a própria garantia patrimonial existente em qualquer demanda, a teor do disposto no art. 591 do CPC.[11]  

O art. 617 do CPC reza que a propositura da demanda executória, deferida pelo juiz, interrompe a prescrição. Aduz que, na citação subsequente do executado, observar-se-á o art. 219. Extinguiu o art. 617, portanto, a antiga diferença entre ajuizamento e propositura da ação. A partir da noção de que processo constitui relação jurídica autônoma, o mesmo não depende da relação jurídica litigiosa, feita objeto litigioso, porventura ligando as partes. Era clássica a distinção entre o ajuizamento, que se operava no instante da entrega da inicial e originava, exclusivamente, o vínculo do autor com o Estado-juiz; e a propositura, quando enfim, a relação processual se completava através do chamamento do réu. Nada obstante a tardia resistência de alguns, os arts. 263 e 617 do CPC chancelam solução oposta ao antigo critério. No momento em que o juiz defere a inicial, ou simplesmente ela é distribuída, onde houver mais de uma vara, já há processo, tanto que o ato de rejeição liminar o extinguirá(art.295 c/c art. 267, I).[12]   

ARRUDA Alvim ensina que “a existência da citação, no início de cada processo, seja no de conhecimento, no cautelar e no de execução, prende-se ao princípio da bilateralidade da audiência, sendo uma exigência impostergável para a existência do processo (em relação ao réu) e da sentença. Tanto o autor quanto o réu devem ser ouvidos para terem suas razões sopesadas pelo órgão julgados. Ora, o réu só poderá ser ouvido se tiver ciência da demanda que contra ele é movida, e a forma reconhecida como hábil a tanto, pelo sistema, é a citação, se bem que o comparecimento espontâneo do réu supre a sua falta (art. 214, § 1º), pois, aquele consubstancia a finalidade última da citação”.[13]  

Hoje, predomina em nossos Tribunais, o entendimento de que haverá demanda pendente para fins de fraude de execução, somente quando o réu for citado validamente. Neste sentido, proclamou a 4ª Turma do STJ: “Para que se configure a fraude de execução, não basta o ajuizamento da demanda, mas a citação válida.[14] (4ª T. do STJ, REsp. 2.429-SP, 19.06.1990, Rel. Min. Barros Monteiro, RJSTJ 2(12)/385.)

Diogo Leonardo Machado de Melo (2008) faz uma breve consideração nesse ponto:

não há como negar que o processo existe antes da citação do réu, completando-se a relação jurídica processual com a citação. Aliás, nos termos do art. 285-A (com redação trazida pela Lei 11.277/2006), haverá até mesmo a possibilidade de julgamento de mérito sem necessidade de citação do réu. Ora, se há possibilidade de resultado (negativo) de mérito (consequentemente, coisa julgada material) antes da citação, maiores razões para se acreditar na existência do processo (demanda) desde a distribuição. Nesse caso o “Estado-juiz foi provocado, e manifestou-se (atuou, isto é inegável) e, mais que isto, decidiu (...) Nos casos do artigo 285-A, de forma mais enfática, o Estado juiz age – e o faz, por definição, processualmente – pra dizer que o autor, aquele que rompe com a inércia da jurisdição, não tem o direito que afirma ter; que a lesão ou ameaça a direito que ele narra em sua petição inicial não existe”. Assim, se o art. 593, II, do CPC prescreve “demanda”, não podemos ignorar tais constatações teóricas. A citação do réu deve ser entendida sim como pressuposto de existência do exercício da função jurisdicional, mas somente em relação ao réu.[15]

No mesmo sentido Fredie DIDIER JR, ao afirmar que, tradicionalmente, diz-se que a citação válida do réu induz litispendência, com base no artigo 219 do CPC, ressalvando que para o autor, já há litispendência desde o momento da propositura da demanda (art. 263 do CPC).[16]   

4.2 - Frustração do meio executório como elemento de fraude

À luz do art. 593 do CPC, a ideia de frustração dos meios executórios substitui a de insolvência, que na fraude contra credores, se afigura consequência imediata do negócio suspeito. É que no âmbito da fraude contra a execução, dispensável se revela a investigação do estado de insolvência, bastando a inexistência de bens penhoráveis.  

O devedor só pelo fato da existência da obrigação, ou mesmo de esta já se encontrar sendo cobrada judicialmente, ainda que a dívida esteja em fase de execução, não fica reduzido em sua capacidade jurídica, com possibilidade de exercer os direitos que a propriedade lhe assegura: usar e dispor de seus bens, como lhe aprouver (art. 1.228 do CC).        

Ao vincular-se, porém, a uma obrigação, o devedor não só se sujeita a prestar aquilo que lhe constitui o objeto, como, ao mesmo tempo, assume outra obrigação, de natureza subsidiária, de natural consequência, que é a de não desfalcar o seu patrimônio aquém do nível de equilíbrio entre os seus bens e suas dívidas.

Daí, representando o patrimônio do devedor a garantia de seus credores, aquela faculdade, assim, reconhecida ao proprietário-devedor, encontra limite necessário quando resulta, do ato por ele praticado, uma redução tal de seu patrimônio, que frustraria a garantia e execução dos créditos. [17]  

Esta a razão da regra do art. 592, V, do CPC: se o devedor alienou ou gravou os bens em fraude de execução, os bens alienados ou gravados podem ser penhorados; assim, incide a penhora sobre eles, ainda que em mãos de terceiros, como se a alienação não tivesse sido realizada; a alienação ou a constituição do vínculo real tem-se como ineficaz, ainda que o ato de disposição do devedor-executado tenha sido levado a registro público.

A ineficácia do ato se dá em relação à execução. Conforme já decidiu a 2ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: “O ato em si mesmo, não padece de nenhum vício que o torne inválido entre os contratantes. Apenas deixa de ser eficaz. É como se para o exequente esse ato não tivesse sido realizado. Se, porém, o devedor ou comprador se prontifica a solver a obrigação exigida pelo credor, o ato subsiste, sem qualquer outro efeito. Assim, o prosseguimento da execução. Se ocorrer a arrematação, então, o cancelamento se impõe, em virtude do princípio da continuidade”.[18]

Sobre a autora
Marly Vieira de Camargo

Advogada inscrita na OAB/SP sob o nº.86.687, é bacharel em direito pela Universidade de Ribeirão Preto-SP., pós graduada em Direito Empresarial pela EPD - Escola Paulista de Direito, e em Processo Civil, pela Escola Paulista da Magistratura.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Orientador: Dr. João Batista Amorim de Vilhena Nunes

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