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A legitimidade do contribuinte de fato na repetição do indébito tributário na sistemática dos tributos indiretos

A presente pesquisa visa lançar uma luz no aceso debate doutrinário e jurisprudencial instaurado acerca da possibilidade de o contribuinte de fato pleitear a repetição do indébito tributário, no contexto legal dos ditos tributos indiretos.

1 INTRODUÇÃO

É cediço que o Código Tributário Nacional assevera, em seu art. 165, que o sujeito passivo da obrigação tributária tem direito à restituição total ou parcial do tributo nos casos de pagamento indevido ou maior que o devido ou, ainda, em havendo erro, ou em situações em que se evidencie modificação posterior de provimento condenatório.

De uma maneira mais clara, conforme Luciano Amaro (2006, p. 419), o pagamento indevido ocorre quando “Alguém (o solvens), falsamente posicionado como sujeito passivo paga um valor (sob o rótulo de tributo) a outrem (o accipiens), falsamente rotulado de sujeito ativo”.

É de se perceber claramente, com funadmento no princípio que veda o enriquecimento sem causa, que aquele que pagou algo a título de tributo, e que tributo não era, terá direito à restituição dessa quantia, da mesma forma que ocorre no direito privado.

Ora, se tributo é prestação pecuniária compulsória, instituída em lei (Código Tributário Nacional, art. 3º), e o suposto sujeito passivo paga algo a título de tributo, mas que de tributo não se trata, estará satisfazendo prestação pecuniária sem fundamento legal, impondo-se o ressarcimento dessa quantia.

Sucede que o art. 166, do Código Tributário Nacional, afirma que a repetição de tributos que comportem a translação do respectivo ônus econômico-financeiro (tributos indiretos) somente será feita a quem prove haver assumido o referido ônus, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Nas palavras de Luciano Amaro:

O preceito reporta-se aos chamados "tributos indiretos", que, incidindo embora sobre o contribuinte "A" (dito contribuinte de direito), repercutem financeiramente sobre um terceiro (o chamado contribuinte de fato), que acaba suportando o ônus do tributo, embutido geralmente no preço de bens ou serviços (AMARO, 2006, p. 424).

É o que ocorre, v.g., com o consumidor de uma determinada mercadoria que, ao adquiri-la, paga, embutido em seu preço, o valor recolhido pelo comerciante a título de imposto sobre circulação de mercadorias.

Entretanto, a questão que se põe é a seguinte: tendo sido, o contribuinte de direito (i.e., o comerciante), cobrado em montante indevido ou superior ao devido, a título de exação tributária, e transferido o respectivo ônus econômico para o contribuinte de fato (i.e., o adquirente), é lícito a este pleitear em juízo a restituição do valor recolhido sem fundamento jurídico? Ainda, pode o contribuinte de direito ajuizar tal pleito? Em caso afirmativo, em que condições?

Ainda, seria possível, em um esforço de interpretação sistemática, avocando o princípio da isonomia, de fundo Constitucional, além do Direito do Consumidor, para sustentar uma possível atribuição de legitimidade ativa para que consumidores deduzam em juízo suas pretensões repetitórias?

Essas indagações, e muitas outras, serão devidamente abordadas e respondidas nas páginas seguintes deste estudo.

Tendo em vista a complexidade do panorama desenvolvido, a pesquisa realizada trata da legitimidade ativa do contribuinte de fato para pleitear a repetição do indébito tributário na sistemática dos tributos indiretos.

Diante do atual cenário, no qual o fenômeno tributário passa por um constante processo de evolução, é importante estudar as mudanças ocorridas no Direito Tributário, de modo a evitar sua descaracterização enquanto sistema jurídico coercível, impedindo, assim, a fuga do sujeito passivo da relação obrigacional tributária para além dos limites do Direito positivo.

Com efeito, a presente pesquisa objetiva açambarcar, com enfoque constitucional, legal, doutrinário e jurisprudencial, a possibilidade de o contribuinte de fato figurar no polo ativo de ação de repetição de indébito tributário atinente àqueles tributos que, por sua própria natureza, admitem a repercussão do encargo financeiro – tributos indiretos.

Nesse diapasão, consoante o escólio de Ricardo Alexandre (2011, p. 105), são indiretos “os tributos que, em virtude de sua configuração jurídica, permitem a translação do seu encargo econômico-financeiro para uma pessoa diferente daquela defina em lei como sujeito passivo”.

O tema proposto goza de relevância prática e social demasiado significativa, posto que tais tributos, ditos indiretos, sobreveste o ICMS, representam considerável fonte de arrecadação do Fisco, provocando grave impacto econômico na sociedade, de uma forma geral, e nos setores produtivos da economia, de uma forma específica (ALEXANDRE, 2011, p. 601).

Dessarte, em vista do caráter ambíguo da disciplina legal (art. 166, do Código Tributário Nacional), sem olvidar da oscilante jurisprudência dos Tribunais Superiores, e da importância ímpar dos princípios consagrados na Constituição da República, faz-se necessário dealbar os precisos contornos do instituto jurídico da repetição do indébito tribuário no que se refere aos tributos ditos indiretos.

Tal expediente aclaratório faz-se mister como um imperativo de segurança jurídica, valor que, ao lado da justiça, forma os baldrames do Estado de Direito.

Ante o exposto, busca-se, com o presente trabalho, encontrar uma solução viável para aquele contribuinte que, não raro, se vê privado, por decisões judiciais apegadas ao vetusto formalismo legalista, da restituição do “tributo” pago à montante.

Referido desígnio é levado a efeito através de vasta pesquisa bibliográfica na mais abalizada doutrina tributarista, em decisões proferidas pelos Tribunais Superiores e na interpretação dos dispositivos legais e constitucionais pertinentes, propondo, desta forma, um sistema que se amolde perfeitamente ao perfil do Sistema Tributário Nacional, à luz do Direito posto.

O tema proposto desperta grande interesse prático, vez que a repercussão, fenômeno genuinamente econômico, não raras vezes, é muito difícil de ser precisada. Com efeito, o art. 166, do Código Tributário Nacional, tem causado, ao longo do tempo, incessante polêmica na doutrina.

De fato,

Ainda que se aceitem os “bons propósitos” do legislador, é um trabalho árduo identificar quais tributos, em que circunstâncias, têm natureza indireta, quando se sabe que há a tendência de todos os tributos serem “embutidos” no preço de bens ou serviços e, portanto, serem financeiramente transferidos para terceiros (AMARO, 2006, p. 425) .

Some-se a isso o fato de que a legitimidade ativa para a propositura da ação de repetição de indébito tributário vem sendo muito discutida pela doutrina e jurisprudência brasileira, em vista do elevado grau de dificuldade que a matéria desperta no momento de sua interpretação.

Ainda, é possível observar uma tendência dominante na jurisprudência nacional a não admitir a legitimidade ativa do contribuinte de fato para a repetição do indébito tributário. Nesse sentido, inclusive, é dominante a jurisprudência do STF (RE 114.977; RE 161.384; RE 113.149; RE 105.486/MG; RE 104.504/MG; RE 68.924; RE 67.814; RE 68.741 e RE 78.623).

Assim, a pesquisa realizada encontra justificativa na patente necessidade que se põe de salvaguardar os interesses do contribuinte de fato que, por não ter relação pessoal e direta com a situação descrita na lei como fato gerador da obrigação tributária, não vem sendo admitido a figurar no polo passivo da ação de repetição de indébito tributário, quando se trata dos tributos ditos indiretos.

Em razão do exposto, o objetivo geral da pesquisa proposta é, analisando o direito posto, como o define a doutrina e a jurisprudência nacionais, buscar a compreensão dos meandros da repetição de indébito tributário, sobretudo na sistemática dos tributos indiretos, e as possíveis implicações desse fenômeno na legitimação para a propositura da consequente demanda judicial.

Partindo dessa análise, a pesquisa traz, como objetivo específico, a propositura de um sistema coerente, compatível com a lei e com a Constituição, para a garantia dos interesses do contribuinte de fato que, à luz da jurisprudência dominante, como sobejamente demonstrado, é, não raro, considerado parte ilegítima para a propositura da demanda ressarcitória em face do locupletamento do Fisco.

Levando-se em consideração os objetivos do presente projeto, a vertente metodológica utilizada foi a qualitativa, voltando-se para a análise do estudo de diversas pesquisas.

O tipo de pesquisa utilizada se volta, basicamente, a coleta de dados e informações acerca do tema a ser analisado, principalmente, através de doutrina especializada e artigos publicados na rede mundial de computadores.

Foram realizadas pesquisas bibliográficas, de modo a permitir o conhecimento de material relevante, tomando-se por base publicações em relação ao tema, de modo a se delinear uma nova abordagem sobre este, chegando a conclusões que possam servir de embasamento para pesquisas futuras.

Foi feito, também, um levantamento da bibliografia já publicada sobre o tema: livros, revistas científicas, publicações avulsas e toda a gama de periódicos que enriqueceram o presente projeto com dados relevantes, fornecendo conhecimentos sobre o objeto da investigação.

Como método, foi utilizado o dedutivo, vez que a presente pesquisa parte de uma premissa geral para uma específica, analisando-se a evolução conceitual, histórica e jurisprudencial do tema proposto, chegando-se, ao final, ao verdadeiro alcance da legitimidade ativa do contribuinte de fato para a propositura a da ação de repetição do indébito tributário em face do locupletamento do Fisco.

Para tanto, no capítulo 1 o leitor encontrará a delimitação do problema de pesquisa, com as principais indagações a serem respondidas por este estudo e as mais notórias repercussões práticas do tema em análise para a comunidade jurídica.

No capítulo 2, consignou-se o objetivo geral do estudo realizado e os principais objetivos específicos, partindo sempre de uma análise jurídco-positiva, à luz da doutrina e do princípios constitucionais pertinentes.

O capítulo 3 é aquele que traz as vertentes metodológicas, assim como o método e o tipo de pesquisa empreendidos.

No capítulo 4, para uma melhor compreensão do fenômeno da legitimidade ativa do contribuinte de fato para pleitear a repetição do indébito tributário, conceituou-se tributo para, em seguida, abordar-se as pertinentes classificações do instituto, estabelecendo uma diagnose comparativa entre os tributos ditos diretos e aqueles ditos indiretos.

No capítulo 5, o leitor irá se deparar com o sujeito passivo da obrigação tributária. Com efeito, no citado capítulo, conceituou-se referida categoria jurídica, a par da doutrina mais abalizada, para, ato contínuo classificá-la. Em seguida, aborda-se, com vagar, a dualidade que se estabelece entre os contribuintes “de fato” e “de direito”.

O Capítulo 6 é aquele que serve de ponto nodal a este estudo. Aborda-se, nesta seção, minuciosamente, a restituição do pagamento indevido ou maior que o devido. Para tanto, foi necessário conceituar o instituto “pagamento” para, ato contínuo, tratar do “pagamento indevido”.

Estabelecidos tais conceitos, parte-se a uma análise da restituição do indébito tributário, à luz do Código Tributário Nacional, da doutrina e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Superada a problemática acima e, especificando mais ainda o objeto do estudo, adentra-se na sinuosa temática da restituição do tributo indireto, revelando todas as suas vicissitudes e abordando a evolução do entendimento jurisprudencial acerca do tema.

No capítulo 7 deste estudo, traça-se um novo paradigma de sistematização para o tratamento da repetição do indébito tributário na sistemática dos tributos indiretos, levando-se como fundamento maior a doutrina de Hugo de Brito Machado Segundo, culminando-se em uma proposta de revisão do atual entendimento jurisprudencial acerca do tema em exame.

2 Tributo, conceito e classificação

2.1 CONCEITO DE TRIBUTO

Para melhor compreender o fenômeno da legitimidade ativa do contribuinte de fato para pleitear a repetição do indébito tributário, no que se refere aos tributos indiretos, faz-se necessário desvelar com minúcia o relevo dos vários institutos jurídicos que, aglutinados, constituem o objeto deste estudo.

Consoante informa Ruy Barbosa Nogueira (1995, p. 155) apud Eduardo Sabbag (2011, p. 375) “os tributos (…) são as receitas derivadas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos, baseado no seu poder fiscal (...), mas disciplinado por normas de direito público, que constituem o direito tributário”. O tributo é, assim, segundo antiga classificação doutrinária, espécie de receita derivada.

Para a obtenção do tributo, o Estado, agindo como tal, e se utilizando de suas prerrogativas de Direito Público, “edita uma lei estabelecendo a obrigação, para o particular que pratique determinado fato, de recolher determinada quantia em dinheiro para os cofres públicos, independentemente de sua vontade” (ALEXANDRE, 2011).

A Constituição da República, em seu artigo 146, parágrafo único, III, alínea “a”, transfere à lei complementar a missão de definir tributo e quais são suas espécies.

Com efeito, o conceito legal de tributo é trazido pelo pelo art. 3º, do Código Tributário Nacional, recepcionado com status de lei complementar, onde se lê que:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (BRASIL, 1966).

É nesse sentido que o professor Geraldo Ataliba, definindo o tributo, instituto nuclear do Direito Tributário, entendido como sub-ramo do Direito Administrativo, aduz que:

Juridicamente define-se tributo como obrigação jurídica pecuniária, ex lege, que se não constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é uma pessoa pública (ou delegado por lei desta), e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei, obedecidos os desígnios constitucionais (explícitos ou implícitos) (ATALIBA, 2009).

Diz-se, assim, que o Estado estabelece a cobrança para que possa trazer recursos ao erário, dando oportunidade ao desenvolvimento das sua atividades financeiras, satisfazendo, deste modo, o interesse público.

Luciano Amaro (2006, p. 16) aduz que: “Tributar (de tribuere, dividir por tribos, repartir, distribuir, atribuir) mantém ainda hoje o sentido designativo da ação estatal: o Estado tributa”.

Segundo o mesmo autor, o tributo resulta de uma exigência do Estado que, no início da história, decorria da vontade do soberano, que, em última instância, coincidia com a própria vontade da lei, e que, hoje, se funda na lei, como expressão da vontade coletiva.

Retomando o conceito legal, o tributo é prestação pecuniária em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, vez que não pode ser pago em produtos ou em trabalho. Em regra, aquele que deve o tributo apenas pode se desincumbir de sua obrigação pagando-o em moeda corrente ou equivalente (cheque, papel selado, estampilha, processo mecânico etc).

Quando o conceito legal estabelece que o tributo se trata de prestação compulsória, está apenas esclarecendo que o dever de pagar o tributo é estabelecido diretamente por lei, independendo da vontade das partes envolvidas na relação obrigacional tributária (devedor e credor). Assim é que, a regra é a compulsoriedade da obrigação de pagar o tributo.

Ainda, conforme dispõe o conceito legal, tributo é prestação que não constitui sanção de ato ilícito. Logo, a hipótese de incidência de um tributo nunca é a prática de um ato antijurídico, mas sempre um fato econômico neutro, independente da validade ou licitude do negócio jurídico subjacente (ALEXANDRINO, 2009).

Por ser prestação compulsória, o tributo deve ser sempre instituído em lei. Tal afirmação é decorrência lógica do princípio da legalidade, que orienta toda atuação estatal em um Estado Democrático de Direito. Por conta do princípio supracitado, ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (Constituição, artigo 5º, inciso II).

Além disso, a própria Constituição da República, em seu artigo 150, inciso I, é expressa ao afirmar ser vedado aos entes políticos exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Esse preceptivo é complementado pelo artigo 97, do Código Tributário Nacional que, positivando o princípio da estrita legalidade tributária, assevera que a criação de qualquer tributo depende de previsão em lei.

Em razão do princípio da indisponibilidade do interesse público, que orienta a atuação da Administração Pública, nos três Poderes da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, o tributo é cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Não pertencendo, as receitas tributárias, aos agentes fiscais de rendas, mas sim à própria coletividade (sua destinatária última), não há que se falar em discricionariedade na cobrança de tais exações. Assim, realizado o fato gerador nasce a obrigação tributária, impondo-se ao agente público que realize o lançamento e cobre o valor devido (ALEXANDRINO, 2009).

2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS

Diante da grande variedade de tributos existentes no atual sistema positivo brasileiro, e face à diversidade de naturezas jurídicas que cada um deles apresenta, criar uma classificação hígida para as exações tributárias não é tarefa fácil.

É de autoria do professor Ricardo Alexandre (2011, p. 102) a lição pela qual: “a doutrina tem proposto diversas classificações para os tributos, levando em conta as peculiaridades de cada espécie considerada isoladamente ou em comparação com as demais”.

O autor, assim, quis afirmar que a despeito da existência de diversos critérios classificatórios, propostos pela doutrina mais abalizada, no que interessa ao escopo do presente trabalho, será abordada tão somente a classificação dos tributos quanto à possibilidade de repercussão do encargo econômico-financeiro.

Nesse esquadro, tem-se que, tributos indiretos são aqueles que comportam a repercussão do encargo econômico-financeiro, ao passo que tributos diretos são aqueles que não a comportam.

Em termos mais precisos, os tributos indiretos admitem, juridicamente, que o ônus financeiro gerado pela sua exigência seja translocado do sujeito passivo da obrigação para um terceiro, pessoa estranha à relação jurídico-tributária.

Ricardo Alexandre (2011, p. 105), comentando acerca do conceito de tributos indiretos, observa que “são indiretos os tributos que, em virtude de sua configuração jurídica, permitem translação do seu encargo econômico-financeiro para uma pessoa diferente daquela definida em lei como sujeito passivo”.

De outro giro, tributos diretos são caracterizados como exações que não permitem o fenômeno da repercussão, ou seja, suporta o ônus financeiro da tributação aquele que praticou o fato gerador ou foi eleito diretamente pela lei tributária.

A classificação em direitos e indiretos apenas inclui os tributos que já foram tecnicamente concebidos como aptos a operarem a transferência de seu ônus financeiro, vez que, sob um ponto de vista puramente financeiro, todo e qualquer tributo admitiria tal repercussão (ALEXANDRE, 2011).

Destarte, é corrente na doutrina a afirmação de que a mera transferência do encargo financeiro do tributo, sem qualquer repercussão nas relações jurídicas que lhe servem de suporte, não é, por si só, hábil a transmudá-lo em indireto.

Para facilitar a visualização das categorias jurídicas examinadas, traz-se à baila didático exemplo levado e efeito pelo professor Ricardo Alexandre:

O ICMS é um tributo cujas configurações constitucional e legal estabelecem que a pessoa nomeada contribuinte (o comerciante) repassa para uma outra (o consumidor) o ônus econômico do tributo. São claras as presenças do contribuinte de direito (o comerciante) e o de fato (o consumidor), de forma que este sofre o impacto do tributo – que tem seu valor oficialmente embutido no preço pago –, enquanto aquele faz o recolhimento do valor recebido. O tributo é indireto (ALEXANDRE, 2011).

E, prossegue o notável doutrinador:

No caso do imposto de renda, não há previsão de transferência oficial do encargo para os consumidores. A pessoa que obtém a renda é que teoricamente sofre o respectivo ônus. Na prática, entretanto, a empresa beneficiada pelo rendimento acaba repassando o valor do tributo a ser pago para o preço dos bens ou serviços que vende. Há a repercussão econômica do tributo, mas não o que se poderia chamar de repercussão jurídica, somente verificada nos casos em que há previsão normativa da oficial transferência do encargo. O tributo é considerado direto (ALEXANDRE, 2011).

Assim, repise-se, a mera transferibilidade do peso econômico de um tributo não é capaz de, em um sentido estritamente jurídico, permitir que esta exação seja classificada como tributo indireto.

Importa ressaltar, nesse momento, que Geraldo Ataliba, em atitude totalmente hostil à classificação dos tributos em diretos e indiretos, afirmava que:

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É classificação que nada tem de jurídica; seu critério é puramente econômico. Foi elaborada pela ciência das finanças, a partir da observação do fenômeno econômico da translação ou repercussão dos tributos. É critério de relevância jurídica em certos sistemas estrangeiros. No Brasil, não tem aplicação (ATALIBA, 2009).

A despeito dos ensinamentos do professor, a classificação dos tributos em diretos e indiretos é de inegável utilidade prática, sendo constantemente revisitada pela doutrina nacional e jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores, sobretudo na interpretação de normas que tratam de imunidades, isenções, repetição de indébito etc.

3 O SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

Inicialmente, cumpre destacar que o Código Tributário Nacional (CTN) subdividiu as obrigações tributárias, em função de seu objeto, em principais e acessórias. Em razão dessa cisão, o referido diploma previu a existência do sujeito passivo da obrigação principal e do sujeito passivo da obrigação acessória.

Nessa senda, o sujeito passivo, de uma forma geral, é o devedor de uma obrigação tributária. Em outros termos, trata-se da pessoa que tem o dever de prestar, ao sujeito ativo, o objeto da obrigação.

Disse-o, com outras palavras, o autorizado Geraldo Ataliba:

É sujeito passivo, em regra, uma pessoa que está em conexão íntima (relação de fato) com o núcleo (aspecto material) da hipótese de incidência. Ao exegeta incumbe desvendar esta conexão, nos casos em que a lei não explicita tal circunstância. Muitas vezes a lei contém indicação pormenorizada, explícita e precisa – embora conceitual – do sujeito passivo, simplificando a exegese (ATALIBA, 2009).

Assim, o sujeito passivo da obrigação tributária principal é aquele que tem o dever jurídico de de pagar o tributo ou a multa tributária.

Com efeito, o artigo 121, do Código Tributário Nacional, prescreve que o “sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária” (BRASIL, 1966).

De outro giro, o sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada à prática ou à abstenção de ato que não configure obrigação principal. É dizer, se a prestação objeto do liame obrigacional não tem conteúdo patrimonial (manter escrituração contábil idônea, emitir nota fiscal, não embaraçar a fiscalização etc.), o devedor dessa obrigação é sujeito passivo de obrigação acessória.

A obrigação tributária acessória, de acordo com Código Tributário Nacional, está prevista na legislação tributária. O referido artigo informa que a expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes

Ao contrário do que se pode imaginar apressadamente, não é totalmente livre o legislador na escolha do sujeito passivo tributário. Ao revés, cabe a ele indicar como tal somente aquela pessoa que corresponda às exigências do aspecto pessoal da hipótese de incidência, da forma como explicitado pelo texto constitucional, ou seja, deve eleger o “realizador” da operação tributável (ATALIBA, 2009).

É dizer, não é o legislador quem elege o sujeito passivo da relação tributária, mas a própria hipótese de incidência, segundo os contornos que lhe dá a Constituição.

Discorrendo sobre o tema, o autor expõe que:

O legislador deve colocar como sujeito passivo, nos impostos, a pessoa cuja capacidade contributiva é manifestada (revelada) pelo fato imponível. No Brasil, é a Constituição (art. 153, §1º) que obriga tal proceder, identicamente, nos regimes constitucionais que consagram, de modo restritivo para o legislador ordinário, o princípio da capacidade contributiva, como Itália e Espanha (209, p. 87).

Superada a questão da classificação do sujeito passivo da obrigação, o Código Tributário Nacional, no parágrafo único, do artigo 121, é expresso ao afirmar que “sujeito passivo da obrigação principal” é gênero, do qual “contribuinte” e “responsável” são espécies. Há, ainda, menção doutrinária às figuras do substituto e do sucessor.

Observa, nessa senda, Luiz Felipe Difini, que:

Quanto às figuras do contribuinte e do substituto (ou substituto legal tributário) há sujeição passiva direta, pois esses sujeitos passivos têm vinculação pessoal e direta ao fato gerador; já o responsável e o sucessor tributário não têm vinculação com o fato gerador, resultando sua obrigação de disposição expressa de lei (DIFINI, 2008, p. 213).

Explanado o panorama acima, de uma forma genérica, será feita a análise de cada uma dessas categorias, especificamente.

3.1 SUJEIÇÃO PASSIVA DIRETA: O CONTRIBUINTE

O artigo 121, do Código Tributário Nacional, professa que contribuinte o sujeito passivo da obrigação tributária principal quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador (BRASIL, 1966).

Nesse diapasão, pontifica Difine (2008, p. 213) que “contribuinte é a pessoa que realiza o fato imponível. Em linguagem simples, pode-se dizer que é quem pratica o ato, ou se encontra na situação que deflagra a ocorrência do fato imponível”.

O contribuinte, segundo ensina o autor, é aquele que, tendo praticado o fato descrito abstratamente na hipótese de incidência legal, acaba deflagrando uma situação capaz de inseri-lo no polo passivo de uma relação jurídico tributária.

São exemplos de contribuintes: o proprietário do bem imóvel ou o possuidor com ânimo de domínio, no caso do Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU); o adquirente do bem imóvel transmitido com onerosidade, quanto ao imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI), entre outros.

A figura do contribuinte pode ser facilmente identificada a partir de uma simples descrição do aspecto material da hipótese de incidência. Destarte, ser proprietário de veículo automotor, hipótese de incidência do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), remete ao sujeito proprietário do veículo. Realizada a hipótese abstrata contida na norma, ela é atribuída à alguém, que a realizou, e esta pessoa, em regra, é o contribuinte.

No escólio de Luciano Amaro:

Nessa pertinência lógica entre a situação e apessoa, identificada pela associação do fato com o seu autor, ou seja, pela ligação entre a ação e o agente, é que estaria a "relação pessoal e direta" a que o Código Tributário Nacional se refere na identificação da figura do contribuinte (2006, p. 299).

No que tange diretamente aos impostos, por conta do que dispõe o artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição, o contribuinte há de ser a pessoa que revela capacidade contributiva, e não outra qualquer (BRASIL, 1988).

Frise-se, ainda tratando da sujeição passiva direta, que a relação pessoal exigida pelo diploma legal tributário para justificar o tratamento do sujeito como contribuinte nada mais é que a necessidade de sua presença jurídica na situação fática que realiza o fato gerador.

Por derradeiro, o Código afirma que a relação do contribuinte com o fato gerador deve ser direta. Em termos mais claros, a situação fática representativa do fato gerador deve ter como figura central (e não meramente acessória) a pessoa do contribuinte.

3.2 SUJEIÇÃO PASSIVA INDIRETA: O RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO

Com efeito, “responsável” designa uma das “categorias” de sujeição passiva da obrigação principal. Deste modo, aquele que não possui relação pessoal e direta com a situação descrita na lei como fato gerador, tendo apenas a obrigação legal de pagar o tributo, é denominado, pelo Código Tributário Nacional, de responsável tributário.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 121, parágrafo único, inciso II, traz o conceito de responsável tributário, ao prescrever que o sujeito passivo da obrigação principal diz-se responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

A redação do preceptivo em epígrafe mencionado pode levar à falsa percepção de que a lei tributária é livre para eleger qualquer terceiro, ainda que totalmente alheio ao fato jurídico tributável, imputando-lhe a responsabilidade pelo crédito respectivo.

Não é assim, contudo. De fato, o artigo 128, do Código Tributário Nacional, complementando a norma contida no artigo 121, expõe que:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação (BRASIL, 1966).

Do acima aduzido, vê-se com clareza hialina que o terceiro a quem a lei pode atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário deve ser pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação. E não poderia ser diferente.

Eduardo Sabbag, interpretando o real sentido e alcance do artigo 128, do Código Tributário Nacional, ensina que:

Em primeiro lugar, o responsável é um terceiro, mas o legislador não tem liberdade para designar “qualquer terceiro” como responsável tributário, porque o mencionado dispositivo legal determina que o escolhido tenha uma vinculação mínima, de qualquer natureza, com o fato gerador da respectiva obrigação. Menos, é claro, aquela vinculação de natureza pessoal e direta, porque quem a tem é o contribuinte. Portanto, é de suma importância a aferição da intensidade do vínculo que, existindo, deve se mostrar na dosagem precisamente correta (SABBAG, 2011).

Aduz, ainda, o autor, que é vedada a transferência implícita do encargo tributário ao terceiro responsável. É que a sujeição passiva, seja ela direta, seja ela indireta, submete-se à reserva de lei (SABBAG, 2011).

Isto é, há sempre a necessidade de lei formal no sentido de atribuir responsabilidade tributária a um terceiro, ainda que este tenha alguma vinculação com a situação caracterizadora do fato gerador da obrigação.

Luciano Amaro afirma que:

A presença do responsável como devedor na obrigação tributária traduz uma modificação subjetiva no polo passivo da obrigação, na posição que, naturalmente, seria ocupada pela figura do contribuinte. Contribuinte é alguém que, naturalmente, seria o personagem a contracenar com o fisco, se a lei não optasse por colocar outro figurante em seu lugar (ou a seu lado), desde o momento da ocorrência do fato ou em razão de certos eventos futuros (sucessão do contribuinte por exemplo) (AMARO, 2006).

Dessa forma, havendo uma pessoa obrigada ao pagamento do tributo, não tendo ela relação pessoal e direta com a situação caracterizadora do fato gerador, ter-se-á o responsável.

Nesse contexto, Luciano Amaro, debruçando-se sobre a sujeição passiva indireta, preleciona que é costume na doutrina identificar duas modalidades básicas de responsabilidade tributária: a responsabilidade por substituição e a por transferência (2006).

Na substituição, a lei determina, aprioristicamente, que o terceiro figure, desde o início, no lugar do contribuinte. Em outros termos, a obrigação já se constitui tendo o seu polo passivo ocupado pelo substituto tributário.

De outro giro, na responsabilidade tributária por transferência, a obrigação, que nasceu tendo em seu polo passivo o contribuinte, é repassada para um terceiro, quando da ocorrência de algum evento descrito na lei tributária.

O responsável tributário, posto seja figura de grande relevo no Direito Tributário, não é personagem central deste estudo, posição esta ocupada pelo contribuinte, motivo pelo qual será ele tratado com mais vagar no tópico que segue.

3.2.1 A responsabilidade por substituição

Nessa modalidade de responsabilidade, o terceiro responsável substitui o contribuinte, liberando-o da obrigação tributária. Ante o exposto, é possível falar-se em substituição tributária para trás (diferimento) ou para frente.

A substituição tributária para trás consiste na atribuição a terceiro de responsabilidade pelo recolhimento de tributo devido por fato gerador ocorrido em momento anterior da cadeia produtiva e que, a princípio, seria devido pelo contribuinte que realizou o fato gerador.

Nessa hipótese, o responsável deverá recolher o tributo devido em razão de fato gerador realizado por ele e em razão de fato gerador realizado pelo contribuinte, em momento anterior da cadeia produtiva.

A substituição tributária para frente consiste na atribuição a terceiro de responsabilidade pelo recolhimento de tributo devido por fato gerador que ocorrerá em momento posterior da cadeia produtiva.

Nessa hipótese, o responsável deverá recolher o tributo devido em razão de fato gerador realizado por ele, na condição de contribuinte, e em razão de fato gerador realizado por outrem, em momento posterior da cadeia produtiva.

Há vários debates em relação à constitucionalidade desse regime, especialmente pelo fato de ele ter sido introduzido na constituição pela Emenda Constitucional n. 3/93, que introduziu na Constituição o artigo 150, §7º, nos seguintes termos:

Art. 150, § 7o A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido (BRASIL, 1988)

Esse dispositivo estabelece a possibilidade de substituição tributária para frente apenas em relação a impostos e contribuições.

Observe que a substituição tributária para frente trabalha com o recolhimento do tributo considerando fatos geradores futuros, presumidos, trazendo uma antecipação do imposto. Diante disso, questiona-se se a constitucionalidade desse regime.

Tanto a doutrina, quanto o STF, entendem que o regime de substituição para frente é plenamente constitucional, posto configurar uma modalidade possível de atribuição da responsabilidade tributária: a responsabilidade tributária por substituição, contemplada pelo artigo 128, do Código Tributário Nacional.

E, além do mais, não há que se falar em tributação considerando fato gerador futuro. Veja, o fato gerador, no caso de substituição progressiva, se refere à própria situação de ser responsável tributário, devendo haver a recolha do tributo em relação às possíveis operações futuras. O substituto, além de realizar o fato gerador do tributo próprio, realiza o fato gerador do tributo por substituição.

Há ainda, grande discussão acerca da restituição do tributo diante da não ocorrência do fato gerador ou diante de uma diferença na base de cálculo.

A redação literal do artigo 150, §7º, da Constituição, assegura a restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

Além desse caso previsto na Constituição, algumas leis estaduais passaram a prever outra hipótese de restituição do tributo quando houvesse divergência nas bases de cálculo prevista e efetivamente verificada.

Ressalte-se que a base de cálculo presumida é estipulada nos termos do art. 13, da Lei Complementar n. 87/96. A questão em análise diz respeito à situação em que o valor efetivamente encontrado a título de base de cálculo do tributo por substituição progressiva se mostra inferior ao valor estipulado com base no dispositivo acima citado.

Para discutir a constitucionalidade das leis estaduais que previram a restituição do tributo em caso de diferença encontrada nas bases de cálculo dos tributos, foram ajuizadas perante o STF as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 2.777/SP e 2.675/PE. O fundamento dessas ações é a inconstitucionalidade dessa hipótese de restituição, ante sua não previsão no artigo 150, §7º, da Constituição. Os contribuintes, em contrapartida, sustentaram ser devida a restituição, pois o contrário geraria enriquecimento sem causa do Fisco.

No STF, esta questão se encontra empatada, havendo cinco votos a favor e cinco votos contra a procedência das ações diretas propostas.

Em setembro de 2009, o STF reconheceu a repercussão geral em recurso extraordinário envolvendo a questão discutida nessas ações diretas, sobrestando o julgamento das Ações Diretas até a decisão final do referido recurso.

3.2.2 A responsabilidade supletiva

A responsabilidade supletiva se refere ao caso no qual existe um dever compartilhado entre contribuinte e responsável tributário pelo pagamento do tributo, podendo apresentar-se de duas formas: i) responsabilidade supletiva em regime de subsidiariedade e; ii) responsabilidade supletiva em regime de solidariedade.

O que caracteriza a subsidiariedade é a existência do benefício de ordem. Nesse caso, a lei estabelece de quem a Administração deverá cobrar o tributo, em sua integralidade, primeiramente.

O benefício de ordem implica em uma ordem preestabelecida para a cobrança do tributo, que acarretará na sua cobrança por etapas.

Nessa toada, apenas havendo o esgotamento de todos os bens e formas de cobrança em relação ao contribuinte e, ainda sim, havendo débito tributário, é que o Fisco acionará o responsável tributário, que ficará obrigado ao pagamento do saldo remanescente.

No regime de solidariedade há um dever compartilhado entre contribuinte e responsável. O que caracteriza a solidariedade é a inexistência de benefício de ordem, ou seja, de ordem preestabelecida para a cobrança do tributo.

Em razão disso, cada devedor responde pela integralidade do débito, à escolha da Administração. Isto é, uma vez que não existe benefício de ordem, a Administração pode cobrar a integralidade do débito, primeiramente do responsável ou do contribuinte, à sua escolha.

No regime de solidariedade, tanto o contribuinte, quanto o responsável, são devedores do tributo em igual medida.

A solidariedade está prevista nos arts. 124 e 125, do CTN. Senão, vejamos:

Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II – as pessoas expressamente designadas por lei.

Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem (BRASIL, 1966).

Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade:

I – o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais;

II – a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo;

III – a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais (BRASIL, 1966).

3.3 DUALIDADE DE CONTRIBUINTES: O CONTRIBUINTE DE FATO E O CONTRIBUINTE DE DIREITO

O artigo 166, do Código Tributário Nacional, tratando da restituição no caso dos tributos indiretos, trouxe importante regime jurídico para nosso ordenamento tributário.

Com fundamento nesse dispositivo, observa-se que o fenômeno da dualidade de sujeitos passivos diretos é exclusivo dos tributos indiretos (aqueles que comportam a transferência do encargo financeiro). No caso desses tributos, há uma pessoa chamada contribuinte de direito que transfere o encargo financeiro a um terceiro, dito contribuinte de fato.

Enquanto aquele é o que se enquadra na definição legal de sujeito passivo constante no artigo 121, do Código Tributário Nacional, este é quem suporta o ônus financeiro da tributação, sendo, por esse motivo, denominado contribuinte de fato.

Tratando especificamente dos tributos mencionados pelo artigo 166, do Código Tributário Nacional, Eduardo Sabbag observa que:

São gravames dotados do fenômeno da repercussão financeira, havendo disparidade entre o contribuinte de fato e o contribuinte de direito. Aquele é a pessoa sobre a qual recai efetivamente o encargo financeiro do tributo, enquanto este é o sujeito passivo definido por lei como responsável pelo pagamento da exação (SABBAG, 2011).

Insta frisar que o conceito de tributo indireto foi desenvolvido pela Ciência das Finanças e importado, equivocadamente, pelo legislador, para a seara do ordenamento tributário.

O fenômeno utilizado pelo legislador foi o da repercussão econômica do tributo. Assim, o contribuinte de direito, ao ser onerado pela tributação, procurar trasladar referido gravame, repassando-o para o contribuinte de fato. Este, ao suportar os efeitos da exação, consuma o fenômeno da trajetória do ônus financeiro do tributo: sua repercussão (ESTRELA, 2005, p.3).

4 A RESTITUIÇÃO DO PAGAMENTO INDEVIDO

Em geral, a obrigação é extinta pelo cumprimento voluntário da prestação. Em casos como este, é comum afirmar-se ter havido a solução da obrigação, com a consequente liberação do devedor.

Tendo em vista a ideia em epígrafe, pontifica Fávio Tartuce (2011, p. 321) que “por meio do pagamento, cumprimento ou adimplemento obrigacional, tem-se a liberação total do devedor em relação ao vínculo obrigacional”.

O vínculo obrigacional a que se refere o autor, tem-se, desta forma, por desfeito no momento em que é cumprida a prestação que lhe é ínsita, por parte do devedor em face de seu credor.

4.1 O PAGAMENTO

A extinção do crédito tributário representa a extinção da relação jurídico-tributária. Esta relação é constituída por um direito (ao crédito), um dever (de pagar o crédito) e por um objeto (o tributo). Caso haja a extinção de qualquer desses elementos, desaparecerá a própria relação jurídico-tributária, extinguido o crédito tributário.

A partir desse raciocínio, o art. 156, do CTN, traz onze causas de extinção do crédito tributário.

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

I – o pagamento;

II – a compensação;

III – a transação;

IV – a remissão;

V – a prescrição e a decadência;

VI – a conversão de depósito em renda;

VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§1o e 4o;

VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no §2o do artigo 164;

IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;

X – a decisão judicial passada em julgado;

XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.

Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149 (BRASIL, 1966).

O pagamento corresponde, grosso modo, à modalidade natural de extinção da obrigação tributária. Em uma obrigação pecuniária, como o é a obrigação tributária principal, o pagamento ocorre quando o devedor, contribuinte ou responsável, entrega ao credor (pessoa jurídica de Direito Público) a quantia a que está legalmente obrigado (AMARO, 2006).

É, assim, com o pagamento, no âmbito tributário, que se têm, por via de regra, satisfeita a obrigação tributária, não perdendo de vista, entretanto, que existem outras obrigações, no âmbito da disciplina, que não envolvem a entrega de dinheiro aos cofres públicos (obrigação acessória).

Ressalta Luiz Felipe Difini que:

O pagamento é a forma natural de extinção do crédito. Tendo ocorrido o fato imponível, surgido a obrigação tributária, efetuado o lançamento, notificado o contribuinte, o normal é se seguir o pagamento do tributo devido (DIFINI, 2008).

O autor demonstra, no texto, o caminho normal pelo qual segue a obrigação tributária, do seu nascedouro à sua extinção. Na observação de Clóvis Beviláqua (2000, p. 137) apud Pablo Stolze Gagliano (2006, p. 107): “o pagamento é o modo de cumprir as obrigações de dar, ou mais particularmente, de dar somas de dinheiro”.

Com efeito, adotando a já consolidada lição doutrinária, o Código Tributário Nacional é expresso ao afirmar, em seu artigo 156, inciso II, que o pagamento extingue o crédito tributário.

O pagamento é a causa de extinção da obrigação tributária mais minuciosamente disciplinada pelo Código Tributário Nacional. Referido diploma trata exaustivamente do tema em seus artigos 157 à 168, trazendo, inclusive, regras referentes ao pagamento indevido do tributo e o regime jurídico da restituição do indébito. É destas regras que iremos tratar agora.

4.2 DO PAGAMENTO INDEVIDO

No campo das relações obrigacionais (como o é a relação jurídica tributária), com fundamento na máxima que veda o enriquecimento sem causa, todo pagamento realizado, sem que seja devido, deverá ser restituído.

Tal concepção foi albergada pelo Novo Código Civil brasileiro, que estabeleceu expressamente, em seu art. 876, que aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir, obrigação esta que incumbe também àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.

Como bem observa o professor Pablo Stolze Gagliano:

Por força do art. 877, do CC-02 (art. 965 do CC-16), quem voluntariamente pagou o indevido deve provar não somente ter realizado o pagamento, mas também que o fez por erro, pois a ausência de tal comprovação leva a se presumir que se trata de uma liberalidade (GAGLIANO, 2006).

Sem sombra de dúvida, como aponta a unanimidade da doutrina e a jurisprudência dominante, nas relações regidas pelo direito privado, a restituição do pagamento indevido, quando feito voluntariamente, fica condicionada à prova do erro em que incorreu o solvens. Sem a prova desse erro, não é lícita a restituição do pagamento supostamente indevido.

No campo do Direito Tributário, a seu turno, a prova do erro é aspecto totalmente irrelevante. Com efeito, tendo sido realizado um pagamento indevido, de forma voluntária ou não, nasce, incontinenti, o direito à restituição.

Comentando os reflexos do instituto no Direito Tributário, Luís Difini pontifica que:

Em direito civil, a repetição do indébito depende de prova do erro de quem pagou voluntariamente o indevido (CC, art. 877). Em direito tributário não. Quem pagou o tributo indevido tem direito à devolução; é desnecessária a prova do erro, mesmo que o pagamento tenha sido voluntário (2008).

Isso ocorre, sobreveste, porque o tributo é prestação pecuniária prevista em lei (obrigação ex lege) e, apenas esta pode coagir o contribuinte a carrear recursos aos cofres públicos.

O Código Tribuário Nacional trata do pagamento indevido do tributo que, na visão de Luciano Amaro, melhor seria chamado de “restituição de valores indevidos, pagos a título de tributo”, no capítulo da "extinção do crédito tributário", logo após traçar exaustiva disciplina acerca do pagamento (AMARO, 2006).

A inclusão da disciplina nesse capítulo tem como supedâneo a ideia de que o pagamento indevido ocorreria quando uma pessoa, colocada na condição de sujeito passivo, paga uma suposta dívida tributária a quem se apresente como sujeito ativo.

4.3 RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO

Se um pagamento foi indevido ou maior que o devido, o montante que sobeja não é tributo, senão algo pago a título de tributo.

A pessoa que pagou não é considerada sujeito passivo de tributo, possuindo, destarte, independentemente de prévio protesto, direito à restituição (ALEXANDRE, 2011).

O direito à restituição do indébito encontra fundamento no princípio que veda o locupletamento sem causa.

Na esteira deste raciocínio, o artigo 165, do Código Tributário Nacional, afirma:

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória (BRASIL, 1966).

Observe que, pela redação do artigo 165, do Código Tributário Nacional, não importa a modalidade do pagamento, tampouco a modalidade do lançamento. Havendo pagamento indevido, nasce, para o sujeito passivo, o direito de reaver aquilo que pagou sem causa jurídica.

A esse respeito, com propriedade, pontifica Ricardo Alexandre:

A regra é, portanto, bastante simples: verificado o recolhimento à maior, há o direito à restituição do montante que não era devido. Não há importância no fato de o sujeito passivo ter espontaneamente pago determinado valor a título de tributo por erroneamente entendê-lo devido; também é irrelevante se foi o Fisco ou o próprio sujeito passivo quem calculou o quantum que veio a ser pago (ALEXANDRE, 2011).

Embora o Código Tribuário Nacional descreva casuisticamente, nos três incisos do artigo 165, as hipóteses ensejadoras da restituição do indébito tributário, a doutrina majoritária é uníssona ao afirmar que tal detalhamento é absolutamente desnecessário e redundante.

Assim, havendo um pagamento indevido, seja por erro de fato, seja por erro na interpretação da legislação tributária, ou, ainda, por ocasião de erro de cálculo, a restituição é medida que se impõe, independentemente de ter sido o tributo pago espontaneamente ou à vista de cobrança levada a efeito pelo sujeito passivo.

4.4 A RESTITUIÇÃO DO TRIBUTO INDIRETO

Antes mesmo da edição do Código Tributário Nacional, consolidou-se no STF o entendimento pelo qual, uma vez pago, o tributo indireto não estaria sujeito a restituição.

Com efeito, a Súmula n. 71, daquele tribunal, afirmava categoricamente que “Embora pago indevidamente, não cabe restituição do tributo indireto”. Referido enunciado, partindo da premissa de que o tributo indireto representa ônus sempre repassado ao contribuinte de fato, conclui que permitir sua restituição, mesmo nos casos em que houve pagamento indevido, importaria em enriquecimento sem causa do contribuinte de direito, posto que este não teria experimentado qualquer prejuízo reparável pela restituição (SEGUNDO, 2011, p. 25).

A tese defendida pela Corte Suprema era aquela pela qual, entre o locupletamento sem causa do contribuinte de direito, e o do Fisco, seria preferível este último, vez que a Fazenda Pública, em última instância, representa os interesses de toda a coletividade.

Ricardo Alexandre leciona que:

A doutrina teceu severas críticas ao entendimento, argumentando, basicamente, que, sob a desculpa de tentar evitar o enriquecimento sem causa (do contribuinte de direito), o STF acabou por oficializá-lo, porque a negativa de restituição de valor recebido a maior configura enriquecimento sem causa do beneficiário do pagamento (no caso o Estado) (ALEXANDRE, 2011, p. 437).

Atualmente, o regime jurídico da restituição do tributo indireto tem sede no arigo 166, do Código Tributário Nacional, onde se lê que:

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la (BRASIL, 1966).

Desta arte, pela disposição do preceptivo acima mencionado, a restituição do valor pago a título de tributo, em se tratando de tributos indiretos, somente poderá ser feita àquele que esteja munido da prova de ter assumido o encargo econômico-financeiro da exação, ou, em o tendo transferido para terceiro, estranho à relação jurídico-tributária, esteja por ele expressamente autorizado à recebê-la.

Insta frisar que, atualmente, a jurisprudência consolidada do STJ trata como tributos indiretos o impostos sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), o imposto sobre produtos industrializados (IPI) e o imposto sobre serviços (ISS), negando essa característica, por exemplo, ao Imposto sobre a renda e às contribuições previdenciárias patronais incidentes sobre a folha de salários.

Interpretando o artigo 166, do Código Tributário Nacional, o STF editou a Súmula n. 546, onde pode ser lido que:

Súmula n. 546. Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte "de jure" não recuperou do contribuinte "de facto" o "quantum" respectivo.

Nessa esteira, cabe ao contribuinte de direito pleitear a repetição do indébito, desde que se comprove a não transferência do ônus financeiro do tributo, ou esteja ele autorizado expressamente pelo terceiro que suportou tal ônus a receber a restituição (SABBAG, 2011, p. 864).

Comentando acerca desse quadro, Hugo de Brito Machado Segundo assevera que:

A principal consequência na visão hoje dominante na jurisprudência, é exigir-se do contribuinte, dito contribuinte de direito, a prova de que não repassou o valor do tributo ao consumidor final, contribuinte “de fato”. Não efetuada a prova, considera-se que o contribuinte não tem legitimidade para pleitear a restituição, ainda que tenha sido efetivamente indevido o pagamento. Opera-se o locupletamento sem causa do Estado, sob a já apontada justificativa de que ele seria preferível ao locupletamento sem causa do particular, o contribuinte de direito (SEGUNDO, 2011, p. 30).

Alguns autores, como Luiz Felipe Difini, afirmam que referida prova da não repercussão poderia ser levada a efeito através de perícia contábil, demonstrando, o contribuinte de direito, que não houve alteração dos preços no caso de criação ou aumento de tributo, tendo se operado a absorção do citado aumento pela própria margem de lucro do produto ou do serviço (DIFINI, 2006, p. 301).

Tal expediente, contudo, não se reveste da necessária segurança. Há casos em que o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) e o imposto sobre serviços (ISS) podem não ser considerados tributos indiretos, o que ocorre, por exemplo, quando seu preço não se relaciona diretamente com o preço da mercadoria ou do serviço disponibilizado ao consumidor final. É o que ocorre, v.g., com o imposto sobre serviços (ISS) cobrado em quota fixa das sociedades de profissionais e com o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) cobrado, também em valor fixo, de estabelecimentos submetidos a regime especial, como restaurantes (SEGUNDO, 2011, p. 31).

Ainda nos casos em que o tributo é calculado tendo por base o valor da operação tributada, não se mostra seguro aferir a repercussão do ônus financeiro através de simples perícia contábil. É que os preços de mercado sofrem oscilações oriundas de vários fatores, de modo que pode perfeitamente haver uma situação na qual o preço da mercadoria sofra um aumento, mantendo-se estável a carga tributária, e vice-versa (SEGUNDO, 2011, p. 31).

É justamente nesse ponto nodal que se instala toda a problemática da restituição dos tributos indiretos. A redação ambígua do artigo 166, do Código Tributário Nacional ensejou, na doutrina e na jurisprudência, interpretações totalmente divergentes acerca da legitimidade ativa para ingressar com a ação de restituição, em face do pagamento indevido.

Alguns doutrinadores, sustentam que, quando o dispositivo legal enuncia que a restituição pode ser feita a quem prove ter assumido o encargo financeiro do tributo, estaria autorizando o contribuinte de fato, onerado pela exação indevida, a pleitear, na via judicial ou administrativa, a devolução do tributo indevido.

Nesse sentido, expõe Ricardo Alexandre, nos seguintes termos:

Há entendimento doutrinário segundo o qual o art. 166, do CTN, ao facultar a restituição do tributo “a quem prove haver assumido o referido encargo”, possibilitaria que o contribuinte de fato, de posse de documento que comprove ser ele o real atingido pelo ônus do tributo (nota fiscal), estaria legitimado a pleitear a restituição (ALEXANDRE, 2011, p. 439).

Para o referido autor, esta é a interpretação que mais se coaduna com os ideais de justiça, proporcionando àquele que experimentou real diminuição patrimonial a possibilidade de reparação direta de seu prejuízo (ALEXANDRE, 2011, p. 439).

Parte da doutrina, entretanto, se filia à corrente que sufraga que o contribuinte de direito seria o único legitimado à pleitear a devolução do tributo pago a montante, desde que: a) tenha assumido o respectivo encargo ou; b) esteja autorizado pelo contribuinte de fato a requerer tal restituição.

Essa tese, mais restritiva, se fundamenta no fato de o contribuinte de jure ser o único a ocupar o polo passivo da relação jurídico-tributária.

O Superior Tribunal de Justiça, apesar de já ter decidido em conformidade com a corrente ampliativa, tem adotado, em julgamentos mais recentes, o entendimento pelo qual o contribuinte de fato, por ser alheio à relação jurídico-tributária, não estaria autorizado a pleitear a restituição do tributo recolhido pelo contribuinte de direito, este sim, verdadeiro legitimado, desde que observados os ditames do artigo 166, do Código Tributário Nacional.

De qualquer maneira, a dificílima prova da não repercussão do ônus econômico-financeiro do tributo indireto serve de entrave quase intransponível a sua restituição.

De forma absolutamente criticável, o artigo 166, do Código Tributário Nacional, acaba por servir de instrumento de uma “inconstitucionalidade eficaz”. Ora, pode ocorrer (e constantemente o ocorre) de determinado tributo cobrado com fundamento em lei já declarada inconstitucional, não ser objeto de restituição, o que equivale a dizer que, embora inconstitucional, os efeitos jurídicos da lei são considerados válidos, não podendo ser desfeitos ou revistos pelo Poder Judiciário (SEGUNDO, 2011, p. 30).

Ricardo Alexandre, inconformado com esse entendimento, aduz que:

Assim, o consumidor ilegitimamente atingido por uma errônea cobrança do ICMS, munido de documento em que comprove ter suportado o ônus do tributo, fica absurdamente impossibilitado de obter diretamente a repetição do indébito tributário, passando a depender de uma iniciativa do comerciante (contribuinte de direito), que pode não demonstrar interesse em litigar em busca de um valor para ser repassado a terceiro (ALEXANDRE, 2011, p. 439).

Ilustrando o atual entendimento do STJ, colaciona-se a Ementa do julgamento proferido no Recurso Especial nº 983.814/MG, de Relatoria do Ministro Castro Meira, julgado em 04.12.2007 e publicado no Diário de Justiça da União em 17.12.2007:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ICMS. TRIBUTO INDIRETO. CONSUMIDOR. "CONTRIBUINTE DE FATO". ILEGITIMIDADE ATIVA. APELO PROVIDO.

1. Os consumidores de energia elétrica, de serviços de telecomunicação e os adquirentes de bens não possuem legitimidade ativa para pleitear a repetição de eventual indébito tributário do ICMS incidente sobre essas operações.

2. A caracterização do chamado contribuinte de fato presta-se unicamente para impor uma condição à repetição de indébito pleiteada pelo contribuinte de direito, que repassa o ônus financeiro do tributo cujo fato gerador tenha realizado (art. 166 do CTN), mas não concede legitimidade ad causam para os consumidores ingressarem em juízo com vistas a discutir determinada relação jurídica da qual não façam parte.

3. Os contribuintes da exação são aqueles que colocam o produto em circulação ou prestam o serviço, concretizando, assim, a hipótese de incidência legalmente prevista.

4. Nos termos da Constituição e da LC 86/97, o consumo não é fato gerador do ICMS.

5. Declarada a ilegitimidade ativa dos consumidores para pleitear a repetição do ICMS.

6. Recurso especial provido

Tal entendimento, inclusive, foi consolidado pela 2ª Turma do STJ, no âmbito da sistemática dos recursos repetitivos, no Recurso Especial n. 1147362/MT, publicado no Diário de Justiça da União de 19.08.2010, passando a considerar, de forma definitiva, o contribuinte de fato parte ilegítima para pleitear a restituição do tributo indireto. Vejamos:

TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA CONTRATADA. IMPOSTO INDIRETO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM . CONTRIBUINTE DE DIREITO.

1. A partir do julgamento do REsp 903.394/AL , realizado sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil (recurso repetitivo), ficou decidido que apenas o contribuinte de direito tem legitimidade ativa ad causam para demandar judicialmente a restituição de indébito referente a tributos indiretos.

2. No julgamento do REsp 928.875/MT, a Segunda Turma reviu sua posição para considerar que somente o contribuinte de direito possui legitimidade ad causam para figurar no polo ativo das demandas judiciais que envolvam a incidência do ICMS sobre a demanda contratada de energia elétrica.

3. Nas operações internas com energia elétrica, o contribuinte é aquele que a fornece ou promove a sua circulação (definição disposta no art. 4º, caput , da Lei Complementar 87/1996). Assim, ainda que se discuta a condição da concessionária, é certo que não é possível enquadrar o consumidor final na descrição legal de contribuinte de direito.

4. Na ausência de uma das condições da ação - legitimidade ativa da parte recorrida -, impõe-se a denegação da segurança, sem resolução do mérito, consoante disposto no art. 6º, 5º, da Lei 12.016/09.

5. Recurso especial provido.

Por esse motivo, vem prevalecendo o lamentável entendimento pelo qual apenas o contribuinte de direito estaria legitimado à pleitear a devolução dos valores pagos indevidamente a título de tributo, de modo que o terceiro, estranho à relação tributária, só poderá, eventualmente, invocar seu direito contra o contribuinte de jure numa relação de direito privado.

Com efeito, quando o contribuinte de fato deduz em juízo, em face do Fisco, sua pretensão ressarcitória, em relação ao tributo que lhe foi economicamente repercutido, o primeiro argumento levantado pela Fazenda Pública, em sede de contestação, é a ilegitimidade ativa do contribuinte de fato. Diz-se, em sede de peça de bloqueio, que o contribuinte de fato não tem qualquer relação jurídica com o Estado a ensejar o provimento de seu pleito ressarcitório, sendo a repercussão por ele sofrida meramente econômica (SEGUNDO, 2011, p. 36).

Essa lamentável manobra, utilizada constantemente pela Fazenda Pública e endossada pela jurisprudência do STJ, foi devidamente criticada por Hugo de Brito Machado Segundo:

Ora, por que negar ao contribuinte “de fato” o direito à restituição, se a circunstância de ter sido ele quem, “na verdade”, sofreu o ônus da cobrança indevida é o argumento para se negar a restituição ao “contribuinte de direito”? A norma jurídica que retira direitos subjetivos do contribuinte/vendedor não os transfere ao consumidor final? O que fazer com esses direitos subjetivos? Dizima-os simplesmente? Essa incoerência revela que o verdadeiro propósito do art. 166, do CTN, e da jurisprudência construída em torno dele, talvez seja apenas o de impedir a restituição do tributo pago indevidamente, a qualquer custo (SEGUNDO, 2011, p. 36).

Em razão da interpretação dada pelo STJ ao artigo 166, do Código Tributário Nacional, acabou por surgir, no ordenamento jurídico, uma disposição de lei que afasta lesão ou ameaça a direito da apreciação do Poder Judiciário. Ora, não raro o contribuinte verdadeiramente onerado por uma cobrança indevida de tributo indireto se vê absolutamente impedido, por ocasião da atual interpretação do artigo 166, do Código Tributário Nacional, de se socorrer da tutela jurisdicional para ver afastada a lesão que sofreu em seu direito. Salta aos olhos o completo distanciamento da atual interpretação dada pelo STJ ao referido dispositivo daquilo que consta do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição – princípio da inafastabilidade da jurisdição.

É justamente com enfoque no contribuinte preterido e objetivando garantir seu direito à restituição que se buscará uma solução prática à questão, em sintonia com o que dispõe a ordem jurídica, a melhor doutrina e, sobretudo, os princípios constitucionais.

5 NOVA PROPOSTA METODOLÓGICA

Este capítulo tem como eixo estruturante a proposição metodológica levada a efeito por Hugo de Brito Machado Segundo, para quem a classificação dos tributos em diretos e indiretos não pode criar um “contribuinte castrado”, que impede o exercício de direitos por quem é legalmente identificado como contribuinte de direito, sem possuir a prerrogativa de exercer tal direito em nome próprio (SEGUNDO, 2011, p. 101).

Com efeito, em formulação crítica e bastante atual, referido autor aduz que:

Em face da jurisprudência construída pelo STJ em torno do art. 166, do CTN, pode-se dizer que o “contribuinte de fato” é alguém que comparece à relação jurídica tributária apenas para atrapalhar, para subtrair do sujeito passivo legalmente definido como tal, mas que nenhum, absolutamente nenhum proveito ou vantagem recebe por isso. Nenhum direito se transfere do contribuinte de direito para o contribuinte de fato; a interpretação dada pela jurisprudência ao art. 166 do CTN simplesmente retira daquele boa parte de seus direitos subjetivos, e os arremessa à lata do lixo (SEGUNDO, 2011, p. 101).

O autor sustenta que a classificação dos tributos em diretos e indiretos até pode ser levada em consideração para outros efeitos, como o de graduar as alíquotas desses impostos conforme se pretenda interferir nos preços dos produtos por eles tributados (seletividade). Ou para operacionalizar a sistemática da não cumulatividade, acarretando uma maior neutralidade na tributação. Mas, jamais para impedir inteiramente o exercício do direito à restituição do tributo indevido e do próprio direito constitucionalmente assegurado de acesso à jurisdição, na forma do artigo 5º, XXXV, da Constituição (SEGUNDO, 2011, p. 102).

É que, ao impedir a restituição do indébito tributário, sob o fundamento de que o contribuinte, por questões meramente formais, não está autorizado a obtê-la, a interpretação construída pela jurisprudência menoscaba a garantia de acesso à ordem jurídica justa (artigo 5º, XXXV, da Constituição), subtraindo da apreciação do Poder Judiciário uma flagrante lesão a direito.

Ademais, não é o fato de o consumidor final arcar com o preço de um produto ou serviço onerado pelo IPI, ICMS ou ISS que o torna, juridicamente, sujeito passivo de uma relação tributária. Tanto é assim que o próprio artigo 166, do Código Tributário Nacional, lhe nega o direito de pleitear, em seu próprio nome, a restituição do tributo pago à maior. Assim, deve-se entender que o consumidor final paga um preço mais alto pelos produtos ou serviços onerados por tais exações, mas não que é sujeito passivo das relações a eles pertinentes. Deve-se, assim, sempre ter em mente a clara distinção que há entre preço e tributo.

Hugo de Brito Machado Segundo (2011, p. 103) deixa claro que não parece correta a aplicação do art. 166, do Código Tributário Nacional ao ICMS, IPI e ISS. Isso porquê tais tributos, via de regra, são pagos pelos seus respectivos contribuintes, não podendo servir a simples repercussão econômica, sentida na forma de um eventual aumento dos preços ao consumidor final, para alterar a natureza jurídica desse preço de modo a transformar parte dele em tributo. Para o referido autor, a repercussão em relação a tais tributos é tão econômica quanto aquela que se dá no âmbito do imposto sobre a renda de pessoas jurídicas (IRPJ), da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), ou da contribuição para o programa de integração social (PIS).

Imaginar que o art. 166 do Código Tributário Nacional seria aplicável na restituição de tributos como ICMS, IPI e ISS seria criar obstáculo intransponível ao acesso à tutela jurisdicional, tornando letra morta a garantia contida no art. 5º, XXXV, da Constituição.

Estar-se-ia criando, assim, um condicionamento ao acesso à justiça, consubstanciado na necessidade da obtenção de uma autorização, pelo contribuinte de direito, dada pelo contribuinte de fato, para que pudesse aquele propor sua demanda judicial. Ou então, mais grave, institucionalizando a necessidade da realização de uma verdadeira probatio diabolica por parte do contribuinte de direito, vez que este teria de realizar a dificílima (quiçá impossível) prova de que não repassou ao consumidor final o ônus do tributo que pagou a maior.

Sensível ao óbice intransponível criado pela jurisprudência pátria, Hugo de Brito Machado Segundo comenta:

Com efeito, já foi explicado, cria-se, com a aplicação do art. 166 à restituição do indébito, v.g., do ICMS, a situação na qual o contribuinte, mesmo indiscutivelmente lesado em seu direito, tem a pretensão de vê-lo reparado excluída da apreciação do Judiciário na generalidade dos casos. Isso porque quem teria sofrido a lesão, “na verdade”, teria sido o consumidor final. O problema é que tampouco este pode levar ao Judiciário a lesão ao seu direito. Cria-se, em suma, situação na qual uma lesão a direito é inteiramente excluída da apreciação do Judiciário (SEGUNDO, 2011, p. 104).

Alguns autores, dessa forma, simplesmente concluem pela inconstitucionalidade do art. 166, do Código Tributário Nacional, pugnando pela sua total aniquilação. Contudo, o problema não pode ser visualizado desta forma tão simplista.

Dessa forma, partindo-se do princípio da presunção de constitucionalidade das leis, há de se adotar a técnica da interpretação conforme a constituição. Ora, se os atos infraconstitucionais retiram da Constituição seu fundamento de validade, presume-se que os órgãos elaboradores das normas legais agiram, no desempenho de suas competências, em conformidade com seus preceitos, de modo que, as leis presumem-se, até que se prove o contrário, constitucionais.

Em decorrência disso, quando da interpretação de normas legais polissêmicas, há de se buscar o sentido que mais seja compatível com as disposições constitucionais, preservando a autoridade do comando normativo interpretado.

Acerca da técnica da interpretação conforme a Constituição, pondera Marcelo Novelino que:

Como princípio instrumental, a interpretação conforme impõe que as normas infraconstitucionais sejam interpretadas à luz dos valores consagrados na Constituição, documento do qual retiram seu fundamento de validade. Á guisa de ilustração, pode ser mencionada a decisão proferida pelo TJ/RS na qual dispositivos do Código Civil referentes à união estável foram interpretados sob a ótica dos princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade, a fim de que seu regramento fosse estendido a uma união homoafetiva (NOVELINO, 2011, p. 189).

Nessa esteira, buscando uma interpretação compatível com a Constituição, o art. 166, do Código Tributário Nacional, pode ser compreendido como aplicável na sistemática daqueles tributos que possibilitam que, juridicamente, seu encargo seja transferido de uma pessoa para outra. Ocorre que, para que isso possa ocorrer, ambos os envolvidos devem ser sujeitos passivos legalmente definidos, pois só assim poderá um cobrar do outro uma importância paga título de tributo (SEGUNDO, 2011, p. 105).

Concretizando em termos práticos o entendimento acima consignado, Hugo de Brito Machado Segundo explica que:

Exemplificando, o empregador, caso tenha aumentado um custo, em virtude de um novo tributo do qual seja o contribuinte, não poderá reduzir o salário do empregado. Mas se for majorado um tributo juridicamente devido pelo empregado, na condição de contribuinte, sendo o empregador o responsável tributário, este terá todo o direito de proceder à retenção. A importância líquida recebida pelo empregado será reduzida, mas este não poderá dizer que seu salário diminui. O que aconteceu foi que o tributo, devido juridicamente pelo empregado, foi retirado de seu salário, tendo sido dado ao empregador o direito de fazê-lo (SEGUNDO, 2011, p. 105).

Do exposto, pode-se concluir que o artigo 166, do Código Tributário Nacional, apenas se aplica aos tributos que juridicamente repercutem, ou seja, aqueles que são pagos em relações jurídico-tributárias nas quais há mais de um sujeito passivo legalmente definido, cabendo a um desses sujeitos o ônus de recolher o tributo, mas, por igual, o ônus de cobrá-lo do outro sujeito passivo envolvido. É que, somente assim é possível determinar com clareza se houve a repercussão jurídica do encargo financeiro (SEGUNDO, 2011, p. 105).

Quanto aos tributos ditos indiretos, assim classificados porque incidem sobre o consumo ou sobre operações que permitem um aumento no preço repassado ao consumidor final, o artigo 166, do Código Tributário Nacional, não se lhe aplica, sobreveste por conta da incompatibilidade de sua aplicação com o disposto no artigo 5º, XXXV, da Constituição, e com os princípios da tributação, como o princípio da legalidade, pois cria-se uma situação na qual um tributo cobrado sem qualquer fundamento em lei válida não pode ser restituído àquele que o pagou, não se podendo obter, do Poder Judiciário, uma reparação eficaz (SEGUNDO, 2011, p. 106).

A esse respeito, propondo um novo paradigma legal, Hugo de Brito Segundo consigna que:

Se se insistir que essa solução, em relação ao ICMS, ISS e IPI seria adequada, pois economicamente seria bastante claro que tais tributos são suportados pelo consumidor, a solução serpa, como já apontado, alterar as disposições relativas a tais impostos para fazer com que o consumidor seja, juridicamente, alçado à condição de contribuinte, com todas as consequências daí decorrentes. Não seria, como já explicado, a melhor alternativa, mas ainda assim preferível em relação à situação atual. O que não se pode admitir, convém reiterar, é que uma relação jurídica tenha em seu polo passivo pessoas que dividem essa posição (de fato e de direito) de sorte a que nenhuma delas possa exercer as faculdades que lhe são próprias, sem que se lhes aliviem, contudo, os ônus (SEGUNDO, 2011, p. 108).

Assim é que, em proposição didática, abrem-se dois caminhos práticos para a sanação da atual situação lesiva em que se encontra o contribuinte de um imposto indireto cobrado indevidamente. Ou passa-se a interpretar o art. 166, do Código Tributário Nacional, conforme a Constituição, fazendo-o incidir apenas sobre aqueles tributos que, visivelmente, comportam a translação jurídica de seu encargo econômico-financeiro, ou se propõe um novo sistema legislativo no qual se alça o consumidor final à qualidade de contribuinte dos impostos que lhe oneram o consumo, de forma a adjudicar-lhe a possibilidade de pleitear, em nome próprio, a restituição do tributo pago a maior.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma vez paga determinada quantia a título de exação tributária, surge para o suposto contribuinte o direito de reaver aquilo que lhe foi exigido à montante. Tal pretensão resulta de um dos vários mecanismos desenvolvidos pela ciência jurídica no intento de evitar o enriquecimento sem causa do sujeito exator – o Fisco.

Ocorre que determinados tributos, ditos indiretos, oportunizam, por sua própria natureza, a transferência de seu impacto econômico para sujeito estranho à relação obrigacional tributária. Na sistemática destes tributos, aquele que realiza o fato gerador da obrigação principal não é, necessariamente, o sujeito que desembolsa a expressão monetária utilizada para saldar o débito assumido com a Fazenda Pública.

Durante muito tempo, a jurisprudência pátria evolui no sentido de que, em relação a esses tributos, não haveria qualquer direito a sua repetição, mesmo quando pagos indevidamente. Nesse sentido, inclusive, foi editada a Súmula n. 71, do Supremo Tribunal Federal, que enuncia que “Embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto”.

O posicionamento encabeçado pelos tribunais pátrios fundamentava-se na tese pela qual aquele que realizou o fato gerador e recolheu o tributo indireto, na realidade, por ter transferido seu encargo econômico a um terceiro, não tendo sofrido o impacto da exação, não seria parte legítima para pleitear sua devolução. Dizia-se que entre o enriquecimento ilícito do contribuinte de direito e o do Fisco, este último seria preferível, posto que, em última análise, a Fazenda Pública atuaria sempre no interesse da coletividade.

Essa visão estreita, contudo, gerou um sem número de distorções práticas, forçando a jurisprudência a mudar radicalmente seu posicionamento. O STF, então, reviu seu entendimento consolidado na Súmula n. 71, editando a Súmula n. 546, onde se lê que “Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo”.

Na linha desse novel entendimento, o art. 166, do Código Tributário Nacional passou a dispor que:

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la (BRASIL, 1966).

Como se pode ver, a partir de então, avultou-se em importância a classificação dos tributos em diretos e indiretos, ao menos no que diz respeito ao mecanismo engendrado para sua devolução, quando pagos de maneira indevida.

Ocorre que, quiçá no interesse da sanha arrecadatória do Estado, teses fiscalistas começaram a prevalecer na interpretação do art. 166, do Código Tributário Nacional.

Criou-se, assim, duas modalidades de contribuintes “castrados”: o contribuinte de fato, que arca com o peso econômico da arrecadação, mas não tem legitimidade para reaver o excesso pago a título de tributo, pois não é parte formal da relação jurídico-tributária e; o contribuinte de direito, que é parte formal na relação tributária mas que, por não arcar com o encargo econômico-financeiro da exigência, não se considera titular da pretensão repetitória.

Uma saída encontrada por parte da doutrina (AMARO, 2006, p. 426) é a constatação de que uma relação de indébito se instaura apenas entre o contribuinte de direito e a Fazenda Pública, de modo que o terceiro, estranho, só poderia, eventualmente, invocar seu direito contra o contribuinte de direito numa relação de direito privado.

Dessa forma, pelo que prega esta parcela da doutrina, tanto o contribuinte de fato, quanto o de direito, deveriam se submeter à cobrança indevida passivamente para que, somente após, o contribuinte de fato se insurja contra o de direito, no seio de uma relação privada. Este último, de posse da comprovação de ter restituído àquele, no seio de uma demanda cível, a quantia paga à maior, poderia, então, ingressar com a actio in rem verso em face da Fazenda Pública.

O expediente acima exposto se mostra dificultoso, caro e, acima de tudo, moroso, desrespeitando vários princípios constitucionais como o da isonomia, legalidade e razoável duração do processo, atrasando e entravando a efetividade da prestação jurisdicional.

Destarte, de lege ferenda, é que se propõe, com base na doutrina de Hugo de Brigo Machado Segundo, dois caminhos para a solução do atual embate em que se encontra o contribuinte de um imposto indireto cobrado indevidamente.

A primeira possibilidade, menos traumática, seria a interpretação do art. 166, do Código Tributário Nacional, conforme a Constituição, fazendo-o incidir apenas sobre aqueles tributos que, visivelmente, comportam a translação jurídica de seu encargo econômico-financeiro, ou seja, aqueles que são pagos em relações jurídico-tributárias nas quais há mais de um sujeito passivo legalmente definido, cabendo a um desses sujeitos o ônus de recolher o tributo, mas, por igual, o ônus de cobrá-lo do outro sujeito passivo envolvido. É o que ocorre, por exemplo, com o imposto sobre a renda retido na fonte.

A segunda possibilidade seria a propositura de um novo sistema legislativo no qual o consumidor final seria alçado à qualidade de contribuinte dos impostos que lhe oneram o consumo, de forma a franquear-lhe a possibilidade de pleitear, em nome próprio, a restituição do tributo, quando pago a maior.

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Sobre os autores
Eduardo de Figueiredo Andrade Paz

Especialista em Direito Tributário, advogado militante, sócio do Escritório Campelo & Sá Advogados Associados.

Maria Ivoneide Pinheiro de Figueiredo

Bacharel em Direito pela Faculdade Maurício de Nassau.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAZ, Eduardo Figueiredo Andrade; FIGUEIREDO, Maria Ivoneide Pinheiro. A legitimidade do contribuinte de fato na repetição do indébito tributário na sistemática dos tributos indiretos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3996, 10 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28189. Acesso em: 22 dez. 2024.

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