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A lide simulada na Justiça do Trabalho

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Agenda 01/04/2002 às 00:00

6. As Verbas Rescisórias Geralmente Omitidas na Quitação

Não se discute a natureza alimentar do salário. Tratando-se de uma sociedade, tal qual a brasileira, onde existe o desemprego, o subemprego, a exploração da mão-de-obra com o pagamento de baixas remunerações, a intensa carga tributária que afeta a operacionalidade das empresas, essa natureza reveste-se de maior importância, constituindo-se no pilar sobre o qual assenta-se praticamente toda a família do obreiro. Assim, por ocasião da terminação da relação de emprego, deveria ele receber corretamente os seus haveres rescisórios, o que, infelizmente não acontece, quando da ocorrência da lide simulada.

Sobre a natureza alimentar do salário, registre-se o perfeito entendimento de Francisco Rossal de Araújo, que leciona:

"A natureza alimentar do salário é de fácil compreensão. O ser humano deve trabalhar para dar valor econômico às matérias-primas da natureza. Apesar de alguma doutrina econômica dizer que o valor das mercadorias é dado pela utilidade que elas têm para quem vai utilizá-las (paradoxo da água e do diamante), a maioria dos economistas prefere o critério mais objetivo da quantidade de trabalho. O valor-utilidade, por ser extremamente subjetivo, impede a formulação de uma teoria econômica e, por esse motivo, prefere-se o critério do valor-trabalho. Todo o valor de uma mercadoria não decorre exclusivamente do trabalho a ela agregado, pois existem outros elementos, como o custo da matéria-prima, o custo financeiro, etc. É certo, porém, que nenhuma mercadoria deixa de incluir o componente trabalho no seu valor. (...) A parte que retorna ao trabalhador permite a sua sobrevivência e, conforme a circunstância, também pode permitir que faça alguma poupança, no sentido de lhe permitir adquirir outros bens. Nesse sentido, o salário também pode produzir uma redistribuição de riqueza. Seja qual for o caso, o certo é que uma redistribuição de riqueza é sempre parcial, pois, se fosse total, desapareceria a noção de lucro e, sem ela, o sistema capitalista não existiria por falta de um de seus elementos essenciais".

Desta forma, tratou-se de proteger o trabalhador contra a despedida arbitrária, proteção essa configurada na Carta Constitucional de 1988, em seu artigo 7º, I, que diz:

Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentro outros direitos;

Veja-se que tal disposição demonstra a especial importância dada pelo legislador à garantia do emprego, ciente de que sem ele o trabalhador não poderá intentar qualquer melhoria de sua condição social, mormente nos tempos atuais, em que se percebe a imposição de diretrizes externas a comandar a economia nacional, principalmente do Fundo Monetário Internacional (FMI), a pretexto de uma globalização da economia. Não se pode negar essa intromissão, ela é palpável e avança cada vez mais.

Relativamente à terminação da relação de emprego, vital é para o empregado que o recebimento das parcelas ocorra dentro da normalidade prevista legalmente, ou seja, que todos os direitos trabalhistas a que faz jus sejam satisfeitos plenamente, de modo a permitir-lhe um certo conforto

financeiro, durante o período em que deverá lançar-se ao mercado em busca de uma nova colocação, o que não afigura-se uma facilidade, ao contrário, com os índices de desemprego ampliando-se cada vez mais em nosso País, o futuro mostra-se incerto e nebuloso, quanto ao encontro breve de uma nova colocação.

Há que se referir a existência do seguro-desemprego, que contempla o pagamento ao trabalhador alijado da força de trabalho de valores destinados a suprir-lhe temporariamente as necessidades financeiras, mas observe-se que trata-se de uma medida paliativa, que de maneira alguma poderá substituir a efetividade do salário e a perspectiva da reinserção do trabalhador no mercado de trabalho.

Percebe-se que normalmente um dos motivos que levam as empresas a intentar o ajuizamento de lides simuladas é o acúmulo de valores a serem satisfeitos ao trabalhador por ocasião de sua despedida. Evidentemente, os valores deverão ser pagos de uma só vez, aumentando de maneira substancial o desencaixe financeiro por parte da empregadora. Então, numa tentativa de reduzir esse compromisso, ocorre a supressão de determinadas verbas que deveriam ser quitadas no Termo de Rescisão, tais como: férias vencidas e não gozadas, com o respectivo acréscimo do terço previsto constitucionalmente, horas extras trabalhadas e impagas, benefícios previstos em acordos coletivos, vale-transporte não concedido durante a contratualidade, gratificações, ocorrendo o pagamento somente de aviso prévio, férias proporcionais, 13º salário proporcional, saldo de salários, em conjunto com a liberação de guias para a obtenção do seguro-desemprego e para o levantamento dos valores do FGTS depositados na conta vinculada do empregado. Veja-se que a quantidade de verbas que podem ser omitidas no pagamento da rescisão contratual concorrem substancialmente para um verdadeiro enriquecimento ilícito da empregadora, e ao mesmo tempo para uma dilapidação enorme da condição econômica do trabalhador, já fragilizado pela perda do emprego, que evidentemente, é o mal maior na situação por ele vivenciada.

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7.

Como Coibir a Utilização das Lides Simuladas

Sabe-se que um dos objetivos da simulação é a obtenção da quitação da inicial e do contrato de trabalho, com o escopo de impedir futuro ajuizamento de reclamatória. Partindo desse pressuposto, e tendo em vista que as partes normalmente comparecem na audiência inaugural com a lide conciliada, deverá o Magistrado tomar certas precauções no momento da homologação do acordo. Além de observar os aspectos formais do ajuste colocado à sua apreciação, deverá, principalmente, verificar o seu conteúdo, conferindo a existência ou não de verdadeira transação.

Uma vez detectada a fraude, o julgador deverá escolher o melhor caminho a fim de obstar o prosseguimento de tal ilícito. Na maioria das vezes a solução encontrada consiste na imediata prolação de decisão, extinguindo o feito sem o julgamento do mérito, por carência de ação, e ainda, pela aplicação subsidiária do artigo 129 do Código de Processo Civil, conforme disposição contida no artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Sobre essa modalidade de solução adotada pelos Magistrados, veja-se o entendimento de José Roberto Freire Pimenta:

"Embora tecnicamente tal conduta seja irrepreensível, tenho sustentado que nos casos em que o empregado na verdade nada teve a ganhar (e muito a perder) com aquela reclamação e simplesmente não teve escolha, tendo que se sujeitar à exigência patronal nesse sentido (sob pena de não receber de imediato suas verbas rescisórias e a documentação necessária para receber os valores relativos ao FGTS e a seguro-desemprego), esta solução simplesmente privará o trabalhador desses meios de subsistência imediata – e isto apenas temporariamente, pois este, com toda a certeza, ajuizará nova reclamação trabalhista, de teor e finalidade idênticos, em cuja audiência tomará redobrado cuidado para nada revelar ao Juízo à qual a mesma for distribuída, para que a homologação da falsa transação seja feita sem maiores problemas".

Outra possibilidade que se vislumbra é a de que o julgador proceda a homologação parcial da conciliação, suprimindo a cláusula de quitação plena do contrato de trabalho, concedendo efeito liberatório somente às verbas constantes do Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho, ou aos valores ajustados para pagamento, o que elimina a clara imposição econômica da reclamada sobre o trabalhador. Nesses casos, normalmente a empresa não concordará com a homologação, pois resta evidente que o seu principal objetivo é a obtenção da quitação total do contrato.

Existe ainda a possibilidade de o juiz negar-se a homologar completamente o ajuste, determinando o normal prosseguimento do feito, com a entrega da contestação por parte da reclamada. Diante dessa atitude, normalmente as partes são tomadas de surpresa e, não raro, o reclamante desiste da ação, obviamente com a concordância da parte contrária, uma vez que o verdadeiro objetivo não foi alcançado e, provavelmente, após o arquivamento do feito, o empregado ajuizará reclamação idêntica, nos termos do artigo 269 do Código de Processo Civil, em outra Vara do Trabalho, com a mesma finalidade. Neste ponto, cabe fazer referência à atitude a ser tomada pelo julgador, pois, embora ele não possa negar a homologação da desistência, deverá, obviamente nas Comarcas em que houver mais de uma Vara do Trabalho, expedir ofício às demais, no sentido de informar o ocorrido, inclusive anexando cópia da ata onde reste evidenciada a prática da simulação, para coibir de maneira eficaz a reiteração daquela reclamatória.

O Ministério Público do Trabalho, a seu turno, está amparado por lei para exercer a representação dos interesses da Justiça do Trabalho na pretensão de ver nulo ou anulado ato judicial fundado em ato jurídico contaminado pela simulação. Papel importantíssimo lhe incumbe, como guardião institucional dos direitos sociais garantidos constitucionalmente aos trabalhadores, pois, uma vez cientificado da ocorrência de uma lide simulada, deverá fazer uso de todos os instrumentos administrativos e judiciais cabíveis, tais como: procedimento investigatório, inquérito civil público, termo de ajuste de conduta e ação civil pública de natureza cominatória, para coibir definitivamente a proliferação da reprovável simulação de lides trabalhistas.


8. Considerações Finais

Entendemos que restou oportuna a abordagem do tema, uma vez que o principal objetivo da Jmpregadustiça do Trabalho é o de assegurar ao trabalhador os direitos sociais constitucionalmente garantidos, os quais, infelizmente, em inúmeras oportunidades são desrespeitados frontalmente, com o ajuizamento de reclamatórias fraudulentas, impondo a força do poder econômico sobre a força de trabalho.

Ademais, tentamos focalizar o assunto principalmente em dois aspectos, quais sejam: as conseqüências da lide simulada para o advogado, com a sua responsabilização e aplicação das sanções legalmente previstas e também quanto ao próprio esvaziamento do Direito do Trabalho, porquanto a Justiça do Trabalho, órgão encarregado de aplicar a legislação vigente no âmbito laboral, uma vez vitoriosa a lide simulada, ver-se-á transformada em um órgão simplesmente homologador de rescisões, tarefa para a qual não foi criada.

Outrossim, constatamos que o assunto permanece em discussão junto aos operadores do Direito, mas de maneira não muito freqüente, o que não deveria ocorrer, em razão da sua enorme importância jurídica, social e econômica, pois relacionado diretamente ao binômio capital/trabalho, fenômeno que é inerente à sociedade e crucial para a própria sobrevivência do trabalhador e de sua família. Cabe, neste ponto, salientar a dificuldade que tivemos, por ocasião da pesquisa bibliográfica, em encontrar obras a respeito do tema, configurando essa situação a insuficiente discussão do assunto existente dentre os operadores do Direito, em que pese a sua relevância.

Em muito contribuiria para a diminuição da existência de lides simuladas na Justiça do Trabalho se as partes envolvidas nesse processo, principalmente os advogados, pela sua condição técnica, alertassem os seus constituintes para a situação ilegal da simulação, elevando o seu nível de consciência a fim de sequer materializar-se a fraude. De outra banda, devem as autoridades competentes permanecer em contínua vigilância no sentido de coibir com eficácia a propagação dessa modalidade de fraude, lançando mão dos dispositivos legais colocados à sua disposição, a fim de permitir a correta aplicação do Direito, de forma harmônica e condizente com uma sociedade que pretende ser democrática e respeitadora da ordem social. Entende-se que nem sempre isso é possível, diante da argúcia e determinação daqueles que insistem em perpetrar esse ataque contra um dos princípios fundamentais do Direito, qual seja, o princípio da boa-fé, por isso a insistência de que o tema deve ser constantemente debatido em congressos, simpósios, universidades, assembléias e outros fóruns adequados para tanto, com o escopo de conscientizar o quão profundo é o mal causado por essa modalidade de fraude.


9. Obras Consultadas.

SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. 19ª ed., Ed. LTr, 2000.

ARAUJO, Francisco Rossal de. A Boa-fé no Término do Contrato de Emprego: o pagamento das verbas rescisórias (resilitórias). Revista de Jurisprudência Trabalhista nº 185, ano 16, p. 91/103, mai/1999.

PIMENTA, José Roberto Freire. Lides Simuladas: A Justiça do Trabalho como Órgão Homologador. Ed. LTr nº 01, ano 64, p. 39/56, jan/2000.

PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Ed. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 1999.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Luiz Eduardo Vieira. A lide simulada na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2849. Acesso em: 22 nov. 2024.

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Extrato do trabalho de conclusão de curso apresentado perante a banca examinadora na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Campus de Gravataí (RS).

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