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O controle jurisdicional de convencionalidade e a Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência

Agenda 16/05/2014 às 08:06

Busca compreender a compatibilização vertical das normas com os tratados de direitos humanos e mais especificamente utilizar a Convenção Internacional sobre o direito das pessoas com deficiência como parâmetro pro controle de convencionalidade.

O CONTROLE JURISDICIONAL DE CONVENCIONALIDADE E A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE O DIREITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

RESUMO:  Hodiernamente é perceptível que o direito internacional está cada vez mais influenciando o direito interno dos Estados. Além dessa influência e a inserção dos tratados internacionais no ordenamento jurídico do Brasil e houveram inovações advindas da Emenda 45/2004, surgindo uma nova forma de compatibilização das normas, onde é buscado não só uma adequação das leis com o texto constitucional como também com os direitos previstos nos tratados de direitos humanos, instituto conhecido como controle de convencionalidade. Neste sentido, pretende-se compreender a compatibilização vertical das normas com os tratados de direitos humanos e mais especificamente utilizar a Convenção Internacional sobre o direito das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo como parâmetro para o controle de convencionalidade.

PALAVRAS CHAVE: Tratados de direitos humanos; Compatibilização Vertical; Convencionalidade.

ABSTRACT: Nowadays is noticeable that the international law is more and more influencing the internal law of States. Besides this influence and integration of international treaties in the Brazilian legal system, there were innovations resulted from 45th Amendment , emerging a new form of rules compatibility where is pursued not only an adequacy between the laws and the Constitution as well with the rights provided for human rights treaties, institute known as conventionality control. In this way, this work intends to understand the vertical compatibility between the domestic rules and the human right treaties, more specifically use the International Convention on the rights of persons with disabilities and its optional protocol as parameter for the conventionality control.

KEY WORDS: Human right treaties; Vertical compatibility; Conventionality.

1 INTRODUÇÃO

É perceptível que nos dias hodiernos, os direitos humanos não são apenas matéria de direito interno, como também matéria com proteção internacional. Espera-se que todas as nações respeitem os direitos humanos e hoje essa expectativa de respeito é vista como uma obrigação dos Estados, onde poderá existir a possibilidade de protesto por meio de outras nações e da comunidade internacional caso os direitos humanos não sejam respeitados.

A concepção contemporânea de Direitos Humanos que vêm disposta no preâmbulo da convenção internacional sobres os direitos das pessoas com deficiência diz que estes são indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados e é necessário garantir que todas as pessoas com deficiência os exerçam plenamente. Com isso, pode-se dizer que passa a existir uma concepção universal dos direitos humanos, objetivando prevalecer a proteção da dignidade da pessoa humana.

Devido à grande ênfase dada pela Carta Magna de 1988 aos direitos concernentes à dignidade humana e com a complementação textual advinda pela Emenda 45/2004, a incorporação diferenciada para os tratados de direitos humanos trouxe mudanças significativas para as concepções doutrinárias e jurisprudenciais brasileiras. Neste sentido, visa-se analisar com este trabalho a incorporação da Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo, o qual foi o único tratado que foi incorporado pelo quorum estabelecido no §3º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, e assim usá-lo como parâmetro acerca do controle de convencionalidade das leis.

Em virtude das mudanças feitas pela Emenda nº. 45 à Carta Magna de 1988 onde adiciona o §3º ao artigo 5º é atribuído um valor hierárquico diferenciado aos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, onde estes quando aprovados por um quorum qualificado passarão a ter a condição formal de tratados equivalentes às emendas constitucionais.

Acontece que, para que sejam equivalentes à emenda constitucional, o §3º preconiza que estes tratados deverão ser aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. Porém, dentre os tratados de direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro apenas um foi incorporado observando o disposto acima, sendo este a Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo, o qual foi promulgado pelo Decreto presidencial nº 6949 de 25 de agosto de 2009.

Sendo assim, por força do §3º do artigo 5º, entende-se que esta Convenção é materialmente e formalmente constitucional, já os outros tratados que forem incorporados sem o procedimento mencionado no §3º será considerado apenas materialmente constitucionais[2].

Com esse acréscimo advindo da Emenda 45, passou a existir um novo tipo de controle que vem sendo defendido pela doutrina garantista[3]: o controle de convencionalidade das leis. Entende-se que além do já existente controle de constitucionalidade, deve existir um controle de convencionalidade das leis, que é a compatibilização vertical de uma lei com os tratados internacionais de direitos humanos que forem ratificados e estejam em vigor no país.

O controle de convencionalidade é um tema que vem sendo discutido entre alguns doutrinadores[4], com o objetivo de adequação no qual as leis não só passem por um controle de constitucionalidade, para que estejam adequados as disposições constitucionais, como também, passem por um controle de convencionalidade, estando compatíveis com as disposições dos tratados de direitos humanos incorporados no ordenamento jurídico brasileiro.

Enfim, pretende-se com este estudo, analisar a compatibilização vertical das leis com os tratados de direitos humanos ratificados e em vigor no país e com essa análise poderá ser visto como se dá no ordenamento brasileiro o funcionamento de um controle de convencionalidade das leis, compatibilizando as normas domésticas com os textos dos tratados internacionais de direitos humanos incorporados no Brasil e mais especificamente com a convenção internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo.

2 TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

2.1 ANTES DA EMENDA 45/2004: COSTITUCIONALIDADE E APLICAÇÃO IMEDIATA

            A Constituição Federal de 1988 é vista como um marco jurídico de transição ao regime democrático[5], já que esta deu uma grande ênfase aos direitos e garantias fundamentais. Isso fez com que o aumento da proteção dos direitos humanos no ordenamento interno criasse uma abertura ao país para a internacionalização dos direitos humanos.

            A nova Carta é considerada a mais humanitária e protetiva dos direitos humanos, esta fundou-se da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos como princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, podendo ser visto, respectivamente, nos art. 1º, III e art. 4º, II da CF. Inclusive, a nova lei maior é a primeira a qual atribuiu a prevalência dos direitos humanos como um dos princípios fundamentais no qual o Brasil deve observar para reger-se nas suas relações internacionais.

            Desta forma, passou a ser incluído pela Constituição de 1988 dentre os direitos constitucionais protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Onde no art. 5º, §2º preceitua que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (grifos nossos).

            Assim, em análise a esse dispositivo, percebe-se que ele deixa brechas, dando margem à entrada no rol de direitos e garantias consagrados pela Constituição os direitos e garantias que são provenientes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, uma vez que os tratados de direitos humanos que forem ratificados pelo Brasil passam a possuir índole e nível constitucional[6].Ou seja, quando afirma que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem os outros decorrentes dos tratados internacionais”, quer dizer que a CF inclui entre os seus direitos constitucionalmente protegidos, os direitos que vierem a ser denotados nos tratados internacionais que o Brasil seja parte. Neste sentido, Flávia Piovesan diz que

“Ao efetuar a incorporação, a Carta atribui aos direitos internacionais uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional. Os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados.”[7]

 

             Isto quer dizer que, a CF considera os direitos e garantias que derivarem dos tratados internacionais como se nela estivessem escritos. Em outras palavras, isto importa que a Carta de 1988 ao incluir estes direitos no rol de constitucionalmente protegidos passa a ampliar o seu bloco de constitucionalidade, no qual, esses direitos derivados dos tratados internacionais agora fazem parte.

            Resultante do art.5º §2º da CF, surge a hierarquia constitucional dos direitos enunciados nos tratados de direitos humanos, ou seja, a natureza de matéria constitucional dos direitos fundamentais. Visto que, conforme o expresso no parágrafo supracitado, ao incluir os direitos advindos de tratados internacionais de direitos humanos no rol de direitos constitucionalmente protegidos, fazendo com estes direitos previstos nos tratados preencham e complementem a lista de direitos fundamentais previsto na Constituição, a Carta Magna deixa claro que os direitos constantes dos tratados de direitos humanos são de conteúdo constitucionais, mesmo que não sejam enunciados como normas constitucionais e sim como tratados internacionais.

            Neste diapasão, Valério Mazzuoli defende que existem três vertentes dos direitos e garantias fundamentais da Constituição, sendo eles: os direitos e garantias que estão expressos no texto da Carta Magna, tais como os elencados nos incisos I ao LXXVIII do art. 5º e outros dentro de seu texto, os direitos implícitos e os que estão inscritos nos tratados internacionais que o Brasil seja parte.[8]

            Ora se, ao declarar que os direitos derivados dos tratados internacionais não são excluídos (art. 5º, §2º), a Carta brasileira nos faz reconhecer que os direitos humanos que derivarem dos tratados internacionais são constitucionais, inclusos no bloco de constitucionalidade. Desta forma, pode-se entender que estes são vistos como de matéria constitucional, daí então surgindo o caráter constitucional dos tratados de direitos humanos.

            O §2º do art. 5º, faz conceber que a CF admite a entrada dos tratados internacionais de direitos humanos no mesmo grau hierárquico que as normas constitucionais, teoria a qual este trabalho defende. Porém, há de que se mencionar a posição do STF, a primeira posição, a qual já está ultrapassada, afirmava que os tratados internacionais, incluindo os de direitos humanos tinham status de lei ordinária, porém, mais recente a partir de 3 de dezembro de 2008 de acordo com o julgado no RE 466.343-1/SP, o órgão reconhece os tratados de direitos humanos como norma supralegal. Por outro lado, existem correntes doutrinárias as quais afirmam que os tratados de direitos humanos tem nível supraconstitucional levando-se em consideração a expansão dos direitos humanos como normas de jus cogens internacional. Logo, reafirmando, neste trabalho defende-se que os tratados de direitos humanos são normas constitucionais, não estando nem acima (supraconstitucional) e nem abaixo da mesma (infraconstitucional).

            De fato, quando a Constituição incorpora em seu texto os direitos previstos nos tratados internacionais de direitos humanos, ou seja, direitos internacionais, lhe atribui uma natureza especial e diferenciada, sendo esta a de norma constitucional. Esses direitos internacionais concernentes a proteção do ser humano passam a integrar o rol dos direitos constitucionalmente protegidos, ou seja, quando a Carta há a incorporação desses valores provenientes de tratados internacionais a CF lhes dá juridicidade, reconhecendo que estes fazem parte de um direito constitucional válido. Com isso, vê-se que a hipótese de que os direitos provenientes dos tratados de direitos humanos são infraconstitucionais fica cada vez mais distante de ser aceita.[9]

            Além de receberem o status constitucional, os tratados internacionais de direitos humanos, por determinação da Constituição Federal, têm aplicação imediata no ordenamento jurídico, onde estes a partir da ratificação já se incorporam automaticamente em nossa ordem jurídica. Tal ordem constitucional se extrai do §1º do art. 5º de seu texto, no qual preceitua que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Assim sendo, ao verificar que os tratados internacionais de direitos humanos se encaixam como normas definidoras de direitos e garantias fundamentais é claro que a incorporação destes tratados em nosso ordenamento seguirá esta determinação constitucional, ou seja, acontecerá a aplicação imediata destes.

            Neste sentido Valério Mazzuoli explicita

“Ora, se as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, uma vez ratificados, por também conterem normas que dispõem sobre direitos e garantias fundamentais, terão, dentro do contexto constitucional brasileiro, idêntica aplicação imediata. Da mesma forma que são imediatamente aplicáveis aquelas normas expressas nos arts. 5º a 17 da Constituição da República, o são, de igual maneira, as normas contidas nos tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil seja parte.”[10]

            É perceptível que não há distinção entre os direitos constitucionalmente protegidos que estão explícitos e implícitos na Carta Magna e os direitos expressos nos tratados internacionais. Ambos são considerados como inclusos no rol de direitos constitucionalmente protegidos de tal forma que ao caracterizar a aplicação imediata das normas que tratem direitos e garantias fundamentais estão aí inclusos os tratados de direitos humanos.

            Já relativo aos efeitos da aplicação imediata dos tratados internacionais, convém explanar que no que concerne aos tratados de direitos humanos, os quais são considerados como normas constitucionais e utilizando-se da força do §1º do art. 5º, é dispensado o decreto executivo para que esses comecem a produzir seus efeitos internamente e internacionalmente, quando o simples ato da ratificação já produz a incorporação automática de suas normas no ordenamento interno, porém quanto aos tratados internacionais que não tratam de direitos humanos para que sejam materializados no direito interno se faz necessário o decreto de execução para que possam produzir seus efeitos na ordem interna.

            Por sua vez, importa salientar que a aplicação imediata dos tratados internacionais de direitos humanos não é da edição do Decreto Legislativo, e sim da posterior ratificação pelo Presidente da República conforme o art. 84, VIII da Carta Magna. Ato o qual é imprescindível, pois a vigência do tratado internacional na ordem interna depende da vigência dele no plano internacional, já que o mesmo só pode ser obrigado internamente a partir do momento que já esteja sendo obrigado internacionalmente.[11]

            À vista disso, entende-se que existe um sistema misto no Direito brasileiro, onde, para os tratados internacionais de direitos humanos será aplicado o sistema de incorporação automática por força do art. 5º, §1º e quanto aos outros tratados será aplicado o sistema de incorporação legislativa, devido a necessidade de um ato normativo para tornar o tratado obrigatório na ordem interna.[12]

2.2 TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS E OS EFEITOS DA EMENDA 45

Além da incorporação automática e da hierarquia constitucional atribuída aos tratados internacionais de Direitos Humanos, respectivamente no §1º e §2º do art. 5º da Carta Magna, foi acrescentado um §3º à este artigo pela Emenda Constitucional nº 45 de 8 de dezembro de 2004, objetivando resolver as celeumas doutrinárias e jurisprudenciais que há em relação à hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. O §3º adicionado pela Emenda 45 se assemelha ao §2º do art. 60 da Carta Magna de 1988, que trata da proposta de emenda à Constituição a qual deve ser “discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros”. Antes da Emenda 45, os tratados de direitos humanos eram aprovados por maioria simples no Congresso, conforme o art. 49, I, da CF, onde passaram a existir diversas controvérsias jurisprudenciais sobre a sua hierarquia infraconstitucional, ou seja, eram vistos como normas ordinárias.

            Este novo dispositivo têm a seguinte redação:

Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas à Constituição.

Na elaboração deste parágrafo, o legislador brasileiro talvez tenha usado de inspiração a Lei Fundamental Alemã[13] em seu artigo 79, §§1º e 2º, que prevê que os tratados internacionais (relativos à paz, a Lei Fundamental Alemã não chega a se referir aos “tratados sobre direitos humanos”) podem complementar a Constituição, desde que aprovados por dois terços dos membros do Parlamento Federal e dois terços dos votos do Conselho Federal, onde a Lei Fundamental só poderá ser emendada por uma lei que altere ou complemente expressamente o seu texto, e a mesma não se opõe a conclusão e entrada em vigor de um tratado que venha a complementar o texto da Lei Fundamental. [14]

Acontece que, com o art. 5º, §3º não foi possível pôr fim às controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, onde não conseguiu identificar qual o grau hierárquico conferido pela Constituição aos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. Esse parágrafo não veio a reforçar o significado do §2º do art. 5º e sim para contrariar o que já estava ambíguo por esse mesmo parágrafo.

Neste sentido, percebe-se que a redação do art. 5º, §3º suscita à conclusão de que apenas as convenções que forem aprovadas pelo quorum estabelecido neste dispositivo teriam o valor hierárquico de norma constitucional. Com isso, vê-se que pode acontecer a incorporação de alguns tratados sem esse quorum, os quais teriam aparentemente valor de norma infraconstitucional. Ainda também, surge a questão em saber se os tratados de direitos humanos que já foram aprovados anteriormente à entrada em vigor da Emenda 45 perderiam o status de norma constitucional obtido pelo §2º, art.5º caso não seja aprovado pelo quorum do §3º, art. 5º.

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Para Valério Mazzuoli, o art. 5º, §3º seria mais condizente “se determinasse expressamente que todos os tratados de direitos humanos pelo Brasil ratificados têm hierarquia constitucional, aplicação imediata e, ainda, prevalência sobre as normas constitucionais no caso de serem suas disposições mais benéficas ao ser humano”[15]. Se assim fosse feito, teria uma resposta quanto ao status atribuído aos tratados internacionais de direitos humanos, evitando que houvessem problemas de interpretação constitucional.

Ainda assim, defende-se aqui que os tratados de direitos humanos, continuam a ter o nível de materialmente constitucionais por força do art. 5º, §3º, onde com o acréscimo deste novo parágrafo (§3º) passariam ser formalmente constitucionais. Ou seja, os aprovados sem o procedimento especial do §3º seriam materialmente constitucionais e os aprovados pelo quorum especial serão materialmente e formalmente constitucionais.

Oportuno mencionar que não se confunde a equivalência à emendas constitucionais dada pelo §3º, art. 5º, com as emendas constitucionais em si, previstas no art. 60, da Constituição Federal. A relação que existe entre os tratados internacionais de direitos humanos e às emendas constitucionais são de equivalência, e não de igualdade. Quando acontece o procedimento do art. 5º, §3º, o que está sendo aprovado é um ato que possibilitará que o tratado internacional de direitos humanos tenha equivalência a emenda, e não uma emenda. Por conseguinte, a incorporação do tratado internacional de direitos humanos se dará da mesma forma de antes da EC45/2004, devendo ser aprovado pelo Congresso via decreto legislativo, onde o Parlamento decidirá se será aprovado com o quorum de emenda ou não.

Neste seguimento, ressalta-se que o novo parágrafo não obrigada que o Poder Legislativo aprove o tratado de direitos humanos pelo quorum qualificado que estabelece, onde poderão continuar sendo aprovados por maioria simples, conforme o art. 49, I, da Carta Magna ou pela maioria qualificada estabelecida no art.5º, §3º, sendo este um ato discricionário do Poder Legislativo, que poderá aprovar o tratado com ou sem este quorum especial.

Destaque-se que havendo a aprovação do tratado de acordo com a sistemática aludida no art. 5º, §3º, essa aprovação não coloca o tratado em vigor no plano interno com equivalência a emenda constitucional, o que somente irá ocorrer após a ratificação do tratado pelo Presidente e que este já esteja vigorando no plano internacional.

Ademais, no que concerne a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos, estes já tem em virtude do art.5º, §2º o status de norma constitucional, conforme aludido anteriormente, assim estes tratados são materialmente constitucionais por estarem incluídos no bloco de constitucionalidade. O que acontece, é que quando aprovados pelo quorum estabelecido no §3º deste mesmo artigo, será atribuída a eficácia formal aos tratados de direitos humanos, pois estes já tem a índole e o nível de materialmente constitucionais devido ao §2º acima mencionado.

Não obstante, dentre os tratados de direitos humanos incorporados no Brasil apenas a Convenção Internacional sobre o direito das pessoas com deficiência e o seu protocolo facultativo, foram incorporados pelo procedimento do art. 5º, §3º, promulgados pelo Decreto nº 6949 de 25 de agosto de 2009, os quais passaram a ter equivalência de emenda constitucional de forma que vem a complementam o texto constitucional e podem reformar a Constituição Federal, ou seja, esta convenção ao ser aprovada pelo iter do §3º é uma norma de matéria e forma constitucional.

Assim sendo, dentre os efeitos mais amplos advindos da implementação do §3º ao art. 5º onde os tratados de direitos humanos (até então o único sendo a Convenção Internacional sobre o direito das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo) são equivalentes à emenda,  além do já terem o existente status de norma constitucional dado pelo §2º do art. 5º, Valério Mazzuoli cita três efeitos: 1) Os tratados internacionais de direitos humanos aprovados pelo art. 5º, §3º poderão reformar a Constituição Federal, o que não seria possível se tivessem apenas o status de norma constitucional, onde poderá ocorrer a reforma do texto constitucional conflitante; 2) Esses tratados aprovados pelo quorum especial não poderão ser denunciados, nem mesmo se houver Projeto de Denuncia elaborado pelo Congresso Nacional, e o Presidente da República poderá ser responsabilizado caso o denuncie, pois mesmo que o texto do tratado preveja sua denúncia, esta não poderá ser feita já que ao atribuir equivalência à emenda constitucionais esses tratados são cláusulas pétreas do texto constitucional; 3) Quando aprovados pelo art. 5º, §3º serão utilizados como paradigma do controle concentrado de convencionalidade, podendo servir de fundamento para que os legitimados do art. 103, da CF proponham no STF ações de controle abstrato objetivando invalidar erga omnes as normas que forem incompatíveis com os tratados. [16]

Em suma, os tratados internacionais de direitos humanos, mesmo sendo anteriores a emenda constitucional 45 são materialmente constitucionais, independente de qualquer aprovação por quorum qualificado. Estes serão considerados formalmente constitucionais depois de aprovados pelo procedimento qualificado no art. 5º, §3º, assim sendo materialmente e formalmente constitucionais. A partir deste momento, se tornarão insuscetíveis de denúncia pelo Presidente, passíveis do controle concentrado de convencionalidade e em caso de texto constitucional conflitante poderão reformar a Constituição.

3 O CONTROLE JURISDICIONAL DE CONVENCIONALIDADE

            Com o acréscimo do §3º ao art. 5º passou a existir um novo tipo de controle à normativa interna, conhecido como controle de convencionalidade das leis. Onde, com a existência de tratados de direitos humanos materialmente constitucionais (art.5º, §2º) e formalmente constitucionais (art.5º, §3º) entende-se que além do clássico controle de constitucionalidade, deveria existir um controle de convencionalidade das leis sendo este novo instituto a compatibilização das normas internas com o conteúdo dos tratados de direitos humanos ratificados e em vigor no Brasil.

            Porém, mesmo com a equivalência dos tratados de direitos humanos à emenda constitucional (por serem materialmente e formalmente constitucionais), não haverá o controle de constitucionalidade relativo à esses tratados, pois para doutrinadores como Valério Mazzuoli[17], só poderá haver o controle de constitucionalidade quando existe uma afronta à própria Constituição. Para realizar a compatibilização vertical das normas domésticas com os tratados internacionais de direitos humanos se utilizará do controle de convencionalidade. Ou seja, fala em controle de constitucionalidade para casos de compatibilização vertical das normas domésticas com a Constituição e do controle de convencionalidade em caso de compatibilização vertical das normas domésticas com os tratados internacionais de direitos humanos em vigor no país.

            Neste sentido, entende-se que mesmo que o tratado de direitos humanos tenha status de norma constitucional ou sejam equivalentes à emenda constitucional, em ambos os casos servirão de parâmetro para o controle da convencionalidade das leis, que existe na modalidade difusa ou concentrada.

  Por conseguinte, os tratados internacionais comuns, que versam sobre outros temas alheios aos direitos humanos, os quais têm status superior aos das leis internas no Brasil, também servirão como paradigma para controle das normas domésticas, porém a única diferença é que estes não servirão como parâmetro para o controle de convencionalidade, já que a expressão é reservada aos tratados de direitos humanos, mas haverá o controle de supralegalidade das normas infraconstitucionais. Contudo, não é incorreto nominar de “controle de convencionalidade” a compatibilização vertical das normas domésticas com qualquer tratado internacional, quer seja de direitos humanos ou não que estejam ratificador e em vigor no Brasil, mas alguns doutrinadores preferem reservar esta expressão apenas para a compatibilização das normas internas com os tratados de direitos humanos devido a sua hierarquia de norma constitucional, assim andando lado a lado à expressão “controle de constitucionalidade”.

Destarte, existirá uma compatibilização onde todas as normas que vierem adentrar no ordenamento interno devam passar por dois níveis de aprovação, onde o primeiro será com a Constituição e os tratados de direitos humanos que estiverem ratificados e em vigor no país e com os tratados internacionais comuns que também estejam ratificados e em vigor no pais. Logo, haverá respectivamente o controle de constitucionalidade, o controle de convencionalidade e o controle de supralegalidade.

            Os instrumentos internacionais sempre vêm com um parâmetro mínimo de proteção aos direitos humanos, porém cabe aos Estados que os assinarem e ratificarem, internalizar os direitos protegidos pelos instrumentos internacionais, principalmente quando se tratar de direitos humanos, assim, harmonizando a sua legislação interna com os tratados internacionais de direitos humanos. É partir daí que surge uma advocacia voltada ao controle de convencionalidade das leis, que buscará uma melhor e mais eficaz proteção da dignidade humana. 

            Este controle, trata do meio judicial interno para declarar a invalidade das leis que forem incompatíveis com os tratados internacionais de direitos humanos, se dando tanto por via de exceção (controle difuso ou concreto) como por meio de ação direta (controle concentrado ou abstrato).

            À vista disso, pode-se dizer que o controle de convencionalidade é a possibilidade de um juiz ou tribunal interno controlar pela via difusa a convencionalidade de uma lei. A doutrina já desenvolvida anteriormente chama o controle de convencionalidade como o exercício da compatibilidade normativa que era realizado pela instâncias internacionais de proteção dos direitos humanos, onde estas instâncias faziam o controle da convencionalidade das normas internas dos Estados partes.  Porém, a própria Corte Interamericana ordena que o controle de convencionalidade seja exercido em primeiro plano pelo Judiciário interno dos Estados partes com relação aos tratados de direitos humanos, especialmente pela via difusa.

            Dessa forma, Valério Mazzuoli diz que

“O controle de convencionalidade internacional é apenas coadjuvante ou complementar do controle oferecido pelo direito interno, como destaca o segundo considerando da Convenção Americana, que dispõe ser a proteção internacional convencional “coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos””. [18]

             Com isso, percebe-se que o controle de convencionalidade nacional, realizado por juízes e tribunais locais é o primeiro que deve ser realizado, antes mesmo de qualquer manifestação de um tribunal internacional a respeito do assunto. Ou seja, as cortes internacionais só poderão controlar a convencionalidade das normas domésticas quando o Poder Judiciário não o tenha feito ou tenha realizado de maneira insuficiente.

3.1 O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE PELA CORTE INTERAMERICANA

           

            O controle de convencionalidade pelos juízes e tribunais internos ora discutido neste trabalho já foram discutidos e ordenados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, onde a própria Convenção Americana já transcende os primeiros rastros da obrigatoriedade do controle de convencionalidade.

            Não obstante, a Corte Interamericana vêm controlando a convencionalidade das leis dos Estados partes da Convenção Americana, sendo esta uma de suas funções na posição de um tribunal internacional de direitos humanos.

            Entretanto, a partir de 2006[19] que a Corte Interamericana passou a entender que a obrigação de realizar o exame de compatibilidade das leis domésticas com a Convenção Americana era dos juízes e tribunais internos, devendo levar em conta a Convenção e a interpretação dela feita pela Corte Interamericana, a qual é chamada como “interprete última e mais autorizada do Pacto de San José”.

            Nesse caminho, a Corte Interamericana passou a emitir julgados[20] que firmavam cada vez mais que o controle da convencionalidade internamente é o primordial, onde apenas haverá atuação da justiça internacional em caso da não realização do controle internamente.

            Importa salientar que todo e qualquer tratado de direitos humanos serve como paradigma para o controle de convencionalidade, não se limitando somente à Convenção Americana. Os direitos assegurados nos tratados de direitos humanos formam o que se pode chamar de “bloco de convencionalidade”, sendo um direito de observância obrigatória pelos Estados partes.

            No entanto, foi no Caso Cabrera Garcia e Montiel Flores Vs. México, julgado em 2010 que foi firmada em definitivo pela Corte Interamericana a doutrina jurisprudencial acerca do controle de convencionalidade, com isso firmando a obrigação dos juízes e tribunais nacionais em aplicar a Convenção Americana conforme a interpretação dela feita pela Corte Interamericana. Ainda assim, a Corte amplia os órgão de controle de convencionalidade “aos juízes e órgão vinculados à administração da justiça em todos os níveis” no parágrafo 225 da sentença.

            Neste escopo, a sentença ainda cita decisões de várias Cortes Supremas dos países da América Latina (Costa Rica, Bolívia, República Dominicana, Peru, Argentina e Colômbia), os quais atribuíram internamente a obrigatoriedade da interpretação que a Corte Interamericana fez dos dispositivos da Convenção Americana, tal fato que ainda não aconteceu no Brasil.

            Com a manifestação de tribunais internos de outros países latino americanos faz perceber que existe uma interação inter cortes no Continente Americano, onde os tribunais internos e a Corte Interamericana interagem entre si buscando a promoção e proteção dos direitos humanos.

            Essa interação, chamada de diálogo inter cortes, demonstra que o controle de convencionalidade deve ser realizado não tão somente pelo tribunal internacional, como também pelo judiciário interno dos Estados.

            Além de ser intérprete última da Convenção Americana, a Corte Interamericana emite pareceres consultivos que devem ser respeitados pelo direito interno. Esses pareceres objetiva auxiliar os juízes e tribunais a controlar a convencionalidade das leis em face dos tratados de direitos humanos.

            No sistema interamericano esses pareceres são chamados de opiniões consultivas, as quais os Estados devem recepcionar e aplicar em seu direito interno, assim evitando que sejam responsabilizados no plano internacional por estarem violando a Convenção.

            Esses pareceres não são vinculantes, mas servem para verificar a convencionalidade de uma determinada norma interna com a Convenção Americana ou qualquer outro tratado de direitos humanos.

            A Convenção Americana em seu art. 64, 1, dispõe que os Estados membros da OEA “poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos (...)”. Por conseguinte, no próprio art.64, 2, informa que “A Corte, a pedido de um Estado-Membro da Organização, poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais”. Este momento, onde há a verificação da compatibilidade das normas internas com o tratado internacional de direitos humanos, por meio de consulta a Corte é chamado de “auferição de convencionalidade”. A expressão “controle de convencionalidade” só será utilizada quando houver a compatibilização das normas domésticas no âmbito contencioso do Tribunal.

            Toda essa jurisprudência da Corte Interamericana, tais como as sentenças proferidas e as opiniões consultivas integram o já mencionado “bloco de convencionalidade”, o qual servirá como referencial para os juízes e tribunais quando da realização da compatibilização das normas domésticas com os tratados de direitos humanos, tais como as normas do sistema interamericano de direitos humanos.

            Para se dar o correto exercício do controle de convencionalidade, o Judiciário local deverá interpretar os tratados de direitos humanos de forma vinculada às regras internacionais de hermenêutica e aos princípios internacionais de direitos humanos, especialmente o princípio pro homine.

3.2 TRATADOS INTERNACIONAIS E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

            Como já aludido anteriormente, foi com o acréscimo do §3º no art. 5º pela EC 45 que passou a existir a possibilidade de os tratados internacionais de direitos humanos serem aprovados pelo quorum qualificado para passarem a ser formalmente e materialmente constitucionais, tais como “equivalentes à emenda constitucional”, assim saindo do seu status de apenas materialmente constitucionais (§2º, art.5º).

            Foi com esse acréscimo constitucional que o direito brasileiro se deparou com um novo tipo de controle das normas no direito interno: o controle de convencionalidade. Assim, com a existência dos tratados internacionais de direitos humanos que são formalmente e materialmente constitucionais entende-se que além do já conhecido controle de constitucionalidade também deverá existir um controle de convencionalidade das leis, ou seja, uma compatibilização das normas internas com o os tratados de direitos humanos ratificados e em vigor no Brasil.

            Desta forma, ao analisar o controle de convencionalidade percebe-se que é necessário que a lei seja compatível com a Constituição e com os tratados de direitos humanos ou comuns que esteja ratificados e em vigor. Todavia, se a norma estiver materialmente de acordo com a Constituição e não com eventual tratado que esteja ratificado e em vigor internamente, tal lei será tida como inválida, porém poderá ainda continuar vigente (por estar formalmente de acordo com a Constituição) enquanto não passar pelo controle de convencionalidade (análise vertical com os tratados internacionais). Ou seja, mesmo que a norma interna seja compatível com a Constituição, mas não com o tratado a mesma será tida como inválida. A validade da norma interna é uma questão de compatibilidade com as normas de caráter substancial tal como a Carta Magna e os tratados internacionais em vigor na sua produção.

            Para que a lei esteja em vigor, a mesma deverá ter sido elaborada pelo Parlamento conforme as regras estabelecidas na CF, editadas pelo Poder Executivo e promulgadas e publicadas no Diário Oficial da União. Já para ser válida a lei deverá estar em vigor e de acordo com o texto constitucional e com os tratados internacionais de direitos humanos que estejam ratificados pelo governo. A lei sendo incorporada desta forma no ordenamento interno terá sua autoridade respeita e estará protegida contra qualquer ataque. Se a lei não tiver passado pela compatibilização vertical com a CF e os tratados não terá qualquer validade, podendo ser rebatida pelo juiz no caso concreto.

            Diante do exposto, percebe-se que, no geral, os tratados internacionais possuem posição hierárquica superior as normas infraconstitucionais, quer essa superioridade seja constitucional no caso de tratados de direitos humanos ou supralegal no caso dos tratados em geral. Nesta essência observa-se que durante a produção normativa o Estado não deve apenas se preocupar com as formalidades procedimentais a serem seguidas, como também, deverá observar dois limites verticais materiais, os quais são: 1) a Constituição e os tratados de direitos humanos de nível constitucional; 2) os tratados internacionais comuns de nível supralegal.

             Valério Mazzuoli deixa clara quatro situações que possam existir no direito interno: a) se lei conflitante é anterior à Constituição, esta não será recepcionada e consequentemente revogada; b) se lei conflitante é posterior à Constituição, será verificada uma inconstitucionalidade, que poderá ser controlada pelo meio difuso ou concentrado; c) uma lei anterior que conflite com um tratado internacional de direitos humanos ou comum será revogada, pois o tratado que é posterior revoga lei anterior e ainda lhe é superior; d) uma lei posterior ao tratado venha a conflitar com este, tal lei será inválida e ineficaz.[21]

            Neste sentido, entende-se que para que a norma doméstica seja considerada válida e eficaz deve estar materialmente de acordo tanto com a Constituição quanto com os tratados internacionais de direitos humanos ou comuns ratificados e em vigor no país. Ou seja, a dupla compatibilidade vertical compreende o respeito à Constituição e aos tratados, onde o respeito a Carta Magna se dá pelo controle de constitucionalidade e o respeito aos tratados se dá pelo controle de convencionalidade.

3.3 A CONSTITUIÇÃO E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

            É fato que para que uma lei seja vigente e válida é necessário que seu texto esteja de acordo com o texto constitucional em vigor para evitar um vício de inconstitucionalidade, o qual poderá ser controlado pela via difusa ou concentrada. Na via difusa poderá ser realizada por qualquer cidadão quando houver um caso concreto em qualquer juiz ou tribunal e na via concentrada por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ou semelhante perante o STF pelos legitimados do art. 103 da Constituição[22].

            Assim sendo, pode-se dizer que no novo paradigma do Estado Constitucional de Direito, a produção legislativa encontra limites formais e materiais os quais não poderá violar. Para aferir a compatibilidade das leis com o texto constitucional deverá ser realizada a comparação em dois âmbitos onde primeiramente deverá considerar os direitos expressos no texto constitucional e nos direitos implícitos na Constituição.

            A Carta Magna deixa clara que existem 3 acepções de direitos e garantias fundamentais na Direito brasileiro conforme disposto no art. 5º, §2º de seu texto, sendo estes: 1) os direitos e garantias expressos em seu texto; 2) os direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados; 3) direitos e garantias dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

            Os direitos provenientes de tratados não se encontram nem expressos e nem implícitos no texto constitucional, os quais surgem com os instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil.

            Com isso percebe-se que há um diálogo de duas fontes, sendo estas uma interna com os princípios expressos e implícitos na constituição e uma internacional com a incorporação dos tratados internacionais do ordenamento jurídico brasileiro.

A aplicação das leis pelo juiz, deverá atender ao diálogo das fontes, pela teoria da dupla compatibilidade material (compatibilização com a CF e os tratados internacionais) a fim de encontrar a melhor solução para o caso concreto.

            Neste sentido, o Min. Celso de Mello em seu voto no HC 87.585-8/TO, caso que se dizia à respeito da impossibilidade de prisão civil do depositário infiel em caso de alienação fiduciária em garantia, reconheceu o valor constitucional dos tratados de direitos humanos e ainda assentou que as fontes internacionais e internas devem “dialogar” entre si, o qual diz que

“Posta a questão nesses termos, a controvérsia jurídica remeter-se-á ao exame do conflito entre as fontes internas e internacionais (ou, mais adequadamente, ao diálogo entre essas mesmas fontes), de modo a se permitir que, tratando-se de convenções internacionais de direitos humanos, estas guardem primazia hierárquica em face da legislação comum do Estado brasileiro, sempre que se registre situação de antinomia entre o direito interno nacional e as cláusulas decorrentes de referidos tratados internacionais”.[23]

 

            Por conseguinte, nota que no HC 87.585-8/TO mencionado acima o que aconteceu foi o controle de convencionalidade ou seja, a compatibilização vertical entre as leis que impõem a prisão civil do depositário infiel em face da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

            Nesta essência, Valério Mazzuoli diz que “Tudo isso somado nos leva a concluir que a recente jurisprudência brasileira dá mostras de que já aceita as soluções pós-modernas para o problema de antinomias entre o direito internacional dos direitos humanos e o direito interno.”[24]

            O que se espera é que na produção do direto doméstico seja observado a diálogo entre a Constituição e os tratados de direitos humanos, onde a Constituição não exclui a aplicação dos tratados e este não excluem a aplicação dela, havendo assim a construção de um direito infraconstitucional que esteja de acordo (compatível) com ambas.

            O diálogo das fontes serve para que sejam resolvidas as antinomias entre o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos, de tal forma que o operador do direito deverá analisar qual a norma é mais favorável ao ser humano, ou seja, aplicar o princípio pro homine. A dupla compatibilidade vertical não afasta o diálogo das fontes de tal maneira que se houver uma norma infra constitucional mais favorável do que o texto constitucional ou do que os tratados de direitos humanos é esta que deverá ser aplicada.

            Diante da necessidade de compatibilização da produção normativa com o texto da Carta Magna, onde poderá ser feito o controle de constitucionalidade em caso de descompatibilização das normas com os direitos expressos e os implícitos no texto constitucional, será feito o controle de convencionalidade na verificação da compatibilidade entre os textos das normas domésticas com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro.

            O controle de convencionalidade das leis acontecerá quando o conteúdo da Constituição e dos tratados de direitos humanos não forem idênticos. Quando houver a antinomia entre o texto constitucional e o texto dos tratados de direitos humanos será aplicado o princípio pro homine, ou seja, a aplicação da norma mais favorável ao ser humano, assim não existindo uma compatibilização vertical de matérias. O problema deste estudo acontece quando há uma incompatibilidade das leis (normas infraconstitucionais) com os tratados de direitos humanos, que podem ser normas compatíveis com a Constituição mas que violam os tratados internacionais de direitos humanos em vigor.

4 TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

           

            Conforme já dito anteriormente, o controle de convencionalidade é a compatibilização do direito doméstico com os tratados internacionais de direitos humanos em vigor no país, instituto que atua complementando e coadjuvante ao controle de constitucionalidade.

            O termo “controle de convencionalidade” ainda é novo no Brasil, onde vêm sendo conhecido pelo aprofundamento doutrinário de Valério Mazzuoli[25].  O mesmo faz a diferenciação entre o controle de convencionalidade e controle de supralegalidade, onde o primeiro é a compatibilização das normas domésticas com os tratados internacionais de direitos humanos e o segundo é a compatibilização dessas normas com os tratados internacionais comuns. Neste presente trabalho iremos nos limitar ao estudo do controle de convencionalidade.

            O controle de convencionalidade deve ser realizado pelos órgãos da justiça nacional e não tão somente pelos tribunais internacionais. O tribunal interno deverá adaptar os atos ou leis internas de acordo com os compromissos internacionais que foram assumidos pelo Estado.

            Para realizar o controle de convencionalidade não é necessário que o tribunal local requeira autorização internacional, este tipo de controle é similar ao controle de constitucionalidade. Assim, existe o controle de convencionalidade difuso onde qualquer juiz ou tribunal pode se manifestar sobre o assunto, podendo ser um juiz singular até os tribunais estaduais, regionais ou superiores que venha a controlar a convencionalidade pela via incidente. A partir do momento em que os tratados internacionais estejam incorporados no ordenamento interno e em vigor no plano internacional, os juízes e tribunais podem compatibilizar ex officio as normas domésticas com o conteúdo dos tratados vigentes no país. Também existe o controle de convencionalidade concentrado, que vem a ser realizado no Supremo Tribunal Federal (STF) quando houver tratados de direitos humanos aprovados pelo quorum do art. 5º, §3º da CF.

            Para Valério Mazzuoli, o controle de convencionalidade difuso existe desde a promulgação da Carta Magna de 1988 e desde a entrada em vigor dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil em seu ordenamento interno e ainda menciona que o próprio art. 105, III, a, da CF diz expressamente “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência” (grifo do autor).  E o controle de convencionalidade concentrado nasceria apenas em 2004 com a promulgação da Emenda Constitucional 45.[26]

4.1 CONTROLE DIFUSO E CONTROLE CONCENTRADO DE CONVENCIONALIDADE

           

            Tal como o controle de constitucionalidade, o controle de convencionalidade também encontra modalidades difusa e concentrada, onde na primeira será realizada o controle relativo aos tratados de status do art.5º, §2º ou de equivalência constitucional por força do art.5º, §3º e na segunda será feita a compatibilização apenas com os tratados equivalentes à emenda constitucional pelo art.5º, §3º.

            No controle difuso de convencionalidade, qualquer tratado internacional de direitos humanos poderá servir como parâmetro, onde todos os juízes e tribunais locais, incluindo o STF deverão compatibilizar diante de um caso concreto, as leis domésticas com o conteúdo dos tratados de direitos humanos em vigor no Brasil. Neste caso, quando houver a decisão judicial invalidando a lei interna devido a compatibilização com o tratado, esta produzirá apenas efeitos inter partes, atingindo somente aquelas que estiverem intervenientes no caso concreto.

            O controle difuso de convencionalidade deverá ser questionado nos casos concretos como questão preliminar, onde o juiz da causa deverá analisar essa matéria antes do mérito pleiteado. Desta forma o juiz irá declarar a incompatibilidade entre a lei e o tratado internacional de direitos humanos em questão para assim poder levar o julgamento da problemática jurídica aludida a diante. Contudo, mesmo que a questão não seja levantada preliminarmente, conforme entendimento da Corte Interamericana, o juiz poderá declarar ex officio a inconvencionalidade da lei.

            As normas que forem consideradas incompatíveis com os tratados de direitos humanos no momento da compatibilização vertical deixarão de ser válidas no ordenamento jurídico, mas se em um primeiro momento foram compatíveis com a Constituição ainda continuarão vigentes. Com isso percebe-se que nem toda lei vigente será válida, assim, o juiz deverá deixar de aplicar a lei inválida mesmo que essa ainda esteja vigente no ordenamento. 

            Ainda no que concerne ao controle de convencionalidade difuso, possibilita o cabimento de recurso extraordinário perante o STF sempre que a decisão recorrida contrariar o disposto na CF ou qualquer tratado de direitos humanos em vigor no Brasil. Essa ideia chegou pela interpretação de Valério Mazzuoli do art. 102, III, a, da CF que diz que cabe ao STF “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo desta Constituição” em conjunto com o que dispõe o art. 5º,§2º, da Carta Magna que diz que os direitos e garantias expressos na Constituição “não excluem os outros decorrentes (...) dos tratados internacionais [de direitos humanos] em que a República Federativa do Brasil seja parte”.  Sendo o recurso extraordinário instrumento do controle difuso de constitucionalidade e pelos direitos e garantias expressos na constituição não excluírem os direitos decorrentes de tratados, entende-se que a referência do art. 102, III, a, é ampliada integrando os tratados internacionais ao bloco de constitucionalidade, assim entendendo que os tratados internacionais de direitos humanos servem de paradigma à propositura do recurso extraordinário no STF quando houver um direito previsto neles que venha a ser contrariado pela decisão de outro tribunal no qual pretende-se recorrer. [27]

Não obstante, além do controle de convencionalidade difuso também existe o controle de convencionalidade concentrado das leis, que ocorre quando houver incompatibilidade das normas com os tratados internacionais de direitos humanos que sejam equivalentes à emenda constitucional, incorporados no ordenamento pelo sistema do art. 5º, §3º da CF.

            Primeiramente é necessário lembrar que para que os tratados de direitos humanos tenham nível de norma constitucional não é necessária a sua aprovação pelo quorum do §3º do mencionado art. 5º da CF. O efeito dessa sistemática do §3º é de atribuir equivalência de emenda constitucional à esses tratados, porém não retirando o status de norma constitucional que eles já tem devido ao art.5º, §2º.

            Neste escopo, quando uma vez aprovado pela sistemática especial do art. 5º, §3º este tratado será formalmente constitucional, significando que o mesmo servirá como parâmetro para o controle concentrado de convencionalidade. Ou seja, por serem equivalente à emendas constitucionais é permitido a propositura perante o STF das ações constitucionais existentes para garantir a estabilidade da Constituição (como no controle de constitucionalidade) e das normas equiparadas tais como os tratados de direitos humanos formalmente constitucionais (no controle de convencionalidade).

            A ideia que Valério Mazzuoli defende, e é corroborada neste estudo, é que tendo o texto constitucional em seu art. 102, I, a, dito que compete ao Supremo Tribunal Federal a “guarda da Constituição” sendo cabível para este órgão julgar originariamente Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn) de lei ou ato normativo federal ou estadual, Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECON) de lei ou ato normativo federal, autoriza que os legitimados para propositar essas ações (art.103, CF) também possam ingressar com essas medidas quando as normas equivalentes à Constituição, tais como os tratados internacionais de direitos humanos aprovados pelo quórum do art. 5º, §3º estiverem sendo violados por qualquer norma infraconstitucional.

            Os tratados de direitos humanos, a partir da EC 45/2004 com a inclusão do §3º ao art. 5º, são considerados normas constitucional por equiparação, com isso, quando mencionado a “guarda da Constituição” ao STF esta não estará limitada apenas ao texto constitucional propriamente dito, como também ás normas que à esta é equiparada.

            Neste caso, embora que a Constituição não venha a tratar de determinado direito mas este seja previsto em tratados de direitos humanos que esteja incorporado ao ordenamento pelo rito do art. 5º, §3º caberá o controle concentrado de convencionalidade no STF para que seja compatibilizada a norma infraconstitucional com os direitos trazidos no tratado. Com isso, tal como no controle de constitucionalidade, surge a possibilidade de invalidação erga omnes e ex tunc das leis domésticas que forem incompatíveis com os tratados internacionais de direitos humanos.

            Por sua vez, o controle de convencionalidade será operacionalizado por ação de controle concentrado de constitucionalidade (e.g. ADIn, ADECON, ADPF) já que o tratado de direitos humanos em questão é equivalente à emenda constitucional. Quando realizado o controle de convencionalidade, a lei que for tida como inconvencional não deverá mais ser aplicada, entretanto, ainda poderá ser constitucional mas, inválida na ordem interna pela sua inconvencionalidade.

            Com a possibilidade que é dada aos tratados internacionais de direitos humanos de atingirem o patamar constitucional tal como equivalentes à emenda lhes é garantido o mesmo mecanismo de defesa utilizado para qualquer norma constitucional que venha ser violadas pelas leis infraconstitucionais, sendo assim cabível a utilização das ações do controle concentrado de constitucionalidade, fazendo referência a estas tais como se tornariam: ADIn - Ação Direta de Inconstitucionalidade seria Ação Direta de Inconvencionalidade, a qual invalidaria erga omnes a norma doméstica por inconvencionalidade; ADECON Ação Declaratória de Constitucionalidade se tornaria Ação Declaratória de Convencionalidade, que irá garantir que a norma doméstica é verticalmente compatível com um tratado de direitos humanos; ADPF – em seu mesmo sentido, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, objetivando o cumprimento de um preceito fundamental previsto no tratado de direitos humanos; e, ADO, Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão para Ação Direta de Inconvencionalidade por Omissão, onde o STF irá declarar a inconvencionalidade por omissão de medida que seja necessária para efetivar a norma formalmente constitucional (tratado de direitos humanos pela sistemática do art. 5º, §3º) em vigor no Brasil, onde será dado ciência ao Poder competente para que adote as providências necessárias.

            Além da possibilidade de poder declarar a inconvencionalidade do direito infraconstitucional, as próprias normas constitucional também podem passar pelo controle de convencionalidade. Se existem normas constitucionais que são inconstitucionais por violarem cláusulas pétreas da CF também é possível que existam normas constitucionais inconvencionais por violação de normas de direitos humanos contida em tratados, as quais também são tidas como cláusulas pétreas.

            Percebe-se que tudo que pode ser feito para garantir a eficácia da norma constitucional também pode ser feito pelos tratados internacionais de direitos humanos que foram aprovados pelo art.5º, §3º, inclusive no que se assemelha ao controle de constitucionalidade, também é possível haver o controle de convencionalidade preventivo pelo próprio Parlamento Federal em suas Comissões de Constituição e Justiça, ou pelo Presidente da República com o veto dos projetos de lei que forem inconvencionais (conforme art. 66,§1º da CF).

            Enfim, o controle repressivo de convencionalidade é exercido pelo juiz, podendo até ser ex officio, em um caso concreto na sua modalidade difusa ou por meio de ação direta no STF na modalidade concentrada O controle de convencionalidade na via de ação, ou seja, controle concentrado se utilizará dos tratados de direitos humanos que foram aprovados pelo sistema do art. 5º, §3º, CF, que são equivalente à emenda constitucional, sendo estes os únicos que podem servir de parâmetro nesta modalidade. E para o controle por via de exceção servirão de parâmetro tanto os tratados de direitos humanos não internalizados pelo quórum qualificado, sendo apenas necessário que estejam ratificados e em vigor no plano interno que por força do art. 5º, §2º já tem status constitucional, quanto os tratados aprovados pelo art. 5º, §3º.

4.2 CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE DIREITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA COMO PARÂMETRO PARA O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

Diante do que já fora aludido anteriormente, o nível constitucional dos tratados de direitos humanos deriva do art. 5º, §2º, onde esses são tidos como materialmente constitucionais. Além disso, com a inserção do §3º neste mesmo art. 5º, passou a existir a possibilidade de aprovação dos tratados de direitos humanos com             quorum especial, onde estes após aprovação pelo procedimento específico de emenda constitucional à estas serão equivalentes, como também terão o nível de tratados materialmente e formalmente constitucionais.

            Neste seguimento, o Congresso Nacional brasileiro aprovou o primeiro tratado de direitos humanos pós Emenda Constitucional 45, seguindo o quorum qualificado no art. 5º, §3º, sendo este a Convenção Internacional sobre direito das pessoas com deficiência e o seu protocolo facultativo que foram assinados em Nova York em 30 de março de 2007, aprovados pelo Decreto Legislativo 186 de 9 de julho de 2008 e promulgados pelo Decreto nº 6949 de 25 de agosto de 2009, onde a partir de então serão estes equivalentes à emenda constitucional.

            Dentre os efeitos da Emenda 45, a equivalência de emenda constitucionais à esses tratados aprovados pelo quorum qualificado faz entender que o tratado internacional incorporado desta maneira complementa e integra o texto constitucional, sendo assim considerado até mesmo clausula pétrea. Acontece que com isso, os tratados de direitos humanos que são equivalentes à emenda constitucional, e repete-se que até hoje o único aprovado desta forma é a Convenção Internacional sobre direito das pessoas com deficiência, poderão reformar o texto constitucional, não poderão ser denunciados e ainda servirão de paradigma do controle concentrado de convencionalidade.

Neste escopo, preliminarmente, importa lembrar que conforme já exposto a Convenção Americana permite que os Estados membros da OEA possam consultar a Conter Interamericana sobre sua interpretação acerca dos tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos no momento de “auferição de convencionalidade”, onde a própria Corte poderá emitir pareceres consultivos.

            Por conseguinte, no âmbito contencioso, a Convenção Internacional de proteção as pessoas com deficiência, passará pelo diálogo das fontes, havendo a fonte interna tal como as leis domésticas e a Constituição e a fonte internacional a qual é a Convenção ora discutida, havendo assim a verificação se as normas internas estão compatibilizadas com os direitos previstos para os portadores de deficiência.

            Desta maneira, a Convenção Internacional sobre direito das pessoas com deficiência e o seu protocolo facultativo, por versarem sobre direitos humanos (mais especificamente das pessoas com deficiência), fazem parte do rol dos tratados que serão utilizados como parâmetro para o controle jurisdicional de convencionalidade. Logo, objetivando compatibilizar verticalmente as leis domésticas, onde estas além de estarem de acordo com o texto constitucional também deverão estar de acordo com o texto dos tratados de direitos humanos, observando mais especificamente mais especificamente a compatibilização de acordo com o texto da Convenção Internacional ora estudada.

            À vista da possibilidade do controle de convencionalidade por via de ação e exceção, respectivamente controle concentrado e difuso, ambos poderão utilizar a Convenção Internacional sobre direitos das pessoas deficientes como parâmetro, de tal forma que, conforme  já estudado no item anterior, no controle concentrado apenas será utilizado como parâmetro os tratados aprovados pelo procedimento do art. 5º, §3º, e visto que até os dias hodiernos o único tratado aprovado foi a Convenção Internacional sobre direito das pessoas com deficiência  apenas essa será utilizada como meio de compatibilização vertical das normas domésticas no controle concentrado. Todavia, no controle difuso poderá utilizar tanto os tratados de direitos humanos sem aprovação com quorum especial quanto os equivalentes à emenda constitucional, assim a Convenção de proteção as pessoas deficientes também servirá de parâmetro de convencionalidade das leis quando houver um caso concreto.

            Isto dito, é perceptível que a Convenção Internacional de proteção as pessoas deficientes poderá servir de parâmetro tanto para o controle de convencionalidade difuso quanto para o concentrado. Acontece que neste último somente ela até os dias atuais é a única aprovada pelo quorum qualificado fazendo com que o controle concentrado tenha apenas esse tratado para utilizar como fundamento para compatibilização das normas domésticas por via de ação.

            Em um caso concreto, a Convenção ora discutida servirá de parâmetro para o controle de convencionalidade difuso, podendo ser levantada a questão preliminar sobre um lei doméstica que esteja conflitando com o disposto no texto da convenção ou se não for levantada pelas partes o juiz poderá observar a inconvencionalidade ex officio. Ainda assim, também será cabível recuso extraordinário quando houver decisão recorrida que contrariar o disposto na Convenção.

            Ademais, por ser a Convenção o único tratado aprovado pelo iter do art. 5º, §3º é o que até hoje poderá ser utilizado como parâmetro de controle de convencionalidade concentrado. Onde, poderá ser utilizado como mecanismo de defesa os mesmo utilizados pela Carta Magna, tais como as ações de controle concentrado ADIn, ADECON, ADPF, ADO.

            Ainda assim, por se equiparar à emenda constitucional, a Convenção de proteção as pessoas deficientes poderá alterar o texto constitucional em caso de existência de uma norma constitucional que ao ser compatibilizada com este tratado seja verificado que é inconvencional.

            Neste escopo convém mencionar a ADPF 182/DF[28], proposta perante o STF com fundamento no que dispões a Convenção sobre o conceito de deficiência em face do artigo 20, parágrafo 2º da Lei 8.742/93 para o qual, pessoa portadora de deficiência é “aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho”, o que vem a ser bem restrito se comparado com o conceito dado pela Convenção, sendo este bem mais amplo.

           

5 CONCLUSÃO

            Com a influência da Emenda 45/2004 várias inovações doutrinárias passaram a existir na ordem interna brasileira, fazendo com que os tratados internacionais passassem a ser leis mais valorizadas pelo ordenamento jurídico, chegando até mesmo a serem considerados como norma constitucional.

            Desse modo, sendo os tratados internacionais considerados como normas de nível constitucional, podendo serem caracterizados como materialmente (art.5º, §2º) e formalmente constitucionais (art.5º, §3º) nada mais justo do que utilizá-los como meio de adequação das normas.

            O direito brasileiro passa ter um novo tipo de controle para a produção normativa interna, sendo este o controle de convencionalidade, o qual busca o respeito das normas domésticas com os direitos constantes nos tratados internacionais de direitos humanos.

            Instituto que se assemelha ao controle de constitucionalidade, traz a ideia de que a as leis domésticas encontram um duplo limite vertical material, sendo estes a Constituição e os tratados de direitos humanos e os tratados comuns.

            O controle concentrado é uma forma de garantir que os tratados internacionais incorporados na ordem interna possuem eficácia ao fazer com que as normas domésticas se adequem ao seu texto, de tal forma que com a incorporação do dos tratados de direitos humanos na ordem interna, e a busca pela proteção do ser humano e da dignidade humano, a existência de um controle de convencionalidade garante que a ordem interna está compatibilizada com as normas fundamentais garantidas pela constituição e pelos tratados internacionais de direitos humanos.

            Ademais, com a influência da Corte Interamericana acerca do controle de convencionalidade, a qual fez com que os tribunais internos ficassem obrigados a controlar a convencionalidade das leis internas com os tratados internacionais, fez desenvolver a existência desse controle pelo tribunal interno de um Estado.

            No controle de convencionalidade, busca a compatibilização das normas domésticas com os tratados internacionais de direitos humanos. Se esses tratados forem materialmente constitucionais (art.5º, §2º) poderão ser paradigma do controle difuso de convencionalidade, onde será discutido em um caso concreto em qualquer juízo ou tribunal, podendo até mesmo ser levanto ex officio pelo juiz. Caso sejam tratados equivalentes à emenda constitucional (art.5º, §3º) servirão de paradigma para tanto o controle concentrado quanto difuso de convencionalidade, porém no controle concentrado só é realizado pelos tratados que foram aprovados pelo quorum especial do art.5º, §3º onde até hoje apenas a Convenção Internacional sobre direitos das pessoas deficientes e seu protocolo facultativo foi aprovada, sendo esta a única que poderá ser utilizada como parâmetro por via de ação. No controle concentrado de convencionalidade os legitimados do art. 103, da CF podem propor ações do controle abstrato (ADIn, ADECOM, ADPF, ADO) para incompatibilizar no STF uma norma interna que esteja incompatível com os tratados de direitos humanos, porém, sendo apenas possível com a Convenção Internacional sobre direitos das pessoas deficientes.

            Enfim, com todo o exposto é certo que existe uma maneira para que o profissional de direto possa invalidar as normas internas que estejam violando tanto a Constituição quanto os tratados internacionais de direitos humanos que estejam ratificados e em vigor no país, fazendo com que haja um grande avanço na proteção dos direitos do ser humano não apenas no âmbito internacional como também no interno.

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[1] Bacharel em direito. Advogada. Estudante do Curso de Especialização em Direito Internacional da UFRN.

[2] Ideia de doutrinadores como Flávia Piovesan e Valério Mazzuoli.

[3] Teoria defendida por Valério Mazzuoli. Pode ser vista em MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional de convencionalidade das leis. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

[4] Pioneirismo de Valério Mazzuoli.

[5] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.87.

[6] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional de convencionalidade das leis. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.34.

[7] PIOVESAN, 2013, p.114.

[8] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos Humanos, Constituições e Tratados Internacionais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 235-236.

[9] Ibid., p. 242.

[10] MAZZUOLI, 2002, p. 254.

[11] Ibid., p. 255. Neste mesmo sentido PIOVESAN, 2013, p.154.

[12] PIOVESAN, op. cit., p.157.

[13] Lei Fundamental Alemã, disponível em <http://www.brasil.diplo.de/contentblob/3160404/Daten/1330556/Gundgesetz_pt.pdf>. Acesso em 07 jan. 2014

[14] MAZZUOLI, 2013, p. 41.

[15] MAZZUOLI, 2013, p. 47.

[16] MAZZUOLI, 2013, p.60-61.

[17] Ibid., p.79.

[18] MAZZUOLI, 2013, p. 93.

[19] Ibid., p. 94.

[20] Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile; Caso dos Trabalhadores Demitidos do Congresso Vs. Peru;

[21] MAZZUOLI, 2013, p. 134.

[22] “Art. 103 - Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República;VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”

[23] C.f. STF, HC87.585-8/TO, Voto-vista do Min. Celso de Mello. Disponível em: < http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14716538/habeas-corpus-hc-87585-to>. Acesso em 23 jan. 2014

[24] MAZZUOLI, 2013, p. 158.

[25] Desenvolveu essa doutrina por meio de monografia, tendo publicado várias edições do livro “O controle jurisdicional de convencionalidade das leis”.

[26] MAZZUOLI, 2013, p. 151 – 152.

[27] MAZZUOLI, 2013, p. 163.

[28] C.f. STF, Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=398078&tipo=TP&descricao=ADPF%2F182>. Acesso em: 16 jan. 2014.

Sobre a autora
Lycia Cibely Porto Jales

Advogada. Doutoranda em Direito Internacional na Universidade de Coimbra. Mestre em Direito Internacional Público e Europeu na Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Internacional - UFRN.

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