2. OPA por aumento de participação
A OPA por aumento de participação está prevista no parágrafo 6o, do art. 4o, da Lei das SAs nos seguintes termos:
“§ 6o O acionista controlador ou a sociedade controladora que adquirir ações da companhia aberta sob seu controle que elevem sua participação, direta ou indireta, em determinada espécie e classe de ações à porcentagem que, segundo normas gerais expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, impeça a liquidez de mercado das ações remanescentes, será obrigado a fazer oferta pública, por preço determinado nos termos do §4o, para aquisição da totalidade das ações remanescentes no mercado.”
Trata-se de OPA obrigatória, que tem como objetivo inibir o denominado “fechamento branco de capital”. O fechamento branco, como ensina Modesto Carvalhosa[23], constitui expressão utilizada pelo mercado para denominar operações em que o acionista controlador adquire praticamente a totalidade das ações de emissão de sua controlada em circulação no mercado, sem cancelar o registro perante a CVM. Nas palavras de Fabio Ulhoa Coelho[24], o fechamento branco seria uma forma de fraude à lei.
O objetivo da OPA de aumento de participação, portanto, é evitar que o controlador adquira quantidade significativa de ações e reduza e/ou contre a liquidez (e até mesmo o preço) das mesmas, prejudicando os acionistas minoritários.
Assim como no caso da OPA para fechamento de capital, a OPA por aumento de participação não estava prevista em lei até o advento da Lei 10.303, em 2001. No entanto, desde 1999, de acordo com Nelson Eizirik[25], a CVM, tendo detectado o caráter abusivo da prática e do seu tratamento não equitativo, editou a Instrução 299, que determinava que o controlador somente poderia adquirir 10% (dez por cento) ou mais das ações de cada espécie caso promovesse uma OPA destinada a todos os minoritários, titulares de ações da mesma espécie ou classe daquelas que seriam objeto de sua aquisição. No entanto, a norma não foi suficiente para inibir o fechamento branco de capital, dado que o acionista controlador continuava conseguindo adquirir uma quantidade significativa de ações sem ter que realizar OPA. A CVM enditou, então, uma nova Instrução (Instrução 345/2000), a qual alterou o critério para obrigatoriedade da OPA, que passou a ser 1/3 das ações em circulação no mercado. Vale ressaltar que Modesto Carvalhosa elogia o novo critério, afirmando que a percentagem deve ser estabelecida em relação ao número de ações em circulação no mercado e não com base no total de ações emitidas pela companhia[26]. Finalmente, a Lei 10.303 institucionalizou referidas normas regulamentares, atribuindo à CVM o poder de estabelecer o percentual cuja aquisição caracterizará restrição à liquidez e, portanto, sujeitará o controlador a realizar uma OPA.
Atualmente, a OPA por aumento de participação está regulada pelo artigo 26 e seguintes da Instrução 361. São duas hipóteses em que o acionista controlador fica obrigado a realizar OPA para adquirir todas as ações em circulação no mercado daquela espécie ou classe:
- sempre que o acionista controlador[27] adquira, por outro meio que não uma OPA, ações que representem mais de 1/3 do total das ações de cada espécie e classe em circulação;
- ainda que não atinja o limite mencionado acima, se o acionista controlador detiver mais da metade das ações de emissão da companhia de determinada espécie e classe, e adquirir participação igual ou superior a 10% (dez por cento) daquela mesma espécie e classe em período de 12 (doze) meses. Ressalte-se que, nesse caso, a CVM determinará a realização de OPA somente se verificar que a aquisição teve o efeito de impedir a liquidez das ações da espécie ou classe adquirida.
Vale alertar para o fato de que a subscrição de aumento de capital pelo acionista controlador, ainda que supere os limites acima mencionados, não deve ensejar a obrigatoriedade da OPA. Isso porque aos minoritários foi oferecido direito de preferência; uma vez não exercido tal direito de preferência e não houver interesse de terceiros, o controlador teria que cancelar o aumento de capital ou promover OPA, impedindo o desenvolvimento dos negócios da companhia. Obviamente, não é esse o espírido da Lei, como afirmam categoricamente e com razão, Modesto Carvalhosa[28] e Nelson Eizirik[29]. E, ainda, concluem que a subscrição de ações em aumento de capital não interefere no número de ações em circulação e, consequentemente, não afeta a liquidez das ações no mercado.
A OPA por aumento de participação, assim como no caso da OPA para fechamento de capital, está sujeita a revisão do preço. Os procedimentos são os mesmos, sendo que a única diferença relevante refere-se ao fato de que não é permitida desistência da OPA pelo ofertante caso o pedido de revisão resulte em preço superior. A proibição explica-se uma vez que a aquisição das ações em volume que impede ou dificulta a liquidez já ocorreu. A única forma de se eximir da realização da OPA está prevista no art. 28 da Instrução 361, que faculta ao controlador solicitar à CVM autorização para não realizar a OPA por aumento de participação desde que se comprometa a alienar o excesso de participação no prazo de três meses contados da aquisição. Obviamente, os adquirientes dos excessos não podem ser pessoas vinculadas ao controlador, nem que atuem em conjunto com ele. Finalmente, vale ressaltar que o procedimento alternativo à OPA ora descrito somente pode ser utilizado uma vez a cada dois anos.
3. OPA por alienação de controle
A OPA por alienação de controle está prevista no artigo 254-A da Lei das SAs e regulamentado pela CVM nos artigos 29 e 30, da Instrução 361.
Nos termos do artigo 116 da Lei das Sas o controle caracteriza-se quando presentes três requisitos: (i) maioria de votos nas deliberações das assembléias gerais da companhia; (ii) poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e (iii) uso efetivo do poder de controle para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
José Edwaldo de Tavares Borba explica que a atual lei superou a ilusão de uma assembléia geral democrática e reconheceu os poderes atribuídos ao controlador, atribuindo-lhe, inclusive, responsabilidades[30]. O poder de controle deve ser material, ou seja, deve ter a maioria dos votos nas assembléias de forma permanente e usar esse poder. Nelson Eizirik, na mesma linha, afirma que a Lei das SAs reconheceu a existência de poder de controle[31].
O conceito usado pela doutrina[32] para definir o que seria permanente decorre da Resolução 401/1976 do Conselho Monetário Nacional, atualmente revogada, que estabelecia que controlador seria o acionista titular de ações que he assegurassem a maioria nas três últimas assembléias.
Ressalte-se que não é necessário deter maioria das ações com direito a voto e sim a maioria das ações que comparecem e votam nas assembléias de acionistas, adaptando-se o conceito, inclusive, à hipótese de controle minoritário[33].
Tendo em vista a definição de poder de controle, podemos inferir que as ações que integrem esse bloco, pelo poder que detêm em conjunto, possuem determinado valor, superior ao das demais espécies emitidas pela mesma companhia.
E, conclui que quem negocia a compra de ações de sustentação de controle concorda em pagar um sobrepreço, chamado de “prêmio de controle”.
Em diversos ordenamentos jurídicos, a alienação do controle de companhia aberta gera obrigação de estender a oferta aos acionistas minoritários, sempre com base no princípio da igualdade de oportunidade, permitindo a todos usufruir das mesmas oportunidades[34].
O artigo 254 da Lei das SAs, com a redação original que possuía à época da edição da Lei, assegurava ao minoritário o recebimento do mesmo valor recebido pelo acionista controlador pelas ações integrantes do bloco de controle. Referido artigo determinava que a alienação do controle era condicionada à aprovação da CVM e a CVM deveria zelar para que fosse assegurado tratamento igualitário aos minoritários, mediante realização de OPA.
Em 1997, com o objetivo de reduzir os custos e facilitar as privatizações das companhias submetidas a controle estatal, foi editada a Lei 9.457 (também denominda Lei Kandir), a qual revogou, dentre outros, o artigo 254 da Lei das SAs, extinguindo a obrigatoriedade de aprovação da CVM e de tratamento igualitário aos minoritários em caso de alienação de controle. Estava, portanto, extinta a OPA por alienação de controle e o governo poderia se apropriar de todo o sobrepreço que seria pago na venda do controle de tais companhias a investidores privados[35].
Com a edição da Lei 10.303, em 2001, o antigo princípio estabelecido no revogado artigo 254 foi reestabelecido por meio da introdução do artigo 254-A. No entanto, ao invés de obrigar o adquirente do controle a pagar aos minoritários o mesmo preço pago pelas ações do bloco de controle, a nova redação da Lei determina que seja pago apenas 80% do referido preço, no mínimo[36]. Roberta N. Prado[37] afirma que o legislador quis “agradar a gregos e troianos”, reintroduzindo o mecanismo da OPA a fim de melhorar as condições de investimento no mercado de capitais, mas amenizou a perda dos acionistas controladores, reconhecendo sua exclusiva propriedade de 20% do ágio do controle.
Portanto, não se restituiu o princípio da igualdade, mas se consagrou a atribuição de um valor econômico do bloco de controle[38].
Não obstante algumas discussões doutrinárias sobre os fundamentos do prêmio de controle ou a quem deve caber esse ágio[39], segundo Nelson Eizirik a doutrina tem entendido que o ágio deve ser compartilhado com os acionistas minoritários quando da alienação de controle de companhia aberta.
Além disso, ao investir em determinada companhia aberta, o acionista minoritário avaliou quem eram seus controladores, ou seja, quem dirigia as atividades da sociedade. Justifica-se, portanto, que na hipótese de mudança desse controle o minoritário possa de desligar da companhia, não sendo obrigado a ser sócio do novo acionista controlador. Daí a proteção ao acionista, quando da mudança do controle, garantindo-lhe condições de saída em condições equitativas.
O artigo 254-A da Lei das SAs determina que a OPA por alienação de controle é obrigatória sempre que houver alienação direita ou indireta do controle. Na alienação direta, dá-se a venda de ações que integram o bloco de controle; ou seja, o acionista controlador, ou grupo vinculado por acordo de acionistas, transfere o bloco de controle, ou seja, o montante de ações que lhe assegura o poder de controle, de sorte que o adquirente assume a posição de novo acionista controlador. Já na alienação indireta, a fonte de poder de controle é constituída pelas relações de participação entre duas ou mais sociedades. Assim, na alienação indireta, a operação pode se dar por meio da alienação do controle de sociedade que detenha o controle da companhia aberta. Ainda, está inserido no conceito de alienação de controle a alienação em etapas, ou seja, ao longo do tempo, por meio de uma sequência encadeada de negócios jurídicos que resultam na alienação de controle.
Portanto, para se caracterizar a alienação de controle, devem estar presentes os seguintes requisitos[40]:
- a operação resulte na transferência do poder de dirigir as atividades da companhia aberta, direta ou indiretamente;
- o novo controlador, ainda que indireto, seja um terceiro, que assume a posição do novo controlador;
- a cessão seja realizada em caráter oneroso;
- que tenha ocorrido a transferência da totalidade ou de parte de ações ou de direitos sobre tais ações pertencentes ao antigo controlador, não sendo considerada alienação de controle a aquisição originária de controle.
Corroborando referidos requisitos, o parágrafo 4o, do artigo 29, da Instrução 361 define alienação de controle como “a operação, ou o conjunto de operações, de alienação de valores mobiliários com direito a voto, ou neles conversíveis, ou de cessão onerosa de direitos de subscrição desses valores mobiliários, realizada pelo acionista controlador ou por pessoas integrantes do grupo de controle, pelas quais um terceiro, ou um conjunto de terceiros representando o mesmo interesse, adquira o poder de controle da companhia”.
A OPA é requisito obrigatório para alienação de controle, que deve ser contratada sob condição suspensiva ou resolutiva. A OPA por alienação de controle, além de obrigatória, é, portanto, a posteriori.
Os destinatários da OPA por alienação do controle são todos os detentores de ações que tenham direito a voto. A Lei das SAs é clara nesse sentido ao dispor no caput do art. 254-A que a alienação de controle “somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle” (grifo nossos)
Ocorre, que não obstante o disposto na Lei, o artigo 29 da Instrução 361 determina que a OPA por alienação de controle terá por objeto todas as ações de emissão da companhia a qual seja atribuído o pleno e permanente direito de voto.
Ora, os preferencialistas que adquirem direito de voto na hipótese de não pagamento de dividendos obrigatórios (conforme previsto no parágrafo 1o do artigo 111 da Lei das SAs) são ações que, nos termos da Lei, por terem direito a voto, estariam abrangidos pela OPA.
No entanto, nos termos da redação restritiva do caput do art. 29 da Instrução 361, ações preferenciais que adquirem direito de voto, por não possuirem voto pleno e permanente, não podem ser objeto da OPA. Conforme apontado por vários doutrinadores[41], trata-se de restrição ilegal.
Adicionalmente à realização da OPA por alienação de controle, a Lei das SAs permite ao adquirente do controle que ofereça aos acionistas minoritários que quiserem permanecer como acionistas da companhia, um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle. Tal previsão encontra-se no parágrafo 4o, do artigo 254-A da Lei das SAs e no artigo 30 da Instrução 361 e tem natureza de prêmio ou recompensa pela permanência no quadro social[42] .
Vale ressaltar que somente podem fazer jus ao prêmio acima referido, acionistas minoritários que sejam destinatários da OPA, ou seja, com direito a voto.
Além disso, o oferecimento de prêmio não é alternativo à realização da OPA por alienação de controle, mas cumulativo, sendo uma faculdade que pode constar do edital da OPA. Tal faculdade pode ser vantajosa para o adquirente de controle, já que desembolsará, em relação aos acionsitas que aceitarem o recebimento do prêmio, somente a diferença entre o preço da ação e o valor da ação do bloco de controle alienado. Para o minoritário, pode apropriar-se o ágio e permanecer na companhia.
A Instrução 361 determina que o cálculo do valor de mercado deve ser apurado por meio da média ponderada das ações objeto da OPA nos 60 últimos pregões realizados antes do fato relevante que der notícia da alienação de controle, nos termos do seu parágrafo 2º, do art. 30.
Ressalvamos, por fim, que para que haja obrigatoriedade de realização da OPA ora em comento, é imprescindível que haja um terceiro que adquira onerosamente o controle, ou seja, o controlador deve ser efetivamente substituído por outro que não seja alguém que já participava do bloco de controle, no caso de controle compartilhado. A simples mudança dentro do bloco de controle sem que haja alteração da vontade prevalecente, não configura alienação de controle[43]. É necessário, portanto, que o terceiro que passa a fazer parte do bloco de controle implique em mudança na orientação geral da companhia[44].