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O direito à implantação automática dos benefícios por incapacidade face à ausência de prazo razoável para a realização de perícia médica administrativa

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Agenda 24/05/2014 às 09:25

Não sendo realizada a perícia médica necessária e não efetuado o primeiro pagamento de benefício no prazo de quarenta e cinco dias, defende-se a implantação automática do auxílio-doença, desde que apresentada documentação comprobatória do preenchimento dos requisitos à concessão do benefício.

Sumário: 1.Introdução. 2. Princípio da Eficiência. 3. Princípio da Razoabilidade. 4. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 5. Benefícios por incapacidade. 6. O Direito à implantação automática do auxílio-doença. 7. Conclusão. Referências Bibliográficas

Resumo: Os benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade laboral visam tutelar aquele que, acometido do risco social, se encontra sem condições de prover à própria subsistência. Partindo-se desse pressuposto, defende-se a implantação automática do benefício por incapacidade, em especial o auxílio-doença, quando a perícia necessária à concessão do benefício é marcada para data tardia, uma vez que, em tal hipótese, a ausência de tutela tempestiva pode equivaler à não atuação estatal. Tendo a Previdência Social por fim a tutela do segurado face aos riscos sociais que venham a acometê-lo, a implantação automática do benefício é uma exigência de uma sociedade pluralista, em que se busca a concretização da justiça social, a qual somente será alcançada quando o Estado proporcionar uma existência digna aos seus cidadãos.

PALAVRAS-CHAVES: benefício por incapacidade – implantação automática – dignidade da pessoa humana.


1. INTRODUÇÃO

O presente estudo defende o direito à implantação automática do benefício previdenciário por incapacidade, em especial o auxílio-doença, quando a perícia médica é marcada para data longínqua. Em que pese a ausência de previsão legal, ao Judiciário impõe-se uma tutela efetiva ao hipossuficiente e em tempo oportuno, eis que uma concessão de benefício tardia pode equivaler a não proteção contra o risco social.

Entre os requisitos para a concessão do auxílio-doença está a existência de incapacidade para atividade laboral anteriormente exercida. Essa comprovação é feita por meio de perícia médica, realizada por médicos do INSS. Entretanto, se o exame pericial é marcado para data distante daquela em que realizado o requerimento, eventualmente, quando de sua realização, o segurado poderá encontrar-se curado da enfermidade que o afligia. Por conseguinte, não haverá a efetiva proteção contra o risco social.

Por tais razões, com apoio em interessante corrente jurisprudencial, defende-se a concessão automática do auxílio-doença, independentemente de perícia em tais hipóteses. O direito à previdência social, enquanto integrante dos direitos sociais, impõe uma atuação eficaz do Estado, a fim de que aquele que se encontra incapaz de prover o próprio sustento venha a ter garantido o seu mínimo vital.

Trata-se de uma análise dos institutos previdenciários à luz dos direitos fundamentais. O Estado Democrático de Direito tem como seu fim último proporcionar uma existência digna aos seus administrados, o que traz como exigência a proteção eficiente aos hipossuficientes. Só assim a justiça social deixará de ser uma utopia e a República Federativa do Brasil irá ao encontro de seus objetivos fundamentais, entre os quais se encontra a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.


2. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

O princípio da eficiência foi introduzido no texto constitucional, como principio aplicável à Administração Pública, com o advento da Emenda Constitucional n. 19/98, a qual o acrescentou no rol dos princípios administrativos elencados no art. 37, “caput”, da CRFB. O termo “eficiência” já se encontrava previsto no art. 6º, §1º, da Lei n. 8.987/95, agora é princípio que norteia toda a atuação administrativa.

Como bem sintetiza José dos Santos Carvalho Filho:

Não é difícil perceber que a inserção desse princípio revela o descontentamento da sociedade diante de sua antiga impotência para lutar contra a deficiente prestação de tantos serviços públicos, que incontáveis prejuízos já causou aos usuários. De fato, sendo tais serviços prestados pelo Estado ou por delegados seus, sempre ficaram inacessíveis para os usuários os meios efetivos para assegurar seus direitos. Os poucos meios existentes se revelaram insuficientes ou inócuos para sanar as irregularidades cometidas pelo Poder Público na execução desses serviços (2009, p.26-27).

A eficiência, enquanto princípio norteador da atuação administrativa, possui dupla acepção: dever de otimização dos recursos públicos; eficácia administrativa (JUSTEN FILHO, 2013, p. 216).

O administrador possui o dever de utilizar da forma mais produtiva os recursos públicos, de modo a obter os melhores resultados. Entretanto, a atividade administrativa não busca o lucro, mas a realização do interesse público. Assim, não se mostra possível uma valoração meramente pecuniária na condução das atividades de Estado.

Na tentativa de afastar juízos puramente econômicos na análise do princípio, surge a eficiência como sinônimo de eficácia administrativa1, que exige que o administrador evite desperdícios e falhas. Os resultados devem ser produzidos de modo rápido e preciso, satisfazendo as necessidades da população (MEDAUAR, 2011, P.137). Exige-se o equilíbrio de interesses e valores de distinta natureza, o lucro e a rentabilidade não se mostram fundamentais.

Deve-se ressaltar que o princípio da eficiência não alcança apenas os serviços diretamente prestados à coletividade, impondo-se sua observância também no que tange aos serviços internos das pessoas federativas e das pessoas a ela vinculadas. A Administração deve buscar a qualidade total2 no desempenho das atividades que lhe são atribuídas. Segundo Carvalho Filho: “Tais objetivos é que ensejaram as recentes idéias a respeito da administração gerencial nos Estados modernos (public management), segundo a qual se faz necessário identificar uma gerência pública compatível com as necessidades comuns da Administração” (p. 29).

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da eficiência deve ser entendido como integrante do princípio da boa administração, impondo uma atuação administrativa mais congruente, mais oportuna e mais adequada aos fins colimados (2013, p.125). Como bem observa o Prof. Juarez Freitas:

Observado de maneira atenta, o direito fundamental à boa administração é um lídimo plexo de direitos encartados nessa síntese, ou seja, o somatório de direitos subjetivos públicos. No conceito proposto abrigam-se, entre outros, os seguintes direitos:

(a) O direito à administração pública transparente, que implica evitar a opacidade (princípio da publicidade), salvo nos casos em que o sigilo se apresentar justificável, e ainda assim não-definitivamente, com especial ênfase às informações inteligíveis sobre a execução orçamentária;

(b) o direito à administração pública dialógica, com as garantias do contraditório e da ampla defesa - é dizer, respeitadora do devido processo (inclusive com duração razoável), o que implica o dever de motivação consistente e proporcional;

(c) o direito à administração pública imparcial, isto é, aquela que não pratica a discriminação negativa de qualquer natureza;

(d) o direito à administração pública proba, o que veda condutas éticas não-universalizáveis;

(e) o direito à administração pública respeitadora da legalidade temperada e sem “absolutização” irrefletida das regras, de modo que toda e qualquer competência administrativa supõe habilitação legislativa;

(f) o direito à administração pública eficiente e eficaz, além de econômica e teleologicamente responsável, redutora dos conflitos intertemporais, que só fazem aumentar os custos da transação.

Tais direitos não excluem outros, pois se cuida de “standard mínimo”. (2007, p. 20-21)

Deve-se ressaltar, ainda, que o princípio da razoável duração do processo, incluído no texto constitucional pela Emenda Constitucional n. 45/2004, previsto no art. 5º, LXXVIII, da CRFB, deve ser considerado como sinônimo de eficiência. Trata-se da aplicação do princípio da eficiência relativamente ao acesso à justiça, sendo uma resposta do legislador à insatisfação popular diante da excessiva morosidade processual.

De outro modo, no que tange ao controle da observância do princípio da eficiência, é imperativo o respeito às diretrizes e prioridades dos administradores públicos e aos recursos financeiros disponíveis; todavia, tal observância não pode ir de encontro ao princípio.

Por todo o exposto, quer parecer que a aplicação do princípio da eficiência encontra-se concatenada ao Princípio da Supremacia do Interesse Público. Na atuação estatal o interesse público primário deve prevalecer sobre os interesses privados, o que traz a necessidade de uma atuação administrativa rápida, precisa, econômica e apta à concretização das necessidades sociais, eis que somente assim a Administração Pública atingirá a sua finalidade.


3. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

O princípio da razoabilidade é corolário do princípio do devido do processo legal, o qual surgiu na Carta Magna Libertatum, de João Sem Terra, 1215, tendo seu nascimento e desenvolvimento ocorrido no sistema da “common law”.

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Originariamente, o devido processo legal possuía caráter estritamente processual, resumindo-se à observância ao contraditório, à ampla defesa e outras garantias processuais. Inicialmente, de reduzida abrangência, aplicava-se apenas ao processo penal, passando a garantia processual, até alcançar o processo civil, bem como o processo administrativo.

O desenvolvimento do aspecto substancial do devido processo legal operou-se em três fases distintas no direito norte americano. No final do Séc. XIX - na denominada “Lochner Era” – a Suprema Corte americana considerou inconstitucional uma lei do Estado de Nova Iorque que fixara jornada máxima de trabalho dos padeiros, com fundamento na violação à liberdade de contratação das partes. Na década de 30, o devido processo legal substancial perde seu prestígio, a Suprema Corte, chamada a se manifestar sobre as medidas de intervenção no domínio econômico adotadas pelo Presidente Roosevelt, e após a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, declarou a nulidade de tais atos legislativos. Diante disso, Roosevelt enviou ao Congresso um projeto de lei que alterava a composição da Suprema Corte – “court-packing plan” -,este não veio a ser aprovado; entretanto, face à pressão exercida, a Corte alterou seu entendimento, abstendo-se a partir daquele momento de efetuar o controle substantivo das lei de cunho econômico.

Na década de 50, por sua vez, temos o renascimento do devido processo legal, quando a Suprema Corte passa a distinguir liberdades econômicas e não econômicas – caso “United States v. Carolene Products” -, admitindo-se o ativismo judicial nas questões referentes às liberdades pessoais. Desde então, a razoabilidade vem sendo utilizada pelo Poder Judiciário na efetiva tutela dos direitos fundamentais (OLIVEIRA, 2011, p. 121-122).

Deve-se referir que a própria natureza jurídica do instituto da razoabilidade é controvertida: para parte da doutrina, seria princípio; outros, por sua vez, defendem tratar-se de postulado normativo3. Segundo Humberto Ávilla: “A razoabilidade estrutura a aplicação de outras normas, princípios e regras, notadamente das regras” (2010, p. 153).

A razoabilidade encontra-se previsto no art. 2º da Lei n. 9.784/1999. De acordo com este princípio, mesmo quando o agente público atua no exercício da competência discricionária, não lhe é permitido agir de forma incoerente, desarrazoada, bizarra. Segundo Diogo de Figueiredo Neto, citado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

A razoabilidade, agindo como um limite à discrição na avaliação dos motivos, exige que eles sejam adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo que o ato atinja a sua finalidade pública específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja atingida. (2011, p. 81)

Por meio da razoabilidade é que se mostrará possível a análise da congruência do ato administrativo com a moldura jurídica. Como bem leciona a Profª Lúcia Valle Figueiredo: “(...) não é lícito ao administrador, quando tiver de valorar situações concretas, depois da interpretação, valorá-las a lume dos seus ‘standards’ pessoais, a lume de sua ideologia, a lume do que entende ser bom, certo, adequado no momento, mas a lume de princípios gerais, a lume da razoabilidade, do que, em Direito Civil, se denomina ‘valores do homem médio’” (1998, p. 45).

A razoabilidade possui diversas acepções: equidade, congruência, equivalência etc. Como bem leciona Humberto Ávilla:

Relativamente à razoabilidade, dentre tantas acepções, três se destacam. Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma reação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas. (2010, p.154)

A razoabilidade em sua acepção de equidade exige que a norma geral seja harmonizada aos casos individuais. Na aplicação da norma, impõe-se ao administrador observar aquilo que ordinariamente acontece. Na interpretação da norma devem ser preservados os princípios axiologicamente subjacentes. Para que determinada norma seja aplicada ao caso concreto, impõe-se que este se adéque à generalização daquela.

No que tange à razoabilidade entendida como congruência, exige-se que haja a harmonização da norma com suas condições externas de aplicação (ÁVILLA, 2010, p. 157). Deve haver uma congruência entre o critério distintivo utilizado pela norma e a medida por ela adotada.

Como sinônimo de equivalência, a razoabilidade traz como dever o equilíbrio, o sinalagma, a equivalência, entre a medida adotada e o critério que a dimensiona (ÁVILLA, 2010, p.161). A medida tem que guardar compatibilidade com o critério adotado.

Por fim, cumpre distinguir razoabilidade e proporcionalidade. A proporcionalidade exige que o Estado, para alcançar suas finalidades, se utilize de um meio que seja adequado, necessário e proporcional em sentido estrito. A razoabilidade, por sua vez, é uma faceta explícita do devido processo legal substancial.Todavia, não há consenso quanto à distinção entre ambos; para alguns doutrinadores4, razoabilidade e proporcionalidade seriam sinônimos.

Assim, a razoabilidade, como decorrência do Estado Democrático de Direito, deve ser entendida como uma das faces do Devido Processo Legal Substancial, exigindo que a atuação estatal guarde equidade, congruência e equivalência, não se confundido com a proporcionalidade.


4. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A idéia de dignidade da pessoa humana é bastante antiga, possuindo suas raízes no pensamento clássico e no ideário religioso. No Antigo e no Novo Testamento encontramos a referência à dignidade, ambos afirmam que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus. Como sintetiza o Prof. Ingo Sarlet:

Na primeira fase do cristianismo, quando este havia assumido a condição de religião oficial do Império, destaca-se o pensamento do Papa São Leão Magno, sustentando que os seres humanos possuem dignidade pelo fato de que Deus os criou à sua imagem e semelhança, e que, ao tornar-se homem, dignificou a natureza humana, além de revigorar a relação entre o Homem e Deus mediante a voluntária crucificação de Jesus Cristo. Logo depois, no período inicial da Idade Média, Anicio Manlio Severino Boécio, cujo pensamento foi (em parte) posteriormente retomado por São Tomás de Aquino, formulou, para a época, um novo conceito de pessoa e acabou por influenciar a noção contemporânea de dignidade da pessoa humana ao definir a pessoa como substância individual da natureza racional. (2009, p.33).

A dignidade da pessoa humana encontra-se prevista no art. 1º, III, da CRFB, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Sendo considerada por muitos doutrinadores o fundamento direto de todos os direitos assegurados no texto constitucional, eis que seria uma condição necessária ao exercício de qualquer outro direito5. É entendido, para parte da doutrina, como o princípio de maior hierarquia, remetendo à idéia de, no exercício da função hermenêutica, existir não apenas uma interpretação conforme a Constituição e os direitos fundamentais, mas de uma hermenêutica que tenha presente o “imperativo de que em favor da liberdade não deve haver dúvida” (SARLET, 2009, p. 92).

O principio da dignidade da pessoa humana traz a exigência de que cada indivíduo seja considerado em sua singularidade, como pessoa6. A dignidade é inerente à condição de ser humano, o que, em termos éticos, significa assumi-lo como um absoluto, transcendente à deliberação e a fundamentação (BARZOTTO, p. 60).

Kant já dizia que, no mundo social, existem duas categorias de valores: o preço (“preis”) e a dignidade (“Würden”). O preço representaria um valor de mercado, manifestando interesses privados. A dignidade, por sua vez, qualificar-se-ia como um valor moral, sendo de interesse geral. As coisas têm valor, as pessoas têm dignidade (MORAES, 2010, p. 117).

O princípio da dignidade da pessoa humana impõe a atuação estatal eficiente na implementação dos direitos mínimos dos indivíduos, os quais, muitas vezes, somente alcançarão uma igualdade de chances frentes aos demais com a efetiva tutela do Estado aos hipossuficientes. Em tais hipóteses, antes da aplicação do princípio, estes deverão ser igualados, para, somente, então, passar-se a efetivação da dignidade da pessoa humana entre aqueles que se encontram na mesma situação. Tal entendimento vai ao encontro do disposto no art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo o qual a dignidade da pessoa exige condições de vida capazes de assegurar liberdade e bem-estar.

Finalmente, deve-se referir que a concretização da dignidade da pessoa humana somente se efetivará quando for assegurado aos indivíduos o mínimo existencial o qual se encontra indissociável da realização dos direitos sociais, devendo ser entendido como o conjunto de prestações materiais aptas a assegurar a cada indivíduo uma existência digna.

Por todo o exposto, entende-se que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é de observância obrigatória pelos operadores do Direito, sobretudo, pelo Estado, eis que sua atuação deve buscar o bem-estar da coletividade, o respeito aos seus direitos mais elementares. Somente com a satisfatória tutela do hipossuficiente, com a eliminação das condições sub-humanas de sobrevivência, dar-se-á um grande passo na busca pela justiça social.


5. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE

Os benefícios por incapacidade visam assegurar condições mínimas de subsistência àquele que, em decorrência de moléstia ou acidente, encontra-se inapto para o exercício do labor ou com sua capacidade reduzida, o que, consequentemente, o afastará ou reduzirá o exercício de sua atividade profissional, bem como de sua fonte de renda. A tutela previdenciária busca proporcionar as condições necessárias a que este indivíduo possa usufruir de uma existência digna.

Em razão da incapacidade laboral que atinge o segurado, três benefícios se mostram possíveis: aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente.

A aposentadoria por invalidez é benefício previdenciário, substituidor dos salários, de pagamento continuado, concedido ao segurado que se encontra inapto para o trabalho, sem perspectiva de reabilitação para o exercício de atividade laboral. Está prevista no art. 42 da Lei n. 8.213/91, sendo devida ao segurado que, estando ou não em gozo do benefício de auxílio-doença, for considerado inapto para o exercício de atividade profissional, bem como a reabilitação não se mostre possível. Trata-se de benefício não definitivo, uma vez que, constatada a recuperação da capacidade para o trabalho, cessará seu pagamento.

O pagamento do benefício de aposentadoria por invalidez condiciona-se ao afastamento de todas as atividades laborais pelo segurado. Exigindo-se, ainda, como regra, a carência de doze contribuições mensais, salvo quando decorrente de acidente de qualquer natureza, doença profissional, do trabalho ou de moléstias graves listadas em ato regulamentar, hipóteses em que a carência será dispensada.

Deve-se referir que, aquele que, no momento da filiação, já se encontrava incapaz, não faz jus ao benefício previdenciário7. De outro modo, não impede a concessão da aposentadoria por invalidez a doença congênita ou adquirida antes da filiação, quando sobrevier seu agravamento posterior à filiação89.

Quanto à incapacidade parcial, o entendimento dominante é de que devem ser consideradas as circunstâncias pessoais do segurado a fim de verificar-se o cabimento da concessão do benefício10. Tal entendimento encontra-se externado em súmula da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência (Súmula n. 47): “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão da aposentadoria por invalidez”.

A data de início do benefício, em regra, será a data da incapacidade11 – no caso de segurado empregado, será no décimo sexto dia da incapacidade, eis que o pagamento dos quinze primeiros dias é de responsabilidade do empregador -; entretanto, se entre a data da incapacidade e a data da entrada do requerimento (DER) operar-se mais de trinta dias, o benefício previdenciário terá como data de início aquela em que se operou a entrada do requerimento na Previdência Social.

Quando o benefício for concedido judicialmente, tendo sido negado na esfera administrativa, conforme entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, se a perícia judicial, por questões clínicas, não conseguir precisar a data do início da incapacidade12, a data de início do benefício será a da juntada do laudo pericial13. Ainda, quando a aposentadoria por invalidez não for precedida de auxílio-doença, tampouco tenha havido prévio requerimento administrativo, o benefício terá como seu termo “a quo” a data da citação14

A renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez corresponde a 100% do salário de benefício do segurado, inclusive quando a inaptidão resulta de acidente do trabalho. Entretanto, quando o incapaz necessitar de assistência permanente de outra pessoa, poderá haver um acréscimo de 25%, chegando a renda mensal a 125% do salário de benefício. As circunstâncias que garantirão esta majoração encontram-se previstas no Anexo I do Decreto n. 3.048/99: cegueira total, perda de nove dedos das mãos ou superior a esta, paralisia dos dois membros superiores ou inferiores, perda dos membros inferiores, acima dos pés, quando a prótese for impossível, perda de uma das mãos e de dois pés, ainda que a prótese seja possível, perda de um membro superior e outro inferior quando a prótese for impossível, alteração das faculdades mentais com grave perturbação da vida orgânica e social, doença que exija permanência contínua no leito, incapacidade permanente para as atividades da vida diária. Entretanto, este rol não é exaustivo, uma vez comprovada a necessidade de assistência permanente por perícia médica, deve ser concedido o acréscimo de 25% (LAZZARI, 2013, p. 746).

Finalmente, no que mais interessa à presente exposição, no que tange à aposentadoria por invalidez, a Lei n. 8.213/91, em seu artigo 42, §1º, é taxativa quanto à necessidade de perícia médica:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.

Logo, quanto à aposentadoria por invalidez, não se mostra possível a implantação automática do benefício previdenciário em face da marcação de perícia médica para data longínqua, sob pena de configurar-se um ativismo judicial15 demasiado, o qual iria de encontro à separação dos poderes. Segundo Barroso:

Note-se que os três Poderes interpretam a Constituição, e sua atuação deve respeitar os valores e promover os fins nela previstos. No arranjo institucional em vigor, em caso de divergência na interpretação das normas constitucionais ou legais, a palavra final é do Judiciário. Essa primazia não significa, porém, que toda e qualquer matéria deva ser decidida em um tribunal. Nem muito menos legitima a arrogância judicial. (2009, p. 15)

No que tange ao auxílio-acidente, trata-se de benefício concedido ao segurado, em decorrência de acidente de qualquer natureza, após a consolidação das lesões, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia16. Encontra-se previsto no art. 86 da Lei n. 8.213/91.

Trata-se de benefício que independe de carência, tendo a natureza de indenização ao segurado - é o único benefício previdenciário indenizatório -, não sendo substitutivo do salário. Corresponde a 50% do salário de benefício, sendo devido até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até o óbito do segurado.

De acordo com o art. 18,§1º, da Lei n.8.213/91, somente podem ser beneficiários do auxílio-acidente o segurado empregado, o trabalhador avulso e o segurado especial.

Feitas essas breves considerações quanto ao auxílio-acidente, cumpre referir que, não sendo benefício substitutivo do salário, não cabe aqui se cogitar em implantação automática do benefício diante da marcação de perícia médica. Portanto, para o presente estudo, não comporta maiores elucubrações.

Finalmente, passamos à análise do benefício que mais interessa a este artigo: o auxílio-doença.

O auxílio-doença é o benefício previdenciário concedido ao segurado que se encontra incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual, por mais de quinze dias171819. Este benefício está previsto nos artigos 59 a 63 da Lei n. 8.213/91.

A incapacidade aqui exigida é distinta daquela necessária à concessão da aposentadoria por invalidez, eis que é, de regra, temporária – o prognóstico é de possibilidade de recuperação para sua atividade habitual ou reabilitação para outra -, diferentemente do que ocorre na aposentadoria por invalidez, que exige incapacidade total e permanente. A incapacidade é comprovada por exame pela perícia médica da Previdência Social.

Caso o segurado seja insuscetível de recuperação para a atividade habitual, deverá ser submetido à reabilitação profissional para outra atividade. Não cessando o benefício até sua habilitação para o desempenho de atividade que lhe garanta a subsistência ou, caso não seja possível sua reabilitação, deverá ser aposentado por invalidez.

De outro modo, quando o segurado exercer duas atividades remuneradas e tornar-se incapaz para apenas uma delas, deverá ser concedido auxílio-doença relativamente a esta, sendo consideradas para tal finalidade unicamente as contribuições relativas àquela para a qual se incapacitou. Havendo incapacidade definitiva para tal atividade, o auxílio-doença deve ser mantido indefinidamente.

Por conseguinte, a incapacidade laboral, de acordo com a profissão desenvolvida, pode ser classificada em: a) uniprofissional – quando o impedimento alcança apenas uma atividade específica; b) multiprofissional – na hipótese em que o impedimento abranger diversas atividades; c) omniprofissional – quando há impossibilidade para o desempenho de toda e qualquer atividade laboral (AMADO, 2013, p. 369).

Do mesmo modo que ocorre com a aposentadoria por invalidez, não há que se falar em auxílio-doença quando o segurado filia-se ao Regime Geral de Previdência Social já portador da lesão ou doença incapacitante, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de agravamento da enfermidade, sendo aplicável também a este benefício a já referida Súmula 53 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência20.

Para a concessão do benefício previdenciário, exige-se, em regra, a carência de doze contribuições (art. 25, I, da Lei n. 8.213/91), salvo quando: a incapacidade decorrer de acidente de qualquer natureza ou causa ou de doença profissional ou do trabalho; na hipótese de o segurado, após a filiação, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência e Assistência Social; e, por fim, a concessão do auxílio-doença, no valor de um salário-mínimo, aos segurados especiais que comprovem o exercício de atividade rural no período anterior ao requerimento do benefício pelo período de doze meses (número de meses exigido para fins de carência do auxílio-doença) – art. 39, I, c/c art. 26, III, da Lei n. 8.213/91.

No que tange ao período em que o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência21 e o Superior Tribunal de Justiça22 têm entendido que, para que tal interregno seja computado para fins de carência, exige-se que seja intercalado com períodos contributivos.

O salário de benefício do auxílio-doença, desde o advento da Lei n. 9.876/99, é calculado pela media aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, sem a aplicação do fator previdenciário. O valor do benefício corresponde a 91% do valor do salário de benefício.

Como requisito para a manutenção do recebimento do benefício previdenciário, há a exigência de que o segurado, independentemente da idade e sob pena de suspensão do benefício, submeter-se periodicamente a exames médicos junto ao INSS, enquanto não recuperar-se ou aposentar-se por invalidez.

Há certa fungibilidade entre os pedidos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. A jurisprudência tem entendido que, mesmo sendo pedida judicialmente a aposentadoria por invalidez, uma vez constatada por perícia médica a ausência de incapacidade total e permanente, mas presente a incapacidade temporária, deve o magistrado conceder o auxílio-doença23. Tal solução decorre do fato de o auxílio-doença ser um “minus” em relação à aposentadoria por invalidez.

Deve-se referir, ainda, que durante o período de gozo do auxílio-doença, o segurado é considerado pela empresa como licenciado.

No que tange à concessão judicial do auxílio-doença, esta deve ser a “ultima ratio”, somente cabível quando negada a concessão do benefício pelo INSS. Ausente o prévio requerimento administrativo, em regra, falta interesse de agir, eis que não há pretensão resistida. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CONCESSÓRIA DE BENEFÍCIO. PROCESSO CIVIL. CONDIÇÕES DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR (ARTS. 3º E 267, VI, DO CPC). PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE, EM REGRA.

1. Trata-se, na origem, de ação, cujo objetivo é a concessão de benefício previdenciário, na qual o segurado postulou sua pretensão diretamente no Poder Judiciário, sem requerer administrativamente o objeto da ação.

2. A presente controvérsia soluciona-se na via infraconstitucional, pois não se trata de análise do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF). Precedentes do STF.

3. O interesse de agir ou processual configura-se com a existência do binômio necessidade-utilidade da pretensão submetida ao Juiz. A necessidade da prestação jurisdicional exige a demonstração de resistência por parte do devedor da obrigação, já que o Poder Judiciário é via destinada à resolução de conflitos.

4. Em regra, não se materializa a resistência do INSS à pretensão de concessão de benefício previdenciário não requerido previamente na esfera administrativa.

5. O interesse processual do segurado e a utilidade da prestação jurisdicional concretizam-se nas hipóteses de a) recusa de recebimento do requerimento ou b) negativa de concessão do benefício previdenciário , seja pelo concreto indeferimento do pedido, seja pela notória resistência da autarquia à tese jurídica esposada.

6. A aplicação dos critérios acima deve observar a prescindibilidade do exaurimento da via administrativa para ingresso com ação previdenciária, conforme Súmulas 89/STJ e 213/ex-TFR.

7. Recurso Especial não provido. (STJ, REsp 1.310.042 – PR, Rel. Min. Herman Benjamin, 15/05/2012)

Assim, uma vez negado o benefício administrativamente, encontram-se presentes as condições da ação, mostrando-se, em regra, possível ao magistrado a análise do mérito da demanda.

Como referido anteriormente, para a concessão do auxílio-doença, a comprovação da incapacidade deve operar-se por meio de perícia médica. Entretanto, diferentemente do que ocorre na aposentadoria por invalidez, na concessão do auxílio-doença, a lei não é impositiva quanto à necessidade de perícia médica, conforme se extrai do art. 60, §4º, da Lei n. 8.213/9124, como se passa a examinar no próximo tópico deste artigo.

Sobre a autora
Caroline Quadros da Silveira Pereira

Advogada em Porto Alegre Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção Especialista em Direito Tributário pela Universidade UNIDERP/Anhanguera

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Caroline Quadros Silveira. O direito à implantação automática dos benefícios por incapacidade face à ausência de prazo razoável para a realização de perícia médica administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3979, 24 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28789. Acesso em: 22 dez. 2024.

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