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Política nacional de biossegurança

A Lei de Biossegurança, sancionada pelo presidente da República, em janeiro de 1995, sofreu vetos aos artigos que criavam e conferiam as competências à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio. O decreto de regulamentação, de dezembro do mesmo ano, incorporou, equivocadamente, parte de artigos anteriormente vetados quando da sanção da lei.

Decorridos sete anos de vigência do aludido marco legal, uma decisão judicial considerou que a CTNBio era virtual e que suas decisões não possuíam legalidade. No intuito de resolver o imbróglio jurídico, foi editada, em dezembro de 2000, uma Medida Provisória que restabeleceu parte dos artigos anteriormente vetados pelo presidente da República.

No âmbito da rotulagem dos alimentos contendo organismos geneticamente modificados (OGMs) e seus derivados, o Poder Executivo baixou, em julho de 2001, um decreto com o intuito de regulamentar a matéria a partir de dezembro de 2001, mas até a presente data, a rotulagem não se efetivou.

Uma das funções primordiais da CTNBio era propor a Política Nacional de Biossegurança (PNB), atribuição fundamental e estratégica para a implementação de uma biotecnologia sustentável. Por uma série de razões, esta PNB não foi elaborada. A ausência da mesma vem provocando problemas vários nos rumos da biossegurança, e por conseguinte, na biotecnologia do país.

Assim, a falta de diretrizes gerou, por parte da CTNBio, a tomada de decisões que incluem uma avalanche de Instruções Normativas, alguma equivocadas e contraditórias e outras incompletas e confusas, sem contar com a ausência de critérios claramente definidos para a análise e aprovação de pedidos de liberações planejadas e cultivo comercial. Uma destas decisões se encontra sub judice desde setembro de 1998.

A PNB deve constituir-se no instrumento base que possibilite as ações e os procedimentos dos órgãos governamentais responsáveis pela autorização de funcionamento e fiscalização das atividades com OGMs, bem como servir de instrumento orientador para as empresas de biotecnologia e para a sociedade.

Assim, é apropriado que a PNB inclua o Princípio da Precaução, com transparência, publicidade e controle social. Além disso, deve orientar como se darão as parcerias, não só entre órgãos federais de vigilância (saúde, agricultura e meio ambiente), mas também entre estados e municípios. É fundamental interagir com as demais legislações concorrentes.

O Princípio da Precaução, que é contemplado na legislação brasileira, estipula que a ausência de certeza científica não deve ser usada como razão para postergar a tomada de medidas preventivas efetivas e proporcionais, para evitar danos graves e irreversíveis à saúde humana e ao ambiente. Segundo esse princípio, as políticas ambientais e de saúde devem visar à predição, prevenção e mitigação dos danos, devendo considerar a alternativa de menor degradação ambiental.

Este princípio se opõe à diretriz "ausência de evidência como evidência da ausência" que tem sido adotado nas recentes decisões governamentais, e, por certa desinformação, permeia parcela importante da comunidade científica, a qual poderá ficar perplexa por estar acostumada a tomar decisões baseadas no que é conhecido e não levando em conta as incertezas.

Seria desejável que a CTNBio dividisse com a sociedade a discussão e a decisão sobre temas de tamanha relevância para o País, pois estes assuntos não são meramente técnicos, mas, sim, multidisciplinares, com profundas implicações em vários setores da sociedade.

A ausência de consenso entre os diversos órgãos governamentais poderá ser superada após a elaboração de uma PNB consistente. A inexistência da PNB e da CTNBio como liderança no nível federal na condução de questões de biossegurança levaram vários estados e municípios brasileiros a criar e implementar legislações próprias de biossegurança. Esta atitude reflete a evidente falta de confiança que a sociedade brasileira possui na CTNBio e que precisa ser urgentemente alcançada.

A PNB deve, então, estabelecer também as bases das parcerias entre os órgãos dos governos federal, estaduais e municipais, visando não só a garantia da execução desta política, mas também dividir as responsabilidades sobre as liberações e fiscalizações. Estas parcerias facilitariam um programa de biovigilância, em especial para fins comerciais. Do ponto de vista da saúde pública, esta estratégia é de importância crucial devido ao processo de descentralização existente nas ações do Sistema Único de Saúde - SUS.

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Existe ainda a necessidade de considerar a Política Nacional do Meio Ambiente na elaboração na PNB. A aprovação das normas de licenciamento ambiental para OGMs e derivados, pelo CONAMA, seria um passo para o aperfeiçoamento da biossegurança no país.

O licenciamento ambiental, apesar de ser um instrumento legal, possibilita também o avanço no conhecimento científico, a avaliação de impactos sócio-econômicos e a geração de empregos de alta qualificação científica, tecnológica e gerencial.

A rastreabilidade dos OGMs deve ser também um componente da PNB, pois possibilita simultaneamente atender os direitos dos consumidores e a identificação da origem e as características do produtos comerciais.

A introdução de novas (bio)tecnologias agrícolas não pode mais ser decidida por segmentos restritos da sociedade. Quando isto aconteceu, como no caso do uso indiscriminado de agrotóxicos, vários problemas de saúde pública e ambientais ocorreram. Assim, invocar o princípio da precaução na análise da introdução de plantas transgênicas em larga escala é uma medida, no mínimo, sensata.

Finalmente, há que se estabelecer um pacto com a sociedade, no qual a ciência deve avançar com efetivo diálogo social. Num País democrático, a sociedade tem o direito de decidir livremente sobre os novos produtos e serviços gerados pelas novas tecnologias, nos quais as incertezas são maiores que os riscos conhecidos, apesar de consideramos o potencial de benefício que o uso controlado da tecnologia poderá proporcionar.

A comunidade científica tem papel relevante neste processo, pela sua capacidade de entender, debater e propor encaminhamentos sobre estes assuntos. Nesse sentido, é importante que as diversas correntes científicas sejam explicitadas, juntamente com as questões sócio-econômicas e culturais, para que o debate alcance os mais diversos setores da sociedade, uma vez que a introdução dos transgênicos necessita de uma análise interdisciplinar.

Num país com sérias dificuldades em alocar recursos financeiros para o desenvolvimento científico e tecnológico, seria importante avaliar a proposta da SBPC em taxar as empresas do setor para estabelecer um fundo de financiamento de estudos de biossegurança de OGMs. Além disto, torna-se imprescindível um fomento dirigido para ampliar os parcos recursos disponíveis nas diferentes agências de fomento, para a avaliação de impactos e riscos destes OGMs e seus derivados.

Sobre os autores
Rubens Nodari

professor da Universidade Federal de Santa Catarina

Miguel Pedro Guerra

professor da Universidade Federal de Santa Catarina

Silvio Valle

pesquisador titular, coordenador dos Cursos de Biossegurança da Fundação Oswaldo Cruz

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NODARI, Rubens; GUERRA, Miguel Pedro et al. Política nacional de biossegurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2880. Acesso em: 22 nov. 2024.

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