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O Protocolo de Olivos: um tribunal permanente para o Mercosul

Agenda 01/04/2002 às 00:00

Sumário:1.INTRODUÇÃO 2. PROTOCOLO DE BRASÍLIA: O SISTEMA DERROGADO; 2.1- Interpretação, Aplicação e Não Cumprimento de fonte jurídica do Mercosul; 2.2 Solução de Controvérsias privadas (Direito Privado); 3. A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO PROTOCOLO DE OLIVOS; 4. TRIBUNAL PERMANENTE DE RECURSOS 4.1 Acesso direto ao grau recursal; 5. DOS LAUDOS ARBITRAIS; 6. MEIOS DE IMPOSIÇÃO COERCITIVA; 7. SOLUÇÃO DE CONFLITOS PRIVADOS; 8. CONCLUSÔES; 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS;


INTRODUÇÃO

Certamente, ninguém irá esquecer tão rapidamente os eventos que se desenvolveram na economia Argentina nos últimos anos, sobretudo no último mês de dezembro. Imerso em uma precária lei de conversibilidade cambial, o governo argentino viu, em suas conseqüências mais drásticas, as conseqüências de se tentar manter uma taxa de câmbio alta, em meio a um continente que, há alguns anos, já vinha adotando bandas flutuantes para o preço de suas moedas.

No mês de dezembro de 2001, surpreendidos pela decretação do corralito, os já empobrecidos argentinos saíram às ruas em uma das maiores manifestações populares da história argentina. Em uma semana, seguiram dois presidentes: Fernando de la Rúa e Adolfo Rodriguez Saá, se não contarmos o presidente congressual, que assumiu provisoriamente após a queda de De La Rúa. Algumas semanas após, era firmado no poder o terceiro "pretendente" à presidência argentina: Eduardo Duhalde, vice-presidente de Carlos Menem durante parte de seu governo.

Duhalde, conseguindo se manter no poder, passou progressivamente a adotar duas posturas: internamente, afirmava uma retórica protecionista, simplesmente para acalmar o tumulto popular incontido, manifestado pelos cacerolazos. Externamente, contudo, passou a buscar ajuda em diversos órgãos de fomento, para que pudesse obter algum financiamento para o reerguimento da economia argentina.

Foi neste ciclo de encontros internacionais, que envolveu inclusive uma visita sem sucesso Washington, que ocorreu, no início do ano 2002, reunião extraordinária da cúpula do Mercosul, o Conselho Mercado Comum, com sede na residência oficial do governo argentino, a Quinta de Olivos. Desta reunião foi originado o novo protocolo que, assim que depositadas as ratificações, passará a reger a solução de controvérsias comerciais surgidas entre os países que compõem o Mercado Comum do Sul, derrogando assim o Protocolo de Brasília, vigente desde 1993 (com a ratificação do Uruguai).


2. PROTOCOLO DE BRASÍLIA: O SISTEMA DERROGADO

Expressamente previsto no art. 55 do Protocolo de Olivos, encontra-se previsão expressa de que, assim que este entrar em vigor, restará derrogado o Protocolo de Brasília para Solução de Controvérsias, bem como o Regulamento deste protocolo, aprovado pela Decisão CMC nº 17/98. Cabe, neste momento, realizar um breve apanhado sobre a solução de controvérsias do antigo diploma, para que, a partir destes, possam ser comparadas as principais alterações.

Atualmente, vigoram no Mercosul apenas duas espécies de solução de controvérsias: a primeira diz respeito à interpretação, aplicação ou não-cumprimento das fontes jurídicas do Mercosul (Direito Público), enquanto a segunda, diz respeito ao conflito surgido entre interesses privados, que tenham por objeto da lide a violação de algum dispositivo normativo do bloco (Direito Privado). Ambos os sistemas de solução foram, desde 1991, regidos pelo Protocolo de Brasília, na estrutura abaixo representada:

2.1 Interpretação, Aplicação e Não Cumprimento de fonte jurídica do Mercosul:

Nesta primeira modalidade de solução de controvérsias, o Protocolo de Brasília divide em três partes o procedimento cabível: Negociação Direta; Reclamação na Seção Nacional e, finalmente, Procedimento Arbitral.

Iniciada a controvérsia, os Estados envolvidos deverão, obrigatoriamente (art. 2º PB), tentar encontrar uma solução mediante negociação direta, sem o envolvimento dos órgãos interestatais. Esta fase terá duração de 15 dias. Esgotado o prazo, qualquer resultado deve ser comunicado ao Grupo Mercado Comum (GMC)

Não havendo acordo, procede-se à comunicação da Seção Nacional da CCM (Comissão de Comércio do Mercosul), que providenciará o encaixe do tema na próxima pauta de reunião do órgão. Não adotando uma decisão, esta enviará o caso a uma Comissão Técnica, que apresentará parecer em no máximo 30 dias.

Uma vez tendo encontrado uma possível solução ao conflito, a CCM envia sua decisão (ou pareceres obtidos do Comitê Técnico) para o Grupo Mercado Comum, que em até 30 dias tomará uma decisão.

Após ter o GMC adotado uma solução para o conflito, cabe aos estados envolvidos, levados em conta os problemas inerentes ao sistema intergovernamental, colocarem em prática as decisões. Contudo, pode ocorrer que o Estado requerido não cumpra a solução apontada pelo GMC. Neste caso, abre-se possibilidade para a terceira etapa de solução de controvérsias públicas no âmbito do Mercosul: o Procedimento Arbitral.

Nesta terceira etapa, os autos são enviados ao Tribunal Arbitral do Mercosul, que, conforme o Protocolo de Brasília, localiza-se em Montevidéu, capital uruguaia. Sendo ad hoc, o Tribunal será composto caso a caso, por três árbitros selecionados de uma lista prévia, e ainda um quarto, indicado por consenso das partes. Em 60 dias (prorrogáveis por mais 30 dias), o Tribunal redigirá um laudo arbitral, sem fundamentação dos votos minoritários. A partir da publicação do laudo, fica determinado o seu cumprimento, pelo estado requerido, em até 15 dias. Esgotado este prazo, o estado prejudicado poderá impor sanções comerciais ao adverso.

2.2 Solução de Controvérsias privadas (Direito Privado):

A segunda forma de solução de controvérsias criada pelo Protocolo de Brasília é a solução de conflitos de interesses privados. Até hoje, discute-se a real eficiência deste mecanismo, por ser demais dispendioso às partes, o que inibe sua ação. Ademais, aquele que oferece Ação não tem direito a uma compensação financeira, o que, certamente, inviabiliza o acesso ao mecanismo pelo simples desinteresse econômico gerado nas partes.

O procedimento em si, também não permite grande participação da parte interessada. Em verdade, este sistema somente difere na parte proponente: ao invés do Estado reclamar de um não cumprimento de acordo comercial ou tarifário, é o particular que o denuncia. Esta denúncia, em termos práticos, pode ocorrer na seção nacional do Grupo Mercado Comum.

Não havendo uma solução imediata neste primeiro estágio, no qual os estados tentam, entre si, uma solução direta para o interesse privado lesado, a controvérsia seguirá para a pauta de reuniões do Grupo Mercado Comum. Nas negociações diretas, contudo, caberá à seção nacional negar tutela caso entenda que o pedido é infundado.

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Se, procedente o pedido, as seções nacionais não conciliarem em 15 dias, a causa segue para o Grupo Mercado Comum. Neste estágio, é convocado grupo de peritos para que, em 30 dias, após ouvidas as partes envolvidas, divulgue parecer sobre a matéria. Se o parecer negar fundamento à causa, o conflito se extingue sem alteração dos fatos materiais. Procedente, o Estado de onde partiu a reclamação tem o direito de requerer a correção da irregularidade.

Não sanada a irregularidade, segue o caso para o Procedimento Arbitral. Cumprido este, e não sendo o interesse privado atendido, o Protocolo de Brasília apresenta sua falha: apenas o recurso à OMC ou outros tribunais internacionais de comércio poderá solucionar o problema, pois serão necessária sanções comerciais diretas, caso as sanções locais não forem suficientes para sanar o problema.

Como pode-se perceber, a única diferença entre a solução de interesses públicos e privados está no fato de que, no segundo, o particular presta registro na Seção Nacional do Grupo Mercado Comum. A partir desta fase, o rito segue o mesmo mecanismo da solução de controvérsias públicas (salvo a insegurança de efetiva tutela ao final do Procedimento Arbitral).


3. A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO PROTOCOLO DE OLIVOS

Cumprida uma breve revisão sobre os sistemas de solução de controvérsias sob o Protocolo de Brasília, passaremos à análise deste mesmo mecanismo sob a nova tutela intrabloco.

Competência: o novo protocolo tem o mesmo propósito do antigo: solucionar controvérsias oriundas de dispositivos presentes nas disposições legais que regem o Mercosul (Tratado de Assunção, Protocolo de Ouro Preto, protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, Decisões do Conselho do Mercado Comum, Resoluções do Grupo Mercado Comum e Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul).

Destaca-se, neste âmbito, que as partes que compõem o Mercosul poderão escolher livremente o foro a ser adotado: o regional ou o multilateral (OMC). Contudo, se arbitrarem o recurso regional, este servirá como última decisão, não podendo a causa neste decidida ser novamente questionada na OMC. A opção do foro ficará a critério do Conselho Mercado Comum, em caráter abstrato, não concreto.

Negociação Direta

O primeiro estágio da solução de controvérsias de Brasília mantém-se intacto. Segundo o art. 4º do novo diploma as partes, obrigatoriamente, tentarão a via direta de negociação de conflitos. Esta negociação, contudo, poderá ser complementada por Comissões Técnicas Especializadas, previstas no art. 2º, que prestarão conhecimento técnico já na primeira fase do litígio.

Dentro de 15 dias, os resultados deverão ser informados ao Grupo Mercado Comum, por meio da Secretaria Administrativa do Mercosul.

Vê-se, portanto, poucas alterações nesta primeira fase.

Intervenção do Grupo Mercado Comum

Nesta segunda fase, encontram-se as primeiras grandes alterações trazidas pelo Protocolo de Olivos. Ao contrário do antigo procedimento, que previa a negociação coletiva por via do GMC, agora este estágio poderá ser suprimido: as partes podem optar por esta via, porém terão a alternativa, direta, de recorrer a Procedimento Arbitral (ou mesmo ao grau recursal, como veremos adiante)

Se houver preferência pela assistência do GMC, a lide será discutida pelas partes com o auxílio de especialistas, sendo as custas repartidas pelas partes envolvidas em igual proporção. (art. 6º, 2, I e II).

Se um terceiro Estado (obviamente, do Mercosul), porém, solicitar o recurso ao GMC ao término da Negociação Direta, de forma fundamentada, este deverá ser respeitado. Se já tiver sido iniciado o Procedimento Arbitral, este só será interrompido se houver acordo entre o terceiro e o Estado que o solicitou.

Do GMC, serão emanados dois tipos de decisão: as coercitivas, sendo as partes aquelas envolvidas no conflito; e as consultivas (recomendações, etc.), para os estados terceiros que solicitem sua tutela sobre o caso litigado. As decisões são tomadas em um período máximo de 30 dias (art. 9º).

Procedimento Arbitral

Neste último estágio surgem as reais modificações no sistema antigo. Diferença, esta, pois o Mercosul estará recebendo não apenas um grau de solução de controvérsias, como ocorria com o Tribunal Arbitral, mas sim, uma instância de recursos, qual seja o Tribunal Permanente de Recursos, sendo este localizado em Assunção, capital paraguaia.

A primeira instância, que continuará ocorrendo no Tribunal ad hoc, será acionada por requisição junto à Secretaria Administrativa do Mercosul, que notificará todas as partes envolvidas. O Tribunal ad hoc poderá se reunir em qualquer cidade membro do Mercosul.

O número de árbitros continuará o mesmo: serão indicados três árbitros escolhidos de uma lista prévia (esta lista contudo, passará de dez para doze pré-árbitros por Estado), e ainda um suplente para o árbitro titular, também escolhido da lista. Em comum acordo, será designado um árbitro terceiro, para que presida o Tribunal (o presidente e assessores não poderão ser nacionais não poderão ser dos Estados envolvidos). O prazo para apresentação de nomes será de 15 dias, sendo os árbitros sorteados pela Secretaria Administrativa, em 2 dias, se este for extrapolado.

Para a defesa de seus interesses, os Estados envolvidos designarão seus representantes e assessores no próprio Tribunal ad hoc. Nada impede que, se houver convergência de interesses, os Estados unifiquem suas representações.

Do Pedido: o pedido que for feito na Inicial apresentada no Tribunal Arbitral não poderá ser expandido posteriormente. Também será informado na Inicial, como preliminar, as instâncias anteriores que foram acionadas (Negociação simples ou Negociação conjugada com decisão do GMC).

Liminares: uma vez recebida a Inicial, o Tribunal, existindo grande indício de existência de direito à parte, poderá proferir Medidas Provisórias (em miúdos processuais, Medida Cautelar ou mesmo Tutela Antecipada) para assegurar o direito ameaçado. Nada impede, contudo, que estas medidas sejam retiradas antes mesmo da decisão final, a critério do próprio tribunal).

Não tendo sido a MP revogada pela decisão arbitral e, havendo recurso ao tribunal superior, esta deverá ser mantida até a primeira reunião da Instância Recursal, não podendo ser revogada neste intervalo "TA-TPR".

Decisão: a decisão arbitral poderá ser emitida em até 60 dias, prorrogáveis por mais 30 dias, se assim decidir necessário o próprio tribunal.

A seguir, dedicamos seção exclusiva à grande modificação judiciária trazida pelo Protocolo de Olivos.


4. TRIBUNAL PERMANENTE DE RECURSOS

Dedicamos capítulo especial para tratar-mos deste novo grau de jurisdição criado pelo Protocolo de Olivos. Trata-se, conforme já mencionado anteriormente, de um novo grau de jurisdição regional, que irá funcionar na capital paraguaia, Assunção, com a designação de "Tribunal Permanente de Recursos".

As disposições concernentes a este iniciam-se no art. 17 do novo diploma legal regional. Todos os Estados do Mercosul terão acesso à sua jurisdição, sendo esta uma possibilidade de revisão do laudo arbitral proferido em caráter ad hoc.

O recurso deverá ser apresentado em até 15 dias da promulgação do laudo, devendo versar, tão somente, às questões de direito tratadas em primeira instância no que concerne ao direito em si e às interpretações jurídicas da causa proferidas pelos árbitros. Destaca-se, sobremaneira, o disposto no art. 17, 3, do Protocolo de Olivos, que dispõe que, de laudo arbitral fundado tão somente no princípio ex aequo et bono (eqüidade), não caberá recurso. Logo, este se limita a decisões proferidas de acordo com dispositivos das cartas constitutivas do Mercosul.

Composição: o TPR será composto por quatro árbitros, um escolhido por cada membro do Mercosul para um mandato de dois anos, e um suplente para este. Destaca-se que o artigo do protocolo menciona "um árbitro por membro", e não quatro árbitros. Logo, se no futuro novos Estados vierem a aderir ao Mercado Comum do Sul, a composição do TPR será acrescida em número. Estes árbitros podem ter seus mandatos renovados por duas vezes.

Haverá um quinto árbitro, designado pelas partes em comum acordo, para um mandato de três anos, não podendo ser prorrogado, salvo acordo das partes. Não obstante a vedação de que um Presidente do Tribunal ad hoc seja nacional de Estado envolvido, no TPR não vigora o mesmo princípio. Logo, o Presidente do TPR poderá ser nacional de Estado envolvido (art. 18, 3). O árbitro que presidirá o TPR será escolhida de uma lista prévia determinada pelos Estados, contudo, nada obsta que outras maneiras de escolha sejam acordadas pelos Estados mediante acordo. Caso o mandato do árbitro se expire durante o trâmite de uma causa, este deverá ser mantido até o final desta.

Em atuação concreta, a composição do Tribunal variará conforme o número de Estados envolvidos: segundo o art. 20, o número será de três, se a causa envolver dois Estados, haverá três árbitros (dois árbitros e o presidente). Se houver mais de dois Estados, o TPR funciona em sua composição plena.

Contestação: a contestação do recurso poderá ocorrer em até 15 dias do oferecimento deste e sua devida notificação. Após a Contestação, o TPR se manifestará em até 30 dias, prorrogáveis por mais vinte.

Nesta manifestação, o tribunal poderá confirmar, modificar ou revogar completamente o laudo arbitral inicial, manifestação esta que terá vigência absoluta e fará Coisa Julgada material, sem possibilidade de recurso.

4.1 Acesso direto ao grau recursal

Conforme adiantamos anteriormente, pelo Protocolo de Olivos há inclusive a possibilidade de supressão da tutela do GMC e Procedimento Arbitral após a Negociação Direta, indo-se direto à tutela do Tribunal Permanente. Tal possibilidade é prevista no artigo 23 e seguintes do novo diploma.

Assim desejando, as partes deverão realizar acordo mútuo, sendo o TPR, desta forma, instância única, seguindo, no que couber, análise dos fatos (neste caso, o TPR se equiparará, por disposição do mesmo art. 23, terá competência de um Tribunal ad hoc). Seu laudo não será atacável por recurso algum, tendo força de Coisa Julgada, ainda que em instância única.


5. DOS LAUDOS ARBITRAIS

Os laudos serão adotados em consenso dos árbitros, não sendo fundamentados os votos dissidentes. As deliberações também serão confidenciais, não sendo abertas às partes.

Tendo transitado em julgado, os laudos terão força de Coisa Julgada material, sendo obrigatórios para as partes, devendo ser cumpridos em até 30 dias, sob pena da efetiva sanção comercial cabível.

Recurso de Esclarecimento: Do laudo, porém caberá Recurso de Revisão, se este estiver redigido de forma confusa. Recebido o recurso, o TA ou o TPR terão 15 dias para se manifestar e designar prazo para o cumprimento. Não sendo este designado, presume-se prazo de 15 dias.

Reclamação do requerente: segundo o art. 30 do Protocolo de Olivos, o Estado requerente que não sentir a efetiva tutela provida pelos tribunais, poderá em até 30 dias da notificação do laudo, solicitar a estes a revisão da decisão, que poderá ocorrer, se for o caso, em 30 dias.


6. MEIOS DE IMPOSIÇÃO COERCITIVA

Para o efetivo cumprimento dos Laudos Arbitrais, o Protocolo de Olivos proporciona as chamadas "Medidas Compensatórias", que seriam, em miúdos, as sanções cabíveis aos ilícitos regionais. Estas, se descumprido algum laudo, poderão ser tomadas pelo Estado prejudicado em até 1 ano da notificação do trânsito em julgado, independentemente de novo recurso aos tribunais (logo, depreende-se que o Laudo Arbitral tem certa eficácia executiva lato sensu). Contudo, deverão ser informadas ao Estado que as sofrerá com no prazo mínimo de 15 dias de antecedência. Tais medidas podem ocorrer pela suspensão do cumprimento de obrigações trazidas por acordos regionais, como, exemplificativamente, as tarifas externas comuns, as quotas de circulação de mercadorias, entre outras.

Inicialmente, as sanções residirão no setor objeto da lide, porém, se estas forem ineficazes, poderá a sanção abranger outros setores comerciais. Caso o Estado vítima considerar que cumpriu o laudo, mas mesmo assim sofreu sanções, a causa deverá novamente ser levada à arbitragem do TA ou TPR, dependendo da vontade das partes, para que haja manifestação em até 30 dias da propositura. Da mesma forma, será procedido no caso de o Estado requerido fizer juízo valorativo de que as sanções impostas são por demais gravosas.

Da nova decisão arbitral, o Estado que sanciona terá 10 dias para adaptar suas medidas.


7. SOLUÇÃO DE CONFLITOS PRIVADOS

Como segunda seção do Protocolo de Olivos, é revisto o procedimento de tutela aos interesses privados, provenientes de pessoas físicas ou jurídicas pertencentes ao Mercosul. Qualquer desrespeito, por parte de um Estado membro do Mercosul, a uma regra prevista em diplomas regionais, e que venha a atingir interesses privados, será objeto desta seção do novo Protocolo.

O trâmite não apresenta diferenças marcantes em relação ao Protocolo de Brasília, o que vem a manter a dificuldade de acesso direto do indivíduo aos tribunais do Mercosul. Ao particular interessado, deve-se designar reclamação na Seção Nacional do GMC, que tentará concílio com a Seção Nacional do GMC do Estado demandado. Se falharem as negociações diretas, em 15 dias, a causa será elevada ao GMC, que fará o juízo de admissibilidade da reclamação.

Em aceitando a causa, procede à convocação de especialistas para ouvir as partes e elaborar parecer. Do parecer favorável, cabe acesso ao Tribunal ad hoc por parte do indivíduo, contudo, representado pelo Estado do qual é membro. Nada obsta que, durante o trâmite da causa, haja acordo entre as partes, o qual, se comunicado à Secretaria Administrativa do Mercosul, dará por encerrado o conflito.

À exceção dos laudos arbitrais, todos os documentos apresentados em juízo são confidenciais.


8. CONCLUSÕES

O atual sistema interregional de mercado é, sem sobra de dúvida, o melhor mecanismo encontrado pelos Estados que formam a Comunidade de Nações para que atinjam uma melhor proteção frente aos vorazes Mercados Globais. Uma vez unidos, os Estados conseguem, de forma mais eficiente, promover a proteção de suas economias.

Contudo, nenhuma conjugação regional de Estados poderá ocorrer sem que, dentro de seu âmbito, exista uma perfeita coordenação de seus membros. É em busca desta coordenação que caminha o Mercosul, sendo o Protocolo de Olivos mais um passo em busca da ordem regional.

Não podemos esquecer, contudo, que muitos passos ainda são necessários para a devida consolidação do bloco. a pouco tempo, foi designada por Brasil e Argentina uma comissão para, informalmente, realizar estudos sobre a viabilidade de uma Moeda Comum para o Mercosul, o que mostra o interesse das partes neste fator. Outros fatores mais não podem deixar de ser lembrados, como a necessidade latente de criação de uma ordem supranacional, como temos na atual União Européia, e, sobretudo, a permissão do acesso direto do indivíduo aos tribunais internacionais, como forma de aceleração da economia internacional pelo fator confiança.

A criação de um Tribunal Permanente de Recursos vem a conferir ao Mercosul a estrutura judiciária que, ao seu modo, possui a União Européia (que, contudo, permite o acesso do indivíduo), assegurando o já sacro princípio do Duplo Grau de Jurisdição, como forma de assegurar o melhor direito às partes envolvidas em uma lide.

Criado recentemente, o Protocolo de Olivos ainda carece de efetividade. Segundo dispõe seu artigo 52, este entrará em vigor após 30 dias do último depósito de ratificação junto ao Estado depositário (o Paraguai, como já é de costume local).

Após entrar em vigor o sistema permanente de solução de controvérsias, poder-se-á finalmente ajustar a convergência da Tarifa Externa Comum, fator que, atualmente rompido, acabou relegando o Mercosul a um regresso de União Aduaneira para uma mera Zona de Libre Mercado, fato que ocorreu como conseqüência da débácle argentina.

Esperemos, então, as ratificações.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GINESTA, Jacques. EL MERCOSUR Y SU CONTEXTO REGIONAL e INTERNACIONAL, 1 ed., Porto Alegre : Ed. Universidade/UFRGS, 1999

MOISÉS, Cláudia Perrone. DIREITO AO DESENVOLVIMENTO E INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS. 1 ed. São Paulo : Oliveira Mendes, 1998

SCHNEIDER, Fábio Böckmann. ACESSO À JURISDIÇÃO NO MERCOSUL E COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA: Entraves e Perspectivas. 1 ed. Porto Alegre : Síntese, 2000.

Sobre o autor
Arthur Becker Mombach

acadêmico de Direito pela Unisinos, no Rio Grande do Sul, pesquisador nos ramos de Direito Internacional Público e Privado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOMBACH, Arthur Becker. O Protocolo de Olivos: um tribunal permanente para o Mercosul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2893. Acesso em: 22 dez. 2024.

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