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PEC dos recursos:

uma solução ou um devaneio judicial?

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Agenda 31/05/2014 às 09:25

3  A PROBLEMÁTICA DO SISTEMA RECURSAL BRASILEIRO

3.1 ASPECTOS GERAIS E ESPECÍFICOS

Seguindo a premissa que a presença delegada ao Estado na ciência de resguardar direitos e ditar o regramento das condutas sociais, se torna evidente a necessidade do Estado enquanto detentor do poder maior de fazer valer as suas pretensões, sempre no intuito de pacificação social e voltado para o interesse público. Ademais como dispõe o artigo 2º da Constituição Federal de 1988: “São Poderes da União, independentemente e harmônicos entre si, o Legislativo, Executivo e o Judiciário”.

No entanto, como demonstra o artigo 2º da CF/88, a independência dos órgãos Estatais, se refere à sua forma de atuação, mais a execução de suas funções devem se pautar na harmonia e no desígnio em prol do bem do social, assim denominando de freio e contrapesos.

Diante do contexto apresentado, cabe ao Poder Judiciário, dentre outras funções que poderá desempenhar, zelar pela atividade jurisdicional, o qual permite o acesso à prestação jurisdicional, dirimir controvérsias, assegurar a prestação jurisdicional em tempo razoável e a pacificação social coercitivamente.

Assim entende José de Albuquerque Rocha, quando se refere às condições de exercício dos recursos:

O primeiro requisito para o exercício do recurso é a existência de uma decisão jurisdicional contra a qual a lei conceda determinado recurso. Essa condição de exercício do recurso corresponde à possibilidade jurídica do pedido, uma das condições de exercício da ação [...], a significar que o recurso só é admissível se a lei o contempla. Logo, a falta desse requisito implica a inadmissibilidade do recurso, decisão equivalente àquela que indefere a petição inicial da ação por impossibilidade jurídica do pedido[56].

Com a promulgação da CF/88, o Judiciário brasileiro se insurge com uma nova perspectiva social e estatal, a mesma Carta Magna, que ganhou o nome de constituição cidadã traz no rol dos seus artigos uma série de brechas aptas a desencadear um grande aumento no número de demandas. Se por um lado acessibilidade ao Judiciário se tornou uma causa retilínea e presente no cotidiano social o excesso de demandas e a tendência por parte dos advogados na recorribilidade “ad eterna”, se desencadeia como uma realidade que invadiu os tribunais brasileiros e acomete a efetiva prestação judicial e agride o devido processo legal e a razoável duração do processo.

Alcides de Mendonça Lima há muito alertava para a necessidade de uma racionalização do sistema recursal, já que a outorga da tutela jurisdicional pelo Estado não significa, necessariamente, a possibilidade de interposição ilimitada de sucessivos recursos[57].

Se a irrecorribilidade é violência à Constituição, a recorribilidade incondicionada é também uma violência à Constituição, quando assegura a celeridade e a efetividade da tutela jurídica[58].

Sabidamente, é no âmbito do sistema recursal que se encontra um dos maiores fatores de congestionamento e, por conseguinte, da demora intolerável com que a máquina judiciária responde à demanda da tutela a cargo do Judiciário.[59]

Moreira argumenta que sempre que se critica o desempenho da justiça e, em particular a lentidão processual, surge o tema dos recursos:

Das dezenas de inovações introduzidas nos anos recentes em nosso ordenamento processual civil, uma parte importante visou semelhante alvo. Tocou-se no recurso adesivo, no preparo, no efeito devolutivo da apelação, nos embargos de declaração, no recurso extraordinário, no especial, nos poderes do relator - sem falar na profunda modificação do procedimento do agravo. Continha o texto primitivo do Código mais de setenta artigos concernentes a recursos; só trinta deles - menos da metade, portanto - conservam a redação primitiva, e não poucos dos restantes já foram alterados mais de uma vez[60].

Os recursos se baseiam no fundamento de que um novo julgamento será realizado por um órgão diverso e superior, composto por desembargadores experientes.

Souza demonstrou que 89,2% dos Magistrados do Brasil possuem o sonho de reduzir a possibilidade de recursos, sendo que suas opiniões sobre a qualidade do Judiciário são classificadas entre ruim e muito ruim na importância de 49,39%[61].

É possível perceber que os Magistrados brasileiros não estão nada contentes nem satisfeitos com o sistema do Judiciário e o que eles almejam é a redução de recursos.  Os recursos específicos têm seus próprios pressupostos, mas há pressupostos gerais para todos os recursos. No geral, o tribunal verificará se o recurso é cabível, se está presente a legitimidade para recorrer, se há interesse em recorrer, se o recurso é tempestivo e outros fatores. Conhecido o recurso, o tribunal proferirá o juízo de mérito, dando ou não provimento ao recurso interposto pela parte[62].

Com relação aos recursos fora do sistema do Código de Processo Civil Caluri apresenta uma análise sobre o instituído no artigo 22, I, da CF/88:

Fica estabelecido que é da competência exclusiva da União Federal legislar sobre Direito Processual, tendo, inclusive, atribuição para criar novos recursos, por intermédio de leis extravagantes e, se for o caso, modificar o sistema recursal existente. Por via de consequência, os Estados Federados não têm competência concorrente ou residual para legislar sobre essa matéria[63].

A União Federal é quem tem a competência da legislação sobre o Direito Processual, podendo criar novos recursos e ainda modificar o sistema recursal existente.  A competência para processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a Ação Declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, é do Supremo Tribunal Federal – STF, segundo art. 102, I, da CF/88[64].

Ao  STF é que cabe a decisão de julgar, processar, ou seja, fazer cumprir a legitimidade, a constitucionalidade e a legalidade dos autos.  Caluri cita quais são os sucedâneos dos recursos e também os caracteriza:

O Pedido de Reconsideração, a Correição Parcial, a Remessa Obrigatória, a arguição de relevância no recurso extraordinário, a Ação Rescisória, os Embargos de Terceiro, a Medida Cautelar Inominada, os Agravos Regimentais, o Habeas Corpus contra o decreto de prisão civil e o mandado de segurança contra ato judicial são remédios que, por terem previsão legal, não são considerados como recursos, mas, considerando-se a finalidade para a qual foram criados e como fazem às vezes destes, são denominados de seus sucedâneos[65].

A Remessa Obrigatória não tem finalidade recursal, ma sim de reexame da sentença pelo tribunal, com o fito de implementar a condição de eficácia imposta pelo artigo 474 do Código de Processo Civil.

O sucedâneo Correição Parcial constitui-se em uma providência administrativa ou disciplinar destinada à correção de erros e caracterizando abuso ou inversão tumultuária da marcha do processo, quando para o caso de não existir um recurso previsto na lei processual.

3.2  EFETIVIDADE RECURSAL

É de observar que a questão da efetividade processual, nos moldes atuais provoca certa confusão com a possibilidade de obtenção da tutela jurisdicional dentro de um prazo mediano ou razoável.

A insatisfação crescente com a demora do processo e com as cada vez mais frequentes e presentes decisões sem força para dar ao vencedor aquilo a que ele teria direito de receber, fez com que todos aqueles preocupados com a entrega de boa prestação jurisdicional começassem a se movimentar no sentido de criar mecanismos aptos a afastar os óbices existentes[66].

Assim é entendido que a carência de efetividade nas decisões proferidas pelo Judiciário brasileiro, releva ao entendimento que a falta de efetividade se compara ao status de ausência de decisão pela parte vitoriosa na demanda. Assim a ocorrência de uma decisão que não se efetiva com a entrega do bem da vida em questão, repercute uma desídia jurídica apta a criar uma sensação ao jurisdicionado de abandono e descaso.

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A efetividade do processo, assim, é entendida como sendo “uma expressão resumida da idéia de que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-politico-jurídica, atingindo em toda a plenitude todos os seus escopos institucionais”[67]. O contexto atual impôs esse alargamento do conceito, outrora limitado à sua dimensão jurídica.

Assim o processo efetivo é o que respeita as garantias constitucionais de acesso à justiça e garante proteção aos direitos subjetivos segundo os valores consagrados na ordem jurídica[68].

3.3  FORMALISMO RECURSAL

 No que tange às ideologias modernas do direito processual, evidente nítida a supervalorização dos aspectos instrumentalistas do processo, ou seja, se apregoa o formalismo se pautando nos interesses e na busca da boa forma na condução processual em detrimento de certo modo dos interesses materiais das partes, da celeridade processual bem como da pacificação congruente do interesse das partes. 

Para tanto, isto é, para aproximar o processo de seus ideais de efetividade e de justiça, mister é “revisitar” toda a técnica processual, submetendo-a a uma rigorosa análise, sempre pautada pela busca de explicações ou justificativas teleológicas para as formas prescritas em lei (noutras palavras: deve-se contrastar a forma com os resultados desejados pelo sistema[69] e avaliar sua capacidade de obtê-los)[70].

No entanto se prescinde que na instrumentalidade processual a clareza dos ditames e regramentos atinentes a lei processual devem estar sempre bem definidas para que não atue de forma ardil para com os jurisdicionados, suprimindo garantias e exacerbando deveres.

Sustenta Teresa Arruda Alvim Wambier, que:

[...] a técnica processual não pode e não deve funcionar como uma armadilha, pronto para eliminar os direitos deduzidos em juiz, ao primeiro sinal de descuido em sua representação. Ao revés, deve servir – a quem tenha direito violado ou ameaçado de violação – de veiculo simples e racionalmente conduzido para a defesa deste. É dizer: o critério distintivo entre o vencedor e o sucumbente, em um processo, não pode ser a maior aptidão, daquele, para o manejo das formas processuais. Em última análise, o destino de um processo deve ser selado, sempre, pelos ditames do direito material [...][71]

É bem verdade que entre os processualistas bem como os operadores do direito encontram-se diversas barreiras jurídico-culturais, que por se pautarem de forma até que costumeira nos ditames literais do ordenamento jurídico processual brasileiro acabam por não se atentarem exclusivamente à demanda, mas sim na boa forma instrumental e nas regras processuais, perdendo muitas vezes na condução da demanda o real fundamento da controvérsia ou da demanda.

Bem característico que o apego exagerado ao formalismo típico do positivismo jurídico designa as regras lógicas instrumentalistas. Sendo a boa forma, um meio apto a garantir a semelhança entre partes no processo, bem como a identidade das condições, sem que haja uma memorização dos valores, tendo em vista que o Direito se sobrepõe simplesmente a lei e a atos instrumentalistas. Corroborando assim com este entendimento nas sublimes palavras do Ministro Vicente Cernicchiaro, assim é acompanhada pelo Ministro Garcia Vieira “o direito é muito maior do que a lei e seu objetivo deve ser sempre a realização da justiça”[72].

Contudo, para que as coisas, na prática, transcorram desse modo, avulta de importância a atividade desenvolvida pelo intérprete/aplicador das normas processuais: o juiz. Compete, sobretudo, a ele velar pela justa solução do conflito, tarefa de que se ocupará, senão também noutros momentos, decerto quando houver de aplicar regras preclusivas, assim concebidas aquelas que impõem às partes (e por vezes ao próprio juiz) a perda da possibilidade de praticarem, validamente, um ato processual[73].

3.4  DA MOROSIDADE E DA RAZOABILIDADE DURAÇÃO DO PROCESSO

O problema da excessiva duração do processo não é recente. De acordo com a Ministra do STJ Fátima Nancy Andrighi, já no século XIII começou um movimento na Europa para corrigir a interminável duração dos processos. Passaram-se os séculos, mas o problema continua o mesmo, não só na Europa, como na América e especialmente no Brasil[74].

Para Lara[75], atualmente, é fácil verificar processos que levam mais de dois anos para se expedir carta de citação ou meses para a juntada de contestação. Mais fácil, ainda, é encontrar processos em fase de prolação de sentença parados, sem explicação, por mais de seis meses, como comprova a amostragem realizada nesta pesquisa.

No Brasil, conforme bem sintetiza Lopes:

o primeiro passo em busca da efetividade foi dado no Código de Processo Civil de 1939, prejudicado essencialmente pela gravosa morosidade na prestação jurisdicional - causada fundamentalmente por um complicadíssimo sistema recursal e um elastério exagerado de procedimentos especiais – mas que apresentou significativos avanços ao se conferir maiores poderes de instrução ao magistrado bem como enalteceu os princípios da oralidade e da publicidade. Posteriormente, sob a liderança de Alfredo Buzaid, com o Código de 1973, apresentou-se um diploma processual civil muito festejado em seu aspecto sistemático e de rebuscada técnica legislativa, corrigindo um pouco o sistema recursal na medida de sua tentativa de simplificação, prevendo novas possibilidades processuais como foi, por exemplo, o julgamento conforme o estado do processo. Mas, não obstante as inovações trazidas, o processo civil continuava eivado de antigos e maléficos vícios, tais como a mantença do número exagerado de procedimentos especiais, a previsão de um “procedimento sumaríssimo” em desacordo com as estruturas do Poder Judiciário, a ampliação do âmbito de admissibilidade de recursos contra as decisões interlocutórias, atravancando o regular desenvolvimento dos feitos, e o grande “descaso” com o processo de execução, tão importante para a realização do direito material reconhecido por prévia sentença judicial ou previsto em título executivo extrajudicial[76].

Especialmente na última década, o direito processual brasileiro vem passando por várias reformas que tentam combater a lentidão do processo. Já se alterou o trâmite dos recursos, e grau de devolução da matéria impugnada e até o processo de execução. A maior prova das tentativas de aceleração processual foi a adoção do princípio da celeridade por meio da inclusão do LXXVIII, no artigo 5º, da Constituição Federal.

O princípio da celeridade processual não é aplicável ao juiz da causa, não tendo ele que se perquirir e realizar o valor da justiça contido na garantia, mas, tão somente ao legislador quando da elaboração de novas leis. Contudo, não podemos aceitar tal posicionamento[77].

Certamente o princípio da celeridade processual merece abranger tanto o legislador, num momento, antecedente a criação da norma e, também ao magistrado, quando da aplicação daquelas normas[78].

Ao estabelecer a duração razoável do processo, a Constituição prescreveu que a justiça deva atender ao interesse público de solução de controvérsias, mediante atuação jurisdicional, de forma breve, pronta e eficaz.

Nas palavras da Desembargadora Federal Scartezzini:

A razoabilidade tem um conteúdo mínimo, que abrange o tempo mínimo de apreciação por parte do magistrado, para se inteirar dos interesses de autor e réu e definir quem tem razão; de outro lado, contém a expectativa do detentor do direito em ver solvida a lide, com a análise de sua pretensão deduzida em juízo[79].

3.5  PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL NO PROCESSO: duplo grau de jurisdição

No Brasil, conforme as lições de Cintra, Grinover e Dinamarco[80], mais precisamente com a entrada em vigor da Constituição de 1988, conhecida por Constituição cidadã, se deu inicio a uma nova era do estudo do Direito, em especial o Constitucional, que passou a ocupar adequadamente um local de destaque no ordenamento jurídico como fundamento para a compreensão de todos os outros ramos do direito.

Nelson Nery Júnior sustenta que, embora se reconheça a unidade do direito processual,

[...] é comum dizer-se didaticamente que existe um Direito Constitucional Processual, para significar o conjunto das normas de Direito Processual que se encontra na Constituição Federal, ao lado de um Direito Processual Constitucional, que seria a reunião dos princípios para o fim de regular a denominada jurisdição constitucional. Não se trata, portanto, de ramos novos do direito processual.

Exemplos de normas do Direito Constitucional Processual podemos encontrar no art. 5º, XXXV, art. 8º, III etc. [...] são institutos do Direito Processual Constitucional o mandado de segurança, o habeas data, a ação direta de inconstitucionalidade etc[81].

Desse modo, o trabalho é desenvolvido na dimensão constitucional do processo, na medida em que tem por objeto o princípio do duplo grau de jurisdição, que, para seu entendimento exige uma breve analise do princípio do devido processo legal. Vale destacar que este, terá uma análise mitigada, pois o tema é bem amplo e não é o foco central do presente estudo.

3.6 O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

É necessária uma breve explicação sobre a nomenclatura do instituto em estudo. Pois, inicialmente pode conduzir a uma interpretação equivocada do ponto de vista técnico, eventualmente, pode-se imaginar que ela esta a indicar a viabilidade de se ter em um Estado uma pluralidade de jurisdições, o que é juridicamente inadmissível.

Para Cintra, Grinover e Dinamarco não se pode entender o duplo grau de jurisdição como significado a coexistência de mais de uma jurisdição, em um mesmo Estado. Isto porque, a jurisdição como manifestação do poder estatal soberano é una e indivisível[82].

Seguindo essa linha de pensamento, fica evidente que não há que se tomar a expressão duplo grau de jurisdição como significado no seu aspecto quantitativo. Foi por isso que Laspro argumentou que

[...] a própria expressão jurisdição, nesse caso, não pode ser entendida como o poder de distribuição da justiça, que passou a ser detido pelo Estado moderno, mas sim como um conceito em constante mutação, de acordo como o período histórico tratado e a forma de administração da justiça existente[83].

Para, posteriormente, apontar que

O problema restringe-se, assim, não a unidade de jurisdição, nem a jurisdição como atividade distante da administração, mas à competência e à possibilidade que determinados órgãos têm de reexaminar as demandas e rever as decisões de outros julgadores[84].

Resulta, assim, que essa análise do duplo grau de jurisdição conduz ao entendimento de que o vocábulo jurisdição, nessa expressão duplo grau de jurisdição, indica competência para conhecer das lides e decidi-las, como de direito, por órgãos jurisdicionais distintos e nos quais se admite a possibilidade jurídica de um reexaminar, e, eventualmente, modificar, anular, o que anteriormente foi decidido.

Seguindo a opinião de Lins, pode-se afirmar que o duplo grau de jurisdição já é uma expressão consagrada no tempo, na doutrina e na jurisprudência, tanto no âmbito do direito brasileiro como no direito de outros países[85].

No mesmo norte, Cândido Rangel Dinamarco[86], observou que o duplo grau de jurisdição não possui uma precisa definição legislativa, seja de ordem constitucional, seja de natureza infraconstitucional, assim sendo, sua visão advém de construções originárias das doutrinas e jurisprudências, que fornecem os seus contornos e, assim, influenciam na sua aplicação pratica.

Nessa linha de pensamento, observa-se que Moreira trouxe seu posicionamento, ao esclarecer que

Não há definição universal válida do principio do duplo grau: cabe ao interprete extrair dos textos do ius positum os dados necessários a sua caracterização, num determinado ordenamento. Vale observar que, embora parte considerável da doutrina, desde época anterior ao advento da atual Carta da República, tenda a considerá-lo ínsito em nosso sistema constitucional, nem o texto Constitucional anterior nem o da vigente ministra, no particular, conceito que se imponha ao legislador ordinário; nenhum dos dois alude sequer, expressis verbis, ao princípio. Tem-se de verificar quais são, a respeito, as exigências inerentes à própria sistemática do Código [...][87].

Contudo, menciona Lima, que apesar dessa falta de definição e, até mesmo de expresso tratamento do tema no âmbito do direito positivo, a doutrina, tanto estrangeira como a brasileira, tem logrado definir os contornos do duplo grau de jurisdição, o que lhe assegurou a formulação de uma base teórica e grande aplicação prática[88].

Para Moreira[89], bem como Moacyr Amaral Santos[90], defendem que o duplo grau permite o reexame da causa por órgão hierarquicamente superior. O primeiro autor diz que “decorre a necessidade de permitir-se nova apreciação da causa, por órgão situado em nível superior na hierarquia judiciária, mediante a interposição de recurso ou expediente análogo”; o segundo, da mesma forma, assevera que esse princípio “consiste em admitir-se, como regra, o conhecimento e decisão das causas por dois órgãos jurisdicionais sucessivamente, o segundo de grau hierárquico superior ao primeiro”.

Seguindo essa mesma linha, Dinamarco, diz que “[...] o princípio do duplo grau de jurisdição resolve-se na oferta de um recurso capaz de devolver ao órgão superior toda a causa já decidida pelo inferior e todas as questões relevantes para seu julgamento [...][91]”.

Não foi diferente, o entendimento de Teixeira, onde o mais importante entre os princípios específicos dos princípios específicos é o princípio do duplo grau de jurisdição, o qual da oportunidade de haver uma nova analise do julgado por um órgão jurisdicional hierarquicamente superior[92].  

Defendendo entendimento um pouco diverso, Nery Júnior afirma que o duplo grau de jurisdição

[...] Consiste em estabelecer a possibilidade de a sentença definitiva ser reapreciada por órgão de jurisdição, normalmente de hierarquia superior à daquele que a proferiu, o que se faz de ordinário pela interposição de recurso. Não é necessário que o segundo julgamento seja conferido a órgão diverso ou de categoria hierárquica superior à daquele que realizou o primeiro exame[93]

Com a mesma opinião, Cretella Neto entende que dependendo do tipo de recurso utilizado, existem alguns casos que o reexame é do mesmo órgão que deu a primeira decisão, podendo citar alguns exemplos como os embargos de declaração, que serão julgados pelos mesmos magistrados que proferiram a decisão, ou até mesmo nos casos do Juizado Especiais, onde a revisão e feita por um colegiado, com mesmo grau hierárquico do juiz[94].

Muitos doutrinadores já escreveram sobre as vantagens e desvantagens do duplo grau de jurisdição, com um natural exercício de juízo crítico sobre esse instituto. Assim, a importância do tema, aliada a sua repercussão nos campos teórico e prático faz com que seja sempre atual e cientifico o seu estudo.

Neste instante já se elaborou e tratou dos princípios, ficando clara sua destacada importância dentro do ordenamento e a razão de sua necessária observação. O capitulo seguinte leva a abordagem do tema Súmula vinculante, outro assunto bastante discutido pela doutrina, com intuito de esclarecer o tema.

Em relação aos princípios ligados aos recursos, Braga afirma que há tempos o princípio do duplo grau de jurisdição vem sofrendo algumas críticas por parte da doutrina brasileira, aspectos como a dificuldade de acesso à justiça, o desprestígio da primeira instância, a quebra de unidade do poder jurisdicional (insegurança – descrédito a função jurisdicional), a dificuldade da descoberta mais próxima possível da real e a inutilidade do procedimento oral, uma vez que o julgador de segundo grau não teve nenhum contato com a produção de provas e julga com base na documentação dos atos processuais[95].

Fazendo uma análise da organização do Poder Judiciário na Constituição Federal de 1988, Braga verificou que a maioria dos tribunais exercem a função de reexame das decisões proferidas por juízes de primeiro grau, ou seja, a maior parte dos tribunais é de segundo grau de jurisdição[96]. Partindo desta premissa podemos afirmar então que a Constituição Federal garante, ao tratar da estrutura do Poder Judiciário, o principio do duplo grau de jurisdição.

Sendo o duplo grau de jurisdição um princípio, poderá ocorrer deste se confrontar com outros que se colocam como contraponto, o que deverá o operador neste momento ponderar a sua aplicação e definir limites recíprocos entre os mesmos[97].

Neste instante já se elaborou e tratou dos princípios, ficando clara sua destacada importância dentro do ordenamento e a razão de sua necessária observação.

3.7  O DEVIDO PROCESSO LEGAL

O devido processo legal, denominação que decorre da versão para a língua portuguesa da expressão inglesa due process of law, constitui-se no alicerce que embasa os demais princípios constitucionais do Processo Civil. É grande a relevância da garantia do devido processo legal na esfera do direito processual, pois ela resume, por si só, uma imensa gama de garantias[98].

Essas circunstâncias levaram Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet a apontarem que,

[...] no âmbito das garantias do processo é que o devido processo legal assume uma amplitude inigualável e um significado ímpar como postulado que traduz uma série de garantias hoje devidamente especificadas e especializadas nas várias ordens jurídicas. Assim, cogita-se de devido processo legal quando se fala de (1) direito ao contraditório, (2) direito ao juiz natural, de (3) direito a não ser preso senão por determinação da autoridade competente e na forma estabelecida na ordem jurídica[99].

Foi exatamente nesse contexto de reconhecimento à importância do devido processo legal que a Constituição pátria, veio a consagrá-lo expressamente como uma garantia fundamental, ao dispor, em seu art. 5º, inciso LIV, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” [100].

De acordo com Orestes Nestor de Souza Laspro, deve ser indicado que o devido processo legal se apresenta como uma garantia constitucional do processo que se constitui em um instrumento de tutela dos direitos fundamentais do ser humano, o que, no contexto de um Estado Democrático de Direito, está a lhe assegurar uma natureza instrumental[101].

Na doutrina pátria, Cintra define o princípio do devido processo legal como sendo:

[...] o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Garantias que não servem aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdade processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição[102].

Enquanto isso, Nery Júnior mencionou que, em seu aspecto geral,

[...] o princípio do due process of law caracteriza-se pelo trinômia vida-liberdade-propriedade, vale dizer, tem-se o direito a tutela áqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico. Tudo o que disser à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da due process clause[103].

Ao se passar agora à análise da questão atinente ao devido processo legal sob a ótica da sua relação com o duplo grau de jurisdição, para Maria Fernanda Rossi Ticianelli[104], deve ser observado que, o duplo grau de jurisdição não encontra previsão expressa no texto constitucional de 1988, impõe-se examinar a possibilidade de estar ele inserido no devido processo legal, pois, nessa hipótese, é de se reconhecer que, embora contido em outro princípio constitucional, encontra-se esse instituto acautelado na Carta Magna em vigor, ainda que de modo implícito, em face do estabelecido no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal.

Ainda nessa linha de posicionamento, Silvânio Covas argumentou que “A garantia do devido processo legal e o princípio da isonomia também transportam o duplo grau de jurisdição para uma categoria constitucional de direitos, de forma que sua violação, em casos específicos, configura inconstitucionalidade.”[105]

Em razão da importância que o princípio do devido processo legal possui no sistema jurídico brasileiro, seguindo a doutrina majoritária, Alexandre Sormani assevera que é um princípio matriz que, sob o aspecto processual, congrega em si todas as garantias exigidas para a regular prestação jurisdicional, revela-se imperiosa a referência ao mesmo, ao se iniciar o estudo dos princípios processuais constitucionais[106].

Grande parte dos estudos tecidos pelos juristas sobre o princípio em estudo o traduz sob o enfoque estritamente processual, com vistas a revelar o seu sentido e quais as garantias processuais dele seriam decorrentes. É a partir dessa análise que é possível encontrar, por muitas vezes, referência ao princípio do duplo grau de jurisdição como garantia processual proveniente do devido processo legal, tema que agora passa a ser estudado.

Sobre o autor
Jonildo Maiomona João Malega

Doutorando em Direito pela Universidade de Buenos Aires (Argentina). Especialista em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MALEGA, Jonildo Maiomona João. PEC dos recursos:: uma solução ou um devaneio judicial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3986, 31 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28967. Acesso em: 22 dez. 2024.

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