6. Conclusão.
A verdadeira intenção do presente estudo é, de forma resumida, através de apontamentos, tentar expor uma visão diversa acerca da interpretação que se tem dado à hipótese de incidência do IPI, como também à sua base de cálculo a partir dos preceitos contidos no texto constitucional. Tento colocar o tema sem fugir dos caminhos traçados pela Constituição, partindo do dado axiológico, através do qual o direito empresta relevância a fatos a ponto de defini-los como fatos jurídicos, estudo este, tão bem posto pelo alagoano Marcos Bernardes de Mello, [43] em interpretação ao legado científico de seu conterrâneo Pontes de Miranda.
A partir da concepção de Roque Antônio Carrazza [44] e Gabriel Ivo, [45] na qual todo o estudo jurídico deve iniciar-se na análise do texto constitucional e de seus princípios, demonstro que a manifestação objetiva de riqueza, enquanto conduta humana relevante, a ponto de promover o desequilíbrio nas relações intersubjetivas, eleita pelo legislador constituinte de 1988, para defini-la como fato jurídico, é a industrialização de produtos em si mesma, tendo a existência do produto final desse processo como pressuposto. Ocorre porém, que a hipótese de incidência não está prevista na Constituição, a qual somente delimitou as competências tributárias para que o legislador ordinário elaborasse a regra-matriz de incidência. A hipótese de incidência, assim, será sempre determinada pelo legislador ordinário, isto é, será sempre uma determinada circunstância escolhida pelo legislador ordinário, dentro dos limites que lhe foram impostos no Texto Maior.
Nesse diapasão, no que se refere ao IPI, dentro de tais limites, a h.i. eleita é a industralização de produtos que tenha por finalidade operações a serem realizadas, o que tem sérias implicações no auferimento na base de cálculo do imposto, posto que não haverá de ser outra senão o próprio valor do produto industrializado, em si mesmo, sendo consideradas tão somente as despesas necessárias à sua produção, tais como: matéria-prima, mão de obra, insumos. Não há que se considerar as despesas necessárias à comercialização, tais como: frete, seguro, carga e descarga, ou ainda ICMS, etc.
Dessa forma, a saída do produto dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51 do CTN, nada mais pode ser do que o critério temporal da regra-matriz de incidência do IPI, posto que, na verdade, determina o momento em que se reputa ocorrido o fato tributário.
Em considerando tais premissas, as demais hipóteses previstas no art. 46 do CTN, quais sejam: (i) o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira e (iii) a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão não haveriam sido recepcionadas pela nova ordem jurídica instituída pela Constituição da República de 1988, uma vez que elegem como hipótese de incidência de fato jurídico, fatos que estão além dos limites da competência tributária outorgada à União para cobrar impostos sobre produtos industrializados. Ora, tais fatos nada têm com a manifestação objetiva de riqueza aqui tratada, eleita pela Constituição Federal de 1988. Não poderiam, pois, fazer nascer a obrigação tributária do IPI, uma vez ocorridos tais fatos tributários. Na verdade, tem-se novamente mais uma hipótese em que o mesmo fato jurídico tributário sofreria a incidência de duas normas tributárias instituidoras de impostos, distintas. Na hipótese (i), incidiria a norma tributária do Imposto de Importação, e na segunda, a norma do ICMS, se comerciante fosse o arrematador.
Notas
1. C.f. CARVALHO, Paulo de Barros in artigo Lançamento por Homologação – Decadência e Pedido de Restituição. IOB – Fev/1997, n.º 3/97, Cad. 1, p. 77-82.
2. C.f. COSTA, Adriano Soares da. Incidência e Aplicação da Norma Jurídica Tributária: Uma crítica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho, artigo publicado pela Revista Tributária e de Finanças Públicas, n.º 38, p. 19/35.
3. Idem, Ibidem.
4. À guisa de prefácio na obra de Geraldo Ataliba: Hipótese de Incidência Tributária. 6.ª ed., São Paulo: Malheiros Ed., 2000.
5. Constituição Estadual: competência para elaboração da Constituição do Estado-membro. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 30.
6. Curso de Direito Constitucional Tributário. 3.ª ed., São Paulo: RT, p. 193.
7. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico (Plano da Existência). 7.ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995.
8. Expressão utilizada por CARRAZZA, Op. Cit, p. 60.
9. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Fundamentos do Dever Tributário. Dissertação de mestrado pela Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro, 2001, p. 99.
10. Cf. CARRAZZA, p. 240.
11. Cf. CARRAZZA, p. 242.
12. Idem., Ibidem., p. 240.
13. Op. Cit.
14. Curso de Direito Tributário. 13.ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 217.
15. O disposto no art. 11 da Lei Complementar n.º 101, de 04 de maio de 2000, não deve ser interpretado de forma a obrigar cada ente da federação a exercitar sua competência tributária. A faculdade é outorgada pela Lei Maior. Não poderia, assim, a Lei Complementar impor tal obrigação. O dever que se impõe é do exercício pleno da capacidade tributária, isto é, efetiva arrecadação de todos os tributos já instituídos.
16. Op. Cit., p. 330.
17. Idem., Ibidem., p. 211.
18. Op. Cit., p. 76.
19. O Imposto sobre Serviços na Constituição. p. 40.
20. C.f. VIEIRA, José Roberto. IPI: a regra matriz de incidência. São Paulo: Juruá, p. 74.
21. Hipótese de Incidência do IPI. RDT, n.º 37, p. 148.
22. Não trato aqui do conceito contábil ou jurídico de lucro, mas sim o seu sentido mais amplo. É a partir do lucro, lato sensu, que o comerciante extrai o seu sustento. É essa a manifestação de riqueza de que trato.
23. C.f. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 13.ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 232. Ele já tratava deste tema, ainda que de forma superficial. Para ele: "É importante notar que o imposto recai sobre o produto, sendo, em princípio, irrelevante sua destinação, assim como o processo econômico de que se originou."
24. A hipótese da locação comercial é aqui utilizada meramente a titulo exemplificativo, a par de toda a controvércia existente acerca de sua natureza obrigacional, inclusive com base em jurisprudência recente: se obrigação de dar ou fazer, o que implica saber se faz ou não nascer a obrigação tributária ao pagamento do ISS.
25. C.f. COSTA, Adriano Soares da. Op. Cit.. Ele aborda a questão da infalibilidade da incidência da norma jurídica, de forma clara, precisa e bem fundamentada, a partir da interpretação dos estudos realizados por Pontes de Miranda, em crítica à teoria de Paulo de Barros Carvalho, chamando a atenção para o fato de que a incidência ocorre na dimensão simbólica das relações sociais, ou seja, no plano do pensamento, como sustentado por Pontes de Miranda.
26. Introdução ao Direito Tributário, p. 134, apud GONÇALVES, José Arthur Lima. Imposto sobre a renda. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 189.
27. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 6.ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 29.
28. Manual de Direito Tributário. 9.ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 46 apud NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Op. Cit..
29. Op. Cit., p. 101.
30. Op. Cit., p. 99.
31. Op. Cit., p. 106/107.
32. Op. Cit., p. 112.
33. Op. Cit.
34. Op. Cit., p. 249.
35. Cf. CARRAZZA, p. 331.
36. O prof. Paulo de Barros Carvalho considera a norma de imposição tributária, ou seja, a Lei Ordinária que cria e institui o tributo, uma norma geral e abstrata. ("Curso de Direito... ", Op. Cit.)
37. Base de Cálculo como fato Jurídico e a Taxa de Classificação de Produtos Vegetais. Revista Dialética de Direito Tributário, n. º 37, p. 118/143.
38. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 108.
39. C.f. CARVALHO, Paulo de Barros. "Base de Cálculo... ", Op. Cit.
40. C.f. VIERA, José Roberto. Op. Cit., p. 116.
41. Idem, p.116.
42. Curso de Direito Tributário, p. 263, apud VIEIRA, José Roberto, Op. Cit., p. 116.
43. Op. Cit.
44. Op. Cit.
45. Op. Cit.