EVOLUÇÃO DO TRABALHO
O ser humano é um ser social, assim sendo, relaciona-se com o meio em que vive. Suas necessidades são um dos fatores que o levam a interagir em busca de sua satisfação, o que faz com que criem costumes, modos e culturas que possibilitam trocas e parcerias que as atendam e supram.
O surgimento das primeiras comunidades, onde o homem tribal dependia unicamente da natureza, sem ter qualquer domínio sobre a mesma, exigiu dos mais capacitados, o desenvolvimento de uma forma de convivência compatível com o que era natural, onde as comunidades adotassem um sistema que garantisse a sobrevivência dos seus de forma tal em que todos pudessem ser beneficiados.
O trabalho era o modo como o homem podia exercer o domínio sobre a natureza. Apesar de não se encontrarem ainda no estágio de geração de lucro, diferenciavam-se, desse modo, dos demais animais pela sua capacidade produtiva. De acordo com Marx e Engels:
“Podemos distinguir o homem dos animais pela consciência, pela religião ou por qualquer coisa que se queira. Porém, o homem se diferencia propriamente dos animais a partir do momento em que começa a produzir seus meios de vida, passo este que se encontra condicionado por sua organização corporal. Ao produzir seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua própria vida material” (MARX & ENGELS, 1974, p.19)[1].
O trabalho dentro do sistema tribal tinha caráter absolutamente coletivo, sem haver a preocupação de valorar, lucrar ou obter vantagens. Não havia hierarquia, não existia divisão em quem mandava e quem era mandado.
Entretanto, à medida que os agrupamentos coletivos iam aumentando o número de pessoas, alterava-se também a dinâmica coletiva e a distribuição de tarefas dentro das tribos. Vólia Bonfim Cassar assim expõe[2]:
“O trabalho sempre foi exercido pelo homem. Na Antiguidade, o homem trabalhava para alimentar-se, defender-se, abrigar-se e para fins de construção de instrumentos. A formação de tribos propiciou o início das lutas pelo poder e domínio. Os perdedores tornavam-se prisioneiros e, como tais, eram mortos e comidos. Alguns passaram à condição de escravos para execução de serviços mais penosos. A partir da escravidão surgiu o trabalho subordinado em favor de terceiro.” (CASSAR, 2013, p.12-13).
Com o aumento das relações entre as tribos, agrupamentos, dominações, fusões, dentre outros modos, altera-se, sobretudo a dinâmica de distribuição de tarefas.
É nesse período histórico, que os estudiosos situam por Antiguidade Clássica, que observamos a forma escravista de mão de obra, em que o trabalhador é reduzido a coisa e o trabalho, principalmente braçal, é visto como uma pena. Estava presente uma absoluta relação de domínio. Nesse sentido, Alice Monteiro de Barros preleciona que[3]:
“Na Antiguidade Clássica, no mundo greco-romano, o trabalho possuía um sentido material, era reduzido à coisa, o que tornou possível a escravidão. A condição de escravo derivava do fato de nascer de mãe escrava, de ser prisioneiro de guerra, de condenação penal, de descumprimento de obrigações tributárias, de deserção do Exército, entre outras razões. Nessa forma de trabalho, o homem perde a posse de si mesmo. Ao escravo era confiado o trabalho manual, considerado vil, enquanto os homens livres dedicavam-se ao pensamento e à contemplação, para os quais os escravos eram considerados incapazes.” (BARROS, 2010, p.54).
Os trabalhadores, principalmente nessa época, eram tratados como propriedade, mercadoria.
Com o surgimento dessas novas sociedades com características mais complexas, paralelamente também surgiram divisões. No âmbito do trabalho, foi perceptível a qualificação em trabalho intelectual, braçal e inclusive o técnico.
O primeiro mereceu um significado de extrema dignidade, o segundo absorveu uma significação com um menor grau de importância na escala de valores, restrito vulgarmente às camadas inferiorizadas da escala social.
Até o próprio conceito de trabalho está relacionado a algo penoso. De acordo com Amauri Mascaro Nascimento, em sua obra Iniciação ao Direito do Trabalho, a palavra trabalho tem origem no latim tripallium[4] que por sua vez significava um instrumento de tortura. Assim sendo, o trabalho era considerado um castigo.
Com a evolução dessas civilizações greco-romanas, o número de escravos foi se expandindo a tal ponto que estes eram muito mais numerosos que os próprios cidadãos. Essa estrutura social tornou insustentável a forma de Estado que se dava nas Civilizações Clássicas.
O desmembramento do Império Romano pela invasão dos povos bárbaro-germânicos alterou toda a estrutura social, política e econômica, afetando, sobremaneira, a forma de divisão do trabalho.
Na Idade Média, predominava uma sociedade feudal, em que o trabalho era notadamente por meio da servidão coletiva, que nos dizeres de Arnaldo Sussekind et al, era[5]:
“A servidão foi um tipo muito generalizado de trabalho em que o indivíduo, sem ter a condição jurídica do escravo, na realidade não dispunha de sua liberdade. Foi uma situação marcante da inexistência de governos fortes, centralizados, de sistemas legais organizados ou de qualquer comércio intenso, assim como de circulação monetária. A servidão pode ser apontada como uma das características das sociedades feudais.” (SUSSEKIND, et al, 2003, p.29).
Mas não eram todos os que se submetiam a esta forma de trabalho. A sociedade ainda considerava que o trabalho era para as pessoas mais miseráveis e estas deveriam sustentar braçalmente todas as demais classes. De acordo com Huberman:
“A sociedade feudal consistia nessas três classes – sacerdotes, guerreiros e trabalhadores, sendo que o homem que trabalhava produzia para ambas as outras classes, eclesiástica e militar. [...] Era o trabalho na terra, cultivando o grão ou guardando o rebanho para utilizar a lã no vestiário, era o trabalho agrícola, mas tão diferente de hoje, que dificilmente o reconheceríamos.” (HUBERMAN, 2010, p.3-4).
Com o advento da máquina a vapor e mecanização[6], no cenário da Revolução Industrial, considerada a revolução mais importante da história da humanidade, houve a representatividade de um marco decisivo nas relações de trabalho até então vigentes. Alice Monteiro de Barros aduz que[7]:
“As relações de trabalho presididas pelos critérios heterônomos das corporações de ofício foram substituídas por uma regulamentação essencialmente autônoma”. Surgiu daí uma liberdade econômica sem limites, com opressão dos mais fracos, gerando, segundo alguns autores, uma nova forma de escravidão. É o que se extrai do pensamento de Lacordaire[8]: “Entre o forte o fraco, entre o rico e o pobre, é a liberdade que escraviza, é a lei que liberta.” (BARROS, 2010, p.63)
Foi um período em que as relações trabalhistas se deram de forma muito intensa, principalmente nas indústrias. Entretanto, não havia nenhuma proteção ao trabalhador. Os empresários burgueses dominaram completamente o mercado. Percebe-se, inclusive, que nessa época mulheres e crianças passam a fazer parte da classe operária, trabalhando até 16 (dezesseis) horas por dia. Nesse sentido, continua Alice Monteiro de Barros[9]:
“O emprego generalizado de mulheres e menores suplantou o trabalho dos homens, pois a máquina reduzia o esforço físico e tornou possível a utilização das ‘meias-forças dóceis’, não preparadas para reivindicar. Suportavam salários ínfimos, jornadas desumanas e condições de higiene degradantes, com graves riscos de acidente.” (BARROS, 2010, p.63-64).
Diante dessas injustiças, para com a classe operária, nasceram movimentos sociais que reivindicavam melhores condições de trabalho, apresentavam contestações ao sistema, e assim, chamavam a atenção dos industriais e donos de fábrica.
Foi no cenário da Revolução Industrial que se promoveram grandes alterações nos valores morais e políticos das pessoas. Essa mesma agitação faz surgir, na Europa, movimentos em defesa da paz, da vida e das liberdades individuais.
Houve uma transformação profunda quando os privilégios prioritários da burguesia, dos senhores feudais e dos clérigos foram bombardeados pelos grupos políticos formados principalmente por radicais que se colocavam contra o governo, pelas massas de camponeses e artesãos.
Essa sucessão de movimentos sócio-políticos culminou na Revolução Francesa, que é o marco do nascimento da concepção de sociedade contemporânea que temos hoje. Nascem os princípios Liberté, Égalité, Fraternité, “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
A Europa no início do século XIX sentiu verdadeiramente os efeitos da revolução industrial que abalaram todos os sistemas intelectuais, políticos e sociais. Muda-se, inclusive, a noção de trabalhador distinto da ferramenta de trabalho. Nos dizeres de Maurício Godinho Delgado[10]:
“De fato, apenas já no período da Revolução Industrial é que esse trabalhador seria reconectado, de modo permanente, ao sistema produtivo, através de uma relação de produção inovadora, hábil a combinar liberdade (ou melhor, separação em face dos meios de produção e seu titular) e subordinação. Trabalhador separado dos meios de produção (portanto juridicamente livre), mas subordinado no âmbito da relação empregatícia ao proprietário (ou possuidor, a qualquer título) desses mesmos meios produtivos – eis a nova equação jurídica do sistema produtivo dos últimos dois séculos” (DELGADO, 2010, p.82).
Essa crise ofereceu aos operários um campo minado de miséria e desigualdade nunca antes vista, e tudo gerado pelo fenômeno da industrialização.
Essa crise favoreceu o surgimento da doutrina socialista que muito contribuiu para a formação do movimento operário que ganhou força ao inserir em suas reivindicações o cumprimento da justiça e igualdade o que permitiu uma luta em busca da dignidade humana[11].
Em um artigo publicado no livro Revolução e Contrarrevolução, ao analisar a situação da estrutura de classes na Alemanha, Marx, o maior expoente da doutrina socialista, escreve[12]:
”(...) trabalhadores braçais do campo, cuja condição, em muitas das grandes fazendas, era exatamente a mesma de seus congêneres na Inglaterra, e que sempre viviam e morriam na miséria, mal nutridos e eram escravos de seus patrões. (....) Contudo, ao mesmo tempo, é evidente e igualmente comprovado pela história de todos os países modernos que a população agrícola, devido à sua dispersão numa área muito ampla e pela dificuldade de elaborar um acordo entre uma boa parte dela, jamais pode tentar executar com êxito um movimento por conta própria; ela necessita do impulso inicial da gente mais unida, mais esclarecida e mais impressionável das cidades.”
Fez-se entender a necessidade de se aprofundar as discussões em volta da divisão social do trabalho e da expansão comercial. Há o surgimento de outras profissões, que colaboram para esse crescimento comercial.
Na seara do trabalho, mesmo sendo essencial para a continuidade produtiva da existência humana, há ainda uma carga da injustiça social, onde o capital sobrepõe-se à essência humana, onde valores perdem o seu sentido e onde tudo é válido em nome do lucro.
Isso foi incisivo num momento em que mulheres, crianças e idosos submetiam-se às mais severas condições de trabalho para receber em troca um irrisório valor pecuniário, sem benefícios ou segurança jurídica, sem nenhum órgão ou setor social que intercedesse por eles, uma verdadeira exploração da mão de obra da massa trabalhadora.
É inegável que dos tempos tribais aos dias atuais a noção de trabalho sofreu diversas modificações, principalmente no que diz respeito à sua importância social, ganhando, consequentemente, relevo normativo.
Com o advento do Estado de Direito após a Revolução Francesa, nasce o constitucionalismo, o Poder Legislativo e a regulamentação das relações intersubjetivas por meio de leis.
Na seara trabalhista não é diferente. Nesse período, surgem as primeiras formas de regulamentação das relações de trabalho, como fruto das reivindicações da classe operária do período.
As mudanças sociais, políticas e econômicas, decorrentes da evolução natural do homem, alteraram toda a estrutura coletiva, principalmente a dinâmica trabalhista. De acordo com Arnaldo Sussekind et al[13]:
“Deixava-se de se considerar o homo economicus isolado, para se focalizar o homem histórico e social, que vive não só do pensamento, mas também da ação; o homem cujo verdadeiro estado na natureza é o estado em sociedade, de maneira que a mesma pessoa se desenvolve individual e socialmente e, enquanto tem de um lado a tendência a desenvolver sua própria personalidade coletiva na função correspondente às suas aptidões e suas capacidades” (SUSSEKIND et al, 2003, p 37).
Diante da evolução de noção de trabalho e dada a sua importância para se entender a dinâmica trabalhista atual, no presente estudo monográfico, nos tópicos que se seguem, abordaremos a evolução histórica do Direito do Trabalho tanto no mundo, como também em nosso país.
1.1 Evolução histórica do Direito do Trabalho no Mundo
A concepção de Estado de Direito, com a regulamentação das relações sociais por meio de leis se deu como consequência dos movimentos revolucionários citados no tópico anterior.
Do mesmo modo, o surgimento de um Direito positivo do Trabalho se dá a partir de meados do século XIX, como resultado dos movimentos operários que visavam à melhoria das condições de trabalho, limitação da jornada de trabalho, proteção ao trabalho da mulher e das crianças, dentre outros anseios. Alice Monteiro de Barros, nesse sentido, aduz que[14]:
“O Direito do trabalho surge no século XIX na Europa, em um mundo marcado pela desigualdade econômica e social, fenômeno que tornou necessária a intervenção do Estado por meio de uma legislação predominantemente imperativa, de força cogente, insuscetível de renúncia pelas partes. Paralelamente a esses condicionamentos impostos pelo legislador, o rol de normas dispositivas existentes é reduzido, atenuando-se a autonomia da vontade das partes.” (BARROS, 2010, p.67).
As Constituições que contêm leis e normas que regem e delimitam os direitos do homem trabalhador, sua relação com o empregador, que envolvia desde pagamento de salários a jornada de trabalho, assim como sua dignidade, foram denominadas de constituições sociais. Amauri Mascaro conceitua o constitucionalismo social, como, “dá-se o nome de constitucionalismo social ao movimento no sentido da inclusão de leis trabalhistas nas Constituições de alguns países” (NASCIMENTO, 2004, p.48)[15].
E também situa esse aparecimento na Europa, logo após a eclosão das revoluções trabalhistas geradas pelas Revoluções Industrial e Francesa, de forma que, com esse surgimento, o trabalho exploratório foi, em parte, coibido, pois se tornara, naquele momento, ilegal.
“As primeiras leis trabalhistas na Europa foram motivadas pela necessidade de coibir os abusos perpetrados contra o proletariado e, mais diretamente, a exploração do trabalho dos menores e das mulheres. A falta de leis permitiu a utilização do trabalho de menores de 8, 7 e até seis anos de idade nas fábricas e jornadas de trabalho excessivas para as mulheres. Desse modo surgiram leis sobre idade mínima para trabalho na indústria e duração diária do trabalho.” (NASCIMENTO, 2004, p.49)[16].
“Afirmou-se o direito do trabalho em todos os países, independentemente da estrutura política ou econômica, no capitalismo e no socialismo, nos regimes estatais de dirigismo ou no liberalismo econômico, como necessidade de regulamentação das relações de trabalho.” (NASCIMENTO, 2004, p. 50)[17].
Outros doutrinadores reconhecem esse surgimento de regulação e normatização, como principais alicerces para a evolução da ramificação do Direito, com o surgimento do Direito do Trabalho:
“Reconhecia-se que o direito à prestação de salário não se podia resumir ao pagamento de algumas moedas que apenas permitisse não morrer rapidamente de fome; que o trabalho excessivo depauperava a saúde do operário e que isso impediria a existência de um povo fisicamente forte; compreendia-se que a velhice, a invalidez e a família do trabalhador deveriam ser amparadas porque ele poderia melhor empregar sua capacidade produtora tendo a certeza de que, à ora amarga da decrepitude, do infortúnio ou da morte, velava por ele e pelos seus o Estado, através de uma legislação protetora.” (SUSSEKIND et al, 2003, p.41)[18].
Em 1917, a Constituição do México foi à primeira Constituição Mundial a proteger o direito dos trabalhadores.
Após o fim da Primeira Grande Guerra, surge o constitucionalismo social, que inclui entre outros preceitos, o direito ao trabalho como direito social.
Porque, segundo Luiz Augusto Paranhos Sampaio:
“... enquanto o Direito do Trabalho envolve entre seus beneficiados apenas as classes assalariadas, o Direito Social, mais abrangente, envolve toda a sociedade nacional, pois tem como finalidade precípua impor medidas de responsabilidade coletiva, que garantam a todos os cidadãos, o bem estar social.” [19]
Como dito, a primeira Constituição a estabelecer jornada de trabalho e desta forma, influenciar a juridicidade do trabalho foi a do México, em 1917, que determinava a jornada de trabalho de oito horas, a proibição da exploração do trabalho para menores de doze anos, diminuição da carga horária trabalhada para seis horas para menores de dezesseis anos, proteção à maternidade, descanso semanal, direito de greve e sindicalização, seguro social, indenização em caso de dispensa, proteção contra acidentes de trabalho e ainda, o salário mínimo.
Mesmo com uma população essencialmente camponesa, este ineditismo mexicano acabou por inaugurar uma nova ramificação do Direito, o Direito do Trabalho. Para Ricardo Resende[20]:
“Desse modo, o Direito do Trabalho surgiu, no contexto histórico, a partir da Revolução Industrial, com vistas a reduzir, por meio da intervenção estatal, a desigualdade existente entre capital (empregador) e trabalho (empregado).
É exatamente daí que se extrai a principal característica do Direito do Trabalho: a proteção do trabalhador (e, notadamente, do trabalhador subordinado, que é o empregado)” (RESENDE, 2013, P. 2).
A segunda Constituição a tratar sobre direitos trabalhistas como direito social foi a de Weimar, na Alemanha de 1919, que disciplinava a participação do trabalhador como representatividade nas empresas. No mesmo ano, pelo Tratado de Versalhes, na França, há a criação da OIT – Organização Internacional para o Trabalho, que tinha por principal função, a proteção da relação existente entre empregados e empregadores no âmbito internacional.
“Disciplina a participação dos trabalhadores nas empresas, a criação de um direito unitário do trabalho, a liberdade de coalisão dos trabalhadores para a defesa e melhoria das suas condições de trabalho, o direito a um sistema de seguros sociais, o direito de colaboração dos trabalhadores com os empregadores na fixação dos salários e demais condições de trabalho e a representação dos trabalhadores na empresa.” (NASCIMENTO, 2004, P. 48)[21].
Em 1919, surge o Tratado de Versalhes, que previa a criação da OIT – Organização Internacional do Trabalho, que se incumbiria de proteger as relações entre empregados e empregadores no âmbito internacional, criando convenções e recomendações nesse intuito.
Na Itália, surge a Carta Del Lavoro, com uma sistemática corporativista-facista que serviu de fonte de inspiração para outros sistemas políticos europeus. O Estado regulava praticamente tudo. A expressão que melhor refletia a concepção do corporativismo surgido era: “Tutto nello Stato, niente contro lo Stato, nulla al di fuóri dello Stato” – tradução: “Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”. Dá-se a autoria dessa, à Benito Mussolini, considerado o fundador e idealizador do Partido Nacional Fascista.
“Se, de um lado, a forte presença estatal promoveu a tutela dos assalariados por meio de ampla legislação de fundo paternalista, por outro lado, com o dirigismo exercido sobre o movimento sindical, o Estado prejudicou o desenvolvimento sindical” (NASCIMENTO, 2004, P. 49)[22].
Pode-se dizer que o Direito do Trabalho passa a ter um espaço mais sólido e palpável no cenário mundial. Nasce a causa jurídica, pois os trabalhadores, reunidos, passam a reivindicar condições mais dignas de trabalho, assim como, surgem às questões salariais, a diminuição da jornada excessiva e também, contra a exploração de menores e mulheres, praticamente escravos da mecanização. A partir desse momento, passa a surgir uma liberdade na contratação das condições de trabalho. O Estado deixa de ser abstencionista e se torna intervencionista das relações de trabalho[23].
“No período contemporâneo, o direito do trabalho, embora mantendo seus objetivos iniciais de tutela do trabalhador, passou a desempenhar, também, uma função coordenadora dos interesses entre o capital e o trabalho. As leis trabalhistas de defesa dos interesses dos assalariados passaram a conviver com outras normas destinadas a solucionar questões próprias de épocas de crise.” (NASCIMENTO, 2004, p.50)[24].
Como resta demonstrado, houve uma grande pressão internacional, que levou o Brasil, na década de trinta, a iniciar uma política dita trabalhista, quando em 1930, Getúlio Vargas assume o poder e a presidência do Brasil.
1.2 Evolução histórica do Direito do Trabalho no Brasil
No Brasil, em 1830, registra-se lei que regula o contrato sobre a prestação de serviços direcionada a brasileiros e estrangeiros. Após essa lei, as cartas mais expressivas versam sobre sindicalização dos profissionais da agricultura, dos profissionais urbanos e acidente de trabalho[25]. Segadas Viana, na obra Instituições do Direito do Trabalho, aduz que:
“Nos primeiros tempos da República, também os debates sobre o problema social significavam mais o reflexo de leituras sobre o mundo europeu do que a observação de fatos verificados no País”. E, se eles aconteciam, suas proporções eram tão pequenas que não justificavam afirmar-se existir “problema social”. (VIANA et al, 2003, p. 51)
Apenas no início do século XX, é que houve o crescente interesse dos legisladores pelas questões trabalhistas de nossos operários[26].
Maximiliano Figueiredo, relator da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, apresentou, em 1915, o projeto de um código de Trabalho. Nesse, o contrato de trabalho era “o convênio pelo qual uma pessoa se obriga a trabalhar sob a autoridade, direção e vigilância de um chefe de empresa ou patrão, mediante uma remuneração, diária, semanal ou quinzenal, paga por este, calculada em proporção ao tempo empregado, à quantidade, qualidade e valor da obra ou serviço, ou sob quaisquer outras bases não proibidas por lei”.
Em 1930, é criado o Ministério do Trabalho, marco do aparecimento do Direito do Trabalho no Brasil, e em 1935, o Ministro do Trabalho à época, Agamemnon Magalhães, apresenta ao Presidente da República o anteprojeto de organização da Justiça do Trabalho. Este seria aprovado em 01 de dezembro de 1936.
“Os conflitos oriundos das relações entre empregados e empregadores, reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho.”
O avanço das leis trabalhistas deu-se na década de 40, no governo de Getúlio Vargas, que implantou, entre outras mudanças, a redução da jornada de trabalho, o repouso semanal remunerado, o décimo terceiro salário, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS e o vale-transporte, de forma legal, visando o benefício e bem-estar do trabalhador. Legítimos produtos getulistas.
Para compreender este sistema, torna-se necessária a reflexão sobre o início e o desenvolvimento das leis trabalhistas no passar do tempo. O jurista Amauri Mascaro Nascimento nos relata:
“Os fatores internos mais influentes foram o movimento operário de que participaram imigrantes com inspirações anarquistas, caracterizado por inúmeras greves em fins de 1800 e início de 1900; o surto industrial, efeito da Primeira Grande guerra Mundial, com a elevação do número de fábricas e de operários – em 1919 havia cerca de 12.000 fábricas e 300.000 operários; e a política trabalhista de Getúlio Vargas (1930)” (NASCIMENTO, 2004, P. 54).
Sem dúvida, a era getulista foi a que mais produziu e trabalhou direitos trabalhistas como direitos sociais, como ditos anteriormente, foi uma época de acompanhamento às mudanças que ocorriam no exterior e uma forma de popularizar o líder político. O “presidente do trabalhador” tinha todos os requisitos para permanecer no poder por muito tempo, se não fosse o Golpe Militar para derrubá-lo. Entre as maiores conquistas e feitos do governo Getúlio Vargas, há a Consolidação das Leis do Trabalho, vigente até os dias atuais, a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública e o Conselho Nacional do Café, produto que, na época era considerado “moeda de troca” entre os Estados da Federação.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1934, que cria a Justiça do Trabalho, possuía como um dos ápices, a incorporação da legislação trabalhista, onde sua maior inovação foi proibir as diferenças salariais por discriminação de sexo, idade, nacionalidade ou estado, entre as conquistas já ditas anteriormente. Houve a introdução do Sistema de Justiça do Trabalho, que permitia ao governo o estabelecimento e a fixação dos salários mínimos regionais em todo o território brasileiro, houve a regulamentação das profissões e ofícios e ainda, o estabelecimento de sindicatos representantes de classes. Vivíamos uma Constituição Democrático-Liberal, em que havia direitos, garantias constitucionais e liberalidades, em contrapartida, com a aplicação do Sistema de Justiça do Trabalho, o próprio governo fixava os salários, controlando assim, o poder aquisitivo-sócio-cultural de seus governados.
A CLT – Consolidação das Leis do Trabalho é apenas a reunião de toda a legislação já existente no período, parte daí, que seu nome não poderia ser Código Trabalhista[27], visto não ter sido criado um direito novo, e sim, a organização do que já era usado e aplicado nos tribunais[28]. Fruto da sigla CLT vem o termo celetista, comumente utilizado para identificar os trabalhadores que possuem o registro em sua CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social, do seu trabalho e segue as normas descritas na Consolidação das Leis do Trabalho. A outra margem de trabalhadores é preenchida pelos trabalhadores autônomos, pessoas jurídicas, profissionais liberais e estatutários, assim chamados àqueles servidores públicos que seguem as normas do Estatuto, documento que regula as relações e o regime jurídico existente entre os servidores e o órgão ao qual está subordinado.
“Não é a primeira lei geral, uma vez que foi precedida por outra, a Lei 62/1935, aplicável a industriários e comerciários e inúmeros decretos sobre direitos específicos de cada profissão. Porém, é a primeira lei geral, desde que se aplica a todos os empregados, sem distinção entre a natureza do trabalho técnico, manual ou intelectual. A Comissão que elaborou a CLT foi presidida pelo Ministro Alexandre Marcondes Filho. A Consolidação não é um código, porque, não obstante a sua apreciável dimensão criativa, sua principal função foi à reunião das leis existentes e não a criação, como num código, de leis novas” (NASCIMENTO, 2004, p. 56)[29].
Na visível necessidade de modernização das leis trabalhistas, que deveriam acompanhar os movimentos sindicais e os direitos coletivos, foram criadas, durante a política trabalhista de Vargas, as legislações sociais, as regulamentações das organizações sindicais e corporativas e também a regulamentação do sistema de Justiça do Trabalho.
Vale ressaltar aqui, que após a administração de Vargas, os outros governos que deram grandes contribuições às leis trabalhistas foram o Governo Castelo Branco, com a implementação do FGTS – Fundo de garantia por Tempo de Serviço, em substituição ao antigo sistema de estabilidade e de indenização dos trabalhadores demitidos e o Governo Sarney, onde foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, que impunha direitos e deveres do cidadão e do Estado. A chamada “Constituição cidadã”. Existem várias normas esparsas sobre os mais diversos assuntos trabalhistas, houve a necessidade de sistematização dessas regras.
Nem só de legislação civil a nossa atual Constituição da República Federativa Brasileira é formada. Possui também inúmeros direitos trabalhistas fortalecidos e normatizados de maneira plena e consolidados. Entre eles: salário mínimo, um terço adicional adquirido no período de férias, indenização de 40% sobre seu FGTS, se demitido, adicional de 50% sobre o valor das horas normais para as horas extras, direito de greve sem restrição, jornada semanal de 44 horas, licença maternidade de 120 dias e licença paternidade: de cinco dias, pagamento de 13º salário, cálculo da aposentadoria pelo valor médio dos últimos 36 salários recebidos.
1.3 Flexibilização do Direito do Trabalho e seus institutos
A busca incessante pela necessidade de proteção do trabalhador acabou por gerar uma necessidade também de flexibilização das leis que lhe dão suporte. O grande vilão desta novela é a alta taxa de desemprego que surge e que até hoje representa uma das maiores dificuldades que o Governo enfrenta até hoje. Como preleciona Sérgio Pinto Martins[30]:
“O Direito do Trabalho é um ramo da Ciência do Direito muito dinâmico, que vem sendo modificado constantemente, principalmente para resolver o problema do capital e do trabalho. Para adaptar esse dinamismo à realidade laboral surgiu uma teoria chamada de flexibilização dos direitos trabalhistas.” (MARTINS, 1997, P. 413).
Paralelamente à necessidade de estabilidade na situação de desemprego no País, há também a importância da flexibilização das leis que defendem a amparam os trabalhadores.
Na flexibilização, o Estado controla as relações trabalhistas através do chamado mínimo existencial[31]. É o que prescreve, por exemplo, o preceito constitucional que garante a irredutibilidade salarial, mas, ressalva a sua possibilidade de flexibilização mediante negociação coletiva[32].
Essa instituição visa assegurar um conjunto de regras mínimas ao trabalhador, tendo o contrapeso de manter a sobrevivência do empregador e da empresa, por conseguinte, por meio da alteração e readaptação de comandos legais.
O conceito, portanto, como prescreve Amauri Mascaro Nascimento, é.
“... o afastamento da rigidez de algumas leis para permitir, diante de situações que a exijam, maios dispositividade das partes para alterar ou reduzir as condições de trabalho. Mas, a flexibilização desordenada do direito do trabalho faria dele mero apêndice da Economia e acabaria por transformar por completo a sua fisionomia originária, uma vez que, deixaria de ser uma defesa do trabalhador contra a sua absorção pelo processo econômico para ser preponderantemente um conjunto de normas destinadas à realização do progresso econômico, atritando-se com a sua finalidade, que é a proteção do trabalhador diante da sua inferioridade econômica no contrato de trabalho.” (NASCIMENTO, 2004, p. 75).
A fim de suprir esta lacuna, preencher as vagas que surgem e estimular novas aberturas de oportunidades, a Administração Pública acaba por oferecer redução nos impostos para abertura de empresas e fábricas, redução de alíquotas tributárias e exigência de cotas sociais, como a contratação de portadores de necessidades especiais e de aprendizes e estagiários, o que possibilita a profissionalização destes indivíduos e ainda, abre oportunidades de efetivação nas empresas em que se destacam[33].
Maurício Godinho Delgado[34] ensina que
“... por imposição da ordem constitucional, somente são passíveis de flexibilização os direitos de indisponibilidade relativa, assim considerados aqueles de caráter privado, não previstos constitucionalmente ou em Lei.”
Para o autor, os direitos previstos no nosso ordenamento jurídico são de indisponibilidade absoluta, pois garantem o chamado patamar civilizatório mínimo.
Para Sérgio Martins Pinto, “devemos trazer à lembrança, em primeiro lugar, que hoje existe liberdade de trabalho, pois não impera a escravidão ou a servidão, sendo as partes livres para contratar, salvo em relação à disposição de ordem pública”.
Devemos, mesmo com a dinâmica da flexibilização, levar em conta os princípios que dão suporte e razão ao Direito do Trabalho, e entre os mais afetados, diante das mudanças, são: o princípio da proteção, da irrenunciabilidade dos direitos, da continuidade da relação de emprego e o da primazia da realidade[35].
Esta irredutibilidade fortalece-se no princípio da norma mais benéfica, aquela mais favorável ao hipossuficiente. Se, por um lado, o empregado é o polo hipossuficiente econômico, por outro lado, dá-se ao mesmo, uma superioridade jurídica, com vistas ao equilíbrio e harmonia da relação.
Nas hipóteses de flexibilização expressamente previstas, Ricardo Resende, afirma que:
“A compensação de horários é utilizada não só para pactuação do banco de horas (também previsto no art. 59, §§ 2º e 3º, CLT), como também para a pactuação de regimes de plantão (12 x 36, por exemplo), com ampliação de jornada diária, além de dez horas diárias, em que pese o disposto no art. 59, caput, CLT.
“A jornada de trabalho em regime de turnos ininterruptos de revezamento pode ser aumentada para até oito horas, desde que decorrente de negociação coletiva.” (RESENDE, 2013, p. 1035).
Mas, com as crises sociais decorrentes dos problemas econômicos mundiais e a adaptação das relações de trabalho à nova realidade econômica existente, se fez necessária uma nova regulamentação das leis trabalhistas. Neste cenário, surgem então novas formas de contratos trabalhistas, tais como: contratos temporários, de aprendizagem, os estágios remunerados ou não, as empresas terceirizadas, entre várias outras formas que visam manter as relações de trabalho e se adéquam e são resultantes desta nova visão social e econômica.
Destarte, o fenômeno da flexibilização é encarado também sob o enfoque da “desregulamentação normativa”, imposta pelo Estado, a qual consiste em consentir que certas vantagens trabalhistas sejam substituídas por outras de menor alcance benéfico[36].
“A “desregulamentação normativa” imposta unilateralmente pelo Estado (flexibilização heterônoma) é considerada por alguns doutrinadores como selvagem. Em contrapartida a ela, sugere-se uma “regulamentação laboral de novo tipo”, a qual pressupõe a substituição das garantias legais pelas garantias convencionais (flexibilização autônoma), com a primazia da negociação coletiva.” (BARROS, 2010, P. 87-88).
Situa-se aqui a hipótese de redução salarial prevista na Constituição de 1988 (art. 7º, VI), mediante convenção ou acordo coletivo, como também de majoração da jornada de seis horas para turnos ininterruptos de revezamento, sempre mediante negociação coletiva (art. 7º, XIV). A flexibilização traduz aqui uma forma de adaptação das normas trabalhistas às grandes modificações verificadas no mercado de trabalho. “Até nessa hipótese de flexibilização, os limites mínimos previstos nos diplomas constitucionais e internacionais devem ser respeitados, mesmo por que os direitos trabalhistas integram o rol dos direitos fundamentais na Constituição de 1988.” (ibidem).
Ou seja, mesmo com a normatização do banco de horas, havendo a inserção das cláusulas que versem sobre a compensação destas horas trabalhadas, haverá a obediência e aplicação clara e suportada pela Constituição da República Federativa do Brasil no princípio de maior favorecimento ao trabalhador, que, em nenhuma hipótese ficaria descoberto pelas leis que o amparam.
Algumas hipóteses de flexibilização destas normas trabalhistas já estão expressas na própria Constituição da República Federativa do Brasil, como em alguns incisos do 7º artigo da Carta Magna, mas, cabe ressaltar que, estas alterações ou adaptações da norma laboral são passíveis de flexibilização e adaptação, desde que sejam devidamente amparadas por negociações trabalhistas e suas respectivas convenções.
Não cabe aqui, a teoria de que as normas trabalhistas podem ser modificadas de acordo com as vontades dos empregadores, quando positivadas através de acordos ou convenções trabalhistas. Estes acordos ou convenções são fruto de amplas e demoradas discussões que debatem desde os aumentos dos pisos salariais de cada categoria até a delimitação de regulamentos que as empresas devem adotar a partir da vigência do acordo ou da convenção, como conclui Arnaldo Sussekind:
“Se é certo que a transmutação de economia mundial justifica a flexibilização na aplicação das normas de proteção ao trabalho, a fim de harmonizar interesse empresarial e profissional, não menos certo é que ela não deve acarretar a desregulamentação do Direito do trabalho, seja nos países de cultura jurídica romano-germânica, onde a lei escrita é a fonte tradicional do Direito, seja naqueles em que a sindicalização é inautêntica, inexpressiva ou inadmitida."
A verdade é que há normas fundamentais que, independentemente das prioridades nacionais, são inseparáveis do esforço da humanidade em favor da justiça social. ”(SUSSEKIND, 2003, p. 201)
Em se tratando de negociação, vale lembrar que estas relações e barganhas ofertadas e aceitas consistem na busca de cada um dos lados do pacto em conseguir melhores condições para si, valendo-se de trocas de uma vantagem por outra, que visam à compensação da troca de “valores”, mas, em tempo algum poderão desprezar a legislação e a própria Constituição vigente[37].
Por um lado, há a corrente que afirma que esta flexibilização torne a Consolidação das Leis de Trabalho uma verdadeira “terra sem lei”, onde quem ditaria as normas seriam os mais poderosos, os grandes polos de produção e ainda, os grandes empregadores de cada área geográfica. Outra corrente já acredita que como estas normas são de épocas bem diferentes da nossa, devem sofrer sim adequações para desta forma, acompanhar as mudanças e evoluções das relações trabalhistas, e desta forma, sem a interferência tão brutal do Estado nas relações, haverá inclusive um aumento de postos de trabalho que acabariam por diminuir o índice de desemprego que assola o País.
Alguns exemplos que a corrente pró-flexibilização utiliza é que se for permitida a flexibilização da jornada de trabalho para meio turno, dois trabalhadores poderiam exercer suas funções ao invés de apenas um trabalhador. Se for permitida uma carga tributária social menos onerosa ao empregador, ele poderia investir mais em si mesmo e criar mais vagas em sua atividade, entre outras vantagens.
Já a corrente que não vê com bons olhos a flexibilização, toma, por exemplo, o que aconteceu em países como o Japão, que oferece salários miseráveis e um contingente de trabalhadores desempregados em um número alarmante, acabando por ser conhecido como fornecedor de mão de obra barata e adaptada às condições mais precárias de trabalho, o chamado exército de reserva[38].
“A nosso entender, portanto, a desregulamentação do Direito do Trabalho, que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização, com esta não se confunde. A desregulamentação retira a proteção do estado ao trabalhador, permitindo a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Já a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se podem conceber a vida do trabalhador com dignidade. Precisamente porque há leis é que determinados preceitos devem ser flexíveis ou estabelecer fórmulas alternativas para sua aplicação.” (SUSSEKIND, 2003, p. 202-203).
Este número tão expressivo de desempregados deixa em situação muito cômoda, os empresários capitalistas, que enxergam neste momento, uma potencial fonte de mão de obra extremamente barata, e que aceitaria a preço de banana e sem oferecer certas garantias, qualquer oferta de trabalho, para desta forma ser reinserido no mercado de trabalho, receber sua remuneração, nem que para este objetivo, este operário abra mão de seus direitos e submeta-se a condições precárias de labor.
Mas, isso não ocorre em todos os setores do mercado. No presente trabalho, falamos sobre uma relação de emprego específica e que exige qualificação tanto profissional, como pessoal, no que tange o convívio e trato com o público, que é essencialmente formado por pacientes e portadores de necessidades especiais, ou ainda, pessoas com quadro clínico instável e que por isso requerem atenção e dedicação ímpar.
Assim sendo, não é compatível esta visão do capitalismo sobrepujando a massa trabalhadora, pois, neste caso em tela, haveria uma troca negativa, se de um lado, não teríamos mão de obra capaz de atender as necessidades dos hospitais e unidades de atendimento em saúde, por outro, os profissionais capacitados não teriam onde ter seus préstimos reconhecidos e remunerados em sua grande maioria.
Quando refletimos sobre esta equação em que as unidades de atendimento em saúde somente subsistem com a presença de profissionais do setor e esses profissionais só possuem remuneração e contraprestação de seus serviços em empresas privadas através de suas contratações devidamente reguladas por força de contratos, acordos ou convenções restam-nos a certeza de que são duas pontas que necessitam de um encontro, um ponto médio em que haja o equilíbrio entre o que é ofertado e o que é oferecido pelas partes.