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Direito fundamental à igualdade: da evolução à sua concreção!

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Agenda 25/06/2014 às 16:16

3 – Os instrumentos de efetivação da igualdade e não discriminação.

De maneira sucinta, é digno de nota que apesar de no jogo de xadrez o rei e o peão voltarem para a mesma caixa, as discriminações continuam a se perfazer (ainda que proibidas no direito das gentes – v.g Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial[40] – e em nossa Constituição – v.g. art. 5°, XLI, CRFB[41]) .

Deste modo, não basta que a igualdade seja assegurada tão só empós a morte das pessoas. Faz-se necessário que além dos textos constitucionais (ou de tratados, convenções), seja garantida uma igualdade palpável.

Razão pela qual, emergem veículos aptos a garantir uma isonomia concreta, seja no plano interno ou no plano internacional (Droit des gens / Volkerrech / Law of Nations), de acordo com duas estratégias: a) promocional, que visa propulsionar o avanço do direito a igualdade; e b) repressiva / punitiva, cujo objetivo é proibir, punir e, assim, eliminar as diferenças.

Verbera-se desta forma que ambos os mecanismos se complementam, sendo interdependentes um do outro.

Como denota Flávia Piovesan[42], a medida repressiva (fundamental para que se garanta o pleno exercício dos direitos civis e políticos, como também dos direitos sociais e econômicos e culturais) é, por si só, insuficiente. Daí, a sua combinação com a vertente promocional se faz indispensável, com a inserção e inclusão de grupos socialmente vulneráveis nos diversos espaços sociais.

É nessa toada, diga-se de passagem, que veremos a perpetração de tais instrumentos de efetivação da igualdade – tanto no ordenamento jurídico interno como numa esfera macro, pelo direito das gentes.         

3.1 – A efetivação da igualdade no plano interno.

3.1.1 – Ações afirmativas / Discriminações positivas.

Conforme visto até aqui, abordar o direito à igualdade é concretizar comparações – com o estabelecer de um ponto de referência para tanto. Isso porque, deste modo, se torna possível vislumbrar as desigualdades e concretizar, na medida do possível, medidas diferenciadas tendentes a debelar[43] ou, ao menos, atenuar as diferenças havidas (Teoria valorativa).

Decerto, desmiuda-se, nesse ponto, a obrigação do Poder Público de distribuir direitos e benefícios voltados à criação de condições materiais de igualdade (isonomia distributiva), uma vez que a própria Magna Carta traçou como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3°, III, CRFB) a adoção de medidas tendentes à redução das desigualdades sociais (art.170, VII, CRFB) e regionais (arts.43; 165,§7°; e 170, VII, CRFB).

Cumpre dizer! O direito à igualdade apresenta uma perspectiva positiva, impelindo o Poder Público a promover: a) igualdade entre pessoas em determinadas situações (arts. 7°, XX; e 37, VIII, CRFB);  b) o acesso igual às prestações de bens, serviços, etc; bem como c) a concreção de discriminações positivas / ações afirmativas, onde há uma atuação estatal (seja na esfera fática ou normativa) focada na imposição constitucional de uma igualdade de oportunidades.  

Nessa alheta, com o fito de se alcançar uma isonomia concreta, emergem determinadas políticas públicas (ou programas privados), ainda que de caráter temporário[44], com o desiderato de diminuir as desigualdades. A esse fenômeno, deu-se o nome de ações afirmativas (fruto da Teoria do Impacto Desproporcional, elucubrada pela jurisprudência Estadunidense).

Noutra palavra, sob a concessão de algum tipo de vantagem compensatória (daí, sua outra tipologia: discriminação positiva / inversa), as ações afirmativas são medidas jurídicas adotadas em favor de grupos objetivamente discriminados de forma injustificada (v.g. hipossuficiência econômica, debilidade física, por cunho racial, etc) e podem sopesar em favor de minorias (v.g. deficientes) ou maiorias (v.g. mulheres), desde que proporcionando um favorecimento temporário até se atingir a isonomia concreta.

Traduzem, assim, um poderoso instrumento de inclusão social. São medidas especiais que tendem a acelerar o processo pela igualdade, muitas vezes remediando as condições resultantes de um passado de discriminação.

Com a justificação constitucional de galgar uma igualdade fática, cumpre uma finalidade pública essencial para o projeto democrático: assegurar a pluralidade social (art.1°, V, CRFB). Isso, além de cunhar a ideia de que a igualdade deve “moldar-se no respeito à diferença e à diversidade”[45].

Crível que, para o emprego dessas políticas compensatórias, há de se preencher alguns requisitos. Por intermédio de um estudo prévio, é imprescindível valorar as peculiaridades locais. De igual maneira, deve-se analisar a condição de os beneficiários destas ações não possuírem mecanismos de integração num futuro próximo, de modo que a discriminação seja tamanha a ponto de dificultar substancialmente (ou, talvez, impedir) o acesso destes grupos as mais variadas esferas sociais[46].

Isso porque, desta forma, dificulta-se a existência de “medidas aparentemente neutras sob o ponto de vista discriminatório, quando de sua aplicação” e que trazem, em seu cerne, “efeitos nocivos e particularmente desproporcionais para determinados grupos de pessoas”[47]. Medidas, estas, aptas a acarretarem uma discriminação reversa, haja vista que poderiam prejudicar outros grupos de modo a colocá-los em situação de desvantagem perante os demais segmentos sociais, fomentando, ao invés da igualdade almejada, uma real ojeriza por aqueles beneficiados.  

Id est, hoje em dia não se discute mais a possibilidade de serem realizadas ações afirmativas, dada sua concreção positiva nos Estados Unidos da América, Europa e, hodiernamente, no Brasil. Daí, o único ponto, ainda, que resta a ser discutido são os critérios utilizados (e, eventualmente, o modo) para se aferir o rol de beneficiários destas medidas.

Transposto este introito, calha adentrar nas principais políticas públicas (ações afirmativas) aplicadas em nossa pátria.

a)      Em favor de grupos raciais.

Ao lado das bolsas de estudo e dos ensinos profissionalizantes, exsurge como uma das principais ações afirmativas o sistemas de cotas, que consiste na reserva de um percentual de vagas para grupos discriminados (v.g. 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos realizados pela administração pública federal devem ser destinadas a candidatos negros[48]; a cota eleitoral de gênero, que dispõe que cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo[49], etc).

Tal tema, diga-se en passant, ganha projeção quando as referidas cotas são destinadas a grupos raciais. Até porque, estatisticamente, o Brasil, em razão do largo período de escravatura e da miscigenação dela havida, é composto em sua maioria por cidadãos negros e pardos.

De qualquer modo, apesar do maior contingente da população brasileira ser afrodescendente, as referidas cotas não se sedimentam em solo pacífico, isento de críticas. Em verdade, há verdadeira e acalorada digladiação acadêmica sobre referido tema.

Nas trincheiras doutrinárias, desta sorte, apresentam-se dois posicionamentos, com ponderações válidas para ambos luminares[50].

Em um primeiro momento, contrário ao sistema de cotas, há o raciocínio de que tais medidas apresentam um cunho imediatista, sem aptidão para execrar o problema da disparidade racial de modo definitivo. Ou seja, se trataria de um mero sistema de maquiagem do problema, ao invés de um instrumento para sua real solução.

De mais a mais, ainda para denotado elucubrar, as reservas de vagas viriam a vilipendiar os princípios constitucionais da igualdade, da não discriminação e do devido processo legal. Isso porque, haveria indiscutível lesão ao direito de pessoas não inseridas no grupo beneficiado por estas ações, fato que sobejaria na indesejada discriminação reversa.

Como lastro de tal pensar, traz-se a ilustração do caso Blake (regentes da Universidade da Califórnia vs. Allan Blake), julgado em 1977 pela Suprema Corte norte-americana. É que, conforme consta, ante a reserva de 16 vagas das 100 (da escola de medicina) para membros de minoria em desvantagem educacional e econômica, se sustentou que “todo cidadão tem o direito constitucional de não sofrer desvantagem, pelo menos na competição por algum benefício público, porque a raça, religião ou seita, região ou outro grupo natural ou artificial ao qual pertença é objeto de preconceito ou desprezo[51]”.

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Vale pontuar. Para esta percepção, as cotas raciais fomentariam o racismo e ódio em relação aos negros.

Caso similar é aquele refletido por William Douglas[52], no que concerne ao sistema de cotas para concursos públicos. É que, ainda que favorável[53] às cotas para faculdades, estágios e até em programas de bolsas, para ele, não há como elas serem observadas em concursos públicos, sem que haja o fomento a uma discriminação reversa.

Em seu pensar, diferente do que se crê, as cotas para os concursos não traduzem uma evolução das cotas existentes para as universidades. Isso porque, enquanto as primeiras preparam para competir, as outras debelam a competição, onde ela é indispensável a bem do serviço público e dos seus destinatários. Ora, o cargo público não seria forma de ajudar alguém, mas “para alguém (servidor público) ajudar o cidadão”. De tal arte, almeja-se o mais preparado para aquela função, razão da existência de um concurso público.

Ademais, prossegue em seu luminar, o correto é assegurar uma meritocracia nessa situação. Pois, se assim não o for, o negro aprovado em um concurso público carregará a pecha, por toda carreira, de não ser bom o suficiente, mas mero aprovado pelas cotas.

De qualquer modo, antes de se permutar para o outro cunho da moeda, se faz necessário trazer algumas ponderações extremamente válidas:

a) A limine, imprescindível observar a inexistência de critérios objetivos válidos para asseverar se determinado indivíduo é, ou não, negro.

Exemplifica-se! No ano de 2007, dois irmãos gêmeos (univitelinos), filhos de pai negro e mãe branca, se inscreveram para o vestibular da Universidade de Brasília (UnB) utilizando o sistema de cotas (com o fundamento de que a nota de corte dos cotistas seria mais baixa).  Ocorre, entretanto, que uma banca formada para a avaliação daqueles que seriam beneficiados pela ação afirmativa, ao analisarem as fotos anexadas na ficha de inscrição, julgaram que um dos irmãos (Alex) seria merecedor daquela política compensatória, enquanto o outro (Alan) não.

b) Por demais, o critério racial, por si só observado, viria a colaborar precipuamente com negros de poder aquisitivo elevado, que tiveram melhores condições educacionais por frequentarem escolas de melhor qualidade.   

Tal fato, de clareza solar, traria a injustiça de afastar aqueles mais necessitados dentre eles. Razão pela qual, há necessidade do reexame deste programa. Daí, a melhor solução, proposta pelo Min. Gilmar Mendes, é a de que o critério racial deveria ser cumulado com algum outro requisito, como a hipossuficiência econômica (por exemplo), de modo a evitar situações indesejáveis onde negros de boas condições socioeconômicas e de estudo se valham da política compensatória, numa “atitude arrivista, de aproveitar-se do modelo para aboletar-se em vagas” e “esquivar-se da concorrência legítima”[54].

Em posição contraposta a ora esboçada, se apresenta o outro cunho da moeda: o elucubrar favorável às cotas raciais.

Num primeiro argumento (justiça compensatória), é necessário observar que o abismo social existente entre a população branca e negra não se deve necessariamente à formulação de políticas abertamente discriminatórias empós a Lei Áurea e a proclamação da república. Ocorre que, no momento em que o ex-escravo, recém liberto, adquire sua alforria (manumissão), todos papéis e posições na ordem social já estavam determinados por preferências de cor.

Deste modo, e também pelo extenso período de escravagismo, as ações afirmativas havidas pelo sistema de cotas raciais tentam compensar injustiças pretéritas cometidas, por particulares ou pelo governo, em face de fantasmas do passado.

Ou seja, com pálio num dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que preconiza a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art.3°, I, CRFB), as políticas públicas realizadas por intermédio de cotas raciais visam reparar os danos perpetrados em relação aos negros, “por meio do resgate de uma dívida histórica, como no caso decorrente da escravidão”.[55]

Até porque, se observarmos, a maior parte do contingente daqueles desfavorecidos socioeconomicamente é composta por negros – fruto da marginalização histórica pós-escravismo. Consoante pesquisa concretizada pelo o Instituto de Pesquisa Econômica e aplicada (Ipea), em um estudo publicado em 17 de novembro de 2005 sobre a desigualdade entre raças, dos 10% mais pobres da população, 64,6% são negros (e, passados nove anos desta estatística, tal panorama pouco se alterou).

Outro argumento válido, de mais a mais, se dá justamente pelo fato de que tais indivíduos, por que não tiveram as mesmas oportunidades, não se encontram em mesmo patamar de condições que os brancos.

Razão da legítima reivindicação de, por intermédio de tais ações, buscarem benefícios, vantagens e posições que teriam possuído se não houvesse a desigualdade existente. Noutro dizer! Busca-se, por essas políticas públicas, a existência de uma igualdade substancial, com a redução de desigualdades fáticas, por intermédio de uma “promoção de oportunidades para aqueles que não conseguem se fazer representar de maneira igualitária[56]” (justiça distributiva).

Por derradeiro, com a distribuição de oportunidades e com a compensação das atrocidades de um passado que não pode ser esquecido, alcança-se um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: o pluralismo social (art.1°, V, CRFB), com uma sociedade mais diversificada, aberta, tolerante, miscigenada e multicultural.

É, portanto, aqui que reside o último argumento favorável às cotas raciais: o da promoção da diversidade.

Destarte, ainda que haja ponderações a serem observadas (como as feitas acima), o sistema de ações afirmativas voltadas ao benefício de grupos raciais traz em seu bojo um imperativo democrático deveras válido. Isso porque, de suas entranhas se extrai uma justiça social com carga de aliviar “um passado discriminatório e a fomentar no presente e no futuro transformações sociais necessárias.”[57]

b) Em favor das mulheres.

É recente a aquisição de diversos direitos e garantias para as mulheres, que, até 1932, não possuíam nem sequer direito ao voto.

Tais transformações jurídicas e normativas daí advindas exsurgiram, tão só, por intermédio de políticas públicas, que buscavam a promoção de oportunidades iguais e uma isonomia concreta, fática, entre a relação de homens e mulheres.

Foi desta forma, diga-se de passagem, que a nossa constituição passou a incorporar diversos direitos e garantias fundamentais, recebendo o ápodo de Cidadã por Ulysses Guimarães (que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte).

Decerto, daí a razão de o art.7°, XX, CRFB professar a proteção do mercado da mulher, mediante incentivos como o estímulo a sua contratação, a não discriminação de sexo para o exercício de atividades e a igual remuneração.

De igual modo, quiçá pelo efeito prisma da Constituição (oriunda da filtragem constitucional / contaminação virótica da Constituição) complementada por tais ações afirmativas, eclodiram no ordenamento jurídico pátrio diversas legislações com o desiderato (mens legis) de tutela às mulheres.  

À guisa de exemplos, perlustra-se: a) a L.9029, de 13 de abril de 1995, que proíbe a exigência de atestados de gravidez, esterilização, e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho; b) a L.9504, de 30 de setembro de 1997, que dispõe que cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo (art.10, §3°); c) a L.11340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha[58]), que trouxe mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, pois, não raras vezes, por ser mais fraca fisicamente, sofre abusos físicos e psicológicos.

c) Em favor de pessoas com deficiência.

A jurisprudência e a doutrina, vez ou outra, têm adotado diversas tipologias para se referir a pessoas em condições deficitárias (v.g. pessoa portadora de deficiência, pessoa com necessidades ou direitos especiais, pessoa com deficiência, etc). Neste ponto, importante destacar que mais relevante do que a terminologia a ser adotada é a real percepção de deficiência, de estar faltando algo.

Como adverte Hugo Nigro Mazzilli, 10 % da população do mundo têm algum tipo de deficiência[59]. Nesse passo, ao invés de “meras alterações de nomenclatura, que muitas vezes fazem mudanças fáceis, mas mascaram problemas”, devemos mesmo é “combater firmemente a discriminação com ações concretas, não apenas recorrer a eufemismos”[60].

Até porque, de Esparta (onde bebês deficientes eram sacrificados, lançados de precipícios - apothei) para os dias contemporâneos, as deformações congênitas, amputações traumáticas e as debilidades físicas, sensoriais ou cognitivas (permanentes ou transitórias) muitas vezes não encontram o amparo necessário da sociedade, que, pelo contrário as discriminam ora de forma clara, ora de forma dissimulada – por intermédio de piadas depreciativas e ditos mordazes.

Em verdade, ao que parece, muito dessa discriminação se perfaz pelo fato de os cidadãos se esquecerem que a subnutrição, os acidentes de trânsito ou do trabalho, o uso de drogas, a falta de uma política pré-natal ou sanitária adequada, estão entre as principais causas para o surgimento de debilidades intelectuais, motoras, sensoriais, funcionais, orgânicas, sociais ou de personalidade.

De qualquer maneira, nesse esteio, emergem ações públicas para uma maior guarida aos deficientes, seja no cerne constitucional (v.g. art.37, VIII, CRFB, que assegura percentual dos cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiência) ou no âmbito legal – este, permeado de exemplos: a) a L.7853, de 24 de outubro de 1989, que disciplinou a proteção das pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, bem como de sua defesa sob o aspecto transindividual; b) a L.8213, de 24 de julho de 1991, que assegurou aos deficientes, desde que habilitados, de 2 a 5% das vagas para trabalho nas empresas com mais de 100 empregados; c) a L.8742, de 7 de dezembro de 1993, que reconheceu o benefício de prestação continuada em favor de pessoa portadora de deficiência que comprove não possuir meio de prover a própria manutenção e não tê-la provida pela família; d) a L.8899, de 29 de junho de 1994, que concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual; e) a L.10048, de 8 de novembro de 2000, que dá atendimento prioritário às pessoas portadoras de deficiência física, entre outras, bem como impôs requisitos de acessibilidade em seu favor; etc. 

3.1.2 – Mandado constitucional de criminalização.

Como pontuado, para que haja uma isonomia concreta, fática, se faz imperioso lançar mão de duas estratégias interdependentes (complementares): a) promocional, que visa propulsionar o avanço do direito a igualdade; e b) repressiva / punitiva, cujo objetivo é proibir, punir e, assim, eliminar as diferenças.   

Deste modo, passada as ações afirmativas (que apresentam percepção promocional), é imprescindível analisarmos os denominados mandados constitucionais de criminalização (que detêm idiossincrasia repressiva).

Antolha-se! O poder constituinte originário, ao elaborar nossa bíblia política, esquadrinhou o que havia de essencial para a nação e o exteriorizou no corpo da Constituição. Ocorre que, tamanha a quantidade de matérias relevantes, nossa Magna Carta se tornou extensa (analítica /prolixa), de modo a não poder verticalizar grande parte do conteúdo nela tratado – encargo, este, que restou a ser regulamentado pela lei infraconstitucional[61].

É, neste ponto, que emergem os mandados constitucionais de criminalização, onde, para a proteção de determinados valores jurídicos imprescindíveis, a constituição traça a obrigatoriedade de o Poder Legiferante vir a atuar com a criação de normas aptas à tutela de certos bens / interesses e a incriminação de condutas tendentes a vilipendia-los.

  Isso porque, diante da importância de certas matérias, o poder constituinte originário (por bem) achou melhor externar aquilo que, em seu texto, possuía dignidade penal e deveria receber a tutela do Estado – frente a possibilidade (e porque não, risco) de o Poder Legislativo não abordá-las com devido cuidado.

Desta sorte, nascem os mandados constitucionais, que podem ser:

a) expressos, onde fica clara a necessidade de se criminalizar determinada conduta. v.g. art.5° CRFB: a) XLI, a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (v.Dec.5397/05); b) XLII, a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeita a pena de reclusão nos termos da Lei (v.L.7716/89); c) XLIII, a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evita-los, se omitirem (v.L8072/90, L9455/97, L11343/06); d) XLIV, constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (v.L7170/83); etc.

b) implícitos, onde a ordem de criminalização se mostra velada. v.g art.5° CRFB: a) caput, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos (nesse passo, ilustra-se com os arts. 121/128 do CP, que trazem os crimes contra a vida); b) VI, é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias (v.Título V do Código Penal Brasileiro); c) X, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (v.Arts.138/145 CP); d) XXII, é garantido o direito a propriedade (v.Título II CP); etc.  

Decerto, uma vez presente a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art.3°, IV, CRFB), surge como mandado constitucional de criminalização a L.7716, de 5 de janeiro de 1989, que definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, etnia, religião ou procedência nacional.

No mesmo diapasão, apresenta-se o art.140,§3° do CP, que tipifica como crime a injúria preconceituosa – que verbera mais austeridade no seu tratamento jurídico-penal em relação à injuria simples[62]. Tal modalidade específica da injúria pune aquele que ofende a dignidade ou decoro da vítima com o emprego de referências a raça, cor, etnia, religião ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

De qualquer forma, é digno de nota que a presente qualificadora da injúria não se confunde com o delito de racismo, trazido pela L.7716, de 5 de janeiro de 1989.

Isso porque, além das consequências práticas (crime imprescritível, inafiançável e perseguida mediante ação penal pública incondicionada), o racismo[63] traduz uma espécie de segregação (de pôr à margem da sociedade) em função da raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Enquanto, de outro turno, a injúria preconceituosa (que é prescritível, afiançável e perseguida por ação penal pública condicionada à representação da vítima) é praticada por intermédio de xingamentos envolvendo a raça, cor, etnia religião ou origem da vítima.

Numa exemplificação clara e simples, Rogério Sanches Cunha ilustra a seguinte situação: xingar alguém fazendo referências à sua cor é injúria racial (v.g. caso do jogador Grafite, que em uma partida de futebol da Copa Libertadores da América, em 13 de abril de 2005, foi xingado de macaco por Leandro Desábato); por outro lado, impedir alguém de ingressar numa festa por causa da sua cor é racismo[64].   

Outrossim, é fruto de mandado constitucional de criminalização, sob o pálio da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil – art.3°, IV, CRFB), a recente L.12984, de 2 de junho de 2014, que define como crime a discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana[65] (HIV) e doentes de aids[66] – dentre tantos outros exemplos possíveis

3.2 – A efetivação da igualdade no plano internacional.

De maneira inicial, é inconfutável que o direito à isonomia, por ser inerente aos homens, foi reconhecido (de acordo com o local de sua previsão) como direito fundamental, se inserido nas Constituições dos Estados; ou como direito humano, quando previsto em tratados internacionais.

Apesar desta distinção tipológica, é digno de nota que, seja no âmbito interno ou na esfera do Droit des gens (Law of Nations / Volkerrech), há uma intensa luta para se proteger denotado direito.

Até porque, os direitos humanos (dentre eles o direito à igualdade) refletem um construído axiológico, a partir de um espaço simbólico de luta e ação social.[67] Traduzem processos que abrem e consolidam a busca pela dignidade humana.[68] São, decerto, “um dado construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução”[69], que simbolizam a lei do mais débil (fraco) contra a lei do mais forte, “na expressão de um contrapoder em face dos absolutismos, advenham do Estado, do setor privado ou mesmo da esfera doméstica”.[70]

Daí, a morada de sua finalidade: como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional.  

Aliado a este fito (de modo que não retomemos a barbárie do totalitarismo, como o Nazismo, que negou o valor pessoa humana como fonte do Direito), surge a ideia de que a proteção dos direitos humanos não deve se reduzir ao domínio reservado do Estado, haja vista o fato deste tema revelar verdadeiro (e legítimo) interesse internacional.

Id est, passa-se a ter o ser humano como o fim do direito (não mais o meio). Flexibiliza-se o conceito de soberania nacional (indo da concepção de Hobbes – soberania centrada no Estado – para a de Kant – centrada na cidadania universal), de modo que os direitos humanos transcendem as fronteiras dos Estados, dada a valorização das pessoas humanas como novo interesse global.

Nessa vereda, empós a Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 10 de dezembro de 1948), delineada pela Carta das Nações Unidas, criam-se diversos instrumentos internacionais de proteção a estes direitos. Forma-se, sobretudo em razão da consciência ética compartilhada entre os Estados contemporâneos, um sistema (integrado por tratados internacionais) voltado a salvaguarda de direitos mínimos aos seres humanos[71] (mínimo ético irredutível).

Para uma maior tutela, conjuntamente com o sistema normativo global, emergem sistemas regionais de proteção (particularmente na Europa, América e África[72]) que colimam internacionalizar os direitos humanos nos planos regionais. Nesta perspectiva, sob o axio da Declaração Universal, tais sistemas interagem em benefício dos indivíduos protegidos. Diga-se de passagem, se complementam inclusive com o sistema nacional de proteção, proporcionando a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais.

Nesse ponto, vislumbra-se que o direito existe para proteger a pessoa humana (v. princípio do pro omine), não devendo haver restrições formais entre o direito nacional e o direito das gentes, de modo que sempre se aplique ao ser humano a norma que a ele lhe seja mais protetiva (vasos comunicantes / cláusulas de retroalimentação, denominados, no direito interno, de diálogo das fontes / de complementaridade – com espeque em Erick Jaime).

É neste prisma, de igual modo ao já externado, que emergem no plano internacional as políticas promocionais (que propulsionam o avanço do direito a igualdade) e repressivas / punitivas (cujo objetivo é proibir, punir e, assim, eliminar as diferenças) para que se galgue uma igualdade fática.

Nesse sentido, a existência da: a) Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (que, no art.1°, parágrafo 4°, prevê a possibilidade de discriminação positiva mediante a adoção de medidas especiais de proteção ou incentivo a grupos ou indivíduos, com o escopo de promover sua ascensão na sociedade até um nível de equiparação com os demais); bem como a b) Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher[73] (que traz a possibilidade de Estados concretizarem ações afirmativas temporárias, com o desiderato de acelerar o processo de igualização de status entre homens e mulheres) e a c) Convenção relativa aos direitos das pessoas com deficiência (único tratado internacional que foi recepcionado com status, material e formal[74], de norma constitucional em nosso ordenamento).

Sobre o autor
Fernando Gentil Gizzi de Almeida Pedroso

Advogado. Presidente da Comissão de Cultura da 18ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo (2013/2015; 2016/2018). Professor no Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade de Taubaté. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (IBRASPP), do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos (IBDH), da Fundación Internacional de Ciencias Penales (FICP – Madrid) e investigador no “International Center of Economic Penal Studies” (ICEPS – New York)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDROSO, Fernando Gentil Gizzi Almeida. Direito fundamental à igualdade: da evolução à sua concreção!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4011, 25 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29610. Acesso em: 22 dez. 2024.

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