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Direito fundamental à igualdade: da evolução à sua concreção!

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Agenda 25/06/2014 às 16:16

O direito à igualdade, que sempre esteve embutido dentro das mais diversas acepções de justiça – desde a antiguidade –, pugna pelo tratamento justo por intermédio de um regulador de diferenças.

1-       Propedêutica; 1.1 – Gênese axiológica; 1.2 – Teoria Valorativa; 2 – Da infortuna discriminação; 3 – Os instrumentos de efetivação da igualdade e não discriminação; 3.1 – A efetivação da igualdade no plano interno; 3.1.1 – Ações afirmativas / Discriminações positivas; 3.1.2 – Mandado constitucional de criminalização; 3.2 – A efetivação da igualdade no plano internacional; 4 – Considerações derradeiras.


1-Propedêutica.

1.1 – Gênese axiológica.

Consoante o perpassar da história, é possível pontuar que, desde as primevas eras, o direito fundamental à igualdade se fez presente – ainda que, timidamente, servindo: a) de lastro para o fomento das religiões; b) como pedra de toque para a Democracia Direta dos Gregos (Século de Péricles, entre VI e IV a.C)[1] ou; ademais, c) como estofo para o exsurgir da Magna Charta Libertatum[2], outorgada por João sem Terra, que trazia em seu bojo a afirmação de que nenhum homem (inclusive o rei) estaria acima da ordem legal.

Entrementes, é digno de nota que tão só no período das revoluções Liberais, em especial com a Revolução Francesa (1789-1799), que tal direito atingiu outro patamar.

Não por outra razão, nos debruçamos sobre aquele momento histórico, muito bem retratado na obra Les Misérables (Victor Hugo) – que, de certa forma, exterioriza a realidade vivenciada, de maneira um pouco antecedente, pelo Padre francês Emmanuel Joseph Sieyès –, onde o alto clero (1° Estado) e a nobreza (2° Estado) participavam das deliberações políticas, que decidiam o norte do destino de toda nação, sem a participação da Burguesia-Povo (3° Estado), a quem sopesava uma alta incidência tributária.

Daí, a razão da Constituinte Burguesa (“O que é o Terceiro Estado? / Qu´est-ce que le tier état?) que, escrita pelo próprio abade Sieyès, com estofo no supreme power de John Locke (Dois Tratrados sobre o Governo) e no Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau, proclamava a insurreição da Burguesia-Povo (3° Estado) para as decisões políticas que diziam respeito a sua própria sina.

Nesse passo, o direito à igualdade, já existente nos Estados Unidos da América (Declaração dos Direitos da Virgínia, de 1776), não tardou a aflorar.

No borbulhar da crise fiscal, somada a insatisfação emergente dos franceses com o rei Luís XVI (guilhotinado em 1793), a população (3° Estado), já inflamada com os ideais iluministas e com a obra de Sieyès, tomou a Bastilha[3] e perpetrou a Déclaration des Droits de l´Homme et du citoyen (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão[4]), onde se trouxe a premissa de que “os homens nascem e são livres e iguais em direitos”[5]

Exsurgiu, deste modo, a chamada Teoria Paritária do direito à isonomia (igualdade formal). Id est, nasce o elucubrar de que todos os homens são iguais perante a lei[6] – que foi mecanismo encontrado como forma de se contrapor ao absolutismo, até então, reinante.

Vale dizer! Com estofo no art. 6° da Declaração – “a lei é expressão da vontade geral (...). Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir” –, passou-se a ter uma igualdade absoluta em termos jurídicos. Houve o debelar de uma sociedade pautada em privilégios hereditários e estamentais, traços do vetusto Regime da França pré-revolucionário[7].

Desta sorte, é translúcido que o tratamento legal há de ser igual para todos, independente das condições e circunstâncias pessoais (igualdade como imparcialidade). “Razão pela qual, nesta perspectiva, o princípio da igualdade de certo modo correspondia à exigência da generalidade e prevalência da lei, típica do Estado constitucional de matriz liberal”.[8]

Em síntese! Tal fato, além de ter se tornado um marco no estudo do Poder Constituinte, trouxe à baila uma luta pela igualdade, um dos standards da referida revolução (Liberté, égalité, fraternité) e que, ulteriormente, nas palavras do tcheco Karel Vasak se tornou uma das dimensões[9] (in casu, 2ª dimensão) dos direitos fundamentais.

1.2 – Teoria Valorativa.

Ocorre, entretanto, que a igualdade sempre foi um valor que andou de mãos dadas com a noção de justiça, muito embora com ela não se confunda[10].

De tal arte, ante uma sociedade plural e diversificada, notou-se que a igualdade perante a lei (Teoria Paritária), fruto da revolução francesa, trazia, por vezes, certas injustiças, haja vista que nem todos indivíduos apresentam as mesmas características naturais ou, ainda, se encontram nas mesmas condições fáticas.

Por este motivo, exuma-se das cinzas (tal qual a mitológica ave fênix[11]) a Aristotélica[12] ideia de tratar o igual de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida da desigualdade; uma vez que desde aquele período a isonomia já se encontrava atrelada ao valor justiça – ao conceder algo a cada um de acordo com seus méritos e de exigir de cada um aquilo que sua capacidade e possibilidade permitiam[13].

Como prelecionou Rui Barbosa, na Oração aos Moços, “a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira igualdade.”, uma vez que “tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.”[14]

Ou seja, ao invés de uma igualdade absoluta em todos planos, exsurge uma Teoria Valorativa, apta a atingir uma igualdade fática[15] (material) por intermédio de um dosador de diferenças – que traz em seu bojo uma função de “auxiliar a discernir entre desigualizações aceitáveis e desejáveis” daquelas “que são profundamente injustas e inaceitáveis.”[16]

Decerto, com a exigência de critérios razoáveis e justos (fins constitucionalmente protegidos), há uma compensação das desigualdades, sob o pálio da premissa de que “se não houver uma razão suficiente para a permissibilidade de um tratamento desigual, então o tratamento igual é obrigatório”[17].            

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Com essa tônica, e pelo fato de a isonomia ser um elemento estruturante do sistema global – conjugada dialeticamente com as dimensões liberais, democráticas e sociais inerentes ao conceito de Estado de direito democrático e social[18] –, o princípio da igualdade foi revalorado no plano internacional, de modo que a Teoria Valorativa foi inserida em diversos tratados e convenções (v.g. Declaração Universal de Direitos Humanos[19], Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos[20], Convenção Americana de Direitos Humanos[21], etc), bem como, pelo efeito prisma, em diversas outras Constituições Nacionais.


2 – Da infortuna discriminação[22].

Nessa vertente, a igualdade, por ser um direito inerente a todo ser humano (como a liberdade[23]), se tornou um direito fundamental. Até porque, trata-se de um valor indissociável à dignidade humana, vinculada a noção de que (de modo universal) todas as pessoas sejam tratadas com igual respeito e consideração.

Calha rememorar, contudo, que apesar da presente codificação do direito à igualdade em diversos ordenamentos pós-revolução francesa, historicamente, o ser humano tende a se vincular a diferenças, as empregando, inclusive, como fonte de discriminação (infelizmente!).

Tão só como recordação, é possível trazer à luz as discriminações havidas (e, ainda, vividas) por motivos de:

a) Religião.

Uma das discriminações mais antigas, e que se estende até os dias hodiernos.

Para ilustrar, podemos ponderar a intensa perseguição de cristãos, que hoje é feita muitas vezes por países de gênese islâmica.

É que, logo no eclodir da religião cristã, houve uma verdadeira caça destes por judeus (de cuja religião o Cristianismo era visto como uma ramificação) e pelos imperadores do Império Romano (que controlavam grande parte das terras onde o cristianismo primitivo se distribuía) – estes, diga-se en passant, muitas vezes se aproveitavam dos cristãos capturados para realizar a alegria de sua sociedade, uma vez que eles eram colocados nos coliseus para vivenciarem batalhas ou serem degustados por leões.

Do outro cunho da moeda, na época das trevas[24] (Idade Média), no período das inquisições[25], a Igreja Católica, visando combater o sincretismo religioso, responsabilizava qualquer indivíduo dotado de credos distintos daqueles exigidos como hereges.

Como consequência, delações anônimas conduziram milhares de pessoas tidas como feiticeiras, seguidores de Satã, a arderem como achas vivas em fogueiras[26] ou, ainda, em momento posterior, a passarem por árduas provas (Ordálias ou Juízos de Deus) das quais os réus deveriam sair com vida, incólumes ou ilesos por graça divina – já que a função do pretor era desempenhada pelo Criador do Universo.

Como exemplificação destes Juízos de Deus, temos: a) o ato de o réu (eventual herege) caminhar sobre brasas durante algum tempo ou colocar a mão em um braseiro, de modo que sua resistência às chamas seria determinante de sua sinceridade; b) em temperatura inversa, também se encontrava o teste da água fria, onde o réu era lançado em um reservatório de água. Se submergisse, era tido como inocente ou titular do direito pleiteado; caso voltasse à tona, seria ele considerado culpado[27]; c) outrossim, havia a prova das serpentes. O herege era colocado entre répteis, acreditando-se que somente seria picado se efetivamente fosse um criminoso[28]; d) como derradeiro exemplo, na antiga Pérsia, para se descobrir a verdade, havia a denominada prova do arroz. Para tanto, a parte deveria rapidamente engolir certa quantidade desse alimento, ainda cru. Se, ao final, não conseguisse ela digerir o cereal – antes de pontuar certa declaração –, estaria a parte indo em sentido antípodo ao da verdade.[29]

Recentemente, no século passado, houve um momento histórico em que a lei se tornou a única fonte de direito. O jus se reduziu a lex[30]. Debelou-se, para muitos jurisconsultos daquela época, a necessidade de compreensão dos demais ramos do saber, como a sociologia, história, filosofia, e todas outras matérias que alicerçavam o âmago daquilo exposto in lege.

Emergiu, desta forma, um Estado Legalista[31] que, pautado na pura teoria do direito[32], começou a elaborar leis com diversas arbitrariedades e abusos, se intrometendo, exempli gratia, nos mais recônditos círculos da vida humana.

Aflorou, daí, o Partido Nacional Socialista[33] (National Sozialist / Estado Nazista), sectário e intolerante como as demais ditaduras, que absorveu inteiramente a personalidade humana e anulou todos os valores individuais.

Como um de seus escopos, houve a promoção da busca por judeus – que eram submetidos a: a) trabalhos forçados em funestos campos de concentração (v.g. Auschwitz-Birkenau, Dachau, Buchenwald, dentre outros 20 mil); b) experimentos, como os da ignóbil figura de Joseph Mengele (o anjo da morte / Todesengel) e de Sigmund Rascher (médico da força aérea / Deutsche Luftwaffe); e c) a mortes nefastas, em campos de extermínio, voltados para o excídio em massa muitas vezes realizado por envenenamento em câmaras de gás.

Com o findar da 2ª Grande Guerra Mundial, o saldo foi de 50 milhões de mortos, sendo 6 milhões só de judeus.

b) Raça

A discriminação racial, pari passu a religiosa, foi marcante no perpassar dos tempos. E, de igual maneira, é realizada com certa frequência até a presente data.

Ora, não há como olvidar o período da recente escravatura, onde africanos eram retirados coercitivamente de suas terras, de seus lares e do seio de sua família. Como mercadorias, atravessavam o Atlântico rumo ao novo mundo, onde seriam adquiridos (como se propriedades fossem) de acordo com sua procedência, idade ou, ainda, suas condições físicas e habilidades profissionais.

Em verdade, muitos aqui nem chegavam. Eram vitimados pelos tratos que recebiam dentro dos navios, uma vez amontoados em condições desumanas. Outros tantos, faleciam em razão de doenças, como o escorbuto (scorbutus), que além da tumefação purulenta das gengivas e dores nas articulações, causava a não cicatrização das feridas e hemorragias. Aos mortos, restava serem lançados ao mar.

Aos que aqui chegavam, a vida terrena se encontrava cheia de sacrifícios vindouros. É que, além do angustiante percurso até então realizado, os escravos em terra eram vendidos e segregados de seus companheiros de viagem ou do restante de suas famílias. Recebiam, a partir deste momento, destinos diferentes, mas com igual condição de vida: a desumana.

Eram, nessa vereda, submetidos a trabalhos forçados nas fazendas de cana ou nas minas de ouro. Sem períodos de descanso ou outras benesses, chegavam a trabalhar de quatorze a dezesseis horas corridas. Para dormir, restavam as senzalas, sujeitos ao frio, umidade e a pouca higiene. E, ademais, com o escopo de evitarem fugas, mal podiam se movimentar, uma vez que tinham que descansar acorrentados.

Aos “fracos”, que não suportavam as condições impostas, bem como aqueles que se contrapunham a este sistema, sobejava o castigo físico, geralmente perpetrado por açoites até que o escravo perdesse seus sentidos. Havia, ainda, outros mecanismos sancionatórios, como a tortura psicológica realizada pela máscara de flandres (que impedia os escravos de beberem) e a pena de morte.  

Infeliz, de mais a mais, era a vida das escravas, pois, além da lida similar àquela já professada, muitas vezes eram subjugadas pelos senhores da terra (ou seus capatazes) a com eles praticarem relações sexuais forçadas.

A escravidão, tamanho o trato animalesco realizado, chegou a um ponto insustentável. Deste modo, diversas leis no mundo vieram a conceder a libertação do escravagismo. 

O Brasil, não estanque a este fenômeno global, traduziu este processo de maneira paulatina, com a concreção da: a) Lei Eusébio de Queirós (1850[34]), fruto de pressão da Inglaterra pelo Bill Aberdeen, que punia os traficantes de escravos; b) Lei do Ventre Livre (1871[35]), que dava liberdade aos filhos dos escravos que nascessem a partir daquele ano; c) Lei dos Sexagenários / Lei Saraiva-Cotegipe (1885[36]), que concedia a liberdade aos maiores de sessenta anos; e, por fim, d) Lei Áurea (1888[37]) que, assinada pela Princesa Isabel[38] e pelo ministro da Agricultura Rodrigo Augusto da Silva, aboliu o escravismo em nossa pátria.

Nos Estados Unidos da América, a libertação da escravidão se fez com a Proclamação da Emancipação (1863), realizada por Abraham Lincoln no transcorrer da guerra da Secessão (guerra civil americana), onde os estados escravistas do sul (Confederados) almejavam a separação (secessão) dos demais estados do norte.

Ocorre, entrementes, que com a vitória dos estados do norte, somada a ocupação militar dos estados do sul (até 1877), fomentou-se naquela região vencida o surgimento de grupos com a finalidade de segregação racial, atuando, muitas vezes, por intermédio da perseguição violenta de negros (antigos escravos).

Dentre tantos grupos, o de maior relevância foi o da Ku Klux Klan[39] (KKK), que, inicialmente (1865), tinha por finalidade obstar a integração dos negros recém-libertados. Com o advento temporal, tal desiderato permutou para uma eventual supremacia branca, acarretando a concreção de diversas atrocidades, indo de linchamentos a execuções sumárias de afrodescendentes – precipuamente.

Mutatis mutandis, no berço do mundo, a África do Sul também reverberou a segregação racial pelo regime do Apartheid (1948-1994), onde uma divisão dos habitantes em grupos raciais era imposta.

O direito de voto sopesava a uma minoria branca, detentora do poder político e econômico do país. Aos negros, grande maioria, recaia tão só a obrigação de obedecer a legislação separatista.

Verbi gratia: a) a Lei de Áreas de agrupamento (1950), que de forma coercitiva retirou muitos cidadãos de suas residências, haja vista a impossibilidade de raças distintas permanecerem vivendo lado a lado – delimitou-se, destarte, a localidade em que cada raça deveria permanecer; b) a Lei da Imoralidade, que no mesmo ano tornou crime relações sexuais entre pessoas de raças diferentes; c) a Lei de Reserva dos Benefícios Sociais (1953), que trazia em seu corpo a reserva de locais públicos para cada raça (e.g. como placas, em praças, com a inscrição: “somente para brancos”), etc.

Tal fato perdurou por quase cinquenta anos, vindo a findar por intermédio de um plebiscito fomentado pelo então presidente Frederick Willem de Klerk (ganhador do Nobel da Paz, em 1993, ao lado de Nelson Mandela), onde 69% da população branca deliberou no sentido de debelar tal regime.

Nos tempos contemporâneos, a discriminação racial ainda se faz presente. No primeiro semestre do ano de 2014, três fatos ocorreram em regiões distintas e eclodiram no epicentro dos noticiários globais.

O primeiro episódio se deu em 12 de fevereiro de 2014. Numa partida da competição Copa Libertadores da América, em Huancayo (Peru), a torcida da equipe Real Garcilaso emitia sons de macaco toda vez que o jogador brasileiro Tinga, do Cruzeiro, relava na bola. Empós tal episódio, tamanha sua frustação, Tinga declarou: “por mim, eu deixaria de ganhar qualquer título para que não houvesse desigualdade”.

Em lapso não distante, no mês de abril, dia 27, foi veiculada pela TMZ o áudio de uma conversa do dono da equipe de basquete Los Angeles Clippers, Donald Sterling, com sua namorada V.Stiviano. O diálogo entre ambos se restringiu a recriminação dele pelo fato de sua amada ter retirado uma foto ao lado de um negro: Magic Johnson, um dos maiores nomes daquele esporte. Durante o colóquio, ademais, chegou a rogar para que ela não levasse negros para assistir aos jogos do Clippers.

Como penalidade, a Liga Americana de Basquete afastou o dono da franquia da NBA – uma vez que aquela não havia sido a primeira vez em que Donald Sterling se envolveu com situação similar – e, em contraproposta, nomeou Dick Parson (que é negro!) como diretor-executivo interino daquela equipe.

Enfim, por incrível que pareça, na mesma data (27 de abril), na cidade de Villarreal (Espanha), durante a partida de futebol entre os times de Barcelona e Villarreal, um torcedor local arremessou uma banana em direção ao lateral-direito da seleção brasileira, Daniel Alves. De maneira irreverente, e inesperada, o jogador abaixou-se e, depois, digeriu o alimento a ele lançado.

O jornal Marca, em data subsequente ao evento, ponderou: “convivo há 11 com a mesma coisa na Espanha”.

c) Sexo.

Ainda que existentes outras discriminações a serem pontuadas (como a xenofobia, vinculada a origem das pessoas, v.g.), decidimos tratar como derradeira forma de discriminação a intolerância sexual.

É hialino, antes de tudo, que embora iguais em dignidade, o ser humano apresenta diferenças biológicas entre sexos. A genética, hoje em seu auge, está aí para desmistificar tais complexidades, determinando a razão de fenótipos tão distintos.

Entretanto, antes do exsurgir desta recente ciência, cuja terminologia só foi dada em 1908 por William Bateson (em carta direcionada para Adam Sedgewick), as diferenças havidas entre os grupos sexuais (masculino e feminino) serviam de estofo para as mais variadas discriminações.

Nesse cipoal, estudos antropológicos sustentam que nas sociedades primitivas a própria divisão laboral já era apta a indicar a vetusta visão de inferioridade feminina. Quiçá pela tônica muscular, as mulheres ficavam restritas a atividades interiores, enquanto, de outro turno, aos homens competiam as funções de caça e guerra. Nascia, assim, a origem do patriarcalismo.

Durante o Império Romano, um dos berços da civilização, a situação das mulheres piorou. Equiparadas a uma coisa, só adquiriam sua autonomia com as mortes de seu genitor e de seu marido.

Já no período da inquisição, retratado neste artigo, estima-se que entre 75% a 90% dos mortos pelos crimes de epidemia e más colheitas eram mulheres, razão pela qual, consideradas bruxas / feiticeiras, eram lançadas às fogueiras.

Tal panorama só começa a se alterar no perfazer do século XIX. Com a revolução industrial e o engatinhar do capitalismo, as mulheres, já organizadas em sindicatos, passaram a pleitear melhores salários e melhores condições de serviço. Infelizmente, para referida evolução, tão só em uma Indústria têxtil, em Nova Iorque (1857), centenas de trabalhadoras foram incineradas – situação similar, diga-se en passant, foi a razão do dia internacional da mulher se dar em março. É que, no referido mês, em 1911, um incêndio na fábrica têxtil Triangle Shirtwaist, igualmente em Nova Iorque, ceifou a vida de mais de 100 operárias, que não conseguiram se furtar em razão da precariedade do local.

De qualquer modo, é digno de nota que este caminhar pela igualdade entre homens e mulheres foi paulatino. Em 1879, as mulheres nem sequer podiam cursar nível superior. De mais a mais, o código civil de 1916, em sua origem, considerava as mulheres relativamente incapazes, havendo a necessidade de ratificação de seus maridos para que seus atos tivessem validade na órbita civil – talvez pelo fato de as ordenações Filipinas pontuarem a “fraqueza de seu entendimento”.

Em 1932, por demais, a mulheres passaram a ter o direito de voto, ainda que de modo opcional, haja vista que a obrigatoriedade deste só veio em 1946 – mesmo ano, curiosamente, em que o biquíni (muito criticado) foi usado pela primeira vez pela stripper parisiense Micheline Bernardine.

Cansadas da opressão vigente, em um ato que se tornou um marco do feminismo, quatrocentas mulheres do Women´s Liberation Movement (WLM) saíram às ruas em 7 de setembro de 1968, em Atlantic City (EUA), e depositaram seus sutiãs, sapatos de salto alto e espartilhos em frente ao teatro onde ocorria o concurso de Miss América – evento tido como uma forma de exploração comercial das mulheres.

Empós denotado episódio, que recebeu o nome de “queima dos sutiãs” (apesar de nenhum deles ter sido queimado, de fato), María Estela Martínez de Perón assume a presidência da Argentina, e se torna, nesse passo, a primeira mulher a presidir um país.

Nos dias atuais, embora muitos direitos tenham sido alcançados (como a igualdade entre homens e mulheres, art.5°,I, CRFB; igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, art.226, §5°, CRFB, etc), é necessário professar que a desigualdade sexual se faz presente, porém, agora, implicitamente.

Com espeque em quadros estatísticos recém-avaliados, ainda que as mulheres alcancem 41% da força de trabalho atual, tão só 24% dos cargos de chefia existentes são ocupados por elas.

Ademais, apesar de nossa bíblia política proibir diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo (art.7°, XXX, CRFB), no que concerne ao salário, mesmo exercendo a mesma função, é apontado que as mulheres recebem 71% do valor adquirido pelos homens.

Sobre o autor
Fernando Gentil Gizzi de Almeida Pedroso

Advogado. Presidente da Comissão de Cultura da 18ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo (2013/2015; 2016/2018). Professor no Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade de Taubaté. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (IBRASPP), do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos (IBDH), da Fundación Internacional de Ciencias Penales (FICP – Madrid) e investigador no “International Center of Economic Penal Studies” (ICEPS – New York)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDROSO, Fernando Gentil Gizzi Almeida. Direito fundamental à igualdade: da evolução à sua concreção!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4011, 25 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29610. Acesso em: 23 dez. 2024.

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