Capítulo 2. A problemática das demandas de massa
2.1. Caracterização e particularidades das demandas de massa em relação aos Juizados Especiais Federais.
Para Cintra, se temos hoje uma vida societária de massa, com tendência a um direito de massa, é preciso ter também um processo de massa, com a proliferação dos meios de proteção a direitos supra-individuais e relativa superação das posturas individualistas dominantes.[102]
Já conceituamos o que entendemos por ação de massa, a qual se revela, na esfera dos Juizados Especiais, como a expressão da prática jurídica que surge como resposta da sociedade atual, com suas características de massificação da informação e do consumo, às demandas jurídicas daí resultantes.
Assim, facilitado através dos Juizados Especiais Federais o acesso à Justiça, repercute de forma intensa nos mesmos a questão das ações de massa, que embora não sejam fenômeno específico dos Juizados, afloram nos mesmos com maior intensidade em relação ao Juízo comum, quer pela maior facilidade para o ingresso em juízo, quer pela freqüente falta de assessoramento técnico quanto à viabilidade da causa.[103]
Em uma sociedade cada vez mais complexa e interdependente, a realidade das relações jurídicas se modifica, reduzindo-se a importância daquelas de natureza individual em relação às de caráter coletivo.[104] Naturalmente, a transformação do Direito Material vem acompanhada de mudanças no campo processual. Cappelletti & Garth apontam, ao abordar a “segunda onda do acesso à justiça” que “a concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção dos interesses difusos. O processo era visto como um assunto entre duas partes”.[105]
Em sede de juízo comum, a proteção dos interesses difusos encontra abrigo nas ações coletivas, expressão da “segunda onda” em nosso ordenamento jurídico.[106] Já nos Juizados Especiais, vedado o seu uso por conta do princípio da simplicidade,[107] a sociedade encontra meios para a proteção de seus interesses de caráter coletivo justamente na multiplicação das ações individuais, protegendo assim, ação por ação, os interesses de cada um de seus integrantes que se encontra em determinada situação jurídica[108].
As características já mencionadas da ação de massa de uma forma geral para os Juizados Especiais se mostram, a nosso ver, ainda mais evidenciadas na esfera dos Juizados Especiais Federais, em virtude da própria competência da Justiça Federal,[109] que implica necessariamente na participação de um ente público federal na demanda. Assim, como as relações entre tais entes e o particular se norteiam, dentre outros princípios do Direito Administrativo, pelo da impessoalidade,[110] é de se concluir que, em regra, ao proceder de forma a gerar dano à esfera jurídica de uma determinada pessoa, a Administração Pública Federal procederá da mesma forma para todas os demais que se encontram na mesma situação. Evidencia-se, portanto, o enorme potencial dos entes públicos federais para a geração de danos de caráter coletivo, os quais, como já abordamos, em sede de Juizado, serão necessariamente discutidos mediante a proposição massiva de ações individuais, tornando assim os Juizados Especiais Federais especialmente sensíveis ao que conceituamos por ações de massa.[111]
Fator que consideramos da maior importância na realidade das ações de massa, em especial nas propostas em face dos entes públicos por meio dos Juizados Especiais Federais, é o papel dos meios de comunicação. Evidentemente, se consideramos o fenômeno da ação de massa como expressão da sociedade de massa,[112] se faz necessário levar em conta a forma como a informação – em geral, e a relativa às questões jurídicas e aos direitos passíveis de exercício e defesa, em especial – se dissemina nesta sociedade.[113]
Já abordamos sucintamente o papel que reputamos exercido pela Imprensa no sentido de orientar a população – sobretudo a mais humilde – quanto à possibilidade do recurso à via judicial para a defesa dos seus direitos. No âmbito das matérias da competência dos Juizados Especiais Federais, tendo em vista sua já discutida abrangência, verificamos especial interesse dos meios de comunicação - sobretudo os de perfil mais popular – na publicação de notícias acerca de situações que possam ensejar o estímulo à procura do Judiciário por parte da população.
No Rio de Janeiro percebemos uma relação interessante de causa e efeito entre a publicação de matérias jornalísticas– em especial nos jornais populares de grande circulação – e a procura pelos Juizados Especiais Federais. Normalmente o surgimento de uma determinada tese jurídica, que leva a população a procurar os Juizados, se mostra como assunto considerado relevante pela imprensa. Publicada matéria a respeito, verifica-se que com freqüência o próprio fenômeno originário da matéria publicada é retroalimentado pela sua divulgação. Pessoas comparecem às unidades de atendimento munidas de recortes de jornal, buscando, também para elas, aquilo que tomaram conhecimento já estar sendo buscado por outros.
Este fenômeno, por um lado, se reveste de um caráter extremamente positivo, que é, conforme já mencionado, o papel da Imprensa na disseminação de informações à população sobre seus direitos, sobre a possibilidade de sua defesa e exercício, e conseqüentemente, na formação da cidadania.
No entanto, um aspecto negativo, e que se mostra relevante, é o de que nem sempre a orientação veiculada à população é a correta, quer por não apontar corretamente os detentores do direito acerca do qual se noticia, quer por não especificar corretamente a hipótese jurídica em tela ou os meios através dos quais se poderá comprová-la. Como conseqüência, afluem com freqüência aos Juizados Especiais Federais pessoas orientadas equivocadamente, movidas pelo animus de ajuizar ações acerca de direitos que, com base na matéria publicadas, julgam, indevidamente, deter; outras vezes, correm aos Juizados aqueles que efetivamente detém o direito acerca do qual se veiculou a notícia, mas desprovidos dos documentos ou outros elementos quaisquer necessários à sua comprovação, uma vez que, na veiculação da matéria o órgão de imprensa perdeu a oportunidade de orientar corretamente a população neste sentido.
Felizmente não tão freqüente, mas já verificada, é uma variante agravada dos já mencionados equívocos praticados na divulgação pela imprensa de notícias acerca do acesso à justiça, na medida em que se revestiria de um aspecto “doloso” enquanto àqueles corresponderia uma aspecto apenas “culposo”. Trata-se da “produção” de hipóteses de acesso ao Judiciário, baseada em teses muitas vezes sem fundamento jurídico consistente, com o intuito de criar um “fato novo” relevante a ser veiculado, e em conseqüência, “vender jornal”. Muitas vezes verificamos a participação, neste fenômeno, em parceria com os órgãos de imprensa interessados em aumentar sua vendagem, de entidades interessadas em oferecer “produtos” jurídicos àqueles que a elas se associarem,[114] e que têm seus “serviços” divulgados pelas matérias publicadas.[115]
Estas distorções verificadas na procura pelos Juizados Especiais Federais têm impacto direto nas respectivas estruturas de atendimento, pois implicam na demanda de tempo e recursos na orientação de pessoas que efetivamente não chegarão – ou não deveriam chegar, pelo menos – a ajuizar ações. Este tipo de orientação é freqüentemente problemática, pois é comum o jurisdicionado discutir a orientação recebida da parte do Judiciário, confrontando-a com o teor da notícia publicada, e argumentar que “o jornal disse que ele tem direito” .[116]
A partir desta realidade, reputamos de suma importância que o Judiciário – e os Juizados Especiais Federais, especialmente – se revistam de uma postura pró-ativa em relação à orientação do jurisdicionado, não apenas através de suas estruturas de atendimento ao público e meios de comunicação institucional,[117] mas inclusive através dos próprios órgãos de imprensa, por meio de suas estruturas de comunicação social, de forma a pautar matérias que contenham informações exatas, completas e sucintas acerca das questões jurídicas de sua competência que se mostrarem relevantes para parcelas significativas da população, e que contribuam para que a mesma tome ciência de seus direitos e os exerça adequadamente.[118]
2.2. Estudo de casos.
Passaremos à análise de alguns dos casos mais relevantes em que se verificou nos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro o ajuizamento de demandas de massa, de forma a tentarmos identificar características em comum, tanto em relação ao fenômeno em si, quanto em relação às suas conseqüências.
2.2.1. O IRSM
Implantados no ano de 2002, os Juizados Especiais Federais tiveram sua primeira “prova de fogo” em 2003, na primeira “onda” verificada quanto ao ajuizamento massificado de ações: o IRSM, Índice de Reajuste do Salário Mínimo. Ocorre que o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social deveria ter incluído nos cálculos da Renda Mensal Inicial (RMI) dos benefícios daqueles que se aposentaram entre março de 1994 e fevereiro de 1997 o índice de 39,67% referente ao reajuste do salário mínimo do mês anterior ao da concessão. O INSS negou-se a efetuar administrativamente a revisão. Com a aproximação do prazo prescricional, milhares de aposentados se movimentaram no sentido de ajuizarem ações pleiteando seu direito.
Com a estrutura relativamente precária em virtude de terem sido implantados há pouco mais de um ano, os Juizados Especiais Federais, encontravam-se ainda absolutamente despreparados para enfrentar a demanda que receberam. O resultado foi a formação de enormes filas de idosos às suas portas, vários passando mal ao ficar muita vezes por horas a fio de pé, ao sol, o que se constituiu em um verdadeiro escândalo, de tal monta que o governo federal acabou por editar uma medida provisória determinando a extensão do prazo prescricional por mais cinco anos.[119]
Nos JEFs do Rio de Janeiro verificou-se que sobrou boa vontade por partes dos servidores e magistrados para o enfrentamento da demanda (alguns juízes chegaram a cerrar fileiras com os servidores para atender ao público no afã de reduzir as filas).[120] Faltou, no entanto, estrutura adequada, tanto em termos de material e pessoal como em termos de rotinas e procedimentos adequados para lidar com tal volume de pessoas a atender.
Os aspectos principais que apontamos no fenômeno da “ação de massa” do IRSM são: a sua geração a partir da negativa do INSS em reconhecer administrativamente o direito de reajuste dos benefícios; a divulgação massiva pela Imprensa do término do prazo prescricional, e conseqüentemente, da limitação à possibilidade de exercício futuro do direito levou a uma verdadeira “corrida” dos aposentados aos Juizados; uma proporção significativa dos jurisdicionados encontrava-se desassistida de advogado, e portanto dependendo da estruturas de atermação de pedidos a fim de ajuizarem suas ações.
2.2.2. O GCET e os 28,86%
Outra demanda de massa verificada nos Juizados Especiais Federais desde sua instalação e intensificada a partir de 2005 surgiu com base numa questão isonômica entre oficiais e praças militares, quanto ao GCET – Gratificação de Condição Especial de Trabalho. A gratificação foi instituída inicialmente por meio de Medida Provisória e posteriormente regulada pelas Leis nº 9.442/97 e 9.633/98, e beneficiou apenas os oficiais - entre os anos de 1995 e 2000 - com um índice de 28,86% sobre o soldo.
A questão, inicialmente ficou restrita aos militares à medida que os praças pleiteavam a aplicação do índice de 28,86% aos seus soldos. Posteriormente, se estendeu aos servidores civis, que também passaram a pleitear a concessão do índice de 28,86%.
Assim, primeiro praças militares e depois também servidores civis correram aos Juizados para ajuizar ações baseadas no princípio constitucional da isonomia que pleiteavam a extensão do índice aos seus soldos e vencimentos.
Nesta nova demanda de massa, os Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro sentiram pela primeira vez o impacto da “indústria” que se formava em torno da nova possibilidade de acesso à justiça. Os modelos padronizados de petições iniciais disponibilizados no sítio eletrônico da Seção Judiciária do Rio de Janeiro na rede mundial de computadores eram reproduzidos e oferecidos pelos “zangões”[121] sem qualquer critério, ao custo de R$ 10 em média. Pessoas que sequer eram servidores públicos federais compareciam em grande quantidade aos Juizados, com os modelos preenchidos, informando terem sido “orientados” a entrar com a ação para receber “um dinheiro a que tinham direito”. Associações formadas com vistas à defesa de direitos em juízo[122] captavam novos associados oferecendo como “produtos de destaque” as ações do GCET e 28,86%.
Mais uma vez, os Juizados Especiais Federais lutaram para absorver o impacto da demanda, constituída, em parte, de ações ajuizadas por autores que sequer se enquadravam no fundamento de direito em que a mesma se baseava. Já mais experientes, os Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro puderam lidar com a nova demanda de forma mais organizada que no IRSM, mas a formação de filas e a falta de estrutura para o atendimento de atermação de pedidos ainda se mostravam como problemas sérios. Especialmente preocupante era a questão do espaço físico onde se formavam filas aguardando atendimento para atermação, uma vez que a estrutura auxiliar dos Juizados situava-se no 5º andar do prédio destes, e com freqüência, devido à insuficiência de espaço no saguão do andar, formavam-se filas nas escadas, com grave risco à população em caso de uma emergência no prédio.
Analisando a nova demanda, identificamos os mesmos elementos verificados no IRSM, acrescentando-se o papel da “indústria” nascida em torno dos juizados, que à época da primeira demanda de massa ainda inexistia.
2.2.3. O Reajuste das cadernetas de poupança
Já nos referimos à hipótese em que se baseava o reajuste das cadernetas de poupança,[123] de forma que passaremos diretamente à análise de suas características e conseqüências nos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro.
Na demanda relativa às cadernetas de poupança (ocorrida em 2007) felizmente os Juizados já contavam com os resultados de algumas medidas adotadas com base nos problemas verificados na “onda” anterior de demandas de massa.
A “indústria” montada pelos “zangões” já havia sido em boa parte sufocada através da combinação da limitação do número de processos nos quais uma mesma pessoa podia atuar como representante[124] e da proibição da distribuição de modelos de petições iniciais elaboradas pela SAPJE - Seção de Atendimento Processual dos Juizados Especiais, tendo sido retirados todos os anteriormente disponíveis no sítio eletrônico dos Juizados na Internet.
A SAPJE fora realocada na sobreloja do prédio dos Juizados, permitindo a organização das filas no pilotis do prédio com muito menos risco à segurança dos jurisdicionados em caso de um sinistro. A implementação de novas técnicas de atendimento em grupo para a atermação de pedidos por parte da equipe da unidade também foi decisiva para o sucesso no enfrentamento desta nova demanda.[125]
Os aspectos principais que apontamos no fenômeno da “ação de massa” da poupança são: repete-se o fenômeno da sua geração a partir da negativa do ente público (neste caso a Caixa Econômica Federal) em reconhecer administrativamente o direito já apontado de forma pacífica na jurisprudência; a divulgação massiva pela Imprensa do término do prazo prescricional, e conseqüentemente, da possibilidade de exercício do direito levou a uma nova “corrida” aos Juizados, desta vez dos poupadores; e mais uma vez uma proporção significativa dos jurisdicionados encontrava-se desassistida de advogado, e portanto dependendo da estruturas de atermação de pedidos a fim de ajuizarem suas ações.
2.3. Dificuldades verificadas quanto ao uso das ações coletivas no Brasil e o impacto decorrente para os Juizados Especiais Federais
Já abordamos no curso do presente trabalho a questão da impossibilidade do ajuizamento de ações coletivas no âmbito dos Juizados Especiais Federais em virtude de vedação legal explícita.[126] Neste momento consideramos oportuno discutir a realidade do uso das ações coletivas ainda que fora do âmbito dos Juizados, uma vez que as dificuldades verificadas quanto à sua plena utilização são fator importante de geração de demanda nestes.[127]
Como já vimos, as ações coletivas foram identificadas por Alvim como a expressão, no ordenamento jurídico brasileiro, da segunda onda do acesso à justiça descrita por Cappelletti.[128] No entanto, embora em tese a sociedade pátria disponha de um verdadeiro “arsenal” de ações destinadas à defesa dos interesses coletivos e individuais homogêneos, é fato que a quantidade de ações coletivas ajuizadas – e principalmente, a sua divulgação e repercussão – é bastante limitada em relação ao seu potencial de efetiva defesa de direitos.
Um primeiro questionamento pertinente é em relação aos legitimados para a proposição de ações coletivas. Teria o legislador restringido demais os titulares do direito à sua proposição, e com isso, inibido seu pleno uso? Em princípio entendemos que não. O rol de legitimados a propor cada uma das ações aplicáveis à defesa de direitos coletivos é bastante extenso.[129]
Segundo Hensler[130]:
“Nos Estados Unidos, relata-se que o volume de ações coletivas (lá denominadas class actions) causou, em várias empresas, a determinação de alterar sua política financeira e de emprego, ocasionando, por vezes, efeitos positivos nas decisões sobre as políticas de produção”.
Aliás, segundo Arenhart[131]:
“(..) é mesmo natural que assim seja, já que estas ações discutem um litígio em seu plano total, visando à raiz da questão, o que torna a decisão daí resultante uma verdadeira alteração na condução da empresa. Quando estas demandas dirigem-se contra o Poder Público, semelhante situação ocorre. Diante do âmbito da eficácia das decisões (...) proferidas, haverá corriqueiramente tendência a alterar de modo substancial uma política governamental ou implantar decisões administrativas até então não adotadas.”.
Mas se vislumbramos, em tese, este potencial das ações coletivas para a transformação de políticas empresariais, e mesmo governamentais, seria então “uma certa inércia” dos legitimados em propor as ações coletivas que lhes ensejariam uma eficácia limitada?[132] Não consideramos as informações levantadas junto à Seção Judiciária do Rio de Janeiro conclusivas no sentido de apontarmos que são ajuizadas menos ações coletivas do que deveriam fazer os legitimados para tanto, mas entendemos ser possível afirmar que o ajuizamento de uma ação coletiva acompanhada da devida divulgação poderia poupar o ajuizamento de milhares de ações individuais perante os Juizados Especiais Federais.[133]
O ponto seguinte a se analisar é o relativo à efetividade das ações coletivas na defesa dos direitos a que se destinam, questão esta que a nosso ver passa pela efetividade – ou não – do procedimento aplicável previsto pelo legislador. Estudo elaborado pela Corregedoria Geral da 2ª Região analisa, dentre outras soluções para uma maior efetividade das ações coletivas, a proposta formulada à Presidência daquele órgão pela Coordenadoria da Área da Tutela Coletiva da Procuradoria da República do Estado do Rio de Janeiro acerca da especialização de Varas Federais para o seu processamento e julgamento.[134]
Outro ponto que nos parece importante é a falta de divulgação adequada acerca da existência de ações coletivas ajuizadas, e de esclarecimento aos titulares dos direitos por meio das mesmas defendidos a respeito da extensão a eles da decisão judicial a ser proferida. Acreditamos que até certo ponto não se verifica, da parte dos órgãos de imprensa, maior interesse em orientar o público a este respeito, uma vez que o que “vende jornal” são as matérias sensacionalistas que incitam o público a correr aos Juizados para defender direitos que muitas vezes já estão sendo – e inclusive melhor – defendidos. O fato é que desconhecimento acerca do ajuizamento de ações coletivas sobre uma determinada tese jurídica, ou ainda a ignorância em relação à utilidade destas para a defesa do seu direito certamente é fator que, associado à impaciência quanto ao prazo em que se alcançará resultado para a referida ação, motiva o ajuizamento desnecessário de muitas ações perante os Juizados Especiais Federais.[135]
2.4. Dificuldades na postura dos entes públicos e conseqüências nos Juizados Especiais Federais.
Muito se fala acerca do peso da morosidade do judiciário no chamado “custo Brasil”.[136] Embora consideremos difícil mensurar até que ponto a demora na prestação jurisdicional afeta o crescimento econômico e o desenvolvimento do país, entendemos que o tempo de tramitação dos processos judiciais[137] é um fator que não deixa de ser levado em conta na lógica empresarial – e na dos particulares - quando da decisão no sentido de cumprir ou não uma determinada obrigação legal, de atender ou não a um direito que se sabe ser devido a um cliente de seus produtos e serviços ou a alguém com quem se contratou determinado negócio jurídico.[138]
Verifica-se, no entanto, lamentavelmente, que o raciocínio no sentido de, a partir do pressuposto da demora na prestação jurisdicional, decidir conscientemente pela inobservância de direitos não se restringe às organizações empresariais, constituídas a partir do lucro como finalidade, mas se estende aos entes públicos, em relação aos quais, por não terem finalidade lucrativa, e visarem, em tese, o bem comum e o interesse público, nem sequer se deveria poder cogitar tal possibilidade.[139]
A realidade, no entanto, é outra. Partimos de uma postura de caráter geral por parte do Governo Federal, que reiteradamente, nos últimos anos, tem atuado, quer por meio de medidas provisórias, quer mediante manobras políticas para aprovação de leis e mesmo emendas constitucionais, no sentido de atacar, em nome das metas fiscais e do interesse fazendário, direitos de parcelas relevantes da população.[140] A partir deste quadro geral, reproduzem-se nas suas diversas autarquias componentes e nas empresas públicas federais a postura fazendária - a nosso ver injustificável - de atuar não com base no que é melhor para a sociedade, e sim no que será mais conveniente para o governo, ou mesmo especificamente para aquela gestão do mesmo. Em virtude desta postura muitas questões que poderiam – e deveriam - ser resolvidas no âmbito administrativo, sem necessidade de atuação do judiciário, acabam sendo a este levados em virtude da intransigência dos entes públicos.[141] Em casos extremos o ente público sequer faculta ao administrado a via do processo administrativo para discutir a questão.[142]
As mesmas dificuldades verificadas para a solução administrativa das demandas do cidadão reproduzem-se, uma vez ajuizada a ação, em relação às tentativas de conciliação e composição do conflito que se encontram na essência dos Juizados Especiais Federais.[143] De fato, em virtude da resistência dos entes públicos – que somente em poucos casos dignos de reconhecimento tem se mostrado vencida – o instituto da conciliação é muito menos utilizado no âmbito federal do que nos Juizados Especiais Estaduais.
Fala-se nas implicações da transação – necessária, naturalmente, ainda que de forma parcial, para que se possa falar em conciliação – em relação ao patrimônio público. Entendemos que o vislumbre de qualquer possibilidade de prejuízo ao patrimônio e ao interesse público a partir da proposta ou aceitação de transação em sede de ação ajuizada contra a Fazenda Pública somente é razoável no caso de tal acordo - proposto ou aceito – ser temerário, quer por haver possibilidade real de improcedência do pedido no julgamento em última instância, quer por seus termos traduzirem uma repartição inadequada de ônus entre a coisa pública e o particular que contra esta demanda. Pelo contrário, verifica-se com freqüência que um acordo razoável proposto a tempo pode ser bastante vantajoso para o Tesouro, uma vez que o eximirá do pagamento de juros e correção monetária, além das verbas sucumbenciais, sem falar na economia relativa à movimentação de toda a máquina judicial, tanto da procuradoria pública quanto do próprio judiciário em relação àquele processo.
É certo que assiste ao poder executivo a faculdade de atuar segundo critérios de conveniência e oportunidade,[144] e que certamente muitas questões de natureza estrutural dificultam sobremaneira o exercício ideal das atividades em seus diversos órgãos componentes, mas entendemos que por mais que tais dificuldades se façam presentes, nada justifica a postura comumente adotada.