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Nem sim nem não, muito antes, pelo contrário...

Agenda 23/07/2014 às 11:33

Vivemos num país de leis contraditórias, onde uma lei ou artigo anulam outro. Nesse cadinho de irregularidades, que faz com que sejam editadas 5,8 atualizações de matéria contábil por hora útil, estão nossas empresas, sem saber para que lado se atirar.

                                                NEM SIM NEM NÃO, MUITO ANTES, PELO CONTRÁRIO...
Vivemos num país de leis contraditórias. Essa irregularidade faz com que uma lei ou um artigo anule o outro; abre as portas para balanços maquiados, sonegação acobertada por brechas legais, além de nós contábeis. O Brasil, que edita 5,8 atualizações contábeis por hora útil, precisa ser o Brasil do racional e do direto, do dito uma única vez. Talvez precise ser o Brasil dos impostos bem delineados, que não escorchem a empresa nacional. Ou ainda, como defendem alguns, o Brasil do imposto único.

Há algum tempo atrás, Antonio Lopes já chamava nossa atenção para o conflito existente nas leis atinentes da área contábil, em especial as relativas às sociedades por ações, que recebeu novo texto introduzido pela Lei 11.638/07 e que tem imperfeições técnicas, como, dentre outras, por exemplo, a que tange a modificação do artigo 179 da Lei 6404/76, item IV. Esse item dizia:


IV - no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens destinados à manutenção das atividades da companhia e da empresa, ou exercidos com essa finalidade, inclusive os de propriedade industrial ou comercial;

Já a lei 11.638/07 introduziu a seguinte modificação nesse texto:
IV - no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens;

 Revendo o assunto mais a fundo, notamos que trata-se de um defeito conceitual que implica em equívoco e gera controvérsia.

Sendo os conceitos os que representam idéias e concedem atributos aos fatos e coisas,  necessariamente tem que ser claros, fazendo com que sejam inequívocos.

“Quando as expressões conceituais desviam-se da lógica perdem a força de razão”, segundo Jacques Maritain (em sua obra A ordem dos conceitos, 11ª. edição Agir, Rio de Janeiro, 1991, página 17).  Além disso, em ciência,  a aplicação da lógica é essencial, o que muito responsabiliza o “conceito”.

Na questão do ativo imobilizado, entre o que se tem respeitado em Contabilidade e o texto da lei referida existe um equívoco. E relevante.

Assim, a Lei 11.638/07 modificando o artigo 179 da já mal elaborada contabilmente Lei 6404/76, piora o texto para a seguinte redação no tocante a classificação do grupo de contas do Imobilizado, que repetimos abaixo em análise:

IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens;

Em Contabilidade, ou seja, face à realidade objetiva patrimonial o ativo imobilizado não é o que define a lei. Admitir tal grupo como o que encerra bens materiais que se destinam a manter a empresa em atividade é  um exagero em matéria conceitual patrimonial.

Torna-se ainda mais notório o resvalo conceitual, agravado com o complemento modificativo: “inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens”.

O objetivo desse acréscimo reformador parece ter sido possibilitar a inserção do arrendamento mercantil, posto que a referida lei foi feita no sentido de dar cobertura a uma alegada convergência; isso por que é dessa forma que as normas ditas internacionais estabelecem o assunto.Inadequadamente, mas estabelecem.

A expressão “benefícios”, tomada como conceito é muito ampla e se o objeto é a manutenção de atividade, se pode inferir o sentido de  “utilidade” e até “lucro”, como alguns autores e contadores empregam.

Tão ampla também é a expressão “manutenção de atividade” que permite alcançar, praticamente tudo na vida de uma empresa. Vemos então, que a lei é deficiente em redação técnica contábil, apesar de ter sido feita para fixar parâmetros. Deixa dúvidas e permite interpretações as mais diversas.

A “atividade” de um empreendimento se mantém não apenas através de um grupo de elementos patrimoniais como o imobilizado, mas, com todos os que formam o conjunto que permite as operações (dinheiro, matérias primas, ingredientes, matérias de consumo, produtos, mercadorias, máquinas, veículos etc.).

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O conceito doutrinário de “imobilizado”, desde a sua origem, não é o que a lei oferece. Ativo imobilizado é o grupo de contas que se destina a evidenciar o valor dos bens utilizados nas operações e que não se destinam a serem vendidos ou negociados. Esse é o conceito consagrado pela Contabilidade e seus mestres e difundido pelo maior léxico especializado da comunidade européia, elaborado há décadas por eminentes autoridades intelectuais e profissionais ,o Lexique UEC, 2ª. edição, IdW Verlag, Dusseldorf 1974, página 18.

A classificação desse ativo como o de “uso” e não de “venda”, como de aplicação específica na produção e não de forma genérica, é inquestionável e também há mais de cinquenta anos era oferecida no conhecido dicionário de Contabilidade dos Estados Unidos ,o KOHLER, Eric L. – A Dictionary for Accountants, 3ª. edição Prentice Hall, New York, 1953 página 179.

A generalidade do texto da Lei 11.638/07 entra em conflito com a lógica contábil. E ainda faz legal tudo o que se referir a operações que “transfiram” à empresa “benefícios”, “riscos” e “controle” sobre “bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade”. E benefício, no caso, pode até não ser o de uso, mas, o de venda. Controle, igualmente é conceito muito amplo para ser aplicado nesse caso.

Assim, se seguirmos ao pé da letra a nova lei (e parte-se sempre do princípio que esta não tem palavras inúteis), um simples contrato de aluguel de uma loja, que é um bem corpóreo necessário a manutenção da atividade, como transfere “benefício” e “controle”, poderia ser classificado como “Imobilizado”. Não é uma barbaridade, um acinte à legislação pátria?

Ao seguirmos rigorosamente o texto da lei 11.638/07 muitos balanços passariam a ser inflados com o “patrimônio de terceiros”, ou seja, possibilitando similar “engenharia de contas” que sustentou os “derivativos”, que foram os veículos utilizados no grande calote internacional que resultou na crise financeira mais recente.

Como no artigo 183 da lei citada consta no referente a avaliação, que:
 “V - os direitos classificados no imobilizado, (avaliam-se) pelo custo de aquisição, deduzido do saldo da respectiva conta de depreciação, amortização ou exaustão”, amplia-se a confusão.

Se o artigo 179 determina que o Imobilizado possa ser o “não comprado”, se a avaliação só considera o comprado (artigo 183),  se as depreciações, amortizações e exaustões são efeitos de uso de bens adquiridos (artigo 183),  como a concessão legal é ampliada aos não adquiridos (artigo 179)? Não há dúvida, uma “torre de Babel” foi criada. E muitos nós serão dados, muitos balanços maquiados, enfim, abriu-se a porta do “Deus nos acuda”, com cada um fazendo o que quer à luz da sua interpretação própria da lei.


 “Corruptissima re publica plurimae leges”
“Quanto mais corrupto o Estado, maior o número de leis”
O historiador e político romano Tácito (55-120), autor  dessa máxima, define bem o cenário atual tributário do Brasil. Por possuir uma das mais complexas legislações tributárias do mundo, o país enforca o empresário com a extensa gama de regras. Aliás, o grande número de normas e regras parece ter sido feito para confundir e não para regular.
Não se sabe se por falta de competência, burrice, objetivos escusos ou até mesmo pela culpa da herança burocrática portuguesa ou uma questão de política populista para criar regras apenas pontuais (cujo objetivo é acalmar clamores populares ou de determinados setores da sociedade), nossos legisladores não conseguiram criar um ordenamento enxuto até os dias de hoje.
Como consequencia, tivemos o advogado mineiro Vinicios Leoncio, que ficou conhecido nacionalmente por compilar numa única obra, todas as legislações tributárias adotadas por municípios, Estado e União durante mais de 23 anos. Como resultado ele conseguiu um livro que possui 41 mil páginas, pesa 7,5 toneladas e tem 124 mil m² de papel presos a sete pinos. É um objeto de 2,1 metros de altura. Mas a coisa  não parou por aí. Ainda hoje, todo santo dia são editadas 46 novas normas, totalizando 12 mil atualizações ao final de cada ano – ou seja, 5,8  atualizações por hora útil.
Isso acaba afetando nossa economia. De acordo com estudo da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) a densa tributação nacional é um dos elementos mais relevantes no Custo Brasil.


Espertalhões de plantão
Por outro lado, muitos acabam tirando vantagens disso. Conforme previu Tácito, aproveitando-se desse emaranhado de regras e normas, determinados setores de nossa sociedade, compostos por gente que adota a máxima “Os fins justificam os meios”, conseguem encontrar brechas para sobreviver impunemente.
Atos ilícitos muitas vezes são relevados e possíveis de serem cometidos, por mera lacuna legal. Ou ainda pior: por leis contraditórias que geram discussões eternas em nossos tribunais, que no fim não conseguem fazer cumprir essas regras e se vêem entulhados de processos.
Conforme preceituava o jurista Cesare Beccaria já em meios do século XVIII, em sua obra Dos Delitos e das Penas, “o que importa é a certeza da punição e não o rigor do castigo”. Aqui, analogamente, podemos dizer que o importante não é o volume de normas, mas a certeza do cumprimento das já existentes. E o que vemos é exatamente o contrário: normas não cumpridas, sonegação descarada, contabilidade fraudada e justiça lenta...muito lenta. Uma pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) chegou ao tempo médio total de tramitação de processo de execução fiscal na Justiça Federal: nada menos que  8 anos, 2 meses e 9 dias. Nas justiças estaduais esse tempo pode mais que dobrar, dependendo da localidade, acúmulo de processos e compexidade do caso.


Tem jeito?
Teria, se houvesse uma mudança comportamental de nossos legisladores, além dos executores das leis. Nessa área relacionada aos excesso de regras e normas, a melhor opção é investir em planejamento tributário. Daí o grande crescimento das Consultorias. Elas ajudam o empresário a se prevenir das armadilhas existentes na complexa legislação em vigor no Brasil. De acordo com a SEBRAE, empresas que prestam serviços de contabilidade e de auditoria e consultoria tributária estão entre as que mais crescem no nosso país.


Conclusão
Enquanto esperamos a bondade, boa vontade e o cuidado de nossos legisladores, vamos nos equilibrando numa corda bamba, sem saber para que lado nos atirar. Não sabemos qual a interpretação dos fiscais e no caso de uma lide, para que lado das inúmeras interpretações possíveis o magistrado vai pender. Só nos resta nos atiramos, de olhos vendados, para um lado e rezamos para dar certo parafraseando Julio Cesar: “Alea jacta est!” (a sorte está lançada!). Se der certo, tudo bem. Mas se não der certo,um ciclone desabará sobre nossas cabeças fazendo-nos  lembrar da máxima de Rui Barbosa que dizia: "Justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta". Pobre Brasil!
Autora: Dra. Maria Luísa Duarte Simões

Sobre a autora
Maria Luísa Duarte Simões

Formada em jornalismo pela Universidade Metodista do Estado de São Paulo, onde também cursei Publicidade e Propaganda e Teologia. Mais tarde, depois de ganhar 3 Prêmios Esso, 1 Prêmio Telesp, 1 Prêmio Remington e 1 Prêmio Status de contos, resolvi me dedicar à carreira jurídica. Para tanto fiz a Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, onde me formei em 1985. Fiz pós graduação em Direito Penal na Faculdade do Largo São Francisco, sob a supervisão do prof. Dr. Miguel Reale Júnior. Hoje dedico-me a criticar as coisas erradas, elogiar as certas e ironizar aquelas que se travestem de corretas, mesmo sendo corruptas. Sou sua vigilante diária das traquinagens governamentais e da sociedade em geral. Sou comprometida com a verdade, o que muitas vezes vai me fazer dizer aquilo que você não que ouvir.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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