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Breve relato acerca da função social da propriedade e da empresa rural no Direito Agrário

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Agenda 06/08/2014 às 15:51

A questão a ser aludida no trabalho que se desenha, deslumbra, a dicotomia, entre autonomia de vontade e desenvolvimento econômico do agente empresarial, in casu, o empresário agrícola, e a busca pelo bem comum e equilíbrio de forças atuantes.

1.      INTRODUÇÃO

A questão a ser aludida no trabalho que se desenha é a dicotomia entre autonomia de vontade e desenvolvimento econômico do agente empresarial, in casu, o empresário agrícola, e a busca pelo bem comum e equilíbrio de forças atuantes traçado pela função social da propriedade, no tocante ao que se explana no Código Civil de 2002, que, como salienta ORLANDO GOMES (2008: 11) tem normas de ordem pública.

O que garante cogência de tal ideia são as sanções cabíveis ao descumprimento de tais atos, que DE-MATTIA (1995: 44) retrata como a expropriação no caso de descuido das obrigações do empresário rural, não de maneira ampla, mas quando não ocorre o cultivo corretamente ou a devida diligência da área, ORLANDO GOMES (2008: 123) também cita a desapropriação por utilidade social, a tributação extraordinária, manipulação do crédito agrícola e o remembramento de imóveis desapropriados, tendo em vista que a norma meramente ilustrativa, na maior parte das vezes, não tem eficácia. Mas, no estudo da empresa agrária deve se respeitar também, e ai está uma das finalidades do artigo, a linha tênue entre atividade agrícola e atividade comercial, que é brilhantemente lembrada por ANTONIO CARROZZA (1982: 18), quando diz da importância de delimitar onde terminar a entidade agrária e onde começa a atividade mercantil/econômica, que depreende uma série de particularidades na ação da função social da propriedade 

Função social da propriedade agrícola não é um tema estático doutrinariamente e, nas palavras de ANTONIO AUGUSTO DE SOUZA COELHO (1991, p. 162), “exsurge maximizada” em relação a outros significados da função social, por estar correlacionada no Estatuto da Terra e na Constituição Federal.

A questão ganha vida, e este é o cerne do trabalho, quando se trata da dicotomia (i) função social da propriedade rural e (ii) função social da empresa rural. Ora, cada uma delas apresenta requisitos próprios, mas dentro do Direito Agrário, se confundem devido à presença dos dois elementos na discussão. Sua síntese se dá quando da mudança do foco da empresa rural da propriedade para o ciclo biológico.

2.      PROPRIEDADE E FUNÇÃO SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO

O Direito baseia-se sobremaneira numa função de garantia da manutenção daquilo que pertence ao indivíduo, perfazendo, deste modo, a justiça. Para tanto, é necessária a existência de dois planos, quais sejam, o plano subjetivo, ou pessoal, e o plano objetivo, ou real. Quando a relação se estabelece entre dois planos subjetivos, se está diante de uma relação obrigacional, enquanto que quando a relação se dá entre um plano subjetivo e um plano objetivo, estar-se-ia diante de uma relação real, ou de direito real.

A propriedade[1], portanto, surge como uma das razões mais íntimas do próprio Direito. Por esta razão mesmo, teve, ao longo da história, um tratamento por demais solene e conservador, fazendo crer tratar-se de direito absoluto. Essa foi a ideia proposta nos diplomas e cartas até o século XIX, frutos de um individualismo exacerbado. Expoente dessa ideia é a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão promulgada quando da Revolução Francesa, juntamente com uma série de outras medidas.

Nela, o direito à propriedade era visto como a suma concepção do direito do indivíduo, que só existiria completamente fosse a sua propriedade respeitada a qualquer custo, uma vez que a defesa do plano alheio gera a segurança do próprio plano individual. Não é de se estranhar tal pensamento, posto que se buscava uma mudança paradigmática na relação humana e jurídica daquilo que era um Estado Absolutista.

Contudo, como a roda da história permite que o mesmo raciocínio perfeito para uma época se faça prejudicial para outras, no Estado Moderno, ou Estado Democrático de Direito, essa relação de absolutismo da propriedade foi rompido, vindo a ser tratada como direito fundamental, mas não onisciente e onipresente. A estruturação do interesse público, advindo da questão social, trouxe ao Estado uma legitimação maior do que a de si mesmo, pois se firmou a concepção de que o Estado deve garantir ao indivíduo as condições básicas de sua subsistência.

Desse modo, sem desconsiderar o ideal do Direito de dar a cada um o que é seu, uma vez que a justificativa do Estado é proteger e segurar este mesmo indivíduo, o sentido da propriedade foi relativizado. Por isso MANOEL GONVALVES FERREIRA FILHO (2008: 308) define que a propriedade “é um direito fundamental que não está acima nem abaixo dos demais. Deve (...) sujeitar-se às limitações exigidas pelo bem comum. Pode ser pedida em favor do Estado quando o interesse público o reclamar, como a vida tem ser sacrificada quando a salvação da pátria o impõe”.

Evidente, devido à suma importância da propriedade para a vida em sociedade[2], a Constituição Federal veio garantir sua existência enquanto direito fundamental, que parece lógico ao se tratar de país de sistema Capitalista de economia. Portanto, no rol do art. 5º, XXII, será garantida a propriedade. Significa que a propriedade para além de cláusula pétrea é também princípio fundamental.

Enquanto princípio fundamental pode-se entender que para além de simples norma ou regra, a qual teria eficácia restrita a determinado ato ou fato, a propriedade é verdadeiro valor a ser respeitado e embutido em todas as normas e regramentos, partindo do pressuposto da Constituição como norma fundamental do ordenamento jurídico. Ademais, deve ser respeitado mesmo no plano não-jurídico, nos atos fáticos, posto sua abrangência. Também pode ser aplicada ainda como princípio, partindo da densificação de tal princípio para o caso concreto, como menciona MANOEL GONÇALVES (2008: 395)

Todavia, esse mesmo rol de princípios constitucionais limita a eficácia da propriedade de duas formas, quais sejam, (i) sua função social, de acordo com o art. 5, XXIII da CF/88 e (ii) a possibilidade de desapropriação. Apesar de próximos, atuam em esferas distintas, sendo aquele relativa à  pressupostos básicos e esta relativa à atos ordinatórios negativos  advindos do Poder Estatal perante a propriedade individual.

A possibilidade de desapropriação é verdadeira medida ativa estatal perante a necessidade pública, quando do interesse social, para que ocorra a retirada da propriedade da esfera privada para a pública. Como é vedado o confisco das mesmas, salvo no caso de propriedade utilizada para o cultivo de psicotrópicos, essa desapropriação deve ser acompanhada de prévia, ou ulterior, justa indenização, sob pena de enriquecimento ilícito do Estado.

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Ocorre também o que GILMAR FERREIRA MENDES (2008: 455) a propriedade como limite do limite. Explico:

A própria vinculação da propriedade como direito fundamental impede que a mesma seja alvo de limitações desarrazoadas tendentes à usurpação daquilo que à outrem pertença.  É o caso de limitação das limitações a serem impostas perante a propriedade.

Voltando à função social da propriedade[3], tem-se que não se trata de apenas limitações e poder de polícia estatal perante o individuo, como pensavam os privatistas, mas sim de uma nova concepção do que é dever do indivíduo perante a sociedade, na visão publicista, como salienta JOSÉ AFONSO DA SILVA (2008: 272).

Como se vê a função social da propriedade não se relacionada com as simples limitações de propriedade, de foro privatista, pois, nas palavras de JOSÉ AFONSO DA SILVA (2008: 282) “estas dizem respeito ao exercício do direito ao proprietário,; aquela, à estrutura do direito mesmo, à propriedade”. O doutrinador também atenta para o fato de que se trata de princípio de aplicabilidade imediata.

Para além da disposição dos princípios fundamentais do art. 5º da Constituição Federal de 1988, a função social da propriedade também foi vinculada como princípio da ordem econômica, visto que está no rol do art. 170 da CF/88. Desse modo, não só a propriedade tem que respeitar sua função social como também aquela destinada à desenvolvimento da ordem econômica, e num país de herança ruralista essa é a  tônica do mercado, também o deve.

Evidente que a função social da propriedade deverá respeitar a razoabilidade inerente ao aparato jurídico, ou seja, deverá ser aplicada em confronto com os princípios de utilização da propriedade liberais, posto que não pode ser, em nenhuma das pontas, considerada absoluta, é o que GILMAR FERREIRA MENDES (2008: 473) elucida ao tratar do entendimento alemão:

Consoante a firme jurisprudência da Corte Constitucional alemã, a definição do conteúdo e a imposição de limitações ao direito de propriedade hão de observar o princípio da proporcionalidade. Segundo este entendimento, o legislador está obrigado a concretizar um modelo social fundado, de um lado, no reconhecimento da propriedade privada e, de outro, no princípio da função social. É ilustrativa, a propósito, a decisão na qual a Corte Constitucional deixou assente que, no âmbito da regulação da ordem privada, nos termos do art. 14, II, da Lei Fundamental, deve o legislador contemplar, igualmente, os dois elementos que estão numa relação dialética.

Em suma, a Carta Magna brasileira traz a propriedade como direito fundamental, a ser limitado ora pelas prerrogativas civilistas, ora pela ética da função social da propriedade que limita a própria extensão dessa propriedade.

3.      A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE[4]

 

A função social da propriedade opera perante o direito como um todo, uma vez que o mesmo trata da justiça e do bem-estar social, inerente a qualquer ordenamento minimamente eficaz. Conquanto a sociedade se desenvolve e  a regra do ser humano são os atos individualistas e egoísticos[5], é necessária a função social daquilo que lhe pertence, a fim de garantir o desenvolvimento do grupo social. Nas palavras de CRISTIANO CHAVES DE FARIA (2007: 198), “a função social é um princípio inerente a todo direito subjetivo”.

Assim, a lógica do princípio da legalidade foi abrandada, pois “sabemos que nem tudo que não é proibido é permitido, pois entre o proibido e o permitido posta-se o abusivo. Ele é tão ilícito quanto o ato proibido”, como salienta CRISTIANO CHAVES DE FARIA (2007: 201).

Desse modo, acrescenta-se à premissa revolucionária de Igualdade/Liberdade/Fraternidade, a Solidariedade, que provoca mudanças na estrutura do entendimento da propriedade: (CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, 2007: 202)

Essa mudança de paradigma provoca uma necessária conciliação entre poderes e deveres do proprietário, tendo em vista que a tutela da propriedade e dos poderes econômicos e jurídicos de seu titular passa a ser condicionada ao adimplemento de deveres sociais. O direito de propriedade, até então tido como um direito subjetivo na órbita patrimonial, passa a ser encarado como uma complexa situação jurídica subjetiva, na qual se inserem obrigações positivas do proprietário perante a comunidade.

É a mudança da propriedade absoluta, remetente do pensamento romano de direito patrimonial, patriarcal, gentílico, para a concepção grega de propriedade-função[6], atrelada ao pensamento aristotélico de que os atos devem convergir para um fim específico, no caso a função social. A busca, in casu, é pela otimização da utilização da propriedade[7], não num sentido utilitarista/econômico, mas numa teoria social.

Por ser uma questão antes de essência do que de mera existência, a função social da propriedade deve ser tratada como uma cláusula geral principiológica, a ser emanada nos atos concernentes à propriedade. Por exemplo, o Código Civil, em seu art. 1228, define que a propriedade e seu direito “deve ser exercido em consonância com as finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. Saliente-se que, neste caso, só se está tratando de Direito Ambiental e Direito Urbanístico, tendo uma série de outras prerrogativas que podem ser incluídas na função social da propriedade.

3.1. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL

Pensando-se num país de vocação agrária, é cediço que a função social da propriedade, que exerce tais atividades, deve ser regulamentada com extrema dedicação por parte dos legisladores e estudada pela doutrina em geral. Esse é o caso do Brasil. Uma nação que se concentra na produção de commodities, especialmente a soja, a cana-de-açúcar e toda uma série de alimentos, apresenta hectares e hectares de propriedades rurais, muitas delas concentradas nas mãos de poucas famílias que vivem ainda num regime aristocrático.

Por isso que a regulação da função social neste caso se dá em três aspectos, a saber: (i) viés econômico, (ii) viés social e (iii) viés ecológico. É o disposto no art. 186 da CF/88[8].

Inicialmente, deve-se atentar para o viés econômico, no qual devem ser exploradas pelo menos 80% (oitenta por cento) da área explorável da propriedade agrícola. Isso quer dizer que a legislação se preocupou com um critério quantitativo acerca da produção rural no país, defendendo a utilização do solo como uma das funções sociais dessa relação jurídica complexa que é a propriedade.

Porém, além do critério quantitativo, quis o legislador apresentar o critério qualitativo para a produção rural. Nesse caso, deve haver o respeito ao índice de produtividade da região na qual se enquadra o imóvel. Ora, nada mais lógico do que submeter o produtor à obrigação de não só produzir, mas de produzir bem. Assim, garante que haverá uma justa utilização do solo rural, condição sine qua non para o desenvolvimento econômico da região em que se situa o imóvel.

Desse modo objetiva-se punir a especulação fundiária e premiar a produção fundiária, exercendo assim um importante aspecto da função social da propriedade.

Quanto ao viés social, este se distingue em duas questões: (i) o respeito aos direitos do trabalhador rural e (ii) a busca pelo bem-estar do trabalhador e empregador  rural.

Sobre o respeito aos direitos do trabalhador rural[9] sabe-se que deve seguir as normas constitucionais e aquelas incluídas na CLT e legislação esparsa. Esse é ponto delicado quando se transporta o direito para a realidade dos fatos, uma vez que a exploração de classes vulneráveis é senso-comum dentro de grandes propriedades, além do não respeito à garantias constitucionais como o salário-mínimo justo, recolhimento de impostos, entre outros.

Logo, todos os grandes conglomerados que se utilizam do trabalho de bóias-frias, sem os devidos pagamentos e garantias, não estão cumprindo com a função social da propriedade, sendo cabíveis sanções além daquelas providenciadas pelos Procuradores do Trabalho.  

Ademais, a questão do bem-estar é imprescindível para que se perfaça a função social da propriedade rural. Entretanto, tal prerrogativa está dividida em dois momentos, quais sejam, atos do Estado e atos do particular. Os atos do particular depreendem-se de tudo que deve ser realizado dentro da propriedade para garantir o bem-estar das partes. É caso de se ter áreas de repouso, banheiros químicos, ambiente acolhedor e preservação das garantias individuais do indivíduo.

Mas também, o Estado tem responsabilidade perante o bem-estar na propriedade rural. É o caso de garantir a infra-estrutura necessária na área externa à propriedade rural, mas que influem sobremaneira nos atos internos. Exemplos são o cabeamento de energia elétrica, abastecimento de água em áreas que não a tenham, estradas e ruas adequadas para o transporte dos indivíduos, entre outras garantias básicas do Estado Democrático de Direito.

Por fim, o caráter último é o de preservação do meio ambiente[10]. Parece clara a responsabilidade do proprietário em preservar o meio ambiente, ainda mais quando se está em tempos de alarmismo exacerbado quanto ao meio ambiente. Deve haver a preservar das áreas de preservação permanente[11], e de parcelas relativas à área da propriedade. Além, deve haver preservação dos recursos hídricos e minerais, cavernas, grutas, cachoeiras, entre outras.

Como salienta CRISTIANO CHAVES DE FARIAS (2007: 219):

Assim, o art. 225 privilegia a tutela ecológica a condição de direito fundamental da terceira dimensão, servindo ao meio ambiente equilibrado à manutenção da saúde e da vida das gerações presentes e futuras. A tutela ambiental não consiste em forma de intervenção externa na propriedade, pois participa da própria estrutura do direito subjetivo, por isto é vedado ao proprietário transformar o estado natural do imóvel através de desvios de cursos de rios ou aterros de mangues.

Foi o Estatuto da Terra um dos percussores da possibilidade de sanção no caso de descumprimento da função social, garantindo força cogente, coercitiva ao princípio. As primeiras medidas de combate foram, como elenca FERNANDO PEREIRA SODERO (sem data: 213): (a) Assegurar o acesso à propriedade fundiária aos que trabalham na terra. (b) definição da propriedade familiar. (c) Conceituação de minifúndio e latifúndio. (d) extinção da exploração da terra que contrarie a função social. (e) Expandir as empresas rurais. (f) Permitir desapropriação por fins sociais.   

 

4.      A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA[12]

A Empresa nasce implicitamente com um sentido diverso da propriedade convencional do indivíduo.  Dela não se esperam atos individuais, partindo de uma impessoalidade nata, valem-se da ordem de mercado, da busca por lucro e adição de consumidores. Por isso, vem arraigada de função social em seu próprio bojo. Como diz DARCY BESSONE (1996: 62):

O empresário pode não ter tido sensibilidade para o entendimento do fenômeno novo, que é a presença da empresa na economia e no mercado. Certamente, a empresa impessoaliza, ou pelo menos torna menos pessoal, o interesse capitalista. Desloca-o, dele, para a figura do empresário, necessariamente vinculado ao ente social recém-chegado, tal é a empresa.

Aqui, no âmbito do Direito Agrário, define-se a empresa rural, que se distingue do simples latifúndio ou minifúndio, de acordo com a doutrina atual.

A função social da empresa rural decorre do mandamento constitucional relativo à ordem econômica[13]. Desse modo, para se perfazer completamente, deve respeitar todos os requisitos do mesmo art. 170 da CF/88, dentre eles a manutenção da concorrência, direitos do consumidor e livre iniciativa.

Com a definição de empresa enquanto uma série de feixes de interesses que convergem para um escopo em comum, pode-se entender o primeiro caráter de função social presente na questão. Ora, o escopo comum, a busca por um fim único e convergente, faz com que se esteja atendendo, além do interesse individual do capitalista, o interesse do próprio grupo e, conseqüentemente, do bem-comum. É uma negação ao egoísmo característico do empresário, que por índole tende à concentração deletéria do mercado.

Depois de considerada sua própria natureza, as condições de função social da empresa, em particular da empresa rural, devem respeitar, por analogia, os princípios do art. 186, CF, no tocante à respeito das regras trabalhistas, bem-estar geral e cuidado com o Meio Ambiente. Parece lógico, uma vez que estas regras decorrem da simples interpretação da Constituição Federal.

  Importa salientar, grosso modo, que no caso de descumprimento de preceitos da função social da empresa rural, não cabem os casos de desapropriação da empresa, posto não se tratar de propriedade sumariamente imóvel.

Exemplo interessante para elucidar o caso é o do arrendatário. Este, enquanto empresário rural, contrata com o proprietário da propriedade rural, mediante paga, para utilização de suas terras na produção. Ora, não há propriedade da terra por parte do arrendatário, por isso não lhe cabem os pressupostos de função social, todavia, enquanto empresário rural, deve respeitar os mesmos requisitos, tudo por conta da função social da propriedade na ordem econômica, para além da simples propriedade.

5.      SÍNTESE NO DIREITO AGRÁRIO

 

Ora, o Direito Agrário surge com a condição sine qua non da propriedade rural, que deve respeitar a função social da propriedade. Quando se trata do novo paradigma de empresa rural, a questão se desdobra na possibilidade da aplicação também da função social pela ordem econômica.

Em alguns casos, não há de se falar da função social da propriedade. Evidentemente, nos casos em que o empresário agrícola não apresenta o título de proprietário perante o terreno. Nesses casos, garante-se o bom andamento da situação através da função social da empresa rural, que preserva condições próximas à propriedade.

Quanto à limitação deste instituto, primeiramente, os limites são as próprias cláusulas do art. 186 da CF/88, que definem pressupostos fáticos para a consolidação da função social da propriedade rural. São os casos de proteção ambiental, produtividade, respeito às normas trabalhistas e busca pelo bem-estar.

Todavia, mesmo com tal rol taxativo, a interpretação dos incisos poderia ser amplíssima. Assim, cabe utilizar o conceito de ubiqüidade, proporcionalidade ou razoabilidade. Tais conceitos guiam a interpretação jurídica lógica e justa. Deve haver um equilíbrio entre o interesse individual e o interesse social, uma vez que um depende do outro para existência e eficácia, sendo um contido na essência do outro.

6.      CONCLUSÕES

Pode-se depreender do presente trabalho que:

(1)  Em suma, a Carta Magna brasileira traz a propriedade como direito fundamental, a ser limitado ora pelas prerrogativas civilistas, ora pela ética da função social da propriedade que limita a própria extensão dessa propriedade. Tal lógica afeta as propriedades rurais assim como qualquer outra propriedade.

(2)   Por outro lado, a propriedade e sua função social também são preconizadas dentro da Ordem Econômica da Constituição Federal e, por isso, servem de pauta para empresa agrária, num novo paradigma que desconsidera a propriedade como elemento essencial, mas sim a agrariedade.

(3)   A função social da propriedade deve ser tratada como uma cláusula geral principiológica, a ser emanada nos atos concernentes à propriedade.

(4)   A função social da empresa rural se dá em três aspectos, a saber: (i) viés econômico, (ii) viés social e (iii) viés ecológico, disposto no art. 186 da CF/88.

(5)   Não havendo a propriedade como requisito na empresa agrária, ainda subsiste a função social, mas neste caso é da empresa rural, que deve proceder de acordo com os elementos da ordem econômica.

7.      BIBLIOGRAFIA

BESSONE, Darcy. Direitos Reais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

CARROZZA, A. Modello teórico e sviluppo reale Del diritto Dellímpresa agrícola. In: Problemi giuridici dellímpresa agrária in Itáli e nell´URSS. 3ª tavola rotonda ítalo-societica. 1982. Milano: Giuffrè.  

COELHO, Antonio Augusto de Souza. A Propriedade rural na nova constituição. in: A Propriedade e os direitos reais na Constituição de 1988. coord. Carlos Alberto Bittar. São Paulo: Saraiva, 1991.

DE-MATTIA, F. M. Empresa agrária e estabelecimento agrário. In: Revista de Direito Civil: Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo, ano 19, n. 72, abr./jun. 1995.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2007.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 34. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, volume V: direito das coisas. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

ROCHA, Olavo Acyr de Lima. A desapropriação no direito agrário. São Paulo: Altas, 1992.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2008.

SODERO, Fernando Pereira. Direito agrário e reforma agrária. São Paulo: Livraria Legislação brasileira, sem data.

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