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Reforma política do Estado e democratização

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Agenda 01/07/2002 às 00:00

5. GRUPOS DE PRESSÃO

A ação dos grupos sobre o processo político, conforme salienta Murillo Aragão, não é um fato recente na história da humanidade, pois os sistemas políticos da antigüidade já o conheciam. Citando Karl Deutsch, o autor relembra que os antigos reinos nos vales dos rios da Índia, Mesopotâmia e Egito permitiram dois grupos de pressão: guerreiros e sacerdotes; os guerreiros pretendiam tornar-se nobres o os sacerdotes aspiravam ser proprietários de terras.

Seria um erro evidente considerarmos o fenômeno dos grupos de pressão como sendo privativo do século XX, pois o século XIX oferece exemplos relevantes de pressões. O que acontece é que, no seio do Welfare State aumentou enormemente a esfera de competência dos poderes públicos, que traz consigo a natural conseqüência da progressiva dependência dos governados e de seus interesses no processo decisório político. Daí o aumento, em progressão aritmética em alguns casos, em outros geométrica do número de grupos de pressão que tentam defender - influindo - os seus interesses perante o Estado ou através do Estado. Inevitáveis nos países onde a organização da vida política não é adequada para o pluralismo social, onde não há partidos políticos ou associações que cumpram uma função análoga à dos partidos políticos.

Como salientado por Ferdinand Lassalle, "os fatores reais do poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são". A seguir o autor indica vários fatores reais do poder: Monarquia, aristocracia, a grande burguesia, os banqueiros, a pequena burguesia e a classe operária. Por fim afirma que: "Esse é, em síntese, em essência, a Constituição de um país: a soma dos fatores reais do poder que regem uma nação".

Ocorre, entretanto, que esse fatores reais de poder, ao perceberem a ineficiente representatividade popular dos Partidos Políticos e, consequentemente, dos parlamentares, acabam por organizarem-se em grupos de pressão.

Conforme verifica-se historicamente, a atuação organizada de grupos de pressão sobre o Poder Legislativo no Brasil é comprovada desde o século passado, pois como salientado por Mário Augusto Santos, ao exemplificar os grupos de pressão, a Associação Comercial da Bahia, entidade fundada em 1811, atuou em defesa de diversos interesses de seus associados junto ao Congresso Nacional durante a Primeira República.

J. Meynaud define os grupos de interesses como sendo "todo grupo de interesse ou de promoção que utiliza a intervenção perante o governo - independente de que seja a título exclusivo, principal ou ocasional - para alcançar a satisfação de sua reivindicações ou a afirmação das suas pretensões".

Para Sartori a expressão grupos de pressão é suficientemente exata para saber quais os grupos que devem ser abrangidos por ela: "aqueles que têm condições de exercer pressão em um sentido bastante específico do termo". O próprio Sartori afirma que a cada ambiente histórico, cultural, econômico e social ou institucional correspondem grupos de pressão que, em um certo sentido serão únicos, isto é, corresponderão aos sistemas em que operam.

Sartori aponta que os cientistas políticos anglo-saxões utilizavam o termo pressure groups e os franceses groupes d’interérêt. Atualmente, os autores franceses normalmente utilizam a expressão groupes de pression, os anglo-saxões se utilizam tanto da expressão pressure groups quanto da interest groups, inclinando-se para a denominação de grupos de pressão, por ser a expressão grupo de interesse demasiadamente vaga.

Hugo Natale, por sua vez, argumenta que "a preponderância dos grupos de pressão e de poder constituem um herança das intrigas de palácio".

Na doutrina nacional, importante salientarmos a conceituação de Paulo Bonavides e Fábio Nusdeo. Para o primeiro, grupo de pressão se define pelo exercício de influência sobre o poder político, para eventual obtenção de uma determinação da medida do governo que lhe favoreça os interesses, enquanto para o segundo, grupos de pressão seriam definidos como qualquer conjunto de pessoas ou entidades que procura obter normas, dispositivos e respectivas interpretações, bem como medidas de um modo geral favorável aos seus intentos.

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Relembre-se o discurso do Vice-Presidente Marco Maciel, então Senador da República, pronunciado em 21 de setembro de 1984, no Senado Federal, definindo a origem do termo lobby: "a atuação dos grupos de pressão junto aos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e aos Partidos Políticos é conhecida, como se sabe, segundo a expressão inglesa lobby, significando as antecâmaras ou ante-salas das repartições ou edifícios utilizados originalmente pelos representantes de tais organizações como locais onde desenvolviam, preferencialmente, o exercício de seus trabalhos. Do vocábulo derivaram lobbysts, que designa pessoas que se dedicam àquela atividade e lobbuyng, que exprime o procedimento dessa atividade".


6. FORTALECIMENTO EXAGERADO DOS GRUPOS DE PRESSÃO E ENFRAQUECIMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS

Impotência e abandono por parte dos partidos políticos (crise na democracia representativa) fazem com que os diversos grupos sociais se dirijam direta ou indiretamente aos governantes para exigir destes uma determinada posição política ou político-legislativa ou para opor-se a já adotada, criando-se os denominados "grupos de pressão".

Dessa forma, esses grupos de interesse ou de promoção passam por um crescimento quantitativo e qualitativo surpreendente, pois todo grupo social que se veja prejudicado em seus objetivos corporativos, e abandonados em razão do distanciamento de seus representantes no Parlamento, passa a procurar mecanismos, nem sempre legais ou moralmente aceitáveis, para influenciar diretamente as Instituições do Estado, ou indiretamente a opinião pública, para que isso reflita nas decisões governamentais. Obviamente, os procedimentos de pressão serão mais ou menos variados, dependendo do tipo de meios de participação na vida pública existentes, da qualificação dos integrantes do grupo de pressão e de sua situação econômica - financeira.

Esse fenômeno tornou-se mais latente porque os recentes e modernos interesses sociais são pouco amoldáveis nas arcaicas estruturas partidárias tradicionais.

Importante salientarmos alguns fatores sociais que contribuem para a crise partidária, tais como, perda de centralidade do conflito entre trabalho e capital; excessiva fragmentação dos interesses sociais; fenômenos das agremiações transitórias; perda da centralidade do circuito governo-parlamento como itinerário das decisões políticas; redução da política econômica à política conjuntural e de manobra monetária; acabaram por inspirar o surgimento e fortalecimento de diversos grupos de interesse, de promoção e de pressão.

Surgem, nesse contexto, os movimento sociais que congregam vários segmentos heterogêneos da população, passando a constituírem-se formas de mobilização que ocorrem fora do espaço dos partidos políticos, das associações e dos sindicatos.

Dessa forma, ocupam um espaço político próprio, diverso dos tradicionalmente ocupados pelos demais atores da competição política, utilizando-se de antigos e tradicionais direitos constitucionalmente consagrados: direito de reunião, direito de associação, direito de petição e direito de sindicalização.

Importante a observação de F. Badia, para quem "os grupos de interesse e de promoção crescem cada dia mais. Ora, todo grupo de interesse ou de promoção que veja prejudicada a sua razão de ser e seus objetivos por causa de extra-limitações do poder público ou da prepotência de outros grupos de sua espécie, e que não ache meios adequados de participação política e social para defender os seus interesses e as suas causas, ver-se-á obrigado a influenciar diretamente sobre as instituições do Estado para salvaguardar seus objetivos próprios ou, então, influenciar indiretamente sobre a opinião pública, tornando-se dessa forma - e circunstancialmente - um grupo de pressão. Os procedimentos de pressão serão mais ou menos variados, dependendo do tipo de maior de participação na vida pública existentes".

Ressalte-se, porém, que o grande problema dos movimentos sociais reside na ausência de mecanismos internos para aceitação de oposição às idéias da maioria. Essa ausência para reconhecer posições divergentes talvez seja a maior diferença entre os movimentos sociais e a representação política tradicional.

Além disso, as condutas e decisões corporativas estão livres das pressões do processo eleitoral e da responsabilidade institucional das decisões políticas. Os arranjos corporativos implicam numa troca de benefícios entre governo e as elites organizadas corporativamente. Essa compensação de vantagens envolve, de um lado, a prestação de serviços estatais de natureza social, de outro, os créditos, subsídios. Atende-se, com essa troca de benefícios, as duas exigências: legitimação política mediante os serviços públicos e reprodução do capital através da gestão política da economia.

O artigo 51 da Constituição da República Portuguesa, pretendendo equacionar essa falta de transparência na atuação dos diversos grupos de pressão, prevê que "a liberdade de associação compreende o direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos e de através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder político.....Os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros".

No caso dos partidos políticos há possibilidade de fixação da responsabilidade de seus representantes, porém na democracia participativa existe grande dificuldade em responsabilizar os demais atores da competição, e em especial, os grupos de pressão. Verifica-se, pois, uma ausência de visibilidade. Necessário, portanto, a regulamentação da atuação dos demais atores da competição política, para que a tomada das decisões possa se dar em um quadro de maior visibilidade e transparência.

A ampliação do cenário político aceita a participação de atores invisíveis, ou seja, que acabam tendo influência no processo decisório das grandes questões político-institucionais do país mas sem se identificar, o que gera a total ausência de responsabilidade. É esse o grande problema dos LOBBIES, pois são grupos profissionalizados que atuam nos bastidores do poder, sem qualquer regulamentação e sem responsabilidade pelas pressões camufladas que exercem. Esses grupos, apesar de estarem por detrás de diversas decisões políticas, não assumem qualquer responsabilidade por elas, sendo pois, atores invisíveis.

Assim, é evidente, conforme afirma Loewenstein, a diferença que há entre os "detentores do poder, oficiais, legítimos, visíveis exteriormente, e aqueles que de forma não oficial, indireta e freqüentemente extraconstitucional, influenciam e conformam o processo do poder". Os lobbies são detentores de poder de fato, mas não titulares desse poder; trata-se de um poder de fato, normalmente, invisíveis, e, consequentemente, não são passíveis de qualificação como poderes de direito ou titulares do poder político. Não assumem a responsabilidade direta pela decisão.

Os partidos políticos pretendem conquistar e exercer o poder, enquanto os grupos de pressão não tentam isso, pois procuram exercer uma influência sobre os poderes públicos, em benefício próprio, mas não substituí-los.

Note-se que os partidos políticos devem - para exercer seu mister - apelar previamente à totalidade do eleitorado independentemente da profissão de cada eleitor individual, e as suas filosofias sócio políticas têm, consequentemente, de ser amplas e ao mesmo tempo o suficientemente indefinidas para acomodar aos interesses de todos. Os grupos de pressão representam interesses homogêneos que tentam exercer uma determinada influência. Os partidos políticos combinam grupos heterogêneos, sendo sua função integradora.

É fundamental, pois, não se confundir os grupos políticos com os grupos de pressão . Os partidos ou qualquer outro tipo de associação política são detentores - o repetimos mais uma vez - de uma visão global da sociedade, portadores de uma forma particular de ver e focalizar, em função de sua própria perspectiva ideológica, a legalidade fundamental estabelecida.

Diferentemente dos partidos políticos que são organizações próprias de regimes democráticos ou que querem parecer-se democráticos, os grupos de pressão - em sua acepção mais lata - podem ser encontrados em todos os regimes (socialistas, democratas, totalitários, etc.), em todas as épocas.

Os grupos de pressão agem por meio de dupla ação: (1) pressão direta sobre o poder político; (2) pressão indireta sobre a opinião pública.

A pressão indireta é exercida sobre o público, sobre os governantes, sempre atentos à opinião pública. A opinião condiciona o comportamento dos governantes, especialmente nos regimes de democracia pluralista. Todo o poder, independentemente do regime político, leva em consideração a opinião pública. Nesse sentido, o interesse demonstrado pelos grupos de pressão em obter as simpatias da opinião pública, pois, agindo sobre o público pode-se agir diretamente sobre o poder.

Os grupos de pressão podem ser classificados em:

A pressão pode sofrer variação quando os grupos combinam sua ação direta com uma ação indireta sobre a opinião pública, ou quando se limitam a criar as condições necessárias no meio social para deste modo forçar o titular do poder na direção que melhor atenda seus próprios interesses.


7. MODOS DE ABORDAGEM E CONTATO ENTRE OS GRUPOS DE PRESSÃO E O GOVERNO. TÉCNICAS DE PERSUASÃO DOS GRUPOS DE PRESSÃO

Os contatos formalizados entre os diversos grupos de pressão e o governo podem assumir duas formas:

As técnicas normais e preferencialmente utilizadas pelos grupos de pressão são a da informação, da colaboração, da negociação e do compromisso, e suas correspondentes pressões e sanções sobre a Administração normalmente assumirão a forma da negação de informação e colaboração ao ministério por parte do lobby. A pressão pode oscilar desde o confusionismo e obstrucionismo até o boicote econômico ou administrativo, além da possibilidade de propaganda nacional e obstrução sistemática.

Sobre o autor
Alexandre de Moraes

Ministro do Supremo Tribunal Federal. Ex-Advogado e Consultor Jurídico. Ex-Ministro da Justiça. É formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – Universidade de São Paulo (USP), em 1990, onde também obteve os títulos de Doutor em Direito do Estado (2000) e Livre-docente em Direito Constitucional (2001). Chefe do Departamento de Direito do Estado da FADUSP. Professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie e das Escolas Superior do Ministério Público de São Paulo e Paulista da Magistratura; além de professor convidado de diversas escolas da Magistratura, Ministério Público, Procuradorias e OAB. Ex-Promotor de Justiça do Estado de São Paulo (SP). Ex-Secretário de Estado da Segurança Pública de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Alexandre. Reforma política do Estado e democratização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -366, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3022. Acesso em: 5 nov. 2024.

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