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Reforma política do Estado e democratização

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Agenda 01/07/2002 às 00:00

8. TERMO LOBBY

O termo lobby é de origem norte-americana e já é empregado em outros países. Em sentido próprio, denota a parte de um prédio que se encontra aberta ao público; trata-se do corredor, vestíbulo e, mais especificamente, os corredores do Parlamento. Em um sentido derivado, nos Estados Unidos da América, a palavra lobby passou a ser utilizada para designar a ação de pessoas vindas de fora do Congresso e que se misturavam aos parlamentares nos corredores do Congresso, posteriormente nos gabinetes e em outros locais, para influenciá-los. A expressão lobby se aplica também aos homens ou grupos que se dedicam a essa atividade, e o verbo lobby é utilizado correntemente para designar as manobras dos lobbysts.

Temos três palavras para essa atividade dos grupos de pressão sobre o Parlamento:

Os partidos políticos são um outro canal de influência utilizado pelos lobbies ou grupos de pressão para chegar ao centro do poder decisório depois de terem fracassado na sua tentativa de alcançar seus objetivos através de pressões sobre o ministério. Os lobbies ou grupos de pressão pretendem dessa forma exercer uma pressão sobre o Governo, mas através do partido ou partidos: essa é uma modalidade da chamada pressão ou influência indireta. Aponta-se a natureza substitutiva do recurso ao partido, pelo grupo de pressão, pois só ocorre quando fracassa a tentativa de negociação através da consulta direta do grupo com o Governo.

A função de intermediação dos grupos de pressão não poderia ser cumprida se esse não tivesse obtido grande prestígio, nem sempre de maneiras legais ou moralmente aceitáveis, perante os membros do Governo ou do Parlamento, porém, se uma organização deseja ser tratada responsavelmente, deve, por sua vez, agir responsavelmente, sob pena de desvirtuamento do funcionamento dos órgãos estatais, que passariam a colocar o interesse público em segundo plano, para atendimento aos interesses corporativos de cada um dos citados grupos.


9. NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO E CONTROLE DOS GRUPOS DE PRESSÃO

O aperfeiçoamento da Democracia deve buscar a necessária visibilidade na atuação política e a responsabilidade pela influência na tomada de decisões, não somente em relação aos Partidos Políticos, mas também em relação aos grupos de pressão. A regulamentação seria o conjunto mínimo de interesses comuns, incluindo especialmente interesse comum de buscar o fair play entre os interesses privados e particulares.

Hugo Natale expõe com muita propriedade o fato de que "um grupo ter a pretensão de impor seu interesse privado ao interesse público e geral da sociedade não é uma novidade na história, nem um perigo. O que é uma novidade e importa um grave perigo, é que efetive essa pretensão por meio da utilização de técnicas de domínio e de quebramento"(visibilidade).

Existem dispositivos constitucionais e regimentais regulamentando, de modo tímido, a atuação dos grupos de pressão. Assim, prevê a Constituição Federal, além dos tradicionais direitos de reunião, associação, iniciativa popular de lei, as audiências públicas no Congresso Nacional com entidades da sociedade civil (CF, art. 58, § 2°, II); recebimento de petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas (CF, art. 58, § 2°, IV).

A Câmara dos Deputados, igualmente, regulamenta desde 1972 a representação por grupos de interesses, considerando relevante constar nos regimento interno mecanismos de representação das entidades sindicais de grau superior, no intuito de receber dessas entidades assessoria técnica e subsídios à tramitação de projeto de lei, conforme relembra Murillo Aragão, "até 1983 praticamente o credenciamento era exclusivo para entidades sindicais de grau superior, tais como confederações ou federações/sindicatos de abrangência nacional... A partir de 1984, a Câmara dos Deputados passou a aceitar o credenciamento de entidades associativas mais representativas e, após a Constituição de 1988, adequou o tratamento constitucional ao regimento interno, permitindo o amplo credenciamento de entidades associativas de todo o tipo".

Desta forma, atualmente, prevê o artigo 259 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados que "além dos Ministérios e entidades da administração federal indireta, poderão as entidades de classe de grau superior, de empregados e empregadores, autarquias profissionais e outras instituições de âmbito nacional da sociedade civil credenciar junto à Mesa representantes que possam, eventualmente, prestar esclarecimentos específicos à Câmara, através de suas Comissões, às lideranças e aos Deputados em geral e ao órgão de assessoramento institucional".

Portanto, uma boa maneira de controle sobre os meios utilizados pelos grupos de pressão é a de, uma vez reconhecida a justiça de seus interesses e das suas pretensões particulares, estabelecer os meios e instituições através dos quais estes possam defender seus legítimos interesses e causas, de forma legal e transparente.

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Além disso, importante realçarmos novamente que o restruturação dos partidos políticos, a descentralização do poder, a efetividade das formas democráticas semi-diretas e a democracia participativa são outros meios de fortalecimento institucional da Democracia e da representatividade popular, e, consequentemente, de enfraquecimento sensível dos grupos invisíveis de poder no cenário político.

As atividades dos grupos de pressão no Congresso norte-americano são regulamentadas desde 1946, por meio do Lobby Act de 1946, que os obriga a informar o Poder Público quanto gastam com suas atividades.


10. PARTICIPAÇÃO POPULAR - PLEBISCITOS/REFERENDOS/INICIATIVA DE LEI

Apontados alguns problemas do sistema representativo e partidos políticos, importante destacar a necessidade de maior utilização dos instrumentos de participação popular nos negócios do Estado.

A Constituição Federal prevê expressamente que uma das formas de exercício da soberania popular será através da realização direta de consultas populares, através de plebiscitos e referendos (CF, art. 14, caput), disciplinando, ainda, que caberá privativamente ao Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscitos (CF, art. 49), salvo, por óbvio, quando a própria Constituição expressamente determinar (por exemplo: art. 18, §§ 3° e 4°; art. 2°, Ato Constitucional das Disposições transitórias).

Em nosso ordenamento jurídico-constitucional essas duas formas de participação popular nos negócios do Estado divergem, basicamente, em virtude do momento de suas realizações.

Enquanto o plebiscito é uma consulta prévia que se faz aos cidadãos no gozo de seus direitos político, sobre determinada matéria, a ser, posteriormente, discutida pelo Congresso Nacional; o referendo consiste em uma consulta posterior sobre determinado ato governamental para ratificá-lo, ou no sentido de conceder-lhe eficácia (condição suspensiva), ou ainda, para retirar-lhe a eficácia (condição resolutiva).

Igualmente, outras e inúmeras constituições trazem previsões semelhantes. A título meramente exemplificativo podemos enumerar:

Nessa forma de participação popular nos negócios políticos do Estado, importante ressalva é feita por Canotilho, quando ensina que "a teleologia intrínseca dos referendos e plebiscitos constituinte passou a ser diferente quando o plebiscito, além da sua associação a dimensões cesaristas do poder político, se transformou em consulta popular, divorciada de qualquer racionalidade jurídica e não raro violadora dos princípios estruturantes do Estado constitucional. A hipertrofia democrática aliada a uma concepção decisionista do direito explicam o sentido do plebiscito: decisão popular que se sobrepõe a qualquer tipo de racionalidade jurídica".

Igualmente, não podemos nos esquecer da lição de Norberto Bobbio sobre o perigo existente na idéia de cidadão total. Assim ensina que "é evidente que, se por democracia direta se entende literalmente a participação de todos os cidadãos em todas as decisões a eles pertinentes, a proposta é insensata. Que todos decidam sobre tudo em sociedades sempre mais complexas como são as modernas sociedades industriais é algo materialmente impossível. E também não é desejável humanamente, isto é, do ponto de vista do desenvolvimento ético e intelectual da humanidade".

Entendemos que um meio termo a ser tentado, principalmente pela democracia brasileira, é a maior utilização dos mecanismos do plebiscito e referendo, previstos no artigo 14 da Constituição Federal e já regulamentados pelo legislador ordinário (Lei n° 9.709, de 18 de novembro de 1998), sem os abusos apontados por Canotilho. Dessa forma, nos assuntos de maior relevância institucional haveria possibilidade de maior participação dos eleitores, de maneira a direcionarem ou ratificarem a atuação do Parlamento.


11. CONCLUSÕES

A Reforma Política do Estado obrigatoriamente deve estar centrada na necessidade de maior proximidade da vontade popular com a vontade expressa pelo Parlamento. Para isso, após essa breve análise, apontamos algumas conclusões a serem analisadas para a concretização dessa reforma e, consequentemente, para o aprimoramento e fortalecimento da Democracia:

Apesar das dificuldades do sistema representativo e dos complicadores naturais existentes da dinâmica democrática, não podemos deixar de salientar que permanecem os partidos políticos em posição de extrema relevância no cenário decisional brasileiro, pois enquanto detentores da atividade legiferante, são os únicos que - influenciados ou não por demais grupos de interesses, de promoção e de pressão - efetivamente acabam por tomar decisões definitivas que vinculam toda a sociedade por meio de leis (Princípio da legalidade). Anote-se que a defesa da legalidade é antiga, tendo sido feita por Platão e Aristóteles, sendo que o primeiro afirmou que "de fato, onde a lei está submetida aos governantes e privada de autoridade, vejo pronta a ruína da cidade; onde, ao contrário, a lei é senhora dos governantes e os governantes seus escravos, vejo a salvação da cidade e a acumulação nela de todos os bens que os deuses costumam dar às cidades". Tendo o segundo afirmado: "aos governantes é necessária também a lei que fornece prescrições universais, pois melhor é o elemento que não pode estar submetido a paixões que o elemento em que as paixões são conaturais. Ora, a lei não tem paixões, que ao contrário se encontram necessariamente em cada alma humana".

Dessa forma, os Partidos Políticos devem ser prestigiados e democratizados na Reforma Política do Estado enquanto grandes atores da cenário político nacional, submetendo-se, porém, ao maior controle popular, com a efetiva implementação real e utilização do plebiscito e referendo e com uma maior acessibilidade e democratização interna.

Mesmo porque, nunca é cansativo relembrar, a organização e regulamentação dos Partidos Políticos e sua participação da democracia representativa, permite uma maior alternância do Poder e democratização das decisões, com respeito e voz aos direitos das minorias. Além disso, o controle e responsabilização das decisões políticas do Partidos apresenta-se mais plausível com a necessária transparência e visibilidade do sistema democrático, diferentemente do que ocorre com diversos grupos de pressão que, sob o manto do anonimato e articulações de bastidores, tornam-se atores invisíveis do cenário político, de grande influência mas totalmente irresponsáveis politicamente.

Sobre o autor
Alexandre de Moraes

Ministro do Supremo Tribunal Federal. Ex-Advogado e Consultor Jurídico. Ex-Ministro da Justiça. É formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – Universidade de São Paulo (USP), em 1990, onde também obteve os títulos de Doutor em Direito do Estado (2000) e Livre-docente em Direito Constitucional (2001). Chefe do Departamento de Direito do Estado da FADUSP. Professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie e das Escolas Superior do Ministério Público de São Paulo e Paulista da Magistratura; além de professor convidado de diversas escolas da Magistratura, Ministério Público, Procuradorias e OAB. Ex-Promotor de Justiça do Estado de São Paulo (SP). Ex-Secretário de Estado da Segurança Pública de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Alexandre. Reforma política do Estado e democratização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -366, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3022. Acesso em: 5 nov. 2024.

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