3. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O princípio da dignidade da pessoa humana está positivado no nosso ordenamento jurídico no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, que versa que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático e de Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.
Tal princípio fundamenta o Estado de Direito, e conforme Rizzato Nunes[10] é um “supra princípio constitucional que norteia todos dos demais princípios e normas constitucionais.” Nas palavras de Luis Roberto Barroso[11]:
Dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios
incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco de prestações que compõem o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece razoável consenso de que inclui: renda mínima, saúde básica e educação fundamental. Há, ainda, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e efetivação dos direitos.
São dois os elementos inerentes ao princípio da dignidade humana, um material e outro instrumental. O material se realiza no mínimo vital ao ser humano, em que tudo que se encontre a menos desse limite não proporcionará a dignidade. Ainda como elemento material, para a manutenção da dignidade da pessoa humana inclui-se a vedação da utilização do ser humano como meio ou instrumento de outro ser humano ou do Estado. O homem possui autonomia para traçar seu destino, de acordo com suas decisões, em busca de seu pleno desenvolvimento.
O acesso à justiça é o elemento instrumental do princípio da dignidade da pessoa humana, pois é por meio dele que o ser humano pode buscar seus direitos. O acesso à justiça não é apenas a possibilidade de ingresso no Judiciário, mas também a garantia de um processo célere e com respeito aos princípios processuais. A duração razoável do processo é o que garante a efetiva realização do princípio da dignidade da pessoa humana.
A parte, impedida de exercer plenamente seus direitos passa a ser obrigada a conviver com um sofrimento diário pela ansiedade que cerca a duração do processo. Passam-se anos, décadas sem que a parte tenha recebido do Judiciário aquilo que é dela por direito.
Conforme Luiz Flávio de Oliveira[12]:
A razoável duração do processo insere-se como um acréscimo ao princípio do acesso à justiça, ampliando-o. Denota, a partir da recém aprovada emenda, a preocupação do legislador constitucional com a temática do tempo na prestação da tutela jurisdicional, nos Estados que se constituem em Estado Democrático de Direito. Tem como fundamento o pleno exercício da cidadania e o respeito à dignidade da pessoa humana, atributos que consolidam a compreensão dos princípios inerentes aos Direitos Humanos.
É importante atentar a alguns instrumentos existentes na Constituição Federal que determinam meios para realização do comando referente à celeridade da prestação jurisdicional.
O constituinte, antes da Emenda Constitucional nº45, inseriu no artigo 37, caput, o princípio da eficiência, norte da atuação da administração pública. Por meio dele já é possível se falar em eficiência dos órgãos da administração pública, que deve prestar resposta aos anseios do cidadão.
A doutrina também fala sobre a possibilidade da responsabilidade civil do Estado diante da demasiada demora na prestação jurisdicional : “A demora da prestação jurisdicional poderá ensejar pedido de reparação de dano, caso essa delonga provoque dano irreparável ao particular”.[13]
A EC nº 45, inovou ao expor sobre ininterruptabilidade da atividade jurisdicional (art. 93, XII), garantia de proporção mínima entre número de juízes e de demandas judiciais (art. 93, XIII), possibilidade dos servidores do Poder Judiciário receberem por delegação, a competência para realização de atos de administração e mero expediente sem caráter decisório (art. 93, XIV), distribuição imediata dos feitos (art. 93, XV); fortalecimento das defensorias públicas (art.134, §2º), possibilidade dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais e do Trabalho instalarem justiça itinerante, podendo funcionar descentralizadamente por meio de câmaras regionais (art. 125, §§ 6º e 7º, art. 107, §§2º e 3º e art. 115,§§1º e 2º).
Ainda nesse sentido, “Tratando-se de garantia constitucional, a concepção de duração razoável do processo, (...), está compreendida na concepção de preceito fundamental”[14], motivo pelo qual é possível, em tese, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, nos termos da lei nº 9.882/99, caso haja uma inaplicabilidade da razoável duração do processo.
Ainda vale ressaltar os ensinamentos de Nelson Nery Júnior[15]: “A alegação de ofensa à Constituição, em países com estabilidade política e em verdadeiro Estado de Direito, é gravíssima, reclamando a atenção de todos, principalmente da população”.
Como se nota, a Constituição garante diversas premissas a serem seguidas para se efetivar a realização do direito à razoável duração do processo. A demora excessiva no curso e finalização do processo fere frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo necessário que se busquem meios para amenizar tal lentidão de forma a concretizar os verdadeiros anseios de quem busca a justiça.
4 - O princípio do Contraditório
O contraditório é parte intrínseca ao processo, transcendendo o mero significado da palavra, uma vez que, além da possibilidade de contradizer o que foi alegado em seu desfavor, o princípio do contraditório traz consigo uma forma de se assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana.
O contraditório funda-se na igualdade. Não uma igualdade meramente formal. A observância do contraditório é função do juiz no processo, a quem incumbe “assegurar que o contraditório não seja negligenciado, violado, que a participação das partes em simétrica paridade seja eficazmente garantida. Observá-lo, ele mesmo, significará que o juiz se submete às normas do processo pelas quais os atos das partes são garantidos, que o juiz não pode se recusar ao cumprimento da norma que instituiu o direito de igual participação das partes, em simétrica paridade.”[16]
Saber do que se está sendo acusado é direito fundamental da pessoa humana, e a ausência de tal consciência é uma franca violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, razão pela qual, a citação – ato pelo qual ao polo passivo do processo é dado conhecimento sobre existência do processo, bem como quais os fatos pelos quais deve se defender – é essencial a concretização da relação processual.
De acordo com Ada Pellegrini Grinover, que se baseia especialmente no Direito Penal para explicar o princípio:
a reação não pode ser meramente eventual, mas há de fazer-se efetiva. O contraditório, agora, não pode ser simplesmente garantido, mas deve ser estimulado. E a contraposição dialógica das partes há de ser real e não apenas formal. O juiz cuidará da efetiva participação das partes no contraditório, utilizando para tanto seus amplos poderes, a fim de que não haja desequilíbrios entre os ofícios de acusação e defesa. Cabe ao juiz penal, portanto, integrar e disciplinar o contraditório, sem que com isso venha a perder sua imparcialidade, que sairá fortalecida, no momento da síntese, pela apreciação do resultado de atividades justapostas e paritárias, desenvolvidas pelas partes[17].
Fica amplamente evidenciada a indisponibilidade do princípio do contraditório, sendo que, um exemplo reincidente de decisões jurisprudenciais é a anulação do processo penal em que a condenação seja pautada em fatos e provas utilizados em seu desfavor de que ele não tenha tido oportunidade de se defender durante o processo[18].
5 - O princípio da ampla defesa
A ampla defesa está intimamente ligada ao princípio do contraditório, sendo que, na maioria das vezes esses princípios são analisados em conjunto.
De acordo com Ada Pelegrini Grinover, em sua obra “Novas tendências do Direito Processual” é necessário que:
em cada processo, o juiz estimule e promova um contraditório efetivo e equilibrado, cabendo-lhe verificar se a atividade defensiva, no caso concreto, foi adequadamente desempenhada, pela utilização de todos os meios necessários para influir sobre seu convencimento. Sob pena de considerar o réu indefeso e o processo irremediavelmente viciado.
No processo penal, o acusado tem o direito a não autoincriminação, podendo permanecer em silêncio, sem que isso o prejudique no curso do processo. Já no processo civil, é imprescindível que o polo passivo da demanda se manifeste contra os fatos que são alegados em seu desfavor, sendo que o silêncio, neste caso, pode implicar que sejam tomados como verdadeiros todos os fatos alegados pelo autor da ação.
O exercício da defesa em todos os momentos é, além de um direito do cidadão, verdadeiro dever do Estado que deve promovê-la sempre.
Para ter validade, a defesa tem que ser eficiente, com ativa participação no processo. Assim, não basta que sejam cumpridas apenas as formalidades de defesa. A todo momento, seja durante audiências, ou mesmo nas peças defensivas tem que se apresentar conteúdo substancial de defesa, como provas documentais e testemunhais capazes de refutar o alegado pela outra parte.
6- O duplo grau de jurisdição
Alvo de grande polêmica na doutrina brasileira, o princípio do duplo grau de jurisdição ainda permanece como requisito fundamental à válida conclusão do processo. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, assegurou a todos os litigantes em processo administrativo ou judicial o direito ao “contraditório e ampla defesa”, com os meios e recursos a ela inerentes. Verifica-se no aludido inciso que a Carta Magna não colocou expressamente o princípio do duplo grau de jurisdição, mas sim aos instrumentos inerentes ao exercício da ampla defesa[19], razão esta que vem levando uma grande corrente doutrinária a defender a tese de que o referido princípio não está erguido à categoria dos princípios constitucionais.
Sem delongas nas discussões doutrinárias, e partindo do pressuposto que o duplo grau de jurisdição é princípio que garante o devido processo legal, entende-se que este é o direito da parte sucumbente ter seu caso apreciado por duas vezes em instâncias diferentes.
Intrínseco ao sistema jurídico, esse princípio diz que, para cada demanda, existe a possibilidade de duas decisões válidas no mesmo processo, emanadas por juízos diferentes, prevalecendo a segunda em relação à primeira. Sendo assim, fica óbvio que tal princípio visa unicamente garantir que o litigante não esteja sujeito exclusivamente ao entendimento de um único magistrado.
7- A duração razoável do processo
A Emenda Constitucional n° 45 inseriu uma nova garantia fundamental por meio do acréscimo do inciso LXXVIII ao artigo 5° da Constituição: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
O preceito fundamental demonstrado pelo princípio vai além do direito de ação ou de acesso ao judiciário, inserindo a necessidade da sua eficiência e celeridade.
Poder-se-ia dizer que a norma declara o direito fundamental de todos à eficiente realização do processo pelo qual se leva o pedido à cognição judicial ou administrativa: é assim, direito ao processo eficiente, muito além do simples direito ao processo.[20]
Os doutrinadores Francisco Meton Marques de Lima e Francisco Gérson Marques de Lima[21] entendem que o inc. LXXVIII do artigo 5º deixa claro que fica possibilitado ao cidadão e as instituições fazerem duas cobranças: a) do Poder Público, os meios materiais para que o aparelho judicial possa cumprir os prazos dispostos nas normas processuais; b) dos órgãos da Justiça, o esforço para cumprir os prazos legais, envidando esforço para abreviar a prestação jurisdicional, bem como prestar um serviço de qualidade.
O artigo 5°, inciso LXXVIII da Carta Magna de 1988 atribui aos Poderes Públicos a necessidade de fazer aquilo que for necessário para efetivar a duração razoável do processo e o implemento de meios que garantam a celeridade da sua tramitação. Impõe-se, em consequência, rever a habilidade do procedimento para realizar a finalidade processual, sua flexibilidade para atender os interesses em jogo e a segurança com que se garantem os direitos questionados. Inclui-se, de logo, nos parâmetros de durabilidade do processo, o tempo prudente e justo para que a decisão jurisdicional renda a eficácia esperada, ou seja, a razoabilidade se estende não ao tempo de afirmação do direito em litígio, senão à própria execução da decisão, à realização de seu conteúdo, à aplicação efetiva do direito[22].
Muito se questiona sobre o que seria um tempo “razoável” para a duração de um processo e a efetiva entrega do direito ao jurisdicionado. Certo é que, a duração de uma lide deve respeitar o tempo necessário para que sejam cumpridas todas as etapas necessárias à instrução e julgamento do processo, acompanhando sempre todos os princípios determinados pela Constituição Federal de 1988, merecendo destaque o devido processo legal – due process of law, instituto oriundo do direito anglo-saxão, implica que, para ser válido, todo e qualquer ato praticado pela autoridade judiciária deve estar previsto em lei, e para tanto, é indispensável a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa que, respectivamente, asseguram a plena realização do exercício democrático de um poder, onde os sujeitos da lide devem ser informados de todos os atos que venham a ocorrer no curso do processo, podendo se manifestar diante do que é proposto e, ainda, o direito de se defender e de recorrer de uma decisão, sendo que ninguém pode ser tolhido de seu direito de defesa, sob pena de ferir a dignidade da pessoa humana e os princípios da justiça, o exercício do direito de participação em um processo contradizendo e se defendendo de acusações é a forma de garantir a vida e a sobrevivência em sociedade.
Para aplicar tais princípios em harmonia, faz-se necessário o uso da técnica já consagrada por Robert Alexy que identifica a regra da proporcionalidade em sentido estrito com o método da ponderação de bens, eis que, nas hipóteses de colisão de direitos fundamentais, “cuanlto mayor es el grado de la no satisfacción o de afectación de um principio, tanto mayor tiene que ser importancia de la sasritacción de outro.” A regra parcial da proporcionalidade em sendo estrito consubstancia a lei de ponderação, que vale para o sopesamento de princípios independentemente de sua natureza.
A regra da proporcionalidade em sentido estrito identifica-se com a ponderação de bens, uma vez que afirma “[...] la valoración y ponderación recíproca de todos tienes involucrados, tanto de que justífican el límite como de los que se ven afectados por ello, lo cual exige tomar en consideración todas las circunstancias relevantes de lo caso”[23].
De acordo com a citação de Robert Alexy, a regra proporcionalidade em sentido estrito deriva dos diretos fundamentais enquanto mandados de otimização segundo as possibilidades jurídicas. Por outro lado, as demais regras parciais são deduzidas enquanto mandamentos de melhoria com relação às possibilidades fáticas.
Os possíveis conflitos entre direitos fundamentais e bens jurídicos determinados constitucionais ocorrem quando o exercício de direito fundamental ocasiona prejuízo a um bem protegido pela Constituição. Nesta hipótese, não se trata de qualquer valor, interesse, exigência, imperativo da comunidade, mas, sim, de um bem Jurídico. Bens jurídicos relevantes, diga-se, são aqueles que a Constituição elegeu como dignos de especial reconhecimento e proteção, no presente estudo, evidenciam-se a razoável duração do processo versus a preservação dos institutos do contraditório e da ampla defesa.
Portanto é necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre a rapidez de tramitação do processo e a segurança adequada para um julgamento justo, para que este fator não seja mais um mecanismo de retardamento do trâmite processual, corroborando ainda mais com o congestionamento do Poder Judiciário.
A razoável duração do processo pode ser entendida e interpretada sob vários critérios, dentre eles, o que se mostra mais objetivo é o do cumprimento dos prazos estabelecidos pela lei para a realização de atos processuais, que só deve sofrer alterações/flexibilizações ante as particularidades de cada caso concreto.
Nas palavras de Fernando da Fonseca Gajardoni:
em sistemas processuais preclusivos e de prazos majoritariamente peremptórios, como o nosso, o tempo ideal do Processo é aquele resultante do somatório dos prazos fixados no Código de Processo Civil para cumprimento de todos os atos que compõem o procedimento, mais o tempo de trânsito em julgado dos autos[24].
Um procedimento ordinário, nos moldes do atual Código de Processo Civil, sem nenhuma intercorrência ou particularidade que obste o seu andamento, deve durar um período de 131dias:
Exordial..........conclusão (24 horas – art. 190 CPC)..........despacho do juiz (citação do réu em 2 dias – art. 189, I, CPC)..........cumprimento do despacho (48 horas – art. 190 CPC)..........contestação do réu (15 dias – art. 297 CPC)..........conclusão (24 horas – art. 190 CPC) despacho do juiz para que o autor se manifeste sobre a contestação (2 dias – art. 189, I, CPC)..........cumprimento do despacho (48 horas – art. 190 CPC)..........impugnação à contestação (10 dias – art. 327 CPC)..........conclusão (24 horas – art. 190 CPC) e despacho do juiz para designação de audiência preliminar (2 dias – art. 189, I, CPC) audiência preliminar – fixa pontos controvertidos e designa audiência de instrução (30 dias – art. 331 CPC)..........cumprimento do despacho com a intimação de eventuais testemunhas (48 horas, art. 190 CPC)..........audiência de instrução, memoriais (10 dias sucessivos para cada parte (30 dias – art. 331, CPC – analogia)..........alegações finais (20 dias – art. 454, § 3º c/c art. 177 CPC)..........conclusão (24 horas, art. 190 CPC)..........sentença (10 dias – art. 456 CPC).
O tempo de duração do processo estabelecido em lei está muito longe de ser atendido. São diversos os fatores que dificultam o andamento processual célere, que podem ser acarretados por particularidades do caso, como o desaparecimento de testemunhas, ou de documentos necessários ao deslinde do feito. Porém, é fácil verificar que tais razões específicas de um determinado caso são a exceção, evidenciando-se que o andamento do processo está obstinado por vários fatores à guisa de utilização da lei processual com má fé pelas partes, além da falta de recursos humanos, magistrados, estrutura física e tecnológica no sistema Judiciário brasileiro.