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A duração razoável do processo no direito constitucional brasileiro

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8- A razoável duração do processo sob a ótica mundial

Alcançar uma duração razoável do processo é uma preocupação mundial, merecendo destaque o artigo 8º, 1, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), do qual o Brasil é signatário, que diz:

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Ainda na esfera internacional, o artigo 6° Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do homem e das liberdades fundamentais:

qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.

No ordenamento pátrio é verificável que o direito à celeridade processual já existia em decorrência do inciso XXXV da Constituição de 1988, que garante o acesso ao judiciário, e também a devida e efetiva proteção contra qualquer forma de violação de direitos.

O inciso LXXVIII do artigo 5°, que inseriu a garantia da duração razoável do processo passou a existir após a promulgação da Emenda Constitucional n° 45 em dezembro de 2004. O inciso foi incluído na emenda substitutiva n° 11 da Comissão Especial encarregada de oferecer parecer à proposta de Emenda Constitucional n° 1 de 1992, ante a sua importância conforme justificativa constante da citada emenda:

A proposta centra-se em reforma estrutural do Poder Judiciário, do primeiro grau aos Tribunais Superiores sublinhada, muito especialmente, por princípios de modernidade vigentes em países progressistas, tais como os da transparência, acesso, eficiência e efetividade da prestação jurisdicional ao cidadão.

 Enfrentando preliminar necessária, a Emenda Substitutiva proposta adita aos incisos LV, LX, LXXI e LXXIV e cria os incisos LXXVIII, LXXIX e LXXX ao art. 5° da Constituição Federal, que trata dos “Direitos Individuais”, com princípios de reforço à assistência judiciária, do acesso à Justiça, da limitação de custas e taxas judiciais, do direito à comunicação da decisão final ao interessado e de razoável duração do processo, com os meios para tal necessários.” (Diário da Câmara dos Deputados – Suplemento, Terça-feira, 14 de dezembro de 1999, p. 00389).

A inserção do referido inciso objetivou estimular uma reforma no Judiciário na tentativa de solucionar a sua situação calamitosa, com milhares de processos aguardando julgamentos, tanto na primeira, quanto nas demais instâncias.

O Tribunal Constitucional da Espanha[25], em jurisprudência, utiliza como critérios objetivos para saber se as dilações processuais são razoáveis: a) a complexidade do litígio, b) o tempo normal de duração do litígio de mesma espécie, c) o interesse do demandante, d) seu comportamento e e) o das autoridades, em vista de cada caso concreto. Ainda no mesmo sentido, para o Tribunal Constitucional da Espanha, o direito a um processo público sem dilações indevidas não pode identificar-se com um pretendido direito ao rigoroso cumprimento dos prazos processuais (STC 5/1985, 324/1994, 58/1999), ou seja, aqueles constantes no Código Processual.

No Brasil, tem entendido o Supremo Tribunal Federal que:

A economia processual, a instrumentalidade das formas e outros princípios tão caros aos processualistas modernos desaconselham a prática de atos, notadamente decisórios, que poderão ser nulificados mais adiante. Este é um luxo incompatível com o volume invencível de feitos que abarrotam o Judiciário brasileiro. É, também, um procedimento que traz insegurança ao jurisdicionado hipossuficiente, prolongando-lhe a agonia da espera. Tudo isso em descompasso com os ventos reformistas, que sinalizam “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (inciso LXXVIII do art. 5º da Magna Carta, na redação da EC 45/2004). (Pet 3597 MC / RJ - RIO DE JANEIRO MEDIDA CAUTELAR NA PETIÇÃO Relator(a) MIN. CARLOS BRITTO, Julgamento 06/02/2006 Publicação DJ 15/02/2006 PP-00087)

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E o Superior Tribunal de Justiça:

MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. REQUERIMENTO DE ANISTIA. PRAZO RAZOÁVEL PARA APRECIAÇÃO. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.

1. A todos é assegurada a razoável duração do processo, segundo o princípio da eficiência, agora erigido ao status de garantia constitucional, não se podendo permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo.

2. A despeito do grande número de pedidos feitos ao Ministro da Justiça e dos membros da Comissão de Anistia, seu órgão de assessoramento, serem pro bono, aqueles que se consideram atingidos no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988, por motivação exclusivamente política, não podem ficar aguardando, indefinidamente, a apreciação do seu pedido, sem expectativa de solução num prazo razoável.

3. Ordem concedida.” (MANDADO DE SEGURANÇA Nº 10.792 DF 2005/0112125-6)

Com o ordenamento expresso do princípio da duração razoável do processo passa-se a existir uma certeza de que deverá ser modificada a situação do Judiciário, mas para que isso ocorra, são necessárias profundas alterações no sistema hoje vigente.


9- A duração razoável do processo versus o contraditório e a ampla defesa: colisão de princípios?

A aplicação de princípios constitucionais, que são trazidos à realidade de forma gradual, deve ser sempre objeto de criteriosa avaliação e estudo por parte do aplicador da lei. Tal acuidade deve-se ao fato de que as situações a serem avaliadas sempre estão preenchidas por diversos aspectos que merecem ser contemplados por mais de um princípio fundamental. É aí que surge o problema: Como decidir de acordo com a justiça quando dois ou mais princípios constitucionais se encontram em aparente conflito?

ALEXY em sua obra Teoria de los derechos fundamentales, 1997, assevera que: “Cuando dos princípios entran en colisión, uno de los dos princípios tene que ceder ante el outro”. Assim, ao confrontar os princípios do contraditório e da ampla defesa com a celeridade processual, é possível verificar a possibilidade de se ponderar tais ordenamentos. O julgador deve observar o caso concreto, no sentido de conciliar o tempo necessário para se seguir o trâmite legal do processo, observando sempre o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa juntamente com a celeridade do processo, obedecendo aos prazos legais estabelecidos no rito do processo em questão.

A tutela jurisdicional, para ser eficaz, exige rapidez e, por vezes, urgência na realização do direito material que se busca proteger. A noção de tempo é inseparável do processo, já que o tempo é essencial à prática dos atos processuais e à observância das garantias asseguradas pela Constituição Federal às partes, que possibilitam ao julgador formar seu convencimento sobre a pertinência do direito afirmado.

Assim, o aparente conflito entre os valores de celeridade e segurança jurídica extraída dos princípios do contraditório e da ampla defesa se faz presente na relação processual. Impõe-se, assim, a constante busca do equilíbrio entre eles, consoante preconiza José Rogério Cruz e Tucci:

Não se pode olvidar, nesse particular, a existência de dois postulados que, em princípio, são opostos: o da segurança jurídica, exigindo, como já salientado, um lapso temporal razoável para a tramitação do processo (“tempo fisiológico”), e o da efetividade deste, reclamando que o momento da decisão final não se procrastine mais do que o necessário (“tempo patológico”). Obtendo-se um equilíbrio destes dois regramentos – segurança/celeridade – emergirão as melhores condições para garantir a justiça no caso concreto, sem que, assim, haja diminuição no grau de efetividade da tutela jurisdicional[26].

Importante também mencionar os esclarecedores ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni:

Deve-se perseguir o equilíbrio entre a segurança e a celeridade, de forma a não prejudicar ou favorecer nenhuma das partes litigantes. A tutela jurisdicional intempestiva é completamente incapaz de realizar efetivamente o direito do autor, ocasionando, muitas vezes, o perecimento do próprio direito objeto de tutela. Por outro lado, é forçoso reconhecer que, independentemente de tratar-se de situação de urgência, deve-se buscar a distribuição racional do ônus do tempo do processo entre as partes. Pretender distribuir o tempo implica em vê-lo como ônus, e essa compreensão exige a prévia constatação de que ele não pode ser visto como algo neutro ou indiferente ao autor e ao réu. Se o autor precisa de tempo para receber o bem da vida a que persegue, é lógico que o processo – evidentemente que no caso de sentença de procedência – será tanto mais efetivo quanto mais rápido for. De modo que a técnica antecipatória baseada em abuso de direito de defesa ou em incontrovérsia de parcela da demanda possui o objetivo fundamental de dar tratamento racional ao tempo do processo, permitindo que decisões sobre o mérito sejam tomadas no seu curso, desde que presentes o abuso do direito de defesa ou a incontrovérsia de parcela da demanda.

Para tanto, parte-se da premissa de que não é racional obrigar o autor a suportar a demora do processo quando há abuso do direito de defesa ou quando parcela da demanda pode ser definida desde logo[27].

A ponderação deve ser aplicada, mesmo que o conceito avaliado não seja determinado objetivamente, como é o caso da razoável duração do processo, em que ainda não se chegou a uma definição do que realmente seria um tempo “razoável” para a solução da lide. Assim, para que o juiz chegue a um entendimento sobre o que é a razoável duração do processo, ele deve ponderar qual o sentido que ele deve atribuir a essa expressão, escolhendo o significado que melhor se amolde ao caso concreto[28].


10- Os principais problemas do Judiciário brasileiro e algumas possíveis soluções

Fazer com que o processo se torne célere e efetivo, de forma que ele não se desvincule dos princípios e garantias fundamentais é o grande desafio do judiciário brasileiro. A rapidez, hodiernamente, é uma condição da efetividade do processo. A concessão da tutela fora do tempo não traz a pacificação social, não atingindo a finalidade do processo.

A economia processual determina que se concilie o binômio tempo e segurança, assim, o tempo ideal do processo é aquele que garanta a absoluta segurança da decisão.

Ao se analisar quais os motivos que levam a tamanha lentidão no trâmite de processos no país, um dos pontos principais que prejudicam o Poder Judiciário é o insucesso legislativo: leis mal elaboradas, que dão margem a diversas interpretações, bem como a lacunas que permitem decisões controvertidas.

Esse oportunismo hermenêutico estimula a existência de incidentes processuais e multiplica a interposição de recursos. Daí vem a grande sobrecarga de trabalho, e, tal atitude afeta os órgãos judiciais, truncando o desenvolvimento jurisprudencial, fonte tão cara do direito, uma vez que esta é que se atualiza conforme a evolução social de maneira mais dinâmica.

Além disso, a falta de recursos materiais e tecnológicos, a existência de uma legislação processual por vezes ultrapassada e a formação cultural dos operadores do direito, que está despreparada para a advocacia que busca a prevenção, orientação e conciliação, são barreiras para uma maior rapidez no trâmite processual brasileiro.

Sendo assim, depreende-se que, basicamente, são três são os fatores da morosidade do Poder Judiciário brasileiro: fator material (investimento financeiro, em infraestrutura, pessoal qualificado, mais magistrados e servidores), fator legal (alteração das leis processuais, que por vezes são permissivas a advogados que só procuram obstinar a aplicação da justiça, valendo-se de várias esferas recursais para prolongar a duração do processo) e, fator cultural (ideais extremamente legalistas dos operadores do direito, que se esquecem de meios alternativos de pacificação social como a conciliação).


11- As principais causas da morosidade

Adiante, mostrar-se-ão as principais e mais evidentes causas da morosidade do Judiciário, destacando-se todos os aspectos acima mencionados, quais sejam: material, legal e cultural.


12- O papel do juiz na condução do processo

O exercício do magistrado traz ao juiz como premissa fundamental a busca pela a excelência da atividade, e não somente o ato mecânico do julgamento, mas a adequação a realidade particular de cada caso.

 A soma de instituições bem organizadas e geridas pelos respectivos grupos de magistrados e servidores determinará uma união de iniciativas capazes de alterar de forma satisfatória a eficiência do Judiciário enquanto entidade prestadora de serviços. Estas ações colaborarão terminantemente para a eficiência da prestação jurisdicional por completo e não apenas de forma pontual em pequenos locais.

Os juízes têm que sair da posição única e exclusiva como julgadores, passando a se tornar gestores de suas unidades jurisdicionais. Nesse sentido, Sidnei Agostinho Beneti leciona que:

O juiz deve ser encarado como um gerente de empresa, de um estabelecimento. Tem sua linha de produção e produto final, que é a prestação jurisdicional. Tem de terminar o processo, entregar a sentença e execução. Como profissional de produção é imprescindível mantenha ponto de vista gerencial, aspecto da atividade judicial que tem sido abandonado. É falsa a separação estanque entre as funções de julgar e dirigir o processo – que implica orientação ao cartório. O maior absurdo derivado desse nocivo ponto de vista dicotômico é a alegação que às vezes alguns juízes manifestam, atribuindo culpa pelo atraso dos serviços judiciários ao cartório que também esta sob a sua orientação e fiscalização.[29]

A incompreensão de que o trabalho do magistrado não é só a arte de julgar, somada à falta de ações concretas que busquem gerir o foro, tem causas culturais, mas também é fruto da falta de preparo e exigência por parte da instituição.

O Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (IDESP) realizou, no ano 2000, pesquisa por meio da qual foi colhida a opinião de 738 juízes, em 11 Estados da federação e no Distrito Federal, de primeiro e segundo graus de jurisdição, da Justiça Estadual, do Trabalho e Federal, sobre vários aspectos que envolvem o Judiciário, em especial seu desempenho e morosidade.

A pesquisa realizada pelo IDESP apontou que 74,6% dos 738 juízes entrevistados em vários Estados do país, disseram falta de eficiência administrativa é fator relevante como causas da morosidade da Justiça[30].

Helena Delgado Moreira[31] em sua obra, analisa que há uma posição de passividade do magistrado brasileiro em face da morosidade processual e das soluções a ela possíveis.

Assim, há uma necessidade de mudança na conduta dos magistrados brasileiros, no sentido de que estes tomem para si além da função tradicional de julgamento, a administração e gestão de seu local de trabalho, para que este, organizado, possa colaborar para o bom e célere desenvolvimento das atividades.

Sobre os autores
Wander Pereira

Pós-Doutorado em Criminologia, Pós-doutorado em História do Direito: Filosofia e Constituição. Doutor e Mestre pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Direito e Processo do Trabalho, em Direito Público e Filosofia do Direito. Cirurgião-dentista CRO22510, Advogado OABMG109559 graduações pela UFU. Professor visitante do Pós-Doutorado da UFU. Professor de Direito pro tempore da Faculdade de Direito, da Faculdade de Administração e da Faculdade de Ciências Contábeis, todas da UFU. Professor de Direito nas Faculdades ESAMC e UNIPAC, Professor de Direito na Pós-Graduação da PUC-MINAS.

Nádia Carrer de Ruman de Bortoli

Professora de Direito Constitucional, Civil e Processual Civil, Advogada OABMG 145.690 Graduada pela Universidade Federal de Uberlândia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Wander; BORTOLI, Nádia Carrer Ruman. A duração razoável do processo no direito constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4126, 18 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30247. Acesso em: 22 dez. 2024.

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