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A duração razoável do processo no direito constitucional brasileiro

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13- Desorganização administrativa

É evidente que falta uma regulamentação específica e efetiva que organizem a administração dos tribunais brasileiros.

As organizações mantidas pela iniciativa privada há muito se utilizam dos ensinamentos da Administração na busca de resultados eficazes, com o crescente investimento na formação de seus gestores. Destaca-se que o planejamento é o principal ensinamento que traz o sucesso de tais instituições privadas. O Poder Público pouco aproveita de tal conhecimento para si, o planejamento na maioria das vezes não é utilizado na administração pública, em especial nas gestões administrativas dos tribunais. Tal circunstância justifica, pelo menos em parte, as dificuldades existentes que acabam gerando no final do processo a morosidade da prestação jurisdicional.

As ferramentas de Administração são fundamentais para a boa gestão do Poder Judiciário, como melhor forma de enfrentar a morosidade. É necessária uma preocupação com a utilização de novos conhecimentos para a busca da excelência dos serviços prestados à população.

Lamentavelmente, o setor público do país está invadido pela corrupção e individualismo, motivo pelo qual, os indivíduos que possuem o poder para modificar a situação buscam a satisfação de seus projetos pessoais em detrimento do interesse público, e da gestão estratégica tão necessária à mudança na situação em que se encontra o judiciário brasileiro.

Nas palavras de Elizer Arantes da Costa, a gestão estratégica pode ser entendida como:

O processo sistemático, planejado, gerenciado, executado e acompanhado sob a liderança da alta administração da instituição, envolvendo e comprometendo todos os gerentes e responsáveis e colaboradores da organização. A gestão estratégica tem por finalidade assegurar o crescimento, a continuidade e a sobrevivência da instituição, por meio de contínua adequação de sua estratégia, de sua capacitação e de sua estrutura, possibilitando-lhe enfrentar e antecipar-se às mudanças observadas ou previsíveis no seu ambiente externo e interno[32].

Assim, para que haja uma melhoria na organização do poder judiciário, é imprescindível que apesar das dificuldades culturais e da resistência dos dirigentes e potenciais dirigentes dos tribunais, haja a elaboração de uma gestão estratégica como maneira de enfrentamento eficaz e perene dos problemas do judiciário.


14-  Causas estruturais

A falta de estrutura física e humana direcionada ao Judiciário para o desempenho de suas funções também são importantes causas para a morosidade da prestação jurisdicional. Faltam recursos de informática, pessoas suficientemente qualificadas, e também se verifica que as edificações em que funcionam os órgãos da justiça estão em precárias condições.

A crescente demanda pelos serviços do Judiciário exige que os recursos de informática sejam utilizados e conduzidos da melhor forma possível, sendo que a precária utilização desses recursos facilitadores é capaz de inviabilizar o cumprimento das tarefas e prazos em um curto espaço de tempo.

Pode-se dizer que hoje em dia é impossível desvincular as atividades burocráticas da informática, uma vez que esta facilita muito o desempenho dos procedimentos, acelerando o resultado e diminuindo os custos da atividade. O aumento da procura pelas ações judiciais criou a necessidade de aumentar a produtividade do Judiciário e esse fato escancarou a situação extremamente precária do sistema burocrático judicial. Um sistema completamente atrasado tecnologicamente, pautado no uso do papel e caneta, além do trânsito dos “autos” para que eles cheguem ao destinatário, que ocasionam um desperdício significativo de tempo culminando na indesejada ineficiência da prestação jurisdicional.

Apesar de esta situação ser evidente e necessitar de urgente mudança, os recursos de informática ainda são pouquíssimo utilizados pela instituição. Falta sim muito do recurso financeiro para efetuar tais mudanças, mas, mais que isso, falta planejamento e amadurecimento dos administradores do judiciário, que ainda têm a cultura da utilização do papel como forma mais segura de registro de documentos. José Renato Nalini diz que é uma providência inevitável a adequação à modernidade. Evidencia o autor, que “a otimização instrumental permitirá ao juiz multiplicar a sua produção, sem gerar maior desgaste.”[33]

Ainda de acordo com a pesquisa realizada pelo IDESP no ano de 2000, 91,9% dos magistrados entrevistados apontaram este fator supracitado como causa muito relevante para a morosidade do judiciário brasileiro.

Vicente de Paula Ataíde Junior[34] ao descrever a evolução operacional dos serviços judiciários, diz que:

Mesmo com as constantes inovações tecnológicas, não se venceu o paradigma dos autos escritos, de papel e plástico, entulhando prateleiras e escaninhos, obrigando o seu transporte por meios dispendiosos, sem falar nos galpões e depósitos necessariamente alugados ou comprados pelos tribunais para arquivar autos findos.

Assim, para que haja uma mudança significativa na situação do judiciário brasileiro, é necessário que de deixe de lado essa “cultura do papel”, e também que sejam direcionados mais recursos financeiros para o investimento em melhores tecnologias que auxiliem os magistrados e servidores a tornar o processo cada vez mais célere.


15- Recursos humanos

A falta de juízes e servidores no judiciário também é fator importante para o problema da morosidade do sistema brasileiro.

Em um primeiro momento, pode-se afirmar que, o número insuficiente de juízes é uma das mais importantes causas da morosidade. Flávio Beal[35] aponta que “a primeira e grande causa da morosidade da Justiça no Brasil é a relação da população por número de juízes”.

A Organização das Nações Unidas sugere a proporção mínima de 7 juízes para cada grupo de 100.000 habitantes, ou seja, um juiz para aproximados 14.285 pessoas.  Ao contrário do previsível, surpreendendo os estudiosos, no Brasil, existem 8 juízes[36] para cada 100 mil habitantes, índice acima da sugestão da ONU.

Com fulcro nos dados fornecidos pelo do Conselho Nacional de Justiça relativo ao ano de 2011, não se confirma a tão divulgada carência de juízes como fator de influência direta para a morosidade.

Assim, valendo-se das palavras de José Renato Nalini: “desde logo se afaste a falácia da insuficiência de juízes (...) o problema brasileiro é a falta de planejamento, falta de controle de produtividade, falta de otimização de infraestrutura”[37].


16- Espaço físico

A existência de espaço físico adequado para o desenvolvimento de atividades burocráticas e de atendimento ao público é importante para o bom desempenho destas funções. Assim é necessário que exista um local organizado e sistematizado para as atividades dos juízes e servidores, bem como instalações com conforto e tranquilidade para o bom desempenho das tarefas. Um ambiente organizado e planejado para o desempenho das atividades aumentará o potencial produtivo das pessoas que ali trabalham, e quanto mais os magistrados e servidores produzem, mais rapidamente enfrentam a busca por Justiça.


17- A legislação processual

A legislação processual, o exacerbado formalismo das atividades judiciárias e as carências orçamentárias são causas de importante influência para a morosidade. Por isso, somado às dificuldades orçamentárias e os problemas da legislação processual e o formalismo que lhe é típico, podem ser indicadas como causas prováveis da morosidade a cultura e a litigiosidade dos novos tempos. Estas, notadamente, que exigem dos juízes a busca de soluções que não passem apenas pela alteração de leis e pelo aumento de gastos para a manutenção do sistema.

A grande possibilidade de interposição de recursos é entendida como a mais significativa causa dos mais graves problemas do Judiciário. Problemas que, sabemos, são a morosidade e a ineficácia das decisões judiciais, a segunda influenciada pela primeira.

No mesmo sentido é a opinião do Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, magistrado com experiência na mais alta Corte do país, o Supremo Tribunal Federal. Segundo ele “outra causa da lentidão da Justiça, que me parece, aliás, a mais importante, é o formalismo das leis processuais e o sistema irracional de recursos[38].”

De acordo com Franciulli Netto “a maioria dos operadores do direito não hesita ao eleger o atual Código de Processo Civil como o principal obstáculo para uma situação de maior eficiência e presteza na concretização da justiça.”[39]

Assim, não é possível deixarmos de considerar certa a inclusão da legislação processual e sua complexidade como uma das causas a contribuir para a morosidade da prestação jurisdicional, ainda que com a ressalva quanto ao peso que a maioria atribuiu a ela como causa efetiva desta lentidão.

Na avaliação da legislação processual como causa da morosidade, ainda, é preciso que se tenha presente que o processo é instrumento por meio do qual se viabiliza o exame e decisão sobre direitos materiais. Para tanto, o processo deve ser conduzido de forma não apenas organizada, mas também com respeito aos prazos e termos legais previamente estabelecidos na lei processual para garantir a completa dedução de pretensões e defesa, bem como a produção de provas. O cumprimento de todas estas providências exigirá sempre um tempo que será necessário.

Os estudiosos portugueses, guiados por Boaventura de Sousa Santos, sobre esse lapso temporal esclarecem que

(...) o tempo ideal de duração de um processo, que será aquele em que a rapidez e a eficiência do Tribunal se harmonizam com o tempo necessário à proteção dos direitos de todos os intervenientes no processo e que poderíamos designar como morosidade necessária. No entanto, a morosidade necessária, apensar da sua indefinição, é um importante princípio regulador na medida em que a morosidade legal, ou seja, a que decorre do cumprimento dos prazos legais na prática dos atos judiciais, devia aproximar-se tanto quanto possível dessa duração necessária[40].

Portanto, mesmo que exista a culpa da legislação processual para a morosidade, outros aspectos relevantes e que com ela mantêm direta relação devem ser considerados no momento de avaliar a importância de sua influência, para que se chegue a verdadeira importância de seu papel.


18- Um modelo de processo de inovação para o Judiciário

A inovação, entendida por ser uma ação em que devem ser melhoradas as ideias e métodos já existentes, precisa ser sistematizada e muito organizada. A busca da população pela prestação jurisdicional é fator determinante para a sua celeridade ou eficiência. O desenvolvimento da tecnologia e a rapidez com que ele progride influencia a população a exigir também do Poder Público, especificamente o Judiciário, a mesma celeridade.

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Assim, a inovação é uma forma que a ciência da Administração conseguiu para possibilitar a adaptação e o enfrentamento das demandas criadas pela evolução social. Deve o Poder Judiciário encontrar uma maneira de efetivar a inovação como instrumento na busca da eficiência.

Pode-se dizer que a inovação no Poder Judiciário tem que passar por etapas, num processo de aceitação de ideias de forma coletiva, na busca por soluções[41]. A primeira fase consiste em avaliar a necessidade de determinados procedimentos serem adotados em um processo. Deve-se buscar a simplificação com a supressão de etapas e de providências que não agregam valor, e em contrapartida, exigem demasiado tempo para seu cumprimento.

Conforme avalia Peter Drucker[42], o trabalho tem que propor a resolver os problemas apresentados, assim, precisa-se buscar o aperfeiçoamento dos processos já existentes, ou seja, da necessidade de se realizarem as tarefas de forma distinta do que é usual, na tentativa de alcançar a maior eficiência da prestação jurisdicional que já existe.

É fácil entender que todos os trabalhadores envolvidos com o Judiciário são capazes de agregar melhorias com seus saberes, criatividade e experiência, de forma a inserir novas rotinas, condutas e disciplina, com certeza a ajuda de todos propicia a mudança. A participação de todos, trabalhando em equipe, é a chave para o começo da melhoria do judiciário.

O começo do processo tem que vir dos que têm contato efetivo e direto com as tarefas que podem ser questionadas, melhoradas ou simplificadas em busca da eficiência da realização da justiça e da paz social. Estes servidores tem função essencial para o êxito da inovação.

Um ambiente adequado para o desenvolvimento das atividades é aquele com um bom espaço físico, ferramentas adequadas, e, principalmente com o aproveitamento e otimização dos recursos humanos existentes. Para efetivar essa organização é necessária a presença de um líder. Nas de Maria Elisa Macieira[43] “o papel do líder como incentivador da criatividade e da inovação na equipe determina o sucesso da implementação da mudança organizacional.” Além disso, o líder tem que ter um conhecimento mais apurado sobre quais diretrizes devem ser adotadas para se chegar ao resultado esperado.

Segundo Paulo Roberto Motta[44] a liderança é um processo no qual um indivíduo influencia outros a se comprometerem com a busca de objetivos comuns. E é este comprometimento que tem que ser estimulado, para que o grupo alcance resultados efetivos.

Assim, com a presença de um líder e de várias cabeças pensantes, com um método em que se incentive a participação de todos, certamente qualquer circunstância será superada ou vencida, o que determinará a implementação criação de uma nova prática, de uma nova rotina, de uma inovação permanente na atividade-meio. É neste instante que a criatividade de um e de todos se estabelece como fator diferencial.

A segunda fase é a de filtragem dessas novas ideias, bem como o planejamento das ações a serem efetivadas. É a escolha do método a ser utilizado durante o desenvolvimento do trabalho de inovação com a escolha da ideia que na concepção do grupo é a mais viável ao objetivo traçado. Sendo assim, deve haver a escolha do que deve ser feito, a execução do que foi planejado, a verificação de resultados e, ao fim, caso seja preciso, ajustar o método com algumas correções.

Chegada a uma conclusão de como deve ser o procedimento, inicia-se a terceira fase do procedimento, que é a divulgação do resultado obtido para as demais unidades do Poder Judiciário. O que antes ocorria somente na unidade de implementação das inovações, agora deve ser tornar exposta a todo o grupo, para que elas possam vir a ser institucionalizadas[45].

O grupo institucional deve ser formado por magistrados e servidores, de com perfil pró-ativos na busca de soluções de baratas e rápidas na busca de eficiência das atividades.

A formação de um grupo heterogêneo, com vistas ao mesmo objetivo, propiciará a existência de uma massa crítica capaz de efetivamente aperfeiçoar as práticas remetidas e já executadas nas unidades.

Finda a fase de testes e melhoramentos, julgados os resultados e a viabilidade de implantação geral da inovação como procedimento padrão a ser seguido por todos, o grupo institucional deve formalizar a nova rotina. Depois, deve encaminhá-la para a institucionalização, ou seja, para a padronização[46].

A institucionalização da prática estabelecerá que aquela inovação foi adotada pelo Poder Judiciário como forma mais eficiente e/ou eficaz de desenvolvimento de determinadas tarefas, logo, ela deve fazer parte de seu rol de procedimentos padronizados, de forma a afastar improvisações e fazer a manutenção da inovação.

A adoção desses procedimentos certamente propiciará a melhoria da atividade desenvolvida no Judiciário, proporcionando aos servidores uma rotina a ser seguida, sem, contudo, engessar a criatividade e capacidade de aperfeiçoamento de quem está em contato com a movimentação diária das informações.

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Sobre os autores
Wander Pereira

Pós-Doutorado em Criminologia, Pós-doutorado em História do Direito: Filosofia e Constituição. Doutor e Mestre pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Direito e Processo do Trabalho, em Direito Público e Filosofia do Direito. Cirurgião-dentista CRO22510, Advogado OABMG109559 graduações pela UFU. Professor visitante do Pós-Doutorado da UFU. Professor de Direito pro tempore da Faculdade de Direito, da Faculdade de Administração e da Faculdade de Ciências Contábeis, todas da UFU. Professor de Direito nas Faculdades ESAMC e UNIPAC, Professor de Direito na Pós-Graduação da PUC-MINAS.

Nádia Carrer de Ruman de Bortoli

Professora de Direito Constitucional, Civil e Processual Civil, Advogada OABMG 145.690 Graduada pela Universidade Federal de Uberlândia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Wander ; BORTOLI, Nádia Carrer Ruman. A duração razoável do processo no direito constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4126, 18 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30247. Acesso em: 25 abr. 2024.

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