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O princípio dispositivo no procedimento de cognição e de execução

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Agenda 20/07/2014 às 14:18

O princípio dispositivo, ao longo da fase de cognição, veio sendo atenuado em período mais recente, com relação às atividades instrutórias, restringindo-se o seu núcleo duro à impossibilidade de o juiz alterar e conceder bem outro que não conste na causa de pedir e pedido.

Índice: Resumo. I. Introdução. II. Do dispositivo como princípio geral do processo. III. Princípio dispositivo no procedimento de conhecimento. IV. Princípio dispositivo no procedimento de execução. V. Conclusão. Referências doutrinárias.

Palavras-chave: Processo civil. Princípio dispositivo. Fase de conhecimento. Fase de execução.


I – INTRODUÇÃO.

Em momento de apresentarmos à comunidade jurídica nacional a nossa obra de processo em atualizada edição[1], sentimos a necessidade de discorrermos a respeito de um fundamental princípio do sistema adjetivo, do qual muito tratamos e que constantemente é utilizado ao se discorrer a respeito do iter procedimental de cognição e também de execução. 

Entender a aplicação do princípio dispositivo é fundamental para se compreender a lógica do processo contemporâneo, que não pode deixar de ser coisa das partes para se transformar em exclusivo objeto de interesse e atuação do Estado-juiz.

Enfrentaremos, por isso, cenários em que a sua aplicação inconteste deixou de ser visualizada, como também explicitaremos o núcleo duro de inserção do princípio dispositivo e a sua relação com o princípio específico da execução denominado de disponibilidade e resultado.


II – DO DISPOSITIVO COMO PRINCÍPIO GERAL DO PROCESSO.

O princípio dispositivo determina que cabe à parte requerer, dentro de sua disponibilidade, determinada prestação de tutela jurisdicional; o Estado-juiz resta assim inerte, aguardando a provocação da parte interessada para que possa a partir daí tomar as medidas legais cabíveis, concedendo a parte o seu direito dentro dos limites requeridos.

Trata-se de princípio geral, já que possui ampla aplicação, não só nos processos de cognição, ou conhecimento, mas também nos processos de execução e mesmo nos processos cautelares (cada vez mais em desuso).

Inegavelmente vincula-se ao conceito histórico de ação, já que por meio desta a parte, e somente ela, encaminha pedido de prestação de tutela jurisdicional – de cognição, execução ou cautelar[2].  

Indiscutivelmente, é um dos princípios fundamentais do nosso processo civil, sendo comumente lembrado como um dos elos ou ponto de intersecção do direito processual com o direito material, ao passo que instituto intimamente relacionado com a natureza do direito material[3].

A partir do impulso inicial realizado pela parte, deixa o magistrado de permanecer inerte, devendo agir para a rápida solução da problemática. Eis aqui o espaço do impulso oficial, a exigir energia do agente político do Estado para dar a cada um o que é seu de direito, depois de ser devidamente provocado pela adequada via processual.

O sistema processual assim montado presta-se para que o magistrado haja dentro da lei, não ultrapassando dos seus propósitos, vulnerando a imparcialidade que dele a sociedade espera; impedindo que inicie processo e, principalmente, altere a causa de pedido e/ou pedido do feito que ele mesmo terá que julgar futuramente.

Representa, pelo que foi até aqui exposto, o princípio dispositivo, um dos alicerces do sistema processual, determinando uma adequada limitação ao poder de atuação do magistrado. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, na sua tese de doutorado, bem atentou para esse detalhe, referindo que tanto no direito brasileiro como na maioria dos ordenamentos processuais, o maior limite formal para a atividade do órgão judicial é o constituído pelo princípio dispositivo, sendo esse papel desempenhado pela preclusão no concernente aos atos da parte.[4]

Em linhas propedêuticas cabe ainda registrar que o princípio dispositivo se aproxima de alguns outros importantes e históricos institutos processuais, embora com eles não se confunda propriamente. Embora haja um aspecto subjetivo que integra também o princípio do juiz natural, este relaciona-se especificamente à garantia de preexistência do órgão jurisdicional ao fato (levado ao conhecimento do juízo pela parte interessada) e o respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência[5]. Por sua vez, o princípio da identidade física do juízo aponta que o magistrado que desenvolveu a instrução deve proferir julgamento final, em razão da sua vinculação mais próxima às questões fáticas controvertidas discutidas ao longo do procedimento. Ainda, o princípio da indeclinabilidade, ou da inafastabilidade da jurisdição, tem a peculiaridade de se referir à circunstância de o órgão jurisdicional, uma vez provocado, não poder recursar-se de julgar ou delegar a função de dirimir o litígio nos termos postos pela parte.

Por fim, temos o princípio da demanda, constantemente confundido com o princípio dispositivo – o que de certa forma se justifica, já que não há como compreender a dimensão de um sem conhecer o outro. O princípio da demanda, também conhecido como princípio da inércia, e diretamente vinculado ao conceito de ação antes informado, seria prévio ao princípio dispositivo, significando apenas que o Estado não pode mover-se sozinho em busca da satisfação das pretensões dos jurisdicionados: caberia ao próprio interessado a iniciativa de provocar o exercício da função jurisdicional, de ativar os órgãos jurisdicionais (que são, portanto, inertes) e buscar a satisfação de uma pretensão[6].

O princípio dispositivo viria então, como lógica complementar robusta ao princípio da demanda, informando que a parte, ao propor determinado pleito judicial, é responsável pelo devido encaminhamento dos fatos e dos pedidos, como também pela indicação das provas lícitas referentes a tais circunstâncias, devendo o Estado-juiz respeitar esses limites – o que implicaria realmente na limitação à atuação do magistrado antes referida, ao passo que não estaria na sua alçada auxiliar ou substituir à atividade da parte, adotando ativamente uma medida procedimental que compete exclusivamente ao litigante.


III – PRINCÍPIO DISPOSITIVO NO PROCEDIIMENTO DE CONHECIMENTO.

O ambiente em que seguramente mais visualizamos a presença do princípio dispositivo é na fase de conhecimento[7]. Aqui a parte autora, mas também a parte ré, podem mais livremente dispor do seu direito, dentro do campo da autocomposição, como também podem estabelecer ainda na parte inaugural do litígio – fase postulatória – os devidos contornos da lide, fora dos quais o juízo está impedido de decidir.

Nesse sentir, dispõe o art. 128 do CPC que o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte; como também o art.460 do mesmo diploma processual: é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

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Julgamentos dessa ordem, fora do objeto litigioso do processo[8], por certo devem ser redefinidos, a partir da interposição do competente recurso, o que não necessariamente determina a sua ampla nulidade. Sobre a presença de julgamento destoante do pedido encaminhado pela parte autora, temos a posição de que somente o julgamento ultra petita (coisa além do pedido), autoriza o segundo grau a não invalidar o ato, vindo a tão só reduzir (adequar) o comando sentencial ao âmbito do que permitido ser concedido judicialmente, em face do pleito dirigido pela parte demandante; nesse diapasão, coerente a posição de Marinoni e Arenhart no sentido de que, em regra, só a sentença que julga além do pedido pode ser corrigida para menos pelo Tribunal ad quem, ou seja, para os limites do pedido, pois seria um atentado à celeridade e à economia processual exigir uma (nova) sentença de primeiro grau de jurisdição para definir o que já foi julgado procedente[9].  Por outro lado, proferida sentença extra petita (julgado coisa diversa da pedida), normalmente o acórdão deve se postar para a decretação da nulidade, com o retorno dos autos para novo julgamento pelo primeiro grau, atentando-se para o fenômeno de supressão de instância[10].

A seu turno, o art. 282, III e IV, do CPC, aponta que a petição inicial indicará o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, como também o pedido, com as suas especificações; já o art. 315 elucida que o réu, por sua vez, pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.

Estabelecidos os argumentos e as teses de ataque, contra-ataque e defesa, ficam as partes e o Estado-juiz impedidos de alterar os limites do litígio, após o saneamento do feito – nos termos expressos do art. 294 c/c 264 do CPC. A estabilização do processo, mediante a inalteração da causa de pedir e pedido, possui duplo fundamento: um particular, com efeitos privados, consiste na realização prática da lealdade processual, a qual não consiste apenas na fidelidade à verdade, mas compreende a colocação clara e precisa dos fatos e dos fundamentos jurídicos por ambas as partes, de modo a não se surpreender, nem um nem outro, com alegações novas de fatos ou indicação de provas imprevistas. O outro fundamento da estabilização do processo é o do interesse público na boa administração da justiça, que deve responder de maneira certa e definitiva à provocação consistente no pedido do autor, ou mesmo na reconvenção do réu.[11]

Antes de ser proferida decisão final de mérito a transitar em julgado (art. 269, I CPC), pode se suceder o pagamento espontâneo ou mais comumente a realização de acordo, mediante transação ou conciliação (art. 269, III CPC). Essa última hipótese mostra-se realmente interessante para o nosso estudo, ao passo que as partes podem compor o litígio envolvendo matéria não incluída no feito – como expressamente consta, aliás, no art. 475-N, III do CPC, não estando o juízo impossibilitado de homologar o acordo fora dos limites propostos na demanda. Ocorre que aqui o julgador não está diretamente decidindo o mérito da contenda, não havendo razão para se falar em quebra da sua imparcialidade, se as próprias partes estão de acordo em composição mais ampla envolvendo direitos disponíveis. A limitação imposta pelo princípio dispositivo, deixe-se bem claro, portanto, relaciona-se ao julgamento de mérito pelo juiz (art. 269, I) e não à homologação de acordo entabulado pela partes mesmo envolvendo matéria não debatida nas fases anteriores do procedimento (art. 269, III) – a qual, de acordo com o nosso sistema processual, é tão título executivo judicial como a sentença de mérito propriamente dita[12].

Uma outra grande questão que se estabelece ao se discutir a aplicação do princípio dispositivo na fase de conhecimento cinge-se à sua importante relativização recente, no âmbito instrutório.

O código de processo brasileiro, especialmente no art. 130, articulado com os incisos I e II do art. 125, reconhece a possibilidade de o juiz, não só a requerimento das partes, mas também de ofício, determinar a realização de provas necessárias à melhor instrução do processo.

Está assim, o Código, respeitando uma tendência mundial, relativizando o princípio dispositivo em sentido impróprio ou processual e o próprio brocardo latino mihi factum, dabo tibi ius, ao passo que admite a necessidade de, no processo moderno, o magistrado ter maior liberdade no impulsionamento do feito (inquisitorial system), não o deixando à livre intervenção das partes interessadas (adversarial system)[13].

A referida necessidade de intervenção judicial, diga-se de passagem, surge precipuamente da tomada de consciência da insuficiência das partes e seus procuradores, por si só, serem agentes hábeis a conduzir, a contento, o processo em busca da verdade processual e da justiça; cabendo, pois, ao órgão judicial auxiliar nesta senda, tratando de equilibrar o jogo, em face de desigualdades sociais/econômicas/técnicas comumente presentes entre os contendores – conjectura que passou a exigir, em suma, algo mais do que a igualdade formal proporcionada pelo modelo processual liberal.[14] O Estado-juiz, nesse contexto atual, passaria, na verdade, a deixar de ser imparcial, se assistisse inerte, como um expectador de um duelo, ao massacre de uma das partes, ou seja, se deixasse de interferir para tornar iguais partes que são desiguais.[15]

Tal exigência moderna de suplementação de um modelo de atuação passiva do Estado-juiz na instrução processual orienta então o julgador a buscar a verdade independente da preclusão para as partes em matéria de prova – valendo-se de todos os meios probatórios lícitos e legítimos, típicos ou atípicos.[16]

De fato, embora a regra tradicional seja a de que o juiz deva decidir segundo o alegado e provado pelas partes – iudex secundum allegata et probata partium indicare debet, o princípio dispositivo, ao longo da evolução do direito processual brasileiro (seguindo o fluxo mundial, repite-se[17]), sofreu sensíveis restrições, consolidando-se que o juiz pode determinar as diligências necessárias à instrução do processo; sendo então absoluto somente no tocante à afirmação dos fatos em que se funda o pedido, no que o juiz depende inteiramente das partes – iudex secundum allegata partium indicare debet.[18]

Sucedeu-se, prossigamos, uma superação da concepção tradicional da posição do juiz no processo civil, que até então se limitava à investigação do direito; época em que competia às partes determinar o objeto do processo (Dispositionsmaxime), ministrar os fundamentos de fato da sentença, através de afirmações e provas (Verhandlungsmaxime), e até mesmo responder pelo chamado impulso processual.[19] O princípio dispositivo passou então a ser compreendido sobre dois diversos enfoques: de um lado o direito exclusivo da parte de propor o processo e requerer a tutela jurisdicional em busca dos próprios interesses; e de outro a regra da iniciativa das partes na instrução da causa – esta última acepção sim passando a sofrer alterações substanciais de concepção, à medida que o formato publicístico do processo fez emergir as influências oficiosas decorrentes da aplicação do princípio inquisitório.[20]

Pode-se então dizer que estamos tratando de hipótese em que o Estado-juiz, segundo o contemporâneo enfoque dado ao princípio dispositivo em sentido impróprio ou processual, passa a ter a oportunidade de produzir, mesmo ex officio, meios de prova (atuações judiciais com as quais as fontes se incorporam definitivamente ao processo); a partir da colaboração das partes, as quais, segundo o princípio dispositivo em sentido próprio ou material, tem a exclusiva autonomia para aportar ao feito os fatos e as fontes de prova (elementos com os quais se conta antes do processo).[21] Parece, pois, lógico se afirmar – dada a sutil, mas existente diferença entre meios e fontes de prova – que para a realização de determinada diligência instrutória de ofício, o julgador deve levar em conta tão somente dados obtidos no processo,[22] âmbito próprio no qual os meios de prova estão inseridos.[23]

Essa atual concepção de cooperação do Estado-juiz com a atividade probatória originariamente exclusiva das partes, vinculada à exigência contemporânea de o julgador obter suficientes meios hábeis de atingir a verdade processual, impõe, por outro lado, que mantenha o magistrado a necessária imparcialidade que dele se espera (vedado o abuso de autoridade, tão ilegítimo quanto o abuso de liberdade das partes) para que, enfim, possa, em sentença, julgar com responsabilidade e se aproximar, tanto quanto possível, da solução justa no caso concreto.[24]

Tecnicamente mais preciso, segundo Fritz Baur, seria dizer que na instrução a tarefa do juiz, do ponto de vista da pesquisa da verdade processual, é corretiva (se as partes expõem fatos inverídicos) e especialmente supletiva (se lacunosa a exposição e a produção de provas pelas partes, e por isso se faz necessário colher os meios de prova de ofício).[25] Daí por que, agora, na esteira dos ensinamentos de Liebman, não se pode dizer que haja na instrução espaço próprio para aplicação absoluta do princípio inquisitório, ao passo que se admite, nessa seara, uma participação cooperativa do julgador (com as partes litigantes), nunca de forma a ser aceito modelo que relativize completamente o princípio dispositivo (em sentido processual ou impróprio).[26]

Portanto, das lições retiradas da melhor doutrina, extrai-se que vivenciamos fase do processo subordinado ao “princípio dispositivo atenuado”,[27] em que ao menos a atividade probatória deve sim ser exercida pelo juiz – no entanto, não em substituição das partes, mas juntamente com elas[28].


IV – PRINCÍPIO DISPOSITIVO NO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO.

O princípio dispositivo também se faz presente na fase executória. Como não poderia deixar de ser, o exequente, a partir da configuração de um título executivo, terá a faculdade – e não a obrigatoriedade – de requerer o cumprimento de uma obrigação de pagar, fazer, não fazer ou entregar coisa.

Não cabe, pois, ao juízo, determinar o início dos trabalhos executivos, se realmente não houver manifestação expressa do exequente nesse sentido; como também não cabe ao magistrado executar coisa acima ou diversa da constante no título executivo e requerida oportunamente pela parte interessada.

A lógica de aplicação do princípio dispositivo, relacionado ainda especialmente com o princípio da demanda, na forma como exposta para a fase de conhecimento, vale aqui para a fase de execução, respeitado evidentemente o estágio diferenciado da demanda nesses dois momentos[29].

Eis a razão pela qual a doutrina menciona a existência, na fase executiva, do específico princípio da disponibilidade e resultado: a tutela jurisdicional executiva não pode ser prestada de ofício; o Estado-juiz tem de ser devidamente provocado para que preste a tutela jurisdicional, qualquer que seja ela, com o rompimento do seu estado de inércia; o princípio da disponibilidade da execução, contudo, não significa que, uma vez devidamente provocada a jurisdição, o Estado-juiz não tenha o dever de atuar, até mesmo de ofício, com vistas à prestação da tutela jurisdicional executiva e, consequentemente, à satisfação do exequente pela prática dos atos que se justificarem em cada caso concreto, sendo esse o devido espaço do princípio do resultado ou princípio da máxima utilidade da execução[30].

O art. 475-J, caput, introduzido pela Lei n° 11.232/2005, é a central norma infraconstitucional que atesta a necessidade de o exequente provocar a máquina judiciária também na fase executiva, sob pena de arquivamento dos autos e eventual ocorrência de espécie de prescrição superveniente à decisão transitada em julgado – o que determinaria extinção da execução (hipótese de remissão total da dívida), mediante sentença, nos termos do art. 794, II c/c 795, ambos do CPC.

A espelho da fase de conhecimento, tem-se que cabe ao procurador do exeqüente determinar o impulso da demanda em determinado lapso de tempo, sob pena de reconhecimento do instituto da prescrição – aqui denominada de “prescrição intercorrente”, em sentido lato, por se dar em meio à tramitação processual[31] (e em razão de inércia do próprio titular da pretensão). Mesmo que haja para o título executivo judicial a lógica do sincretismo processual, já que não mais existentes processos autônomos de conhecimento e de execução (após as reformas processuais executivas, principalmente a partir da já mencionada Lei n° 11.232/2005[32]), entendemos que permanece sólido o verbete n° 150 do Supremo Tribunal Federal, a explicitar que “prescreve a execução no mesmo prazo da prescrição da ação”.

Assim transitada em julgado a demanda judicial e não cumprido o comando pelo réu no prazo de quinze dias da sua intimação na origem, conforme prescreve o art. 475-J, caput do CPC, inicia o prazo para o exeqüente dar impulso à fase de satisfação do crédito, sob pena de reconhecimento da prescrição intercorrente. Tanto é verdadeira a assertiva que o art. 475-L,VI prevê que a impugnação ao cumprimento de sentença, oposta pelo executado, trate de tema prescricional, desde que esta causa extintiva da obrigação seja superveniente à sentença (transitada em julgado)[33]. Ora, se o executado pode se defender alegando a prescrição, por certo não é aquela relativa à pretensão cognitiva, coberta pelo manto da coisa julgada material; só pode se tratar da “prescrição intercorrente” decorrente da inércia do credor na promoção do cumprimento da sentença.

Dúvida relevante a respeito da prescrição intercorrente cinge-se ao marco inicial para a sua contagem. Entendemos que o prazo para eventual decretação da prescrição em fase executiva inicia-se justamente após o não cumprimento do julgado pelo réu; e não do arquivamento do processo, que se dá seis meses após o não cumprimento de julgado pelo demandado, conforme previsão do art. 475-J, § 5° do CPC. Aliás, o art. 617 aponta que é a propositura da execução o ato responsável pela interrupção da prescrição, sendo que tal ato, s.m.j., pode ser realizado justamente no primeiro dia útil que se seguir ao fim do prazo de quinze dias, dado ao sucumbente, para cumprimento voluntário da condenação constante do título executivo[34]

Guilherme Rizzo Amaral traz exemplo ilustrativo que bem contempla o imbróglio: “o devedor condenado a reparar danos sofridos pelo credor poderá argüir a prescrição intercorrente três anos após ter encerrado o seu prazo para cumprir voluntariamente a sentença, caso não tenha o credor requerido a execução nesse interregno; no curso desses três anos (mais precisamente após seis meses) deverá o processo vir a ser arquivado. O ato de arquivamento sob hipótese alguma interrompe o prazo prescricional a que se faz referência, muito menos determina o (re)início de sua contagem”[35].

Vê-se, pois, que o prazo para o reconhecimento da prescrição intercorrente da pretensão executiva deve ser o mesmo que o direito material estipula para a decretação da prejudicial vinculada à pretensão cognitiva; e inicia imediatamente a partir do momento em que não cumprido voluntariamente o julgado pelo réu. Foi de três anos no exemplo acima em razão do direito material (diploma civilista) estabelecer tal lapso temporal para a demanda condenatória de reparação de danos; e seria, portanto, de um ano o prazo prescricional intercorrente, v.g., se tivéssemos tratando de crédito decorrente de demanda securitária transitada em julgado envolvendo acidentes pessoais.

Por fim, registre-se que o exequente pode pretender desistir de sua prestação, total ou parcialmente, de acordo com o art. 569 do CPC; como também pode chegar a um acordo judicial com a parte executada, valendo aqui as linhas já proferidas quanto à homologação da transação judicial e a formalização de conciliação – a ser perfectibilizada, aqui, em audiência dentro da fase de execução.

Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. O princípio dispositivo no procedimento de cognição e de execução . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4036, 20 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30308. Acesso em: 2 nov. 2024.

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