Cresci durante a Guerra Fria e fui me familiarizando com as expressões “equilíbrio do terror” e “destruição mútua assegurada” a partir da 5ª série. Naquela época o Muro de Berlim dividia o mundo entre nós e eles. Como os outros garotos da década de 1970 eu nem imaginava que muitos entre nós na verdade queriam estar entre os outros e que vários outros desejavam estar entre nós.
A simplificação do mundo podia ser vista em todos os lugares, inclusive na TV. Lembro-me bem de um episódio de Star Trek em que a nave Enterprise visita um planeta habitado por tribos de homens pouco civilizados que estão em conflito. Eles usavam apenas lanças, arcos e flechas, mas os malvados klingons deram armas de fogo para um dos lados. Ao final do episódio o capitão Kirk manda fabricar espingardas para os outros a fim de equilibrar os dois lados. Serpentes no paraíso...
O terrorismo era comum naquele tempo. Quase toda semana havia notícias na TV sobre as ações espetaculares e sanguinárias do Baader-Meinhoff na Alemanha, das Brigadas Vermelhas na Itália e do IRA na Irlanda. Sendero Luminoso e OLP também produziam notícias, mas o terrorismo dos pobres não merecia a mesma atenção televisiva que o praticado na Europa. Uns e outros utilizavam o Manual do Guerrilheiro escrito por Carlos Marighella, mas isto eu só fiquei sabendo bem mais tarde.
No Irã ocorreu a revolução islâmica. Diplomatas norte-americanos foram presos na Embaixada dos EUA em Teerã e o desagradável Aiatolá Khomeini substitui o simpático Andreas Baader nos noticiários sobre terrorismo. Logo depois veio a carnificina entre iraquianos e iranianos. Saddan Hussein virou uma espécie de Capitão América do Oriente Médio.
Quando o terrorismo começou a diminuir na Europa aumentou no Afeganistão, país em que os Mujahedin lutavam contra a ocupação soviética utilizando armas norte-americanas. Os Mujahedin eram apresentados na TV como sendo os “guerreiros da liberdade”. Uma década depois eles virariam os malvados Talibãs que escondiam o famigerado Osama Bin Laden e obrigavam as mulheres usarem burcas. As mesmas burcas que o democrático governo Nicolas Sarkosy impediria as mulheres de voluntariamente usar na França.
A queda do Muro de Berlim foi recebida como uma promessa de paz. Em pouco tempo, porém, os alemães ocidentais estavam fazendo cara feia para seus compatriotas orientais acusando-os de provocarem desemprego e aumento de impostos. A III Guerra Mundial que não houve acabou sendo travada no Iraque pouco tempo depois, quando Saddan Hussein invadiu o Kwait e suas tropas foram enxotadas de lá pelos EUA. Uma avalanche de imagens de bombas que explodiam nos alvos invadiu as TVs, soterrando as notícias sobre o terrorismo amador europeu e latino-americano. As bombas norte-americanas eram quase sempre inteligentes, mas as vezes acertavam mercados, hospitais e fábricas de leite em pó. Os telejornais lamentavam os erros ao invez de dizer que atacar civis desarmados constitui terrorismo de estado. Foi nesta época que o eufemismo "danos colaterais" se tornou o clássico telejornalistico que é usado ainda hoje para justificar o injustificável ataque a civis inocentes (inclusive crianças) em Gaza.
O que deveria ser um período de paz duradoura se transformou num período de Conflitos de Baixa Intensidade e intervenções policialescas norte-americanas. Entre um blowjob e outro de Monica Lewinsky, Bill Clinton reduziu a pegada militar dos EUA. Mas o sucessor dele iniciou a Guerra ao Terror em curso. Antes de George W. Bush Jr. as guerras norte-americanas deveriam ser autorizadas pela ONU e tinham começou, meio e fim. Depois que o Aiatolá Cristão ocupou a Casa Branca, as tropas norte-americanas, privadas e públicas, fariam o que bem entendessem onde quisessem. O mundo entrou então na fase atual, em que uma guerra sem fim é movida para derrotar terroristas que a própria guerra ajuda a produzir.
Foi sob Bush Jr. que um criminoso de guerra chegou ao poder em Israel levando o país a iniciar sua própria versão de Guerra ao Terror. Um imenso muro foi construído para separar judeus de palestinos, mas isto não era o bastante. A vergonha se intensificou com ataques israelenses preventivos e desautorizados pela ONU em Ramalah e na Cisjordânia. O sul do Líbano foi invadido, desocupado, invadido, desocupado... Em alguns anos Israel começaria a usar em Gaza armas proibidas pela Convenção de Genebra. O enclave palestino super povoado tem sido bombardeado constantemente nos últimos dias. Centenas de crianças foram mortas e mutiladas, mas poucas foram as vozes importantes que se levantaram para condenar os crimes de guerra cometidos pelos soldados israelenses.
Os Estados deveriam garantir a ordem internacional. São os diplomatas nomeados por eles que negociaram e aprovaram os tratados internacionais que baniram a guerra de conquista territorial e criaram os direitos humanos. Alguns Estados, porém, parecem decididamente comprometidos com a desordem. O terrorismo deixou de ser um fenômeno intra-estatal para se tornar um fenômeno quase que exclusivamente estatal. Não há equilíbrio entre os terroristas de estado e os outros terroristas, pois uns usam tanques e aviões de guerra super modernos e outros não tem à sua disposição nem mesmo algumas armas anti-tanques ou mísseis terra-ar precisos.
Serpentes no paraíso... é exatamente isto que o Oriente Médio precisa. Enquanto os palestinos não tiverem os meios para destruir os tanques e os aviões israelenses, o desequilíbrio continuará a estimular a violência. Os que neste momento dispõe de vários meios de coerção e não tem razões para temer represálias eficazes seguirão atacando seus inimigos sabendo que correm poucos riscos. O “equilíbrio do terror” e a “destruição mútua assegurada” são as únicas coisas que provocarão uma paz segura e duradoura no Oriente Médio.
Como se fossem os klingons do episódio de Star Trek que mencionei no início, os norte-americanos deram/venderam tanques e aviões de guerra modernos a Israel. Quem será o capitão Kirk que dará/venderá sistemas anti-tanques e mísseis terra-ar modernos para os palestinos equilibrarem o conflito no Oriente Médio?