1. Considerações iniciais
Tenciona-se, nesta pesquisa, cuidar das diferenças entre os brasileiros e entre os brasileiros e os estrangeiros quanto aos direitos e obrigações [1], oriundas do vínculo político-jurídico que se estabelece, ou não, entre o indivíduo e o Estado brasileiro.
Para tanto, adotou-se a metodologia do modelo Dreier-Alexy [2].
O método escolhido encontra justificação na sua multidimensionalidade, adequando-se às exigências de uma teoria pós-positivista do direito, por meio da qual se dá a superação de visões parciais, caracterizadas, de modo geral, por uma abordagem epistemológica que privilegia uma das seguintes dimensões: analítica, empírica e normativa.
As dimensões mencionadas, no modelo adotado, encontram-se intimamente relacionadas, exigindo-se mutuamente para uma compreensão global da dogmática jurídica.
Na dimensão analítica, são feitas distinções conceituais, a exemplo daquelas feitas entre nacionalidade originária e adquirida.
A dimensão empírica serve para atestar que, ao longo da investigação que ora se inicia, não se perde de vista o direito positivo, sobretudo a Constituição de 1988.
Na dimensão normativa, procuram-se encontrar respostas para o problema enfrentado, qual seja, o estabelecimento das diferenças entre os brasileiros e entre estes e os estrangeiros.
2. Nacionalidade
2.1 Nacionalidade, Direito Constitucional, Direito Internacional Privado e Direito Internacional Público.
O instituto da nacionalidade desperta o interesse especial de três disciplinas jurídicas: Direito Internacional Privado, Direito Internacional Público e o Direito Constitucional. [3]
Trata-se de matéria regulada pelo direito interno, em especial pela Constituição, daí porque se aproxima do Direito Constitucional. No caso brasileiro, a matéria encontra-se regulada, substancialmente, no art. 12 do Texto Constitucional. Compreende-se muito bem essa circunstância, afinal, à guisa de exemplo, os direitos políticos são reservados aos nacionais.
Por guardar inúmeras afinidades com o Direito Internacional, justifica-se, por razões didáticas, seu estudo no âmbito do Direito Internacional, Privado ou Público.
Com efeito, em relação ao Direito Internacional Privado, que consiste em um conjunto de normas sobre normas, a fim de se verificar qual direito, indígena ou alienígena por imitação, deve regular um fato anormal, o questionamento acerca da nacionalidade, muitas vezes, é indispensável, uma vez que se trata de importante elemento de conexão.
Ao Direito Internacional Público, entendido como aquele ramo do Direito incumbido de regular as relações entre as pessoas internacionais, quais sejam, Estados, organizações internacionais e indivíduos [4], também interessa a nacionalidade, pois ela estabelece a distinção entre nacionais e estrangeiros, que possuem direitos e deveres diferentes. Além disso, a proteção diplomática da pessoa no exterior depende da indicação de sua nacionalidade.
2.2 Direito fundamental e direito humano
O direito à nacionalidade, em vista do exposto, apresenta, portanto, duas facetas. Trata-se de direito fundamental e de direito humano. [5] É direito fundamental, reconhecido em âmbito interno, pois consta do catálogo do Título II de nossa Constituição. É direito humano, pois se liga ao gênero humano. Toda pessoa, então, pelo simples fato de existir, deve ter direito a uma nacionalidade, como se encontra estabelecido no art. XV da Declaração Universal dos Direitos do Homem [6]. Daí o esforço que se tem verificado nos últimos anos para reduzir os casos de pessoas sem nacionalidade, os denominados apátridas, em virtude de conflito negativo de nacionalidades. Como direito fundamental, é tratado pelo Direito Constitucional, enquanto que, como direito humano, é da alçada do Direito Internacional Público.
2.3 Dimensões
Nesse momento, cumpre delimitar a noção de nacionalidade, investigando-lhe a natureza. Sabe-se que à expressão nacionalidade atribuem-se sentidos diferentes: sociológico, jurídico e/ou político.
Sobre o prisma sociológico, Celso de Albuquerque Mello [7] apresenta-nos três correntes: alemã, francesa e italiana. A corrente alemã (Gunther, Claus) defende que a nota distintiva da nacionalidade reside em elementos materiais, como raça, língua e religião, enquanto que a francesa (Hauriou, Renan) considera mais importante o elemento psicológico, como o desejo de viver em comum. A italiana (Mancini) estabelece uma fórmula conciliadora entre as demais.
Para alguns autores (Kalthof), a nacionalidade é um vínculo jurídico [8]. Para outros (Rodrigo Otávio) [9], trata-se de vínculo político. Contudo, parece haver consenso no sentido de a nacionalidade é, a um só tempo, uma ligação jurídica e política que estabelece entre o indivíduo e o Estado.
A nacionalidade, então, comporta duas dimensões [10] (Paul Lagarde): vertical e horizontal.
Na dimensão vertical, verifica-se relação de subordinação do indivíduo ao Estado, em virtude da qual aquele assume obrigações (serviço militar, v.g.), gozando, em contrapartida, v.g., de proteção diplomática de seu Estado no exterior. A dimensão vertical corresponde à jurídico-política. Nessa dimensão se estabelecem as diferenças entre nacionais e estrangeiros quanto aos deveres e direitos.
Na dimensão horizontal, a pessoa é vista como membro de uma comunidade, à qual se liga por elementos materiais e psicológicos (dimensão sociológica).
2.4 Nacionalidade versus cidadania
Cabe ainda salientar que nacionalidade não se confunde com cidadania, pois o direitos políticos (cidadania) têm, como pressuposto, a nacionalidade, pois deflui da dimensão vertical desta a formação da vontade política estatal.
A nacionalidade, entretanto, não é sempre fator determinante do exercício cidadania, conforme a lição de Edgar Carlos de Amorim [11], como pode ocorrer com aquele que possui mais de uma nacionalidade, o polipátrida.
2.5 Princípios gerais [12]
Em relação à nacionalidade, cabe destacar alguns princípios gerais que a norteiam, embora não se deixem de verificar exceções quanto à sua aplicação.
Primeiramente, por ser o direito à nacionalidade um direito humano, todo indivíduo deve ter uma nacionalidade. Não deve possuir mais de uma, a fim de que se evitem os chamados conflitos positivos de nacionalidade. Contudo, como a atribuição de nacionalidade é expressão da soberania de cada Estado, apenas em uma idealizada sociedade internacional, poder-se-iam evitar os casos de polipatrídia.
O direito à nacionalidade é subjetivo, ligando-se apenas a pessoa determinada, não se estendendo a seus parentes e dependentes.
A nacionalidade não é eterna, podendo o indivíduo adquirir outra, por meio da naturalização.
Finalmente, trata-se de matéria de competência de cada Estado, o que não descarta certa eficácia das normas internacionais a respeito. Dessa forma, nenhum Estado pode atribuir a nacionalidade de outro. [13]
2.6 Aquisição da nacionalidade
A nacionalidade pode ser adquirida por diferentes formas. Levando-se em consideração o critério do tempo, pode-se classificar a nacionalidade em duas categorias: nacionalidade originária e nacionalidade derivada, também chamada de secundária ou, impropriamente, adquirida.
Para a atribuição da nacionalidade originária, aquela se alcança pelo nascimento, podem-se apontar dois sistemas legislativos: jus soli e jus sanguinis. Ressalte-se, contudo, que esses sistemas não são adotados de forma inflexível, admitindo-se temperamentos.
No sistema do jus soli, a nacionalidade originária é obtida em virtude do território onde o indivíduo tenha nascido, do lugar do nascimento. Logo, não importa a nacionalidade dos pais. Trata-se de sistema largamente usado durante a Idade Média, época em a terra, o solo, era o centro de gravidade da economia, feudalismo, e da Sociedade, senhores feudais e servos, da época. Na América, o jus soli também tem grande aplicação, pois é região de imigração, sendo conveniente para os Estados dessa região, por meio desse critério, evitar a formação de minorias estrangeiras sob a proteção de outros Estados. É o sistema adotado no Brasil.
Pelo sistema do jus sanguinis, a nacionalidade originária obtém-se de acordo com a dos pais, à época do nascimento. Trata-se de nacionalidade obtida de acordo com a filiação. Se os pais tiverem nacionalidades diferentes, prevalecerá a do pai [14]. Se o filho for natural, ou de pai desconhecido, seguirá a nacionalidade da mãe. [15] Se ambos os pais forem desconhecidos, não será possível a adoção do jus sanguinis, fixando-se a nacionalidade pelo critério do jus soli. [16] O critério do jus sanguinis foi adotado na Antigüidade Clássica e Oriental. Posteriormente, com a Revolução Francesa, movimento que pôs fim ao Antigo Regime e, com ele, lembranças do feudalismo, passou a ser mais utilizado. Simetricamente ao que acontece com o sistema do jus soli, o jus sanguinis é adotado pelos países de emigração, sobretudo os europeus, que desejam manter vínculos com seus nacionais.
A nacionalidade derivada ou secundária é alcançada por meio da naturalização, hoje predominantemente voluntária, embora no passado tenham ocorrido casos de naturalização imposta, e por meio do casamento. Quando a naturalização ocorre de forma voluntária, o naturalizado perda a nacionalidade anterior, constituindo-se manifestação do direito de renúncia, que, em algumas legislações, pode ser tácita. [17] Para a concessão pelo Estado da naturalização, além da vontade daquele que busca outra nacionalidade, influem o jus domicilii e o jus laboris. [18]
Para Accioly, a naturalização pode ser por benefício da lei ou por permissão da lei [19]. No primeiro caso, a pessoa, caso não deseje mudar de nacionalidade, deve manifestar-se. No segundo, a manifestação volitiva é indispensável à conservação da nacionalidade.
Registre-se a proposta do jus domicilii como definidor de nacionalidade para os apátridas, como formar de efetivação do direito humano à nacionalidade. [20]
2.7 Conservação da nacionalidade
Consideradas as formas de aquisição da nacionalidade, originária e derivada, e, por meio desta, sua forma de perda, cabe examinar o direito de conservar a nacionalidade, compreendendo-se, portanto, o direito de não adquirir e o de não perder.
Manifesta-se o direito de não adquirir, principalmente, em casos de mutações territoriais: cessão ou anexação de território. Nesse caso, em respeito à autonomia da vontade do indivíduo do território anexado ou cedido, faculta-se-lhe a possibilidade de manter a nacionalidade de origem (direito de não perder) ou, não sendo possível, tornar-se apátrida, caso não queira adquirir a nacionalidade do Estado acrescido.
O direito humano de não perder a nacionalidade decorre do direito à nacionalidade, pois de nada adiantaria estabelecer-se que todo homem tem direito a uma nacionalidade, se não tivesse a garantia de não poder ser privado arbitrariamente de sua nacionalidade (primeira parte da alínea 2 do art. XV da Declaração Universal dos Direitos do Homem).
3. Nacionalidade brasileira na constituição de 1988.
3.1 Nacionalidade originária
A Constituição de 1988 adota, em regra, o critério territorial para a atribuição da nacionalidade originária. Contudo, como se sabe, as teorias sobre a nacionalidade, territorial ou de filiação, não são aplicadas de forma absoluta pelos diversos países, sujeitando-se às conveniências de cada ordem jurídica. [21]
Os titulares da nacionalidade originária, também chamada primária ou de origem, são os brasileiros natos. As formas de aquisição originária de nacionalidade são de competência do legislador constitucional, não se admitindo que lei infra-constitucional constitua novas hipóteses de sua ocorrência. [22]
Nossa Constituição, em seu art. 12, I, veicula três hipóteses de nacionalidade primária, nas alíneas a, b e c.
De acordo com a alínea a, são brasileiros natos "os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país". Trata-se de aplicação simples do jus soli, com a ressalva do jus sanguinis, quando aliado a critério funcional, para os estrangeiros que aqui estejam a serviço de seu país.
São brasileiros natos, logo, os que nascem em território brasileiro, que compreende: a) o espaço terrestre delimitado pelas fronteiras geográficas; b) mar territorial, ilhas, golfos, baías, rios, lagos; c) espaço aéreo, entendido como a projeção vertical de todo o espaço terrestre e marítimo; d) os navios e aeronaves de guerra brasileiros, onde quer que se encontrem; e) as embarcações comerciais brasileiras em alto mar, ou de passagem em mar territorial estrangeiro, e f) aeronaves civis brasileiras em vôo no espaço aéreo internacional, ou de passagem sobre águas territoriais ou espaços aéreos estrangeiros.
A alínea a, em atenção mesmo à reciprocidade das relações internacionais e à alínea b [23], excetua da regra do jus soli os filhos de estrangeiros, nascidos em território brasileiro, cujos pais estejam a serviço de seu país (critério funcional). Basta que um dos pais esteja a serviço de outro país, mas ambos devem ser estrangeiros.
A alínea b adota o critério da filiação para a atribuição de nacionalidade brasileira, constituindo mais um abrandamento da regra do jus soli, aliada a critério funcional. A nacionalidade dos pais, que estejam a serviço da República Federativa do Brasil - pai, mãe ou ambos - deve ser aferida à época do nascimento, não sendo relevante se eram brasileiros natos ou naturalizados. Em se tratando de filho póstumo, a nacionalidade dos pais é apurada ao tempo da concepção. [24]
O critério funcional, a serviço do Brasil, abrange os serviços diplomático e consular, e serviços públicos de outra natureza prestados aos órgãos da administração centralizada ou descentralizada dos entes federados ou dos Territórios. [25]
A terceira hipótese de nacionalidade brasileira de origem é veiculada pela alínea c, de acordo com a qual são brasileiros natos "os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira", conforme alteração introduzida pela Emenda Constitucional de Revisão n. 3, de 07.06.1994.
Criou-se, portanto, ao arrepio do art. XV, 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, uma possibilidade se filhos de brasileiros no exterior serem considerados heimatlos, apátridas. Tal ocorreria, por exemplo, quando um casal de brasileiros tivesse um filho na Itália, pais que adota o jus sanguinis. Tendo em vista essa situação, tramita, no Congresso Nacional, proposta de emenda constitucional que visa a impedi-la. [26]
Para que o filho de brasileiro ou brasileira, nascido no exterior, possa adquirir a nacionalidade brasileira, deverá vir residir no Brasil e optar, a qualquer tempo, por ela. No caso, adota-se o critério da filiação, acrescido de mais dois requisitos: residência no Brasil e opção pela nacionalidade, a qualquer tempo.
Manifestada a opção, não se pode recusar o reconhecimento da nacionalidade, por isso que se trata de nacionalidade potestativa. A aquisição da nacionalidade depende apenas da vontade do interessado, amparada por direito subjetivo público.
Interessante discussão gira em torno de se saber como deve ser tratado o nascido no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, que venha a residir o Brasil, enquanto não opte, o que pode fazer a qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira.
Com efeito, havendo prazo, a opção não é constitutiva da nacionalidade, porém atesta sua definitividade (Pontes de Miranda) [27]. A opção teria efeitos retroativos. Nesse caso, a nacionalidade ficaria suspensa, enquanto o optante não se definisse. Expirando o prazo, não incidiria mais a nacionalidade potestativa.
A redação atual da alínea c não traz prazo para a opção, o que parece não ter provocado, como atesta J. Dolinger [28], intranqüilidade entre os comentaristas da Constituição, como se pode ver em Alexandre de Moraes [29], que reproduz o entendimento segundo o qual os efeitos da nacionalidade ficariam suspensos até a opção, condição confirmativa, produtora de efeitos retroativos.
De acordo com o deputado Nelson Jobin, relator da Revisão Constitucional, enquanto não sobrevier a opção, o filho de brasileiros nas condições em tela seria reconhecido pelo Brasil como brasileiro. Contudo, conforme critica J. Dolinger [30], haveria tensão entre a afirmação acima e outra, também de autoria do deputado, segundo a qual a nacionalidade ficaria submetida a condição suspensiva, de modo que o referido filho de brasileiros não poderia invocar tal condição. Ora, e nisso concordamos com J. Dolinger, como é possível tratar alguém como brasileiro, impedindo-o de invocar tal condição ?
Diante desse estado de coisas, reproduzimos sugestão para o revisor constitucional, que venha a tratar novamente da matéria: são brasileiros natos "c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que se domiciliem na República Federativa do Brasil antes de atingir a maioridade, e, a partir desta, optem, no prazo de quatro anos, pela manutenção (grifo nosso) da nacionalidade brasileira." Acrescente-se que os filhos de brasileiros nessas condições devem ser registrados em repartição brasileira competente, Embaixada ou Consulado. [31]
Dessa forma, estariam superados os inconvenientes mencionados acima, além de se evitar que filhos de brasileiros nessas condições sejam considerados apátridas, vez que a opção pela nacionalidade é mantenedora.
3.2 Naturalização
A naturalização é forma derivada de aquisição da nacionalidade. Sua concessão, em regra, é feita discricionariamente pelo Estado, segundo suas conveniências. Desse modo, ainda que preenchidos determinados requisitos, por não haver, em princípio, direito público subjetivo à naturalização, pode ao estrangeiro ser negada a aquisição da nacionalidade brasileira. No Brasil, a concessão da naturalização é de competência exclusiva do Poder Executivo, da esfera administrativa.
Assim a naturalização é um ato unilateral e discricionário do Estado no exercício de sua soberania. [32]
Em sede teórica, reconhecem-se duas espécies de naturalização: tácita ou expressa.
Como exemplo de naturalização tácita, podemos apontar aquela que ficou conhecida como "grande naturalização". Trata-se de cláusula constitucional de 1891 (art. 69, §4º) reproduzida em várias constituições subseqüentes, segundo a qual são "cidadãos brazileiros os estrangeiros que, achando-se no Brazil aos 15 de novembro de 1889, não declarem, dentre em seis mezes depois de entrar em vigor a Constituição, o animo de conservar a nacionalidade de origem. "
Como se vê, a nacionalidade tácita se diferencia da expressa, pois aquela não depende de requerimento do naturalizando.
A Constituição de 1988, no art. 12, II, não prevê hipóteses de nacionalização tácita. Ao contrário do que ocorre com a nacionalidade originária, casos de aquisição de nacionalidade secundária podem ser definidos por legislação infra-constitucional [33], tendo em vista a expressão "na forma da lei", constante do art. 12, II, a.
Nossa Constituição prevê duas formas de naturalização expressa, que depende de manifestação de vontade do naturalizando: ordinária (art. 12, II, a) e extraordinária (art. 12, II, b).
Em relação à naturalização ordinária, cabe distinguir entre estrangeiros a) não-originários de países de língua portuguesa; b) originários de países de língua portuguesa
Os estrangeiros que não sejam oriundos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, de acordo com o art. 112 do Estatuto do Estrangeiro, interessados em naturalizar-se devem preencher, genericamente, as seguintes exigências: 1. Capacidade civil segundo a lei brasileira; 2. Possuir visto permanente; 3. Residência contínua por quatro anos; 4. Ler e escrever em português; 5. Boa conduta e boa saúde; 6. Exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família; 7. Bom procedimento; e 8. Inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão, abstratamente considerada superior a um ano.
Os estrangeiros originários de países de língua portuguesa devem ter apenas: 1. Capacidade civil; 2. Residência por um ano ininterrupto no Brasil; e 3. Idoneidade moral, para requererem a nacionalidade brasileira. A primeira exigência justifica-se, pois o requerimento de naturalização é uma ato de vontade. Os demais estão previstos no art. 12, II, a, em atenção aos laços culturais comuns entre os povos de língua portuguesa.
A naturalização extraordinária, de acordo com o art. 12, II, b, é concedida em razão, substancialmente, da permanência do estrangeiro por longo período de tempo no Brasil. Inicialmente, esse prazo era de trinta anos. Hoje, é de quinze, conforme alteração introduzida pela emenda revisional n. 3 de 1994. Os requisitos para a naturalização extraordinária, a ser requerida, são: 1. Residência fixa no Brasil há mais de 15 anos; 2. Ausência de condenação penal.
Devido à expressão "desde que requeiram" (art. 12, II, b), a naturalização extraordinária, fugindo à regra, não é ato unilateral e discricionário do Poder Executivo, mas direito subjetivo público do interessado.
A Constituição de 1967 trazia mais duas hipóteses, a radicação precoce e curso superior, que, podem continuar a existir, desde que haja previsão legal. [34]
3.3 Perda da nacionalidade brasileira
As formas de perda da nacionalidade brasileira encontram-se previstas no art.12, § 4º, da Constituição.
Perde-se a condição de brasileiro de duas formas: cancelamento da naturalização (perda-punição) e naturalização voluntária (perda-mudança).
Ocorre cancelamento da naturalização, quando recair sobre o naturalizado sentença penal condenatória transitada em julgado, por ato nocivo ao interesse nacional (art. 12, § 4º, I). Os efeitos da cancelamento da naturalização não retroagem, são ex nunc.
A segunda hipótese de perda da nacionalidade brasileira consiste na naturalização voluntária, que compreende o pedido e a aceitação [35] da nacionalidade de outro Estado.
Dessa forma, a aceitação de nacionalidade originária concedida por lei estrangeira não importa a perda da nacionalidade brasileira, pois a nacionalidade do outro país não decorre da vontade, de pedido, do indivíduo.
Da mesma forma, a imposição de naturalização, por lei estrangeira, a brasileiro residente no exterior, como condição de permanência e de exercício de direitos civis, não lhe retira a nacionalidade brasileira, por faltar voluntariedade.
3.4 Reaquisição da nacionalidade brasileira
A forma de reaquisição da nacionalidade está relacionada à maneira pela qual foi perdida. Assim, em caso de cancelamento da naturalização (perda-punição), não será mais recuperada, a menos que seja desfeito o cancelamento por ação rescisória. Se a perda da nacionalidade decorrer de naturalização voluntária (perda-mudança), poderá readquiri-la, domiciliado no Brasil, por decreto do Presidente da República, conforme o art. 36, da Lei n. 818 de 1949.
Aqueles que tiverem perdido a nacionalidade por motivos inexistentes na Constituição de 1988 poderão, desde logo, recuperá-la, vez que hoje não são considerados, pela ordenamento jurídico-constitucional, como causadores da perda da nacionalidade brasileira.
A reaquisição da nacionalidade tem efeitos ex nunc, compreendendo o status anterior. Assim, se brasileiro nato era, volta ser; se era naturalizado, readquire a nacionalidade brasileira como naturalizado.
3.5 Diferença de tratamento entre brasileiro nato e naturalizado
De acordo com o caput do art. 5º da CF/88, todos são iguais perante a lei (isonomia), de forma que os iguais devem ser tratados de forma igual e os desiguais, de forma desigual.
O art. 3º, IV, afirma que constitui objetiva fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, vedadas quaisquer formas de discriminação.
O art. 19 veda aos entes federados promover distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Vê-se, portanto, que permeia por todo o ordenamento a isonomia, consubstanciada no princípio fundamental geral da igualdade. Contudo, como qualquer princípio, mandado de otimização [36], não se reveste de caráter absoluto, admitindo restrições, que não devem ser desproporcionais. [37]
Pode-se dizer que, em princípio, não há distinção entre brasileiros natos e naturalizados. As únicas distinções que devem existir estão previstas na Constituição, não podendo a lei estabelecer outras (art. 12, § 2º).
Os casos previstos na Constituição são quatro: extradição (art. 5º, LI), cargos (art. 12, § 3º), função (art. 89, VII) e direito de propriedade (art. 222).
O brasileiro nato em nenhuma hipótese pode ser extraditado, o que não ocorre com o naturalizado, que poderá ser entregue à Justiça de outra país, competente para julgá-lo e puni-lo, em caso de crime comum, cometido antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins, na forma da lei.
A Constituição, no art.12, § 3º, reserva alguns cargos aos brasileiros natos, em atenção à linha sucessória (arts. 79 e 80) e à segurança nacional. Dessa forma, são privativos de brasileiro nato os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, de Presidente da Câmara dos Deputados, de Presidente do Senado Federal, de Ministro do Supremo Tribunal Federal, da carreira diplomática e de Ministro de Estado da Defesa.
O art. 89, ao tratar do Conselho da República, órgão superior de consulta do Presidente da República, reserva seis vagas (art. 89, VII) para brasileiros natos. Como o Conselho da República é integrado, também, pelo Ministro da Justiça e pelos líderes da maioria e da minoria na Câmara ou no Senado, que podem ser brasileiros naturalizados, não lhes está vedada a o participação no órgão referido.
O art. 222 prescreve que a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, aos quais caberá a responsabilidade por sua administração e orientação intelectual. Não se trata de impedir, de forma absoluta, aos naturalizado tais propriedades, mas de condicioná-la a prazo de dez anos de naturalização. Tendo em vista a notável influência do sistema midiático na formação da opinião pública, andou bem o Constituinte nesse passo, pois não seria compatível com o interesse nacional, deixar na mão de estrangeiros grande parte do fluxo de informações, já filtradas segundo critérios pouco nobres.