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Nacionalidade brasileira:

diferenças entre brasileiro nato, brasileiro naturalizado e estrangeiro

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Agenda 01/08/2002 às 00:00

4. Condição jurídica do estrangeiro: Alguns aspectos

4.1 Noção

A condição jurídica do estrangeiro desperta o interesse do Direito Internacional Público, haja a vista as convenções internacionais realizadas sobre ele.

Os Estados não são obrigados a permitir a entrada de estrangeiros em seu território, mas, admitindo, em geral, em relação aos estrangeiros, é reconhecido, pelo menos, um padrão mínimo de direitos, pela simples razão de serem dotados de personalidade humana. Devem, portanto, ao menos, serem-lhe respeitados os direitos humanos, sob pena de responsabilização internacional do Estado infrator. [38]

4.2 Breve histórico

Nas primeiras civilizações a religião era importante fator de coesão social. Como o estrangeiro, em geral, possuía religião diferente, não lhes eram reconhecidos direitos, tal como ocorreu na Antigüidade Oriental e Clássica.

No feudalismo, o estrangeiro deveria jurar lealdade ao senhor feudal, sob pena de ser reduzido a servo. Nessa época, os judeus, símbolos de estrangeiros, eram bastante discriminados. [39]

Gradativamente, os estrangeiros passaram a adquirir alguns direitos, sobretudo em razão do estreitamento das relações comerciais entre os povos.

Com o Iluminismo e a Revolução Francesa, as idéias de liberdade, igualdade e fraternidade, ligadas ao Racionalismo da época, contribuiriam para melhorar a situação jurídica do estrangeiro.

No século XIX, os direitos privados são reconhecidos aos estrangeiros. [40]

No século XX, a Declaração Universal dos Direitos do Homem serviu para assentar a idéia de respeito de um padrão mínimo de direitos aos estrangeiros, em razão de serem pessoas humanas.

4.3 Diplomas internacionais [41]

Neste ponto, passemos em vista alguns dos atos internacionais celebrados pelos Estados, que dizem respeito à situação jurídica do estrangeiro, a fim de evidenciar aqueles princípios do direito das gentes que servem de base para atuação do Brasil em relação à matéria estudada.

Destaca-se, de início, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que dispõe, em seu art. 2º, serem os direitos por ela enunciados comuns a todas as pessoas, sem distinção quanto à origem nacional. Por essa razão, declara direitos do homem, direitos humanos.

O Código Bustamante, no art. 1º, prescreve que "os estrangeiros que pertençam a qualquer dos Estados contratantes gozam, no território dos demais, dos mesmos direitos civis que se concedem aos nacionais. Cada Estado contratante pode, por motivos de ordem pública, recusar ou sujeitar a condições especiais o exercício de determinados direitos civis aos nacionais dos outros, e qualquer desses Estados pode, em caos idênticos, recusar ou sujeitar a condições especiais o mesmo exercício dos nacionais do primeiro".

Nesse artigo, estão presentes o princípio da igualdade entre nacionais e estrangeiros quanto aos direitos civis, e o princípio da reciprocidade, que pode assumir feições negativas, de represália. A reciprocidade, quando negativa, não é adotada pelo direito brasileiro. [42]

O art. 2º do Código Bustamante reforça o anterior, estabelecendo igualdade entre nacionais e estrangeiros quanto às garantias individuais, "salvo as restrições que em cada um estabeleçam a Constituição e as leis". Em relação ao acesso às funções públicas e ao exercício de direitos políticos, o diploma admite o tratamento desigual entre indígenas e alienígenas.

A Convenção de Havana, 1928, estabelece, em seu art. 5º, o dever de todos os Estados "concederem aos estrangeiros domiciliados ou de passagem em seu território todas as garantias individuais que concedem a seus próprios nacionais e o gozo dos direitos civis essenciais".

Além dos diplomas referidos, que procuram estabelecer tratamento semelhante a nacionais e estrangeiros, podem-se citar o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, Nova Iorque, 19.12.1996, art. 2º, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, Nova Iorque, 19.12.1966, arts. 2º e 26, ambos realizados sob a égide da ONU, e a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, de São José da Costa Rica, 22.11.1969, art. 1º.

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Inobstante o esforço que se verifica na formação de acordos internacionais que procuram estabelecer, na medida do possível, igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, a situação jurídica do estrangeiro, sobretudo daquele originário da países pobres, continua deixando a desejar.

Afinal, conforme pronunciamento, em julho de 1995, do presidente do Comitê de Direitos Humanos da ONU, "o que ocorre com os países do norte com relação à gente do sul, que vem buscar a paz, trabalhou ou ambos, e é rechaçada, não poderia ser chamado de outra coisa, senão racismo." [43].

4.4 Condição especial dos portugueses

A Constituição de 1988 estabelece, conforme alteração introduzida pela emenda revisional nº 3 de 1994, no § 1º do art.12, in verbis, que "aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição".

Em princípio, portanto, os portugueses residentes no Brasil gozam de tratamento equivalente àquele dispensado ao brasileiro naturalizado. [44]A equiparação só não é absoluta, naturalmente, pois os brasileiros naturalizados, para gozarem os direitos que lhes são próprios, não se sujeitam aos pressupostos de: a) residência permanente, e b) reciprocidade. [45]

Por reciprocidade, entende-se que o ordenamento jurídico português deve conceder aos brasileiros residentes em Portugal os mesmos direitos que os portugueses residentes no Brasil recebem do ordenamento jurídico brasileiro.

Estabelece o art. 15º da Constituição da República Portuguesa que "aos cidadãos dos países de língua portuguesa podem ser atribuídos, mediante convenção internacional e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso à titularidade dos órgãos de soberania e dos órgãos de governo próprio das regiões autônomas, o serviço das forças armadas e a carreira diplomática".

A convenção internacional, exigida pela Constituição lusitana para atribuição recíproca de direitos, entre Brasil e Portugal é a Convenção sobre Igualdade, que, no art. 5º dispõe que "a igualdade de direitos e deveres será reconhecida mediante decisão do Ministério da Justiça, no Brasil e do Ministério do Interior, em Portugal, aos portugueses e brasileiros que a requeiram, desde que civilmente capazes e com residência permanente".

Não há reciprocidade [46], por parte de Portugal em relação ao Brasil, quanto ao acesso dos cargos e funções de Ministro de Estado, Senador, Deputado federal e estadual, Governador de Estado, Secretário de Estado, Prefeito e Vereador. Logo, portugueses residentes no Brasil também não têm acesso a esses cargos e funções.

4.5 Direitos dos estrangeiros no Brasil

Estrangeiros, no Brasil, são aqueles que não possuem a nacionalidade brasileira.

No direito brasileiro, destacam-se dois momentos legislativos [47], que nos revelam de forma geral a situação jurídica do estrangeiro no Brasil: a art. 5º, caput, da Constituição Federal e o art. 3º do Código Civil. Determina o primeiro que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:". Dispõe o art. 3º do Código Civil que "a lei não distingue entre nacionais e estrangeiros quanto à aquisição e gozo de direitos civis".

Como ressalta J. Dolinger [48], a referência à residência no país, no caput do art. 5º da Constituição, encontra respaldo na circunstância de a norma constitucional, em alguns momentos, enunciar direitos políticos que só se aplicam a estrangeiros residentes em território nacional.

O princípio fundamental que se pode extrair desses artigos é que os estrangeiros residentes no Brasil adquirem, em regra, os mesmos direitos e contraem os mesmos deveres dos brasileiros.

A situação jurídica do estrangeiro no Brasil é regulada, precipuamente, em nível infraconstitucional, pelo Estatuto do Estrangeiro, Lei n. 6815/80, com as alterações da Lei 6984/81. Observe-se que as mesmas vedações dirigidas aos brasileiros naturalizados são dirigidas aos estrangeiros (veja-se, portanto, o item 3.5)

Procuraremos adotar, neste trabalho, ao cuidar da situação jurídica do estrangeiro no Brasil, a classificação proposta por Fronçois Rigaux [49], que divide os direitos em cinco categorias: 1. O direito de entrada, estada e estabelecimento; 2. Os direitos públicos; 3. Os direitos privados; 4. Os direitos econômicos e sociais; e 5. Os direitos políticos. Note-se que a classificação não é absoluta, havendo entrelaçamento entre as categorias, de modo que o tratamento de alguns direitos pode-se dar em categorias diferentes, sem prejuízo da finalidade teórica de evidenciar as diferenças entre nacionais e estrangeiros.

4.5.1 O direito de entrada, estada e estabelecimento

Neste ponto, é pertinente o estudo das normas referentes à imigração e permanência dos estrangeiros no país, às quais estão vinculados os institutos da expulsão e deportação do estrangeiro, que decorrem da discricionariedade do Estado. Trataremos aqui, também, de forma igualmente bastante breve, da extradição.

O estrangeiro, para entrar no Brasil, deve satisfazer as condições estabelecidas no Estatuto do Estrangeiro, dentre as quais ressalta a exigência da obtenção de visto de entrada, que pode ser de trânsito, de turista, temporário, permanente, de cortesia, oficial ou diplomático. Como nessa área predomina o poder discricionário do Estado, o visto constitui mera expectativa de direito.

Tendo ingressado no território brasileiro, o estrangeiro passa a se submeter às regras de extradição, expulsão e deportação.

A extradição é o ato mediante o qual um Estado entrega a outro indivíduo acusado de haver cometido crime de certa gravidade ou que já se ache condenado por aquele, após haver-se certificado de que os direitos humanos do extraditando serão garantidos. [50]Em regra, conforme foi visto [51], apenas estrangeiros podem ser extraditados.

A expulsão é um modo coativo de retirar o estrangeiro do território nacional por delito ou infração ou atos que o tornem inconveniente [52], dentre os quais podemos destacar aqueles que atentem contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública, a economia popular e, de forma geral, os interesses nacionais. Brasileiros não podem ser expulsos, pois a constituição veda o banimento.

A deportação é a saída compulsória do estrangeiro, sempre que estiver com a estada irregular ou entrar no território nacional sem a observância das formalidades legais. Diferencia-se da expulsão quanto à causa, ao processo e aos efeitos. [53]

O estrangeiro, como qualquer pessoa, pode deixar o território nacional, com visto de saída. [54]Se tiver visto permanente, pode retornar no prazo de dois anos, sem que seja necessário novo pedido de visto.

4.5.2 Os direitos públicos

Consideremos direitos públicos aqueles decorrentes das garantias constitucionais. [55] Nesse passo, verifica-se equiparação entre nacionais e estrangeiros, admitidas restrições legislativas. É o que deflui do espírito do art. 5º da Constituição Federal. Desse modo, a residência no país não é condição de acesso ao Judiciário. Os estrangeiros, contudo, não podem intentar ação popular (art. 5º, LXXIII). [56]

4.5.3 Os direitos privados

Direitos privados correspondem aos direitos civis. Quanto à aquisição e gozo dos direitos civis, não há distinção entre nacionais e estrangeiros (CC, art. 3º). Com efeito, em relação aos direitos civis é onde se percebe a maior equiparação possível entre nacionais e estrangeiros.

As restrições que existem são aquelas estabelecidas pelo Texto Constitucional, que, contudo, vem sendo paulatinamente suprimidas por iniciativa, em geral, dos partidos do Governo, através de emendas constitucionais, a exemplo das emendas de número 6, 8 e 11.

Nesse campo, as restrições, em maior número, recaem sobre o direito de propriedade. Dessa forma, a Constituição determina que a lei regule e limite a aquisição e o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabeleça os casos em que tais negócios dependam de autorização do Congresso Nacional (art. 190); os estrangeiros não podem ser proprietários de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, nem responsáveis por sua administração e orientação intelectual (art. 222). [57]

Estabelece, ainda, o art. 176, § 1º, que é vedado autorizar ou conceder a estrangeiros, mesmo residentes, a pesquisa e a lavra de recursos minerais ou o aproveitamento de potencial de energia hidráulica.

Em relação ao direito sucessório, a sucessão de bens estrangeiros situados no Brasil rege-se pela lei brasileira, sempre que lhe não seja mais favorável a lei pessoal do de cujus (art. 5º, XXXI).

Quanto ao direito de adoção, a Constituição, no art. 227, § 5º, dispõe que a lei estabelecerá os casos e condições em que estrangeiros podem adotar crianças brasileiras.

4.5.4 Os direitos econômicos e sociais

Os direitos econômicos estão relacionados ao desempenho de atividades lucrativas, ligando-se ao direito de propriedade (analisado no item 3.5.3) e ao direito de trabalho. Logo, neste tempo interessam os direitos, a um só tempo, econômicos e sociais.

O art. 7º, da Constituição de 1988, preceitua que os direitos dos trabalhadores são extensivos a todos, urbanos e rurais, sem restrições. Conforme observação de José Afonso da Silva [58], nesse ponto a Constituição outorga mais do que o caput do art. 5º parece oferecer.

Sobre o direito ao trabalho, a liberdade de profissão, algumas profissões são reservadas aos nacionais [59], como a de químico, corretor de títulos da Dívida Pública, corretor de navios, leiloeiro, despachante aduaneiro, tradutor público, entre outras atividades.

4.5.5 Os direitos políticos

Em relação aos direitos políticos é onde se verifica a maior desigualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros. Isso porque estrangeiros não são cidadãos [60], não podem interferir na formação da vontade política da nação.

Os estrangeiros não votam e não podem ser votados (art. 14, § 2º). Também não podem ser membros de partidos políticos.

4.6 Serviço militar

Neste ponto, cabe destacar uma diferença de deveres entre nacionais e estrangeiros, explicitando-a, já que pode ser concluída ao longo deste trabalho. Os estrangeiros, por não se acharem vinculados, de forma vertical, ao Brasil (ver 2.3), não são obrigados a prestar o serviço militar. Em contrapartida, naturalmente, não recebem, v.g., proteção diplomática do Estado brasileiro, vez que deve ser feita por seu Estado de origem.

4.7 Asilo político

A Constituição o prevê, no art. 4º, X, como um dos princípios que regem as relações internacionais da República Federativa do Brasil.

Discute-se se a concessão de asilo política é pertinente ao Direito das Gentes ou ao direito interno, inclinando-se os Estados Unidos nesta posição.

Entendemos que se trata de instituto ligado ao Direito Internacional Público, com fundamento nos direitos humanos e no dever de solidariedade internacional a todos aqueles oprimidos por regimes baseados na força e no arbítrio. Contudo, detalhes da condição do asilado são matéria do direito interno.

A asilado político no Brasil sujeita-se às disposições pertinentes do Estatuto do Estrangeiro. Dessa forma, não poderá sair do Brasil sem autorização do governo federal, sob pena de perder o direito de asilo e de impedimento de retorno nessa condição.

Sobre o autor
Marcel Mota

Professor de Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Constitucional e Conceitos Jurídicos Fundamentais da Faculdade Farias Brito. Doutorando em Ciências Jurídicas, na especialidade de Ciências Jurídico-Civis, pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito (Ordem Jurídica Constitucional) pela Universidade Federal do Ceará (2009). Especialista em Direito Processual Civil (2007). Especialista em Direito Tributário (2009). Especialista em Direito Penal e Processual Penal (2010). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (Turma 2003.2). Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTA, Marcel. Nacionalidade brasileira:: diferenças entre brasileiro nato, brasileiro naturalizado e estrangeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3050. Acesso em: 15 nov. 2024.

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