Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Contratos coligados

Exibindo página 1 de 2
Agenda 04/08/2014 às 16:41

Não é a unidade econômica que será critério para a identificação da união ou coligação, mas, sim, a causa e conteúdo do negócio jurídico em questão.

Sumário: Introdução, I – CONTRATOS 1.1. Conceito. 1.2. Requisitos. 1.3. Causa, objeto e conteúdo dos contratos. II – COLIGAÇÃO DE CONTRATOS. 2.1. Definição. 2.2. Distinção entre coligação e contratos mistos III – CLASSIFICAÇÃO 3.1 Coligação necessária 3.2. Coligação legal. 3.3. Coligação com dependência. 3.4. Coligação alternativa. 3.5. Coligação exterior. Conclusão. Bibliografia.


Introdução

       Os contratos são uma das fontes das obrigações[1], representando o núcleo básico da atividade empresarial. Por ele faz-se circular as riquezas, compra-se  e vende-se, financia-se, transporta-se, segura-se, deposita-se, confia-se, tranfere-se bens, com os reflexos decorrentes do direito de propriedade (uso, gozo e disposição), sendo o centro da vida negocial.

       Hodiernamente temos diversos tipos (elencados em lei) de contratos mercantis firmados entre particulares (relações civis), entre empresas (relações mercantis) e dos particulares com as empresas (relações consumeiristas).

       O estudo dos contratos coligados é de suma importância, tendo em vista que se trata de espécie de contrato derivado da liberdade de contratar ou contrair obrigações e que não possui forma definida ou tipificada em lei, como o contrato de locação, por exêmplo.

       Neste compasso, o estudo que será efetuado acerca da função econômica ou causa dos contratos é de suma importância para a identificação da coligação ou união.

       Justamente por não estar tipificado é que o contrato coligado deve ser investigado,  definido e identificado sempre que estiver o operador do direito perante o caso concreto, para que não confunda as prestações típicas e atípicas que envolvem o pacto, aplicando-se-lhe direito material diverso, o que poderia manifestar se houver confusão entre contrato misto e coligado, dentre outros.

       Pretende-se, pois, por intermédio do presente trabalho, além de auferir conceito como forma de avaliação na disciplina Direito Societário – Contratos Mercantis, delinear os elementos caracterizadores da estrutura dos contratos coligados e de seu mais semelhante: o contrato misto.

       Por derradeiro, compilar-se-á a classificação doutrinária importada do direito comparado – em relação ao objeto de estudo – os contratos coligados, pelo mestre Orlando Gomes.


I - CONTRATOS

1.1. Conceito

      Contrato é o vínculo em razão do qual alguém está sujeito a cumprir uma prestação de dar, fazer ou não algo.

       Por esta razão, o contrato ainda se revela como um dos principais instrumentos jurídicos de circulação das riquezas sendo importante salientar que é exatamente à luz do contrato que se desenvolve a mais variada gama de operações civis e mercantis.

       Apesar de muitas vezes vir a ser o contrato celebrado sob a pressão socioeconômica que sofre o hipossuficiente, torna?se indubitável o reconhecimento de que tal negócio jurídico é instituto insubstituível, dada a intensificação de sua utilização pelo homem contemporâneo.

       Com a histórica e a paulatina despersonalização da obrigação e a crescente contratação em série realizada pelos fornecedores em geral, os sujeitos que com eles contratavam passaram a ser meros aderentes, pois, sem outras alternativas e necessitando do bem jurídico que almejavam para si ou terceiros, se submeteram a cláusulas iníquas, dada à impossibilidade de participação na elaboração do conteúdo da avença.

       A padronização contratual, em suas mais variadas modalidades, é fenômeno moderno, decorrente da evolução socioeconômica mundial, cujo impulso principal foi a Revolução Industrial.

       Nem sempre foi assim. Por outro lado, não era qualquer acordo de vontade que possibilitava ao lesado exigir o cumprimento do mesmo em juízo.

       A experiência romana levou à caracterização de três institutos jurídicos de natureza distinta que, com o perpassar dos séculos, acabaram praticamente por se confundir e se tornar, em vários ramos da ciência jurídica, equivalentes.

       São eles: o contrato (contracto), a convenção (conventio) e o pacto (pacta)[2].

       O simples acordo de vontades por meio do qual as partes assumiam deveres concernentes a um dare, um facere ou um non facere, sem maiores solenidades, era cognominado conventio.

       Caso outros deveres viessem a ser ajustados pelos interessados, sem o formalismo esperado, o acordo de vontades era designado como pacta.

       De fato, a forma solene imprimia ao acordo de vontades efeitos jurídicos da maior relevância, pois denotava a assunção de um compromisso, perante terceiro dotado de fé pública, o oficial romano.

       As duas modalidades de compromisso que se tornaram mais consagradas pela evolução do Direito Romano foram, sem sombra de dúvidas, a nexum e a stipulatio. Muito embora não tivesse uma definição clara e suficientemente precisa acerca da acepção contracto, o Direito Romano somente conferia a actio para o sujeito que tivesse firmado um acordo de vontades para a satisfação de seus interesses, em face de uma obrigação de dar, fazer ou não fazer, assumida mediante compromisso.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

       Ao revés, o puro e simples reconhecimento de um debere, desprovido de qualquer forma solene (consubstanciada, num primeiro momento, pela nexum e, num segundo período, da história do Direito Romano, pela stipulatio), não gerava contrato, porém apenas uma conventio, desde que a assunção do dever correspectivo fosse concernente a um dare, um facere ou um non facere.

       A pura e simples convenção não outorgava ao lesado o direito à ação, mas apenas a exceptio, para defesa de seu bem.

       Chegando?se posteriormente à conclusão segundo a qual nem todas as obrigações se encartavam em um dare, um facere ou um non facere, pois novas modalidades começaram a ser constatadas, o romano procurou conceder alguma medida processual compatível para se obter o cumprimento dos pacta vestita em juízo.

       Os pactos nus, ou seja, os acordos de vontade desprovidos de celebração sob a solenidade exigida e acerca de obrigação diversa de dar, fazer ou não fazer, não geravam obrigações civis, mas tão?somente naturais, motivo pelo qual não podiam ter o seu cumprimento exigido em juízo, à semelhança do que sucede atualmente, em nosso sistema jurídico, com a dívida de jogo e o título de crédito prescrito, que não podem ser executados (nuda pactio obligationem non parit, sed parit exceptionem).

       Aos pactos desprovidos de compromisso, destarte, restavam efeitos similares aos da convenção, não se podendo compelir o devedor em juízo, por meio de uma actio, ao pagamento. Àquele que viesse a celebrar um pacto nu ou uma convenção, porém, se outorgava a exceptio, para defesa de seu direito ameaçado, turbado ou efetivamente esbulhado.

1.2. Requisitos

Diante do exposto, parte da doutrina considera que os requisitos do contrato são, basicamente, os seguintes[3]:

a) requisitos subjetivos ? a capacidade das partes e o consentimento; e

b) requisitos objetivos ? o objeto lícito e possível (física e juridicamente, não sendo contrário à moral e aos bons costumes).

Uma nova concepção à matéria foi desenvolvida, chegando?se à constatação da existência de requisitos (elementos intrínsecos do negócio jurídico) e de pressupostos (elementos extrínsecos e, quase que invariavelmente, anteriores à própria existência do negócio jurídico).

Segundo essa outra orientação doutrinária[4], são pressupostos ou elementos extrínsecos do contrato:

a) a capacidade das partes;

b) a legitimação das partes; e

c) o objeto lícito ou bem da vida (o que compreende a determinabilidade e possibilidade física e jurídica da coisa).

De outro lado, são requisitos ou elementos intrínsecos do contrato:

a) o consentimento (pois apenas com a convergência das declarações de vontade se torna razoável o reconhecimento da existência do contrato);

b) o objeto operação, ou seja, o ato ou o negócio jurídico entabulado pelas partes, por si ou por meio de seus representantes;

c) a observância da forma ou revestimento do ajuste; e

d) a licitude da causa, também cognominada finalidade ou motivo determinante da celebração do contrato.

1.3. Causa, objeto e conteúdo dos contratos

                   O contrato, como visto, é espécie de negócio jurídico, de vez que se realiza mediante o consenso das partes para a satisfação de seus interesses jurídicos (necessidades ou utilidades). Possui inúmeras finalidades, destacando?se, sob a ótica jurídica, a aquisição (incluindo?se o resguardo ou defesa do interesse), a transmissão (compreendendo?se a modificação) e a extinção dos direitos (art. 81 do CC)[5].

                   Os contratos comerciais se não mencionarem expressamente a existência de uma causa podem ser considerados nulos (Ccom., art. 129, III) ou eivados de vícios essenciais, na forma do (Ccivil, art. 90).

                   A moderna teoria objetiva não permite confundir causa com objeto e conteúdo dos contratos.

                   No direito pátrio, Vicente Ráo, na esteira da teoria objetiva, considera como causa a razão sócio-econômica do contrato, concluíndo que ela se incorpora ao contrato e nele se integra.

                   Orlando Gomes por sua vez pontifica que o objeto do contrato é “o conjunto dos atos que as partes se comprometem  a praticar, singularmente considerados, não no seu entrosamente finalístico, ou por outras palavras, as prestações das partes, não o intercâmbio entre elas, pois este é a causa”[6].

                   O conteúdo por sua vez é o equacionamento das recíprocas prestações entre as partes, podendo conter delineamentos de diversos tipos contratuais combinados entre sí.

                   Logo, conteúdo, causa e função são elementos distintos, capazes de causar pequenas confusões quando o tema enfocado perante o caso concreto for coligação de contratos.


II – COLIGAÇÃO DE CONTRATOS

                   2.1. Definição

                   Sendo genericamente considerado o contrato como vínculo em razão do qual alguém está sujeito a cumprir uma prestação de dar, fazer ou não algo, por sua vez, o contrato coligado é aquele que “resulta da combinação de elementos de diferentes contratos, formando nova espécie contratual não esquematizada na lei”[7].

                   A inexistência de tipificação legal, contudo, não torna o pacto contraído manifestamente ilegal, tendo em vista o princípio constitucional da legalidade, cabendo na hipótese presente a aplicação da formula mencionada por Montesquieu  no Espírito das Leis, aqui examinada por intermédio do art. 5º  da Declaração de 1789: ‘tudo o que não é proibido pela lei não pode ser impedido, e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordena’[8].

                   Diante do princípio exposto, pois, as partes  desfrutam de uma ampla facultas agendi com liberdade de contratar sob quaisquer formas.

                   Formando-se à margem dos paradigmas estabelecidos pelo ordenamento jurídico positivado, como fruto da liberdade de obrigar-se, a doutrina classifica tais contratos de inominados ou atípicos[9].

                   Devido a grande expectativa dos contraentes de que, se houver litígio ajuizado perante o Poder Judiciário, ao final, a sentença prolatada seja fundada em artigos de lei, existe uma condenável  tendência de os magistrados em geral tentarem inserir  as figurar atípicas no esquema dos contratos típicos, ao invez de recorrerem ao princípio geral do direito contratual[10].

                   Talvez a mencionada tendência jurisprudencial tenha sido derivada da interpretação restritiva do art. 126 do Código Comercial que preconiza serem os contratos mercantis obrigatórios, sem especificar, contudo, a sua forma.

                   Essa “nova espécie contratual”, contudo, não acarreta a perda da individualidade[11], continuando os contratos  autônomos, mas constituindo uma  unidade  por um mecanismo jurídico derivado de sua função econômica, sua causa.

                   Darcy Bessone entende o contrato coligado como sendo aquele formado da combinação de dois ou mais tipos de contratos, ou da inserção de cláusulas que desfigurem um dos tipos simples[12].

                   Carecem os contratos coligados, portanto, da unidade intrínseca dos contratos mistos, por exêmplo, permanecendo contudo uma dependência recíproca.

                   2.2. Distinção entre coligação e contratos mistos

                   Na coligação, como visto, existe uma unidade contratual, por subordinação ou coordenação das prestações típicas ou atípicas entre as partes, derivada de sua função econômica.

                   O contrato misto por sua vez “é um contrato só e não se identifica com a coligação de contratos”[13].

                   São prestações típicas de outras formas contratuais que, combinados pelas partes, formam uma nova unidade por subordinação ou coordenação[14].

                   Nos contratos coligados a união não é derivada de uma única figura típica ou atípica, apenas surge da formação e união com outras espécies contratuais, permanecendo estas autônomas quanto aos seus efeitos.

                   A característica dos contratos mistos é a unidade de causa. No entanto, o mecanismo da coligação – função econômica – muito se assemelha ao dos contratos mistos, causando confusão.

                   O próprio Egrégio Sodalício, o Supremo Tribunal Federal já enfrentou a matéria e pacificou o entendimento acerca das diferentes nuances dos contratos coligados e mistos, a saber:

“O que caracteriza o contrato misto é a coexistência de obrigações pertinentes a tipos diferentes de contratos, enlaçadas pelo caráter unitário da operação econômica cujo resultado elas asseguram. Ele se distingue da união de contratos, que se caracteriza pela coexistência, num mesmo instrumento, de tais obrigações simultaneamente justapostas, sem a amálgama da unidade econômica aludida.

Na hipótese da união de contratos, pode ser anulado ou residindo um deles, sem prejuízo dos outros; enquanto que, em se tratando de contrato misto, o grau de síntese alcançado torna inseparáveis os elementos ou partes do negócio.

Outrossim, cumpre-nos advertir que as regras principais a serem observadas, em relação ao contrato misto são estas: a-) cada contrato se rege pelas normas de seu tipo; b) mas tais normas deixam de ser incidentes , quando se chocarem com o resultado que elas visam assegurar” (sem destaque no original)[15].

                   O contrato de leasing é exêmplo de contrato misto, contendo várias obrigações de espécies diversas. Integram-no, essencialmente, os seguintes elementos: a-) locação; b-) compra e venda; e, c-) a operação de financiamento[16].

                   Como explicado pelo Supremo Tribunal, as três operações supramencionadas perfazem uma unidade econômica indissociável.

                   Na união ou coligação de contratos, um depende do outro de tal modo que, se formados separadamente, seria desinteressante o negócio jurídico. Tornam-se coligados porque são viáveis para as partes , desde que celebrados para a realização de uma única atividade, ou para a consecução de um mesmo bem[17]. O contrato de distribuição de veículos é exemplo de contrato coligado.

                   Em resumo, “distinguem-se na estruturação e eficácia as figuras dos contratos coligados e dos contratos mistos. Naqueles há combinação de contratos completos. Nestes, de elementos contratuais, enquanto possível à fusão de um contrato completo com simples elemento de outro. Pluralidade de contratos em um caso; unidade no outro”[18].

                   A coligação de contratos não enseja, uma vez identificada, as dificuldades que os contratos mistos provacam quanto ao direito material aplicável ao caso concreto, tendo em vista que os coligados não perdem a individualidade, apensar da unidade de prestações, aplicando-se-lhes o conjunto de regras próprias do tipo contratual a que se ajustam[19].


III – CLASSIFICAÇÃO

                   Enneccerus[20] foi quem efetuou uma classificação dos complexos contratos atípicos coligados, classificando-os em coligação necessária, voluntária, com dependência, alternativa e exterior, conforme abaixo passar-se-á a elucidar.

                   3.1. Coligação necessária

                   A coligação necessária, também conhecida como genética[21] de contratos ocorre sempre que tal necessidade for imposta por Lei, tendo-se como exêmplo o contrato de concessão mercantil, da Lei 6.729/79 (Lei Ferrari).                  

                   3.2. Coligação voluntária

                   Na coligação voluntária de contratos as partes, levando em consideração a complexidade e necessidade das prestações recíprocas que pretendem realizar, sem necessidade imposta ou derivada de lei, resolvem contratar sob uma nova forma, subsumindo parte de diversos contratos típicos e atípicos e adequando-as à realidade do negócio jurídico.

                   3.3. Coligação com dependência

                   A união com dependência à  figura atípica que mais se aproxima, segunda a doutrina nacional e comparada, com o contrato misto, podendo causar aqui e acolá pequenas confusões quanto à aplicabilidade do direito material

                   Nesta os contratos coligados são desejados – sob o enfoque contratual da intenção – pelas partes  como um todo, sendo que um é dependente do outro de tal modo que sirvam a individualidade própria, sendo por isso distintos dos contratos mistos[22].

                   3.4. Coligação alternativa

                   A coligação ou união de contratos se caracteriza por derradeiro, sob a forma alternativa, quando dois contratos são previstos para que subsista um ou outro, realizada determinada condição. Um contrato exclui o outro quando a condição se verifica e, muito embora unidos, vinculados, não se completam, como acontece na união com dependência[23].

                   3.5. Coligação exterior

                   Na união exterior ou externa a “união é simplesmente instrumental”[24], sem existir interdependência entre os contratos, as partes os reúne em um mesmo instrumento apenas concluíndo-os simultaneamente, inexistindo completitude ou recíproca exclusão.

                   Não há, pois, nesta hipótese de união meramente exterior, o que se falar em coligação de contratos.

Sobre o autor
Rogério Mayer

mestrando, advogado e professor universitário em Campo Grande (MS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAYER, Rogério. Contratos coligados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4051, 4 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30556. Acesso em: 2 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!