Resumo: O atual ditame da liberdade de associação sindical não observa a vontade geral segundo Rousseau, conforme sua obra O Contrato Social, e, por consequência, obedecer as normas instituídas pela Constituição Federal, igualmente presentes no texto da Consolidação das Leis do Trabalho, nesse aspecto, não é ser livre.
A vontade geral não equivale à vontade da maioria, e sim a vontade de cada um dos cidadãos individualmente considerados como membros de uma coletividade. Quando tal vontade é levada em consideração pelo legislador na elaboração das normas, agir segundo aquilo que o indivíduo estatuiu para si mesmo, significa agir com liberdade.
Ao aplicar a teoria de Rousseau no sistema sindical brasileiro, rompendo os entraves legais, tais como a unicidade sindical, os direitos dos trabalhadores seriam resguardados e ampliados e a liberdade sindical como estabelece a Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho seria, então, alcançada.
Palavras chave: sistema sindical, vontade geral, pluralidade, liberdade, Rousseau.
Sumário: Introdução. 1. A vontade geral e associação segundo Rousseau. 2. O teor da Convenção nº 87. 3. Enquadramento do modelo sindical no ordenamento jurídico brasileiro. 3.1. Organização sindical: atividade preponderante e categoria diferenciada. 3.2. Análise histórica quanto à liberdade sindical. 3.3. Subsistência do modelo de enquadramento sindical após a Constituição Federal de 1988. 3.4. Confronto do modelo sindical brasileiro com a teoria de Rousseau. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente trabalho visa estudar a atual configuração do sistema sindical brasileiro à luz da teoria de Rousseau, sobretudo em relação à sua obra O Contrato Social, objetivando indicar e esclarecer os pontos do sindicalismo brasileiro que podem ser superados, ampliando, consequentemente, os direitos dos trabalhadores. Sendo, dessa forma, de grande importância a ratificação da Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho para que a classe trabalhadora venha a ter, entre outros aspectos, sua liberdade respeitada.
1. A vontade geral e associação segundo Rousseau
Segundo o filósofo Jean Jacques Rousseau, na obra O Contrato Social, em estado primitivo, os homens, não possuindo mais condições de subsistirem por seus próprios meios, realizaram um pacto social objetivando a conservação da espécie.
Ao realizar uma análise acerca do tema, a associação alcançada pelos homens, no estado de natureza, objetivando a sua própria proteção, e que deu origem à sociedade civilizada, guarda profundas semelhanças com o objetivo dos trabalhadores ao se associarem em sindicatos profissionais.
Assim, construindo um paralelo entre o contrato social e os sindicatos, o objetivo que deu origem a ambos, comparando com O Contrato Social de Rousseau, foi a pretensão dos indivíduos de se conservarem, “formando, por agregação, um conjunto de forças, que possa sobrepujar a resistência, impelindo-as para um só móvel, levando-as a operar em concreto” (Rousseau, 1973: 37-38).
Logo, assim como os homens em um estado inicial, os trabalhadores buscaram a agremiação sindical visando sua própria manutenção em face da ordem econômica capitalista e dos seus agentes reguladores, detentores do poder.
Rousseau afirma, em O Contrato Social, que agir segundo a lei é agir com liberdade, pois as leis devem ser instituídas de acordo com a vontade geral, uma vez que somente ela tem o poder de conduzir ao bem comum, que é a finalidade da instituição estatal.
Esclarece-se que a vontade geral não consiste na vontade da maioria. Ao contrário, representa o resultado dos interesses comuns de todas as vontades individuais.
Dessa forma, uma vez que a vontade geral compreende o que há de comum entre as vontades individuais, quando o homem age de acordo com a vontade geral está agindo, no fundo, de acordo com a sua própria vontade.
Nesses termos, “cada um, unindo-se a todos, só obedece a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes” (Rousseau, 1973: 38).
Portanto, a vontade geral é o interesse de todos e de cada um dos componentes do corpo coletivo exclusivamente considerado nessa qualidade. Nesse caso, “a vontade declarada é um ato de soberania e faz lei” (Rousseau, 1973: 50-51).
Deste modo, a soberania, segundo Rousseau, consiste no exercício da vontade geral dirigida às forças do Estado sem resultar em opressão aos indivíduos. Não representa uma potência contrária à liberdade individual, mas é entendida como uma associação de todos os particulares. A vontade geral tem, ainda, a finalidade de vigiar os atos do governo e impedi-los de atentar contra a própria coletividade.
O legislativo, por sua vez, é o órgão do Estado onde a vontade geral incorpora-se, sendo a lei uma manifestação da vontade geral, de modo que a sua observância significa ser livre, pois “a obediência à lei que se estatui a si mesma é a liberdade” (Rousseau, 1973: 42-43).
Sendo assim, o cidadão adquire a liberdade de obedecer as leis que prescreve a si mesmo.
Portanto, de acordo com a teoria de Rousseau, a lei sempre deve observar a vontade geral e, dessa forma, agir segundo o que a lei estatui é agir de forma livre. Em resumo, o indivíduo, ao obedecer a lei, age segundo a sua própria vontade e, por isso, é livre.
2. O teor da Convenção nº 87
A Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho, organismo vinculado à ONU, criado em 1919, prevê quatro garantias sindicais universais, a saber: de fundar sindicatos, de administrá-los, de atuação dos sindicatos e de filiar-se ou não a um sindicato.
Dessa forma, é assegurado o direito de constituir, sem prévia autorização estatal, entidades sindicais, de acordo como os próprios interessados julgarem convenientes. Não obstante, também é observado o direito de filiação nessas associações, assim como sua retirada da agremiação, defendendo a autonomia da organização sindical perante o Estado e a livre escolha de cada pessoa individualmente considerada, o que faticamente estaria em consonância com a vontade geral estabelecida por Rousseau.
Contudo, também é resguardada pela Convenção o direito dos sindicatos de cuidarem de todo o sistema operacional e de atuação segundo as suas próprias aspirações. É assegurada às entidades a autonomia administrativa e de gestão, sem a intervenção do Estado, de modo que os sindicatos possam se organizar de acordo com os objetivos que pretendam alcançar.
Por sua vez, a Convenção visa proteger os sindicatos quanto à extinção por ato administrativo do poder estatal, proibindo o controle arbitrário da autoridade pública.
Por fim, assegura o direito das associações sindicais de criarem federações e de se associarem às organizações internacionais, ultrapassando as fronteiras da federação.
O Brasil, até o presente momento, não ratificou a Convenção nº 87 que representa um avanço quanto aos direitos dos trabalhadores. Ao manter o sistema limitador, o país impõe um modelo sindical obrigatório, enquanto a Convenção defende um sistema livre. Além disso, cobrar compulsoriamente uma contribuição de quem não é sócio é igualmente incompatível com a Convenção, que assegura a liberdade individual de ingressar ou não em um sindicato.
Logo, a ratificação da Convenção, conforme defendido, ampliaria os direitos da classe operária. Consagraria a liberdade e atenderia a vontade geral. A incorporação da norma no ordenamento do país faria com que a obediência à lei significasse agir com liberdade.
3. Enquadramento do modelo sindical no ordenamento jurídico brasileiro
Conforme abordado, de acordo com a teoria de Rousseau, a vontade geral deve ser manifestada, atendida e observada na lei, no sentido de que os indivíduos, ao obedecê-la, estariam agindo de acordo com as suas aspirações internas, alcançando, portanto, a liberdade.
Contudo, de acordo com a atual configuração do sistema sindical brasileiro, agir segundo a lei não significa, necessariamente, agir com liberdade, pelos motivos a seguir expostos.
A Constituição Federal, em seu artigo 8º concede a liberdade de associação profissional ou sindical, não se tratando de uma liberdade ampla, mas restrita a uma unidade sindical por base territorial, caracterizando, assim, a unicidade sindical.
Dessa forma, unicidade sindical é a proibição, estabelecida pela Constituição Federal, da existência de mais de um sindicato representando a mesma categoria na mesma base territorial. Transcrevendo os ensinamentos da doutrinadora Alice Monteiro de Barros “a unicidade sindical (ou monismo sindical) consiste no reconhecimento, pelo Estado, de uma única entidade sindical, de qualquer grau, para determinada categoria econômica ou profissional, na mesma base territorial” (BARROS, 2013, p. 972).
Assim, ao mesmo tempo em que a Constituição Federal, em seu artigo 8º, II consagra a liberdade sindical, limita-a ao prever a unicidade, concedendo e, simultaneamente, violando o princípio em questão, uma vez que impede “os componentes de determinada categoria a livre escolha de sindicato para se filiarem”, restringindo sobremaneira “a saudável competição entre entidades” e contribuindo para “a acomodação de lideranças sindicais, advinda da exclusividade de representação classista” (BARROS, 2013, p. 972).
No mesmo sentido, ressalta Octavio Bueno Magano que a unicidade acoberta “o interesse das cúpulas sindicais dominantes de conservarem o monopólio do poder, nas fortalezas em que muitas delas se escatelaram” (MAGANO 1989, p. 206), ferindo, indiscutivelmente, os interesses e direitos dos trabalhadores.
Citando Amauri Mascaro Nascimento, “o melhor sistema sindical é o que permite aos próprios interessados escolher o tipo de associação que querem constituir, sem entraves legais que prejudiquem essa escolha” (NASCIMENTO, 2005, p. 161). O que não ocorre, de fato e perceptivelmente, no ordenamento sindical brasileiro.
Por outro lado, existem outros modelos de enquadramento sindical, a saber: a pluralidade sindical, defendida pela Organização Internacional do Trabalho, através da Convenção nº 87, e a unidade sindical.
“Pluralidade sindical é o princípio segundo o qual, na mesma base territorial, pode haver mais de um sindicato representando pessoas ou atividades que tenham um interesse coletivo comum. É o sistema da Espanha, Itália, França e da maioria dos países” (NASCIMENTO, 2005, p. 166). Segundo Verdier (1968), “o pluralismo é uma das dominantes do direito sindical e do sindicalismo franceses”.
Sobre o tema, Amauri Mascaro Nascimento defende que “a possibilidade de escolhas e alternativas caracteriza um sistema sindical democrático. Garantir aos trabalhadores o direito de escolha é princípio básico da autonomia de organização sindical” (NASCIMENTO, 2005, p. 167).
Contudo, pode ocorrer, sobre o prisma da pluralidade sindical, tanto a possibilidade de coexistência de sindicatos representantes e concorrentes, como a união conjunta dos diversos sindicatos existentes. Nesse caso, ocorrerá unidade de ação, embora sejam sindicatos distintos.
Portanto, a pluralidade não impede a unidade de ação, mas apenas se contrapõe ao monopólio sindical e defende a possibilidade de existência múltipla de sindicatos, podendo os mesmos, segundo seus próprios interesses, unirem suas forças visando assegurar a união formal.
Dessa forma, unidade sindical, por sua vez, é o modelo de organização no qual os sindicatos se unem de acordo com suas próprias vontades, e não por imposição da lei. Por esse motivo, há liberdade, segundo os parâmetros instituídos por Rousseau em O Contrato Social, uma vez que a vontade geral é respeitada. Alemanha, Inglaterra e Suécia são países que adotam esse sistema de enquadramento sindical.
Assim, unicidade, unidade e pluralidade são modelos de organização do sistema sindical, sendo o primeiro, adotado pelo Brasil, restritivo e limitador dos direitos dos trabalhadores, enquanto o último, defendido pela OIT, observa a vontade geral e, como tal, enseja à liberdade, segundo os conceitos de Rousseau.
3.1. Organização sindical: atividade preponderante e categoria diferenciada
No Brasil, em regra, o enquadramento sindical é estabelecido de acordo com a atividade econômica preponderante desenvolvida pelo empregador, salvo quando se tratar de categoria profissional diferenciada. Dessa forma, a atividade preponderante do empregador define em qual categoria os empregados se enquadrarão, dando origem, assim, as denominadas categorias profissionais.
Rege o artigo 511, §2º da CLT que “a similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional”. Por sua vez, o parágrafo 3º do referido artigo conceitua as categorias profissionais diferenciadas como aquelas que se formam a partir da união dos “empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força do estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares”.
Conforme Amauri Mascaro Nascimento, nas categorias diferenciadas, “os exercentes da profissão formam, com a criação do sindicato, uma categoria própria. Farão parte não do sindicato representativo de todos os trabalhadores do setor econômico da empresa, mas do sindicato da profissão que agrupa todos os que a exercem, independentemente da natureza do setor produtivo em que o façam. Assim, para fins de sindicalização, prepondera a profissão e não a atividade econômica da empresa” (NASCIMENTO, 2005, p. 183).
Nesse sentido, a despeito da limitação constitucional ao princípio da liberdade sindical, surge uma tentativa de atenuar a tirania da suprema lei do país com a permissão do desmembramento da categoria profissional. Isso significa que as categorias agrupadas em entidades sindicais com especialidades diversas podem se desmembrar, tendo em vista o princípio legal da especificidade (BARROS, 2013, p. 972). Isso resultaria, logicamente, em uma agregação mais específica, em detrimento de uma agrupamento marcado pelo caráter da generalidade. Logo, ao invés de uma categoria profissional, tem-se uma categoria profissional diferenciada.
Da mesma forma, pode ocorrer a descentralização de uma categoria, isso significa que no caso de existir um sindicato de base nacional, por exemplo, nada obsta a criação de um sindicato estadual dessa categoria.
Por fim, as categorias econômicas, de acordo com o caput do artigo 511 da CLT, possuem como vínculo social básico “a solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas”. Representando, dessa maneira, as agremiações de empregadores.
Portanto, “é através da profissão ou atividade econômica exercida que nasce o interesse individual do trabalhador e do empresário. Por semelhança, esse interesse individual se generaliza entre os exercentes da mesma profissão ou atividade econômica, de modo a criar-se, entre eles, um vínculo de solidariedade. Esse vínculo forma a categoria” (NASCIMENTO, 2005, p. 176).
Ressalta-se, ainda, para fins doutrinários, que, segundo Carnelutti, “a totalidade dos trabalhadores e dos empregados pertencentes ao mesmo ramo de produção se chama categoria” (CARNELUTTI, 1936), e, de acordo com Evaristo de Moraes Filho, “o sindicato não se confunde com a categoria, não é a categoria, mas é o órgão de representação da categoria, com o que é possível dizer que a categoria é a matéria de que o sindicato é a forma. O sindicato é a organização jurídica da categoria” (FILHO).
Diante do exposto, na forma do artigo 511 da Consolidação das Leis do Trabalho e seus aludidos parágrafos, as dimensões do sindicatos são as categorias, e como já explicitado, a base territorial (BARROS, 2013, p. 973).
Conclui-se que a liberdade de associação das categorias não representa um direito absoluto, pois, conforme anteriormente abordado, encontra barreira no monopólio de representação sindical por imposição da Constituição Federal. Como leciona Amauri Mascaro Nascimento (NASCIMENTO, 2005, p. 168), “o nosso sistema não faculta aos trabalhadores a possibilidade de organização espontânea para formar uma coletividade natural, uma unidade de fato, ou de elegerem, na empresa, o sindicato que os representará”. A manutenção desse sistema contraria o próprio princípio da liberdade sindical.
3.2. Análise histórica quanto à liberdade sindical
Na Europa, no Estado liberal, instituído após a Revolução Francesa de 1789, as organizações de trabalhadores foram proibidas, sobre o argumento de proteção mútua, alegando que tais reuniões implicavam em perturbações, acarretando, inclusive, em desordem no convívio entre os próprios trabalhadores e o Estado. As agremiações dos labutadores chegaram ao extremo de ser consideradas crime pelo Código Penal Francês de Napoleão (1819).
Vale dizer que a Revolução Francesa representou uma ruptura com o Regime Absolutista, levando a burguesia ao poder, que passou de classe dominada e discriminada para classe dominante, destruindo os alicerces que sustentavam o antigo regime, colocando fim ao Estado Monárquico autoritário (LA BRADBURY, 2006).
Nesse encadeamento fático de revoluções, teve-se a fase de proibição do direito sindical, iniciada pela Lei Chapelier, aprovada no início da Revolução Francesa, proibindo os sindicatos, as greves e as manifestações dos trabalhadores. Seguiu-se a uma fase de tolerância, com a supressão do delito, passando-se a uma fase de reconhecimento do direito de associação, sendo caracterizada pela aprovação de leis que autorizavam a organização sindical, tendo a Inglaterra como pioneira, em 1824, ao aprovar um projeto dando existência legal aos sindicatos.
Independentemente da proibição, na fase que assim se caracterizou, os trabalhadores realizavam reuniões, clandestinamente, visando melhores condições de trabalho e, após a publicação do Manifesto Comunista de Marx, em 1848, a luta dos trabalhadores pelo reconhecimento internacional do direito de associação ganhou força.
O direito de sindicalização surgiu, enfim, após a Primeira Guerra Mundial, sendo concretamente firmado no artigo 427, II do Tratado de Versalhes.
Após o reconhecimento da liberdade de associação sindical, a matéria passou a ser inserida nos textos constitucionais, a exemplo da Constituição Mexicana de 1917, que trazia as regulamentações do trabalho em seu artigo 123, concedendo o direito de coalizão e greve. Igualmente, a Constituição de Weimar de 1919, assegurava a liberdade de coalizão para a defesa e melhoria das condições de trabalho e de produção, e reconhecia a organização de trabalhadores e patrões, em seus artigos 159 e 165, respectivamente.
Outro marco no avanço da luta dos trabalhadores ocorreu com a criação da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, com o objetivo de promover a Justiça Social.
No mesmo sentido, em 1948, na cidade de Paris, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos dos Homens, defendendo a liberdade de reunião e associação pacíficas, assim como o direito de organização e ingresso aos sindicatos.
No Brasil Império, em 1888, diante da abolição da escravatura decorrente da publicação da Lei Áurea assinada pela princesa Isabel, houve a necessidade de atrair estrangeiros para substituir a força de trabalho escravo. Dessa maneira, em ritmo mais lento do que as revoluções ocorridas na Europa, o Estado começou a aderir de maneira tímida aos direitos conquistados pela classe de trabalhadores mundo afora.
A Constituição do Império (1824) consagrou a liberdade de trabalho e a Constituição Federal de 1891, por outro lado, assegurou a liberdade de associação. Em 1903, o Decreto 979 regulou a sindicalização rural, permitindo a sindicalização da agricultura e das indústrias rurais, assegurando tanto aos empregados quanto aos empregadores a liberdade de escolha das formas de representação.
Portanto, internamente, as primeiras leis sindicais destinaram-se aos trabalhadores do setor agrícola, predominantes em face da rudimentar industrialização do início do século XX, ao contrário do que ocorreu na Europa, onde os primeiros a terem seus direitos atendidos foram os trabalhadores urbanos.
Já os trabalhadores urbanos brasileiros, por sua vez, começaram a ver os seus direitos resguardados através do Decreto 1637, em 1907, que organizou o sindicalismo urbano de trabalhadores de profissões similares ou conexas, determinando como funções do sindicato o estudo, defesa e desenvolvimento dos interesses gerais da profissão e dos interesses individuais de seus membros.
Em 1931, através do Decreto 19.770, a unicidade sindical foi introduzida no ordenamento interno do país. Contudo, a mesma foi abolida pela Constituição Federal de 1934, a qual pregava a pluralidade e completa autonomia dos sindicatos. Já em 1937, entretanto, a pluralidade deu lugar, mais uma vez, ao sindicato único, sendo este o mais representativo entre os demais e, em 1939, por fim, o Decreto-lei 1.402 manteve a unicidade, sendo recepcionada pela Consolidação das Leis do Trabalho (1943), no seu artigo 516.
Em sequência, a Constituição Federal de 1946, e até mesmo a Constituição Federal da era ditatorial (1967) retomaram a pluralidade e autonomia sindical, sendo extinta, por completo, pela Constituição Federal de 1988.
Portanto, contemporaneamente, a Carta Magna da República, instituída em 1988, traz em seu artigo 5º, XVII a liberdade de associação, nos seguintes termos: “é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”. Determina, ainda, no caput do artigo 8º a livre associação sindical ou profissional. O inciso I do citado artigo, coerente com o princípio da autonomia sindical, proíbe a interferência e intervenção do poder público na organização sindical, estabelecendo que a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação do sindicato, salvo o registro no órgão competente. Além disso, igualmente visando a representatividade sindical, o inciso III do mesmo artigo assegura ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.
Entretanto, apesar desses direitos assegurados pela Constituição Federal, a ampla liberdade de associação não é observada, por ferir um dos grandes postulados, se não o maior, que rege o princípio: o direito à pluralidade sindical que, de acordo com a OIT, consiste o direito de constituir entidades sindicais conforme os próprios interessados julgarem conveniente.
Além disso, enquanto a Constituição Federal assegura que “ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato” (art. 8º, V), o trabalhador, como dispõe Octavio Bueno Magano, “é obrigado a canalizar recursos seus para o sindicato – a título de contribuição sindical -, tratando-se de constrangimento não compensado pelo direito de associado” (MAGANO, 89) (ressalva nossa).
Portanto, a Constituição Federal, visando a liberdade sindical, determina que ninguém será obrigado a filiar-se ao sindicato, e nem a manter-se nessa condição. Enquanto, por outro lado, institui a canalização automática de parte das verbas dos trabalhadores ao sindicato de sua respectiva categoria, pouco importando se ele é associado ou não, conforme rege os artigos 149, caput da CF e 545, caput in fine da CLT. Além disso, outro cerceamento à ampla liberdade sindical, conforme veementemente abordado nesse trabalho, consiste na limitação constitucional relativa a existência de tão somente um sindicato representando a mesma categoria na mesma base territorial.
3.3. Subsistência do modelo de enquadramento sindical após a Constituição Federal de 1988
Em vista dos embates oriundos da limitação imposta pela Constituição Federal quanto ao princípio da liberdade sindical, no que diz respeito, mais especificamente, a unicidade, ressalta-se, contudo, que nem sempre o Brasil adotou esse sistema limitador dos direitos dos trabalhadores.
Conforme abordado no tópico anterior, a unicidade sindical foi introduzida, inicialmente, em 1931 pelo Decreto 19.770, sendo abolida pela Constituição Federal de 1934 e retomando em 1937, novamente inserida no texto constitucional. Em 1939 o Decreto-lei 1.402 manteve a unicidade, a qual foi recepcionada pelo artigo 516 da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943.
Posteriormente, as Constituições federais de 1946 e 1967 retomaram a pluralidade e autonomia sindical, sendo extinta, em caráter definitivo, pela atual Constituição Federal (1988), nos seguintes termos: “é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município” (art. 8, II).
Dessa forma, a Constituição de 1988 manteve defeitos advindos de legislações anteriores, não podendo ser orientada no plano da liberdade sindical justamente por vedar mais de um sindicato, da mesma categoria, na mesma base territorial. Rege o supracitado doutrinador Amauri Mascaro Nascimento que a Constituição Federal em questão “seria um marco no sentido da autonomia coletiva se não cometesse esse pecado. A autonomia coletiva pressupõe o espaço de liberdade que a Constituição de 1988 não permite totalmente” (NASCIMENTO, 2005, p. 127).
Portanto, conforme o mesmo, a Constituição de 1988 retomou “nossa ordem sindical a parâmetros anteriores a 1988 com grau de centralização e controle” (NASCIMENTO, 2005, p. 582) que, mais uma vez e lamentavelmente, voltou a ter, ferindo, frisa-se, o princípio da liberdade sindical.