RESUMO: O presente trabalho visa analisar a evolução do instituto da Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance no decorrer do tempo, focando, principalmente, no forte destaque que vem recebendo pela doutrina e jurisprudência brasileiras. Importa, ainda, estabelecer um estudo sobre a origem francesa de tal teoria, bem como sobre sua expansão e influência. Pretende-se, também, apontar os princípios norteadores para o desenvolvimento da teoria e abordar a discussão a respeito da natureza jurídica da perda de uma chance, que para uns se classifica como uma espécie de lucro cessante e para outros como um dano emergente. No tocante ao aspecto legal, será analisada a existência ou não de previsão normativa capaz de permitir a aplicação desse instituto no direito brasileiro. Além disso, visa-se demonstrar o preenchimento dos requisitos capazes de enquadrar a perda de uma chance como um dano passível de indenização, tendo em vista o desenvolvimento do método de deslocamento do objeto da reparação, o qual deseja reparar a chance e não o resultado aleatório. Discute-se, sobretudo, a importância conferida à identificação de uma chance como sendo séria e real, visto que se deve evitar que haja a banalização do emprego de tal instituto. Convém, da mesma forma, abordar a necessidade ou não de condicionar a reparação de chances à imposição de limites percentuais. Ademais, são apresentados posicionamentos favoráveis à adoção da teoria, que amplia a forma de reparação de danos injustos, bem como não se deixa de apontar a fundamentação defendida por doutrinadores que entendem não ser razoável a sua aplicação. Outrossim, verifica-se de extrema importância conferir enfoque à dificuldade apresentada para se estabelecer o quantum indenizatório. Por fim, ao longo de todo o trabalho, são amplamente citadas jurisprudências acerca do assunto e comentados certos “leading cases”, com a finalidade de dar embasamento a esse instituto. Conclui-se que esse vem assumindo grande relevância nos dias atuais, com o alargamento do conceito de dano reparável. Para tanto, uma vertente jurídico-dogmática foi utilizada, através de um raciocínio dedutivo, sendo o método teórico. É um trabalho, em sua essência, interdisciplinar, calcado em uma investigação histórica e compreensiva.
Palavras-chave: Responsabilidade pela perda de uma chance. Natureza jurídica. Aspecto legal. Quantum indenizatório. Dano reparável.
Sumário: 1 INTRODUÇÃO.2 Noções Gerais da Responsabilidade Civil.2.1 Histórico.2.2 Conceito, previsão legal e função da responsabilidade civil.2.3 Natureza Jurídica do dever de indenizar.2.4 Espécies de responsabilidade civil.2.5 Pressupostos da responsabilidade civil..2.5.1 Conduta. 2.5.2 Dano.2.5.3 Nexo de causalidade.2.5.4 Nexo de imputação.3 Responsabilidade pela Perda de uma Chance.3.1 Evolução Histórica.3.1.1 Técnicas desenvolvidas pela jurisprudência francesa.3.2 Conceito.3.3 Natureza Jurídica.3.4 Princípios Norteadores..3.5 Concepções de causalidade e a perda de uma chance..3.6 Limites da técnica..3.7 Dificuldade de auferir o quantum indenizatório.4 A RESPONSABILIDADE PELA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO BRASILEIRO.4.1 Regulamentação Jurídica e a adequação da teoria ao ordenamento jurídico brasileiro.4.2 Posicionamento da doutrina.4.3 Posicionamento da jurisprudência.4.4 Caso do “Show do Milhão”. 5 CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS.
1 Introdução
O presente estudo objetiva destacar a evolução do instituto da responsabilidade civil, pautando-se, principalmente, no surgimento da teoria que visa a possibilitar a reparação de uma chance perdida. A responsabilização de um sujeito pela prática de um ato que retirou da vítima a possibilidade de auferir uma vantagem esperada ou evitar um prejuízo é algo ainda recente no direito brasileiro, mas que vem conquistando muitos adeptos, tanto por parte da doutrina, quanto da jurisprudência. Nota-se, ainda, que o crescimento do interesse atribuído a essa teoria se deve, em grande parte, ao desenvolvimento de um paradigma solidarista, que confere respaldo ao referido instituto.
A evolução da responsabilidade civil é resultado das constantes transformações na sociedade, que acabam por exigir a adequação do instituto às necessidades atuais vivenciadas. É, em decorrência disso, que se criou a responsabilidade objetiva, que dispensa a averiguação do elemento subjetivo “culpa”. Isso explicita, claramente, a tendência atual de expansão dos danos ressarsíveis.
Diante de todo o avanço na determinação das finalidades desse instituto, tornou-se possível visualizar hipóteses de responsabilização do sujeito causador da perda de uma chance. Hipóteses essas que abarcam a reparação de danos, até então, desconsiderados pela doutrina e jurisprudência. Vivencia-se, assim, um período de progresso no âmbito da responsabilidade civil, que abrange, cada vez mais, situações passíveis de indenização, com o intuito de resguardar a vítima do dano sofrido.
A teoria da perda de uma chance tem origem francesa e, ao longo dos anos, também foi ganhando força na Itália, que despontou, igualmente nesse estudo. Contudo, no Brasil, ela somente começou a tomar frente nas discussões doutrinárias décadas mais tarde.
Entretanto, mesmo com o atraso na inicialização dos debates no âmbito da doutrina e jurisprudência brasileiras, o momento atual demonstra ampla aceitação da teoria pelos tribunais pátrios, principalmente na região sul e sudeste. Atualmente, é possível se deparar com centenas de julgados nos tribunais regionais e, aproximadamente, quinze no Superior Tribunal de Justiça.
Contudo, é válido esclarecer que a aplicação dessa teoria deve ocorrer de maneira mais criteriosa, pois se nota uma explícita dificuldade ao estabelecer o quantum indenizatório, juntamente com uma confusão conceitual. Dessa maneira, o emprego da teoria requer um estudo mais aprofundado, atentando para determinadas limitações, a fim de se evitar a vulgarização e banalização de uma técnica tão importante.
Apesar dos equívocos apresentados na tentativa de se aplicar a teoria da perda de uma chance, é satisfatório observar o quão ela vem se alargando no âmbito da jurisprudência. Atualmente, ela está sendo empregada em diversas áreas, como na seara trabalhista, no meio médico, nos casos que envolvem a atuação do advogado, entre outros.
Verifica-se, assim, um constante processo de mudança sofrido pelo instituto da responsabilidade civil. Isso decorre, em grande parte, em razão da constitucionalização do Direito Civil, que passou a ser regido pelo princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da justiça distributiva. Com isso, a evolução do instituto possibilitou, cada vez mais, a reparação de danos injustos, atuando como importante mecanismo na função social.
A renomada professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2005) traduz essa mutabilidade e evolução em um trecho de sua obra “Responsabilidade Pressuposta”, que merece ser transcrito, por demonstrar, com clareza, a necessidade de adaptação dos institutos aos interesses sociais:
[...] poucos institutos jurídicos evoluem mais que a responsabilidade civil. A sua importância em face ao direito é agigantada e impressionante em decorrência dessa evolução, dessa mutabilidade constante, dessa movimentação eterna no sentido de ser alcançado seu desiderato maior, que é exatamente o pronto atendimento às vítimas de danos pela atribuição, a alguém, do dever de indenizá-los. Refere-se neste início de um tempo novo, à necessidade de se definir, de modo consentâneo, eficaz e ágil, um sistema de responsabilização civil que tenha por objetivo precípuo, fundamental e essencial a convicção de que é urgente que deixemos hoje, mais do que ontem, um número cada vez mais reduzido de vítimas irressarcidas. (Hironaka, 2005, p. 2).
Sendo assim, o presente estudo tem como escopo demonstrar a importância da teoria da perda de uma chance no cenário atual, tendo em vista a tendência de ampliação das hipóteses de danos ressarcíveis. Será tratado, ainda, de forma minuciosa o processo de evolução desse instituto, seu cabimento no ordenamento jurídico brasileiro, as limitações necessárias à aplicação da técnica e sua natureza jurídica, sem, contudo, apresentar a pretensão de se esgotar a discussão acerca do tema.
2 Noções Gerais da Responsabilidade Civil
Antes mesmo de adentrar no estudo detalhado da teoria da perda de uma chance, cabe realizar uma exposição a respeito das noções gerais da responsabilidade civil. Conhecer a base que possibilita o ressarcimento dos danos causados, na tentativa de se retornar ao status quo ante, é essencial para compreensão da evolução do instituto da responsabilidade civil e, ainda, do desenvolvimento de novas teorias, que estabelecem uma tutela maior à vítima. A teoria da perda de uma chance se posiciona exatamente nesse sentido, ou seja, o de conferir a possibilidade de indenização a danos antes não ressarcíveis.
2.1 Histórico
Nos primórdios, quando se causava um dano a terceiro, havia a retribuição do mesmo mal causado, como forma de compensar o que fora feito. No Direito Romano, a pena de Talião, prevista na Lei das XII Tábuas, consagrava o “olho por olho, dente por dente”. Nessa época, imperava a responsabilidade sem culpa.
No entanto, com o passar do tempo, constatou-se que a responsabilização sem a demonstração da culpa poderia motivar situações injustas, passando-se, assim, a gerar a necessidade de averiguação dessa, por mais leve que fosse. Esse elemento, contudo, demorou a ser introduzido no Direito Romano, tornando-se visível a partir da máxima de Ulpiano, qual seja: “in lege Aquilia et levissima culpa venit”. (TARTUCE, 2012, p. 294).
Com a evolução da responsabilidade civil, a reparação do dano foi direcionada ao pagamento de uma penalidade em dinheiro por parte do causador do prejuízo, independentemente de relação obrigacional preexistente. Além disso, a responsabilidade com culpa, surgida diante da própria necessidade evolutiva da sociedade romana, passou a ser a regra em todo o direito comparado, influenciando as codificações seguintes.
No Brasil, o Direito Civil, ainda hoje, consagra, como regra, a responsabilidade com culpa, mais conhecida como responsabilidade civil subjetiva. Contudo, pode-se verificar certa resistência por parte da doutrina quanto a isso, devido ao surgimento da teoria do risco.
Foi o direito francês aquele que primeiro passou a admitir o surgimento da responsabilidade civil sem culpa, diante da teoria do risco. Isso se deve ao fato de a Europa ter vivenciado a eclosão da Segunda Revolução Industrial e a introdução do maquinismo, que proporcionou o aumento dos riscos de acidentes dentro de um estabelecimento.
A partir do ano de 1897, foram publicadas as primeiras ideias sobre a responsabilidade objetiva. Diante disso, originaram-se importantes debates em torno da responsabilização daqueles que executavam atividades ligadas à coletividade. Dessa forma, pode-se constatar que o avanço industrial gerou relevantes repercussões jurídicas. E, ainda, o avanço nas discussões acerca da responsabilidade objetiva influenciou, sobretudo, a legislação de outros países, como é o caso do Brasil. (TARTUCE, 2012, p. 295).
Em 1912, no Brasil, o Decreto-Lei nº 2.681, passou a prever a culpa presumida no transporte ferroviário, passando a ser aplicada, sucessivamente, a diversos tipos de transportes terrestres. Com o tempo, a doutrina e jurisprudência passaram a entender que a responsabilidade do transportador não deveria ser presumida, mas sim, objetiva.
Além do mencionado decreto, o Art. 15 do Código Civil de 1916 e o Art. 37, §6°, da CRFB/88, ao trazerem a responsabilidade civil do Estado pelos atos comissivos de seus agentes, demonstraram o fortalecimento da responsabilidade objetiva no âmbito brasileiro. Não se pode olvidar, ainda, que, em 1981, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938) aplicou a responsabilidade objetiva aos causadores de danos ao meio ambiente. A responsabilidade objetiva tornou-se, assim, bastante expressiva em diversas relações sociais, expandindo-se, mais tarde, no âmbito privado, mostrando-se presente também no Código de Direito do Consumidor. (TARTUCE, 2012, p. 296).
Tamanha foi a importância conferida à responsabilidade objetiva, que o Código Civil de 2002 passou a prevê-la, de maneira específica, em seu Art. 927, parágrafo único. Vale ressaltar que a inovação trazida não apresentou prejuízo a outros comandos legais que tratam de responsabilidade sem culpa.
Diante do exposto, é possível notar que o instituto da responsabilidade civil não é algo estático. Muito pelo contrário, é algo que está sofrendo constantes transformações em razão das exigências sociais, observadas em cada tempo e espaço. O instituto está caminhando para uma linha de reparação de danos cada vez mais abrangente, ou seja, seu campo de atuação está sendo ampliado, a fim de abarcar uma tutela mais expressiva da vítima.
Em virtude da constitucionalização do Direito Civil, esse é um ramo que sofreu grandes mutações e evoluções, pois se tornou imprescindível estar de acordo com os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social, da justiça distributiva. Nesse sentido, cabe transcrever a importante análise feita por Maria Celina Bondin de Moraes:
O princípio da proteção da pessoa humana, determinado constitucionalmente, gerou, no sistema particular da responsabilidade civil, a sistemática extensão da tutela da pessoa da vítima, em detrimento do objetivo anterior de punição do responsável. Tal extensão, neste âmbito, desdobrou-se em dois efeitos principais: de um lado no expressivo aumento das hipóteses de dano ressarcível; de outro, na perda de importância da função moralizadora, outrora tida como um dos aspectos nucleares do instituto. (MORAES, 2010).
Isso posto, pode-se constatar que diante de um paradigma solidarista, tornou-se de extrema importância conferir ênfase à tutela da vítima e buscar atingir, sempre que possível, o status quo ante. Vale dizer, ainda, que esse contexto foi determinante para garantir a boa aceitação da teoria da perda de uma chance, que depende de um amadurecimento da sociedade no sentido de consentir com o alargamento do conceito de dano reparável.
2.2 Conceito, previsão legal e função da responsabilidade civil
Enquanto a obrigação caracteriza-se como um dever jurídico originário, a responsabilidade qualifica-se como um dever jurídico sucessivo, resultante da violação de uma obrigação. Vale ressaltar que não há responsabilidade sem uma obrigação correspondente. Sendo assim, nenhuma pessoa será responsabilizada por algo sem que haja violado um dever jurídico preexistente.
A distinção entre responsabilidade e obrigação pode ser visualizada no Art. 389 do CC/02. Deve-se atentar para o fato de que o referido dispositivo é aplicável tanto à responsabilidade contratual, quanto à extracontratual. Ou seja, da realização de um contrato, surgem obrigações, mas, também, de sua inexecução, nasce a obrigação de indenizar.
Ocorre que as obrigações contratuais advêm da vontade das partes, enquanto a obrigação de indenizar ocorre contra a vontade da parte inadimplente. Sendo assim, conforme as lições de Aguiar Dias, citado por Cavalieri (2010, p. 3), a responsabilidade contratual e a delitual são ambas fontes de obrigações.
O dever de indenizar está contido no Art. 927 do CC/02. Ele decorre da realização de um ato ilícito e possui claro objetivo de restabelecer a situação da vítima anteriormente ao fato danoso. Conforme se depreende da redação do referido artigo, a violação de um dever jurídico normalmente gera um dano, o qual deverá ser reparado.
Deve-se ressaltar que uma importante característica da obrigação de indenizar é a sucessividade, tendo em vista que essa surge a partir da violação de uma obrigação anterior. Excepcionalmente, alguns autores sustentam que há responsabilidade sem obrigação, como é o caso de Orlando Gomes e Álvaro Villaça de Azevedo, citados por Cavalieri (2010, p. 4).
Cavalieri (2010) destaca a divisão entre a responsabilidade direta e a responsabilidade indireta. Na primeira, a responsabilidade decorreria do descumprimento de uma obrigação pessoal, enquanto, na segunda, ela seria derivada do descumprimento de uma obrigação de terceiro, como é o caso da fiança. Sendo assim, diante das alegações de Cavalieri (2010), é possível afirmar que as duas situações correpondem ao descumprimento de uma obrigação, diferentemente do que sustenta Orlando Gomes e Álvaro Villaça, citados pelo referido autor (2010, p. 4).
Cabe, ainda, mencionar que a responsabilidade pode assumir igual ou diversa natureza do dever jurídico de origem, ou seja, se o dever preexistente era de dar e a indenização for em dinheiro, vislumbra-se a situação de igual natureza, mas se o dever inicial era de fazer e a indenização for em dinheiro, estar-se-ia diante de situação de natureza diversa.
Por fim, resta válido esclarecer a função da responsabilidade civil. Sua função está atrelada à teoria da indenização, que se pauta na intenção de restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico causado pelo dano.
A partir da consolidação desse entendimento, a tese de Ihering, citado por Cavalieri (2010, p. 13), que baseava a obrigação de reparar na culpa e não no dano, começou a perder força. Sendo assim, a intenção de trazer o prejudicado ao status quo ante ganhou notoriedade e teve alicerce no princípio da restitutio in integrum, o qual consiste em repor a vítima, tanto quanto possível, à situação anterior ao dano.
2.3 Natureza jurídica do dever de indenizar
Tendo em vista a classificação estabelecida para as obrigações, podendo elas serem voluntárias ou legais, vale ressaltar que a natureza da obrigação de indenizar é legal. Voluntárias seriam as obrigações oriundas de negócios jurídicos, ligadas à autonomia da vontade. Tais obrigações existiriam e possuiriam determinado conteúdo de acordo com a vontade das partes. Enquanto isso, obrigações legais são aquelas impostas pela própria lei, a partir do preenchimento de certos pressupostos.
A obrigação de indenizar é, portanto, uma obrigação legal, visto que não é algo desejado pelo agente, mas sim imposto como uma sanção a um comportamento causador de dano. Surge, assim, uma obrigação que não está atrelada à vontade do agente, atuando, na verdade, contra sua intenção.
2.4 Espécies de responsabilidade civil
A responsabilidade pode assumir diferentes espécies a depender de onde provém o dever e qual o elemento subjetivo da conduta. (CAVALIERI, 2010, p. 13). A divisão por espécies pode se dar da seguinte maneira: a) responsabilidade civil e penal; b) responsabilidade contratual e extracontratual; c) responsabilidade subjetiva e objetiva.
Quanto à responsabilidade civil e penal, a diferenciação a ser feita pauta-se no maior ou menor grau de gravidade objetiva ou imoralidade da conduta. O ilícito penal atinge mais diretamente o interesse público e detém maior gravidade. Contudo, tendo em vista que ambas violam um dever jurídico, as diferenças entre tais espécies de responsabilidade verificam-se de forma sutil.
Com relação à responsabilidade civil contratual e extracontratual, a diferença que se extrai é de que, na primeira, existe um vínculo obrigacional preexistente, sendo o dever de indenizar resultante de um inadimplemento, enquanto, na segunda, não se exige que haja entre o ofensor e a vítima uma relação jurídica prévia.
No ilícito extracontratual, o dever surge em consequência da violação de um direito subjetivo, ou seja, da transgressão de um dever jurídico imposto pela lei. Contudo, embora haja essa diferenciação, deve-se dar ênfase ao fato de que as regras previstas para a responsabilidade contratual são também aplicadas à responsabilidade extracontratual.
Tendo em vista a relevância trazida a partir da averiguação da culpa, pode-se fazer, ainda, uma distinção entre responsabilidade subjetiva e objetiva. A culpa é essencial para a caracterização da responsabilidade subjetiva, bastando-se observar o disposto no Art. 186 do CC/02. Vale ressaltar que a expressão “culpa” é usada no sentido lato sensu, ou seja, abrangendo também o dolo. Sendo assim, na responsabilidade subjetiva, só haverá reparação se provada a existência de culpa do agente.
Enquanto isso, a responsabilidade objetiva surgiu da necessidade de a sociedade se adaptar ao desenvolvimento industrial. O conceito tradicional de culpa não conseguiu abarcar todas as situações, sendo necessário o desenvolvimento da responsabilidade objetiva, que se baseou na teoria do risco e acabou ganhando força no ordenamento jurídico brasileiro, estando presentes nos seguintes artigos: Arts. 927, parágrafo único, 931- 933, 936-938, todos do CC/02 e, ainda, no Art. 37, §6º da CF/88 e Arts. 12 e 14 do CDC.
2.5 Pressupostos da responsabilidade civil
Vale atentar para o fato de que os doutrinadores divergem, em parte, quanto aos pressupostos da responsabilidade civil. Para isso, torna-se importante trazer o entendimento de alguns autores.
Sílvio Rodrigues e Carlos Roberto Gonçalves consideram a existência de quatro requisitos, sendo eles: ação ou omissão do agente, culpa, relação de causalidade e o dano causado à vítima. (RODRIGUES; GONÇALVES apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 32). Enquanto isso, Sérgio Cavalieri (2010) indica apenas três pressupostos, quais sejam: conduta culposa, dano e nexo causal. Maria Helena Diniz, por sua vez, aponta três requisitos: ação, dano e nexo de causalidade. (DINIZ apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 32). Por fim, Fernando Noronha faz referência a cinco pressupostos: fato antijurídico, nexo de imputação, dano, nexo de causalidade e lesão a um bem juridicamente protegido. (NORONHA apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 32).
Tendo em vista que, tradicionalmente, só se admitia a responsabilidade subjetiva, é fácil compreender o motivo pelo qual alguns autores enquadravam a culpa como pressuposto de responsabilidade. Contudo, com a introdução da teoria do risco e o posterior advento da responsabilidade objetiva, percebeu-se que a culpa não deveria ser elencada como pressuposto genérico de responsabilidade.
Nota-se, ainda, que a lesão a um bem juridicamente protegido, pressuposto elencado por Noronha, está diretamente relacionada com o dano ou à qualidade da conduta antijurídica, pois ela nada mais é que a contrariedade ao ordenamento jurídico. Dessa forma, não deve constituir pressuposto autônomo de responsabilidade.
Enquanto isso, o nexo de imputação representa uma grande inovação, capaz de superar a dificuldade enfrentada com o surgimento da responsabilidade objetiva. Isso se deve ao fato de esse nexo representar o elo de ligação entre o agente e a conduta, que se pode verificar por meio da culpa ou do risco. Assim, ao tratar da culpa e do risco, o nexo de imputação mostra-se como pressuposto capaz de abranger tanto as situações de responsabilidade subjetiva quanto as de responsabilidade objetiva.
Sendo assim, após a inovação trazida pela responsabilidade objetiva, pode-se afirmar que o mais correto, atualmente, seria adotar aos seguintes pressupostos: conduta, nexo de imputação, dano e nexo de causalidade. Tais requisitos serão analisados adiante com mais cautela.
A propósito, será adotada a expressão conduta, por si só, visto que a expressão “conduta ilícita” poderia gerar certa confusão. Isso se deve ao fato de que o dano causado por um fato lícito, como é o caso do estado de necessidade, também ensejaria reparação.
Por fim, torna-se válido alertar que a obrigação de reparar o dano somente se verificará caso haja o preenchimento de todos os requisitos enunciados acima. Sendo assim, não basta alcançar apenas um deles, tendo que observá-los de maneira cumulativa.
2.5.1 Conduta
A conduta pode ser classificada como o gênero do qual a ação e a omissão são espécies, logo, abrange duas formas de exteriorização da atividade humana. Ela caracteriza-se como o comportamento humano voluntário, que se verifica por meio da ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas. (Cavalieri, 2010, p. 24).
A ação ou omissão atuariam como o aspecto físico ou objetivo da conduta. Já a vontade visualiza-se como o aspecto psicológico ou subjetivo desta. (Cavalieri, 2010, p. 24).
Pode-se dizer que a ação é a maneira mais comum de exteriorização da conduta. Cavalieri (2010) afirma que a ação consiste num movimento corpóreo comissivo, ou seja, num comportamento positivo. Enquanto a omissão, um pouco menos frequente, caracteriza-se pela inatividade, abstenção de uma conduta devida, causando lesão a direitos e interesses de outras pessoas.
Nota-se que para configurar a omissão é preciso que haja o dever jurídico de praticar determinado ato, bem como a prova de que não se praticou a conduta. Deve-se ressaltar, ainda, que para configuração da omissão será devida a demonstração de que, caso a conduta tivesse sido praticada, poder-se-ia ter evitado o dano. (Tartuce, 2012, p. 343).
Nos dois casos elencados acima, é fato que se verifica a presença de uma ação, ou seja, a ação comissiva e a ação omissiva. Nesse sentido, alguns doutrinadores empregam apenas o termo ação em sentido lato, com a finalidade de abranger ação stricto sensu e a omissão. Conduto, a fim de se evitar o surgimento de confusões, o termo conduta seria mais bem aceito.
Ainda no que diz respeito à conduta, torna válido mencionar que ela deverá ser voluntária, ou seja, controlável pela vontade. Dessa forma, deve-se atentar para o elemento voluntariedade.
Destarte, deve ficar claro que, atualmente, além de se verificar a responsabilidade por ato próprio, que se tornou a regra, também é possível surgir o dever de indenizar por ato de terceiro, ou seja, por danos não decorrentes de sua própria conduta. Nesse sentido dispõe o Art. 932, CC/02.
Quanto à previsão legal, é válido apontar o Art. 186 do CC/02, que ao tratar da cláusula geral de responsabilidade civil, engloba as condutas voluntárias comissivas e omissivas. Além disso, diante da leitura do referido artigo, nota-se que a conduta geradora de responsabilidade é aquela causadora de danos a outra pessoa, mesmo que este seja apenas moral.
Por fim, é relevante mencionar a definição de conduta omissiva trazida pelo Código Penal. Mesmo sendo ela utilizada para caracterizar a responsabilidade criminal, observa-se uma compatibilidade com o que preceitua a responsabilidade civil. Sendo assim, dispõe o Art. 13, §2° do CP:
§2° - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
(BRASIL, 2013, p. 350).
2.5.2 Dano
Sem dúvida, o pressuposto mais evidente para caracterização da responsabilidade civil é o dano. Isso se verifica, pois a obrigação de indenizar surge a partir do momento em que se concretiza o dano. Logo, se não há dano, não há o que ressarcir.
A doutrina tradicional define dano como algo que está estreitamente vinculado ao patrimônio. O dano seria a lesão ou diminuição do patrimônio de uma pessoa ou, ainda, a diferença entre o estado atual do patrimônio que sofreu o dano e o que teria caso o fato danoso não tivesse ocorrido. (GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 43). Essa é uma definição conferida pela doutrina clássica, mas que ainda tem validade na doutrina contemporânea. Contudo, será necessário se ater para uma mudança fundamental ocorrida no conceito de patrimônio.
A discussão acerca do conceito de dano tornou-se mais intensa a partir do surgimento de autores que defendiam a indenizabilidade de danos morais. Patrimônio, para a doutrinadores como Orlando Gomes, era concebido como um conjunto de bens materiais, de conteúdo econômico, pertencentes a uma determinada pessoa. (GOMES apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 43). Questionava-se, assim, se aquele conceito primordial de dano se adequaria à extensão dos direitos personalíssimos. Tal questionamento advinha do fato de eles não possuírem valor econômico, impossibilitando, pois, a sua caracterização como patrimônio.
Diante do dilema gerado, autores como Sílvio Rodrigues e Carlos Roberto Gonçalves procuraram abranger dentro do conceito de dano a ofensa aos direitos da personalidade. (Rodrigues; GONÇALVES apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 44). Sílvio Rodrigues, em sua monografia “Do dano moral e sua indenizabilidade”, fez a distinção entre patrimônio material e patrimônio ideal, identificando dentro de patrimônio, uma esfera de interesses distinta da de natureza econômica e material, a que se pudesse atribuir um valor. (Rodrigues apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 44).
Enquanto isso, Carlos Roberto Gonçalves passou a afirmar que patrimônio era o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro, e o dano constituía a diminuição ou subtração de um bem jurídico, para abranger não apenas o patrimônio, mas também a honra, a saúde, a vida etc. (GONÇALVES apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 44).
Ainda, a fim de contemplar a indenização de danos morais, alguns autores citados por Orlando Gomes passaram a definir o dano como a diminuição ou subtração de um bem jurídico ou lesão a um interesse. (GOMES apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 45).
Por muito tempo, considerou-se inviável a indenização por danos morais, visto que eles não possuíam conteúdo econômico e, por isso, seu valor não poderia ser quantificado em dinheiro, ou seja, convertido em pecúnia. Contudo, após muitos debates na doutrina e jurisprudência, editou-se a Súmula 491 do STF, tornando possível a indenização por danos morais, ao estabelecer: “É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado.” (BRASIL, 2013, p. 2014).
Ademais, houve a consagração desse direito na própria Constituição Federal. Inseriu-se no rol do Art. 5º, incisos V e X da CRFB/88, o direito à indenização por dano moral. Em seguida, o Art. 186 do Código Civil também passou a prever essa hipótese de indenização.
Sendo assim, deve-se ressaltar que houve uma expansão considerável do conceito de patrimônio, que passou a abranger não só os bens de conteúdo econômico, como também os bens e direitos relativos à personalidade, que possuem um valor moral. (GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 45).
Nesse sentido, alguns autores defendem a impropriedade da denominação “dano extrapatrimonial”, pois todo dano agrediria um patrimônio, podendo este ser considerado material ou imaterial. O patrimônio imaterial diz respeito, exatamente, aos direitos e interesses existenciais de uma pessoa. Dessa forma, concluir-se-ia que patrimônio é um complexo de bens, direitos e interesses que se vinculam a uma pessoa. (GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 45).
Entretanto, nota-se bastante presente, na doutrina e na jurisprudência, a separação entre danos morais ou extrapatrimoniais e danos patrimoniais. Diante disso, diz-se que os danos materiais são indenizáveis, enquanto os danos morais são apenas reparáveis.
Destarte, verifica-se de grande relevância destacar as diferenças existentes entre os conceitos de dano material, dano moral, dano emergente, lucro cessante e perda de uma chance, a fim de que as discussões enfrentadas adiante se tornem mais claras.
O dano material consiste em uma lesão concreta a interesses ligados a um patrimônio, provocando sua perda total ou parcial. O dano moral, por sua vez, representa uma lesão a direitos de personalidade, quais sejam, direito à imagem, à incolumidade corporal, entre outros. Os direitos da personalidade estariam intrinsecamente ligados ao valor fundamental da dignidade humana.
O dano emergente é aquele que atinge o patrimônio presente da vítima, ou seja, está diretamente relacionado com quanto efetivamente se perdeu. A perda, portanto, ocorre de maneira imediata. Enquanto isso, lucro cessante atinge o patrimônio do ofendido de maneira futura, impedindo, pois, seu crescimento. Isto é, lucro cessante corresponde ao que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Havia, então, uma expectativa de lucro que se frustrou.
Por fim, a perda de uma chance pode ser considerada uma subespécie de dano emergente, sendo uma modalidade de propriedade anterior do sujeito que sofre a lesão. Nesse caso, ocorre um ilícito capaz de retirar da vítima a oportunidade de vir a auferir um ganho ou de evitar um prejuízo. Esta teoria trabalha com a ideia de probabilidade, ou seja, não é certo que a vítima alcançaria o resultado final pretendido, mas havia uma chance real e séria de que isso viesse a se concretizar.
2.5.3 Nexo de causalidade
Conceitualmente, nexo de causalidade é o elo que liga o dano ao seu fato gerador, ou seja, mostra-se como a relação causa e efeito entre a conduta e o dano. É necessário demonstrar, pois, que, sem determinado fato, o dano não teria ocorrido. Deve-se indagar, portanto, as causas que concorreram para ocasionar do dano.
Torna-se relevante, ainda, estabelecer a diferenciação entre nexo de causalidade e nexo de imputação, pois são pressupostos que não se confundem. Resumidamente, nexo de imputação é responsável por ligar a conduta ao agente, enquanto nexo de causalidade liga o dano à conduta. Ainda, quanto a isso, podem-se citar os ensinamentos de Serpa Lopes, que afirma que poderia ocorrer imputação sem que acontecesse a causalidade. (LOPES apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 47).
Nota-se que, antes mesmo de verificar se um agente agiu com culpa, no caso da responsabilidade subjetiva, é preciso constatar se a conduta da pessoa concorreu para o dano. E mais, não é suficiente que alguém tenha causado uma conduta ilícita e, muito menos, que um dano tenha ocorrido. É essencial que haja relação entre os dois, ou seja, que se comprove que o dano tenha advindo daquela conduta ilícita. Somente assim se observará uma relação de causa e efeito, em que o prejuízo é resultado do ato.
O nexo de causalidade é elemento indispensável da responsabilidade civil, seja qual for sua espécie. Diferentemente da culpa, que é pressuposto apenas da responsabilidade subjetiva, é essencial que se verifique o nexo de causalidade. Dessa forma, enquanto pode haver responsabilidade sem culpa, ela não pode existir sem que haja nexo causal.
Pode-se dizer que o conceito de nexo causal não é exclusivamente jurídico, dependendo também de um elemento naturalístico. Assim, além das constatações baseadas nas leis naturais, haverá uma avaliação jurídica pelo juiz, que averiguará a relação entre o fato e o resultado. Diante disso, poderá se chegar a quem foi o causador do dano.
Destarte, quando um fato simples concorre para um resultado, não há o menor problema para se resolver a questão. As dificuldades surgem a partir do momento em que se verificam hipóteses de causalidade múltipla. Isso se dá quando há várias circunstâncias concorrendo para o resultado danoso. Quando isso se verificar, deverá se fazer um estudo mais aprofundado para alcançar a causa real do resultado.
Ainda, no que diz respeito ao nexo causal, é indispensável ter uma breve noção das principais teorias que buscaram solucionar os problemas surgidos na tentativa de averiguação do nexo causal. Dentre elas, requer destacar a teoria da equivalência dos antecedentes e a teoria da causalidade adequada. Após expor suas características mais relevantes, informar-se-á qual delas foi adotada pelo Código Civil pátrio.
Antes de mais nada, cabe alertar que nenhuma das teorias alcançam soluções prontas, sendo necessário, em alguns casos, atentar-se para os princípios da probabilidade, da razoabilidade, do bom-senso e da equidade. Não há, ainda, diferenças essenciais entre as teorias, pois todas realçam aspectos importantes do problema. Ocorre que determinadas situações exigirão o emprego de mais de uma teoria, a fim de se atingir um resultado satisfatório. Por fim, resta esclarecer que o nexo causal terá de ser avaliado caso a caso. (Cavalieri, 2010, p. 48).
De acordo com a teoria da equivalência dos antecedentes, se há várias condições que concorrem para um determinado resultado, todas elas terão igual relevância, ou seja, serão equivalentes quanto ao seu valor. Não importa, portanto, se alguma delas foi mais eficaz para causar aquele resultado.
O raciocínio a ser seguido é o de eliminação mental da condição, para saber se essa seria causa do resultado. Sendo assim, caso o resultado desapareça quando se elimina a condição, essa será considerada causa. Enquanto isso, se o resultado se mantiver presente, a condição não será causa.
Causa, para essa teoria, é aquilo do qual uma coisa depende quanto à existência. Já condição é o que permite à causa produzir seus efeitos positivos ou negativos.
Essa teoria obteve ampla aplicação no Direito Penal de diversos países, inclusive, no Brasil, diante do Art. 13 do CP. Ocorre, porém, sua mitigação em algumas situações.
Há, contudo, quem critique essa teoria, sustentado na ideia de que essa conduz a uma regressão infinita da causalidade. Para melhor compreensão cabe o seguinte exemplo dado por Cavalieri (2010): em um acidente de trânsito, a vítima deveria ser indenizada não só por quem conduzia o veículo, como também, por quem lhe vendeu o automóvel, por quem o fabricou, por quem forneceu a matéria-prima, entre outros. (Cavalieri, 2010, p. 49).
Enquanto isso, a teoria da causalidade individualiza, qualifica as condições. O significado de causa, para ela, seria o antecedente necessário e adequado à produção do resultado. Dessa forma, se inúmeras condições concorrem para determinado resultado, apenas será causa aquela que for a mais adequada à produção daquele efeito. Logo, há uma distinção entre os antecedentes de maior e menor relevância.
Torna-se válido ressaltar que, a fim de estabelecer quais condições concorreram para o alcance de determinado resultado, utiliza-se o mesmo processo mental hipotético. A distinção só se verificará a partir do momento em que a teoria da causalidade adequada desconsidera as demais condições pouco relevantes, reputando como causa apenas aquela que foi realmente determinante.
Entretanto, a complicação reside nesse fato, pois não há uma fórmula concreta para estabelecer a condição mais adequada. Com isso, a solução deverá ser casuística, devendo-se atrelar, ainda, aos princípios do bom-senso e da ponderação. Causa adequada, de acordo com Cavalieri (2010), será, pois, aquela que de acordo com o curso normal das coisas e a experiência comum da vida, revelar-se mais idônea para gerar o resultado. (Cavalieri, 2010, p. 49).
Cavalieri (2010) afirma que uma lição satisfatória para auxiliar na solução de problemas seria a apresentada por Antunes Varela. Para esse autor, não basta que o fato tenha sido, em concreto, uma condição sine qua non do prejuízo, sendo necessário que o fato represente, em abstrato, uma causa adequada do dano. Dessa forma, a análise do curso normal das coisas seria determinante para a configuração da relação de causalidade entre o fato e o dano. Caberá, assim, ao juiz analisar a idoneidade de cada condição. (Cavalieri, 2010, p. 49-50).
Quanto à aplicação dessas teorias no direito brasileiro, resta dizer qual se aplica mais ao âmbito civil. Como já foi dito, no Direito Penal, foi abraçada a teoria da equivalência das condições. Enquanto isso, na órbita civil, a teoria que ganhou mais aceitação foi a da causalidade adequada. Sendo assim, no que tange a responsabilidade civil, a causa adequada será aquela que interferiu decisivamente.
Por fim, vale destacar que não há um dispositivo expresso do Código Civil trazendo a regra do nexo causal, como ocorre no Código Penal, em seu Art. 13. Contudo, por meio das interpretações perpetradas na doutrina e na jurisprudência, poder-se-ia dizer que o Art. 403 do CC/02 adotaria, nas entrelinhas, a teoria da causalidade adequada. Com isso, muitos doutrinadores afirmam que tal teoria encontraria-se positivada.
Quanto ao direito comparado, essa também foi a teoria adotada pelos Códigos Civis Francês, Italiano e Argentino.
2.5.4 Nexo de imputação
O nexo de imputação caracteriza-se como pressuposto que liga o fato danoso ao agente, ou seja, poderia ser, então, a culpa ou o risco. Contudo, não são todos os doutrinadores que o consideram como um pressuposto autônomo. Esse elemento é tratado por Fernando Noronha como pressuposto, mas não por Sérgio Cavalieri (2010) e Maria Helena Diniz. Esses últimos autores preferem se referir a esse elemento como imputabilidade, que estaria sendo tratada dentro daquilo que se relaciona à conduta. (NORONHA; DINIZ apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 46-47).
A responsabilidade civil apenas se verificará quando houver uma conduta que enseja um resultado danoso e que esteja, necessariamente, ligada a uma pessoa. Tradicionalmente, o evento danoso apenas se ligava à pessoa a partir do elemento culpa lato sensu, em decorrência da responsabilidade subjetiva. Entretanto, com o posterior surgimento da responsabilidade objetiva, o risco se tornaria elemento suficientemente apto a ligar o fato danoso ao agente.
Quanto ao fator culpa, ela deverá ser interpretada em sentido amplo, abrangendo tanto o dolo, quanto a culpa em sentido estrito. A culpa stricto sensu seria o descumprimento de um dever de cuidado, sem, contudo, haver a intenção precípua de lesionar alguém. Enquanto isso, o dolo caracteriza-se pela prática de um ato ilícito com a intenção de lesionar outrem.
É válido notar que para o Código Penal, a discussão acerca do dolo e da culpa é essencialmente relevante, visto que se pune de maneira diversa cada forma de conduta. No Código Civil de 1916, a distinção não tinha grande importância, pois o agente responderia do mesmo modo se houvesse agido com dolo ou com culpa. Já para o Código Civil atual, considera-se que o valor da indenização poderá variar a depender da espécie de conduta do agente. Mais especificamente, esse entendimento encontra-se disposto no Art. 944, parágrafo único, do CC/02.
A culpa em sentido estrito pode-se visualizar a partir da negligência, imprudência e imperícia. Na imprudência verifica-se a falta de cuidado por meio de uma conduta comissiva, enquanto, na negligência, a conduta seria omissiva. A imperícia, por sua vez, resulta da falta de habilidade para o exercício de uma atividade técnica. Vale esclarecer que essas modalidades não se tratam de espécies de culpa, mas sim de formas de exteriorização da culpa.
Da mesma forma que se torna indispensável a verificação do elemento culpa para a caracterização da responsabilidade subjetiva, torna-se inafastável a constatação do risco para o emprego da responsabilidade civil objetiva. Ademais, diante de atividades que causem risco às pessoas, pode surgir o dever de indenizar independentemente de culpa. A regra geral do emprego da responsabilidade objetiva encontra base normativa no Art. 927, parágrafo único, do CC/02.
Visualizam-se, na doutrina, diversas modalidades de risco. Cavalieri (2010) enumera, dentre elas, o risco-proveito, o risco profissional, o risco excepcional, o risco criado e o risco integral.
O risco-proveito está ligado ao sujeito que tira vantagem de uma atividade perigosa, devendo, assim, responsabilizar-se pelos danos decorrentes desta. O risco profissional está atrelado às relações de trabalho, sendo o empregador responsável pelos danos ocorridos. Já o risco excepcional diz respeito às atividades que representam expressivo grau de perigo, tanto para quem a desempenha, quanto para a coletividade.
Enquanto isso, o risco criado pauta-se na responsabilidade do sujeito que, por sua atividade ou profissão, expõe alguém ao risco de sofrer um dano. Por fim, o risco integral não admite nenhum tipo de exclusão, mesmo que se verifique caso fortuito ou força maior. Seria o caso dos danos decorrentes de atividades nucleares, por exemplo.
Diante do que fora exposto sobre a teoria do risco, pode-se concluir que há uma grande tendência atual de afastamento do elemento culpa, em virtude da necessidade de abranger números cada vez maiores de danos ressárcíveis. Nesse sentido, torna-se válido finalizar com os ensinamentos de Eugênio Facchini Neto (2006):
É necessário que se desembarace da imprescindibilidade da noção da culpa, adotando critérios objetivos da responsabilidade civil, pois sua função não é a de punir o ofensor (para o que seria exigível a culpa), mas sim procurar garantir o ressarcimento da vítima. Daí o desenvolvimento de uma teoria geral de responsabilidade objetiva, com base em critérios de risco-criado, risco-proveito, ideia de garantia, risco-profissional etc. Afinal, se o agente não agiu com culpa, a vítima muitas vezes também não. A solidariedade social, nesta hipótese, parece impor que quem causou o dano suporte as consequências. (FACCHINI, 2006, p. 90).