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A remessa "ex officio" no processo do trabalho diante da Lei nº 10.352/2001

Agenda 01/08/2002 às 00:00

Sumário: 1 Introdução. 2 Nova feição da remessa oficial no processo civil. 3 Aplicação da novidade legislativa ao processo do trabalho. 4 Considerações finais.


1 Introdução

No processo civil brasileiro a sentença que anular casamento, a proferida contra a União, o Estado e o Município, e aquela que julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive a movida por autarquias, está sujeita ao duplo grau de jurisdição, mesmo que não haja interposição de recurso pela entidade sucumbente. De ofício, o juiz determinará a remessa dos autos ao tribunal, que reexaminará a sentença condenatória (CPC, art. 475). A legislação extravagante também cuida da matéria (Lei nº 1.533/1951, art. 12; Lei nº 4.717/1965, art. 19; Lei nº 7.853/1989, art. 4º, §1º).

Essa remessa "ex officio" constitui verdadeira condição de eficácia da sentença em casos tais e somente poderá ser executada se confirmada pelo órgão superior.

O direito processual do trabalho, no tocante ao instituto do reexame necessário, segue não o CPC de 1973, mas sim o antigo Decreto-Lei nº 779, de 1969, o qual distingue como "privilégio" da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das autarquias ou fundações de direito público federais, estaduais ou municipais que não explorem atividade econômica, "o recurso ordinário ex officio das decisões que lhe sejam total ou parcialmente contrárias" (art. 1º, V). Assim, na Justiça do Trabalho, todas as pessoas jurídicas de direito público interno, em qualquer processo onde recebam sentença, ainda que em parte, contrária aos seus interesses, acham-se protegidas pelo recurso ordinário "ex officio", mesmo na vigência da Carta Constitucional de 1988 (Enunciado 303 do TST).

A Lei nº 10.352, de 26/12/2001, com "vacatio legis" de três meses contados da publicação ocorrida dia 27/12/2001, altera vários dispositivos do CPC, particularmente o art. 475 e incisos, trazendo novo disciplinamento para o duplo grau obrigatório de tais sentenças - o que constitui o objeto deste estudo, voltado para sua aplicação no processo trabalhista.


2 Nova feição da remessa oficial no processo civil

De acordo com a nova redação do art. 475 do CPC, somente em duas hipóteses comportará a remessa oficial: I - no caso de sentença proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; e II - quando forem julgados procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). Excluiu-se a sentença anulatória de casamento e acresceu-se, no corpo do CPC, a sentença contrária ao Distrito Federal, às autarquias e às fundações de direito público - estas duas, ultimamente, vinham sendo agraciadas pela remessa oficial conforme o art. 10 da Lei nº 9.469/1997.

A novidade mais interessante, porém, acha-se nos parágrafos 2º e 3º, acrescidos ao mencionado art. 475, nos quais o legislador afasta a sujeição da sentença condenatória ao reexame necessário do Tribunal em dois casos:

O primeiro, quando "a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo, não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor".

A segunda hipótese quando, independente do valor da condenação, "a sentença estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente".

A redação dos novos dispositivos é bastante clara e não oferece dúvidas quanto à interpretação.

Destarte, mesmo quando a sentença for contrária à Fazenda Pública ou julgar procedentes embargos à execução fiscal, se o valor certo ou interesse controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, ou se o "decisum" se achar fundamentado na jurisprudência do Pleno do STF ou em alguma de suas Súmulas, ou ainda, do tribunal superior competente, não se procederá à remessa oficial. Caso o ente público sucumbente pretenda o reexame da sentença, deverá interpor o competente recurso.

Tal exclusão deve ser bem recebida. Na prática, vê-se que a maioria das remessas oficiais é improvida e, se fundada a sentença na jurisprudência superior consolidada, é improvável a sua reforma "ex officio". O privilégio processual causa demora quase insuportável na entrega da prestação jurisdicional. Esse atraso, quando se cogita de condenações de pequeno valor, além de prejudicar a parte vencedora, onera, irracionalmente, com juros e atualização monetária, o Erário sucumbente.

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Aliás, com a instituição da Advocacia Pública (arts. 131 e 132, da CF), não tem sentido a permanência da remessa "ex officio" no processo brasileiro, competindo, sim, aos advogados e procuradores da Fazenda Pública o manejo de recursos e o esgotamento de todas as vias de defesa dos interesses desses entes, observados os princípios que regem a Administração Pública e o princípio da obrigatoriedade, em especial, devendo ser dados a esses profissionais todos os meios materiais e de apoio funcional para o satisfatório exercício do dever de defender a Fazenda Pública.


3 Aplicação da novidade legislativa ao processo do trabalho

Diante da nova redação do art. 475 e parágrafos, do CPC, poderia o aplicador do direito, em um primeiro momento, afirmar que não haverá alteração no instituto da remessa oficial no processo trabalhista, visto que o Decreto-Lei nº 779/1969 não sofreu expressa modificação, considerando, ainda, que a existência de norma específica para o processo do trabalho (o referido Decreto-Lei) excluiria a aplicação subsidiária do processo comum (art. 769 da CLT).

Tal raciocínio simplista, porém, desrespeita o jurisdicionado trabalhista, não se harmoniza com os princípios do processo do trabalho, notadamente o da proteção ao hipossuficiente, o da razoabilidade, o da celeridade e o da economia processual, e relega esse processo especial a um plano incompatível com sua tradição e finalidade, as quais não toleram seja ele amesquinhado, o que faz com que sejam assimilados os mecanismos legais introduzidos no mundo processual não trabalhista, desde que compatíveis com esses princípios e destinados a melhorar a prestação jurisdicional, simplificando-a, agilizando-a, enfim, realizando a garantia de acesso à justiça.

Analisando os dispositivos referenciados, constata-se que o legislador deu nova feição à remessa "ex-officio". Há um "visível aperfeiçoamento do reexame necessário", segundo as palavras de Sérgio Luiz KUKINA (Apontamentos sobre um Novo Projeto de Reforma Recursal, "in" A Segunda Etapa da Reforma Processual Civil, Coordenação de Luiz Guilherme Marinoni e Fredie Didier Jr., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 217).

Somente se procederá à remessa obrigatória quando a sentença contiver condenação em quantia considerável (acima de sessenta salários mínimos) ou quando não for compatível com súmula ou a jurisprudência plenária do Excelso Pretório, ou com súmula de tribunal superior competente.

O legislador adotou dois critérios para afastar o tradicional reexame obrigatório: um econômico e outro qualitativo. Naquele, o pequeno valor não compensará o cumprimento do duplo grau compulsório; neste não se vislumbra sucesso para a Fazenda Pública, e a sentença poderá desde logo ser executada (se não for interposto apelo voluntário a favor do erário), abreviando o cumprimento da condenação, com menor despesa processual.

Importante anotar que o critério econômico está em sintonia com o valor previsto na Lei nº 10.259, de 12/7/2001, em vigor desde 13/01/2002, que fixa em sessenta salários mínimos o limite para submissão, na Justiça Federal, das causas ao Juizado Especial Cível, bem assim para exclusão do regime do precatório. O outro critério tem a ver com as medidas já em vigor no art. 557 do CPC, com a redação dada pela Lei nº 9.756/1998.

Se assim é no direito processual comum, por que não deveria ser, também, no processo do trabalho, onde os interesses em jogo estão impregnados de urgência para resolução, notadamente pela natureza alimentar dos salários e demais direitos trabalhistas?

Não há como o intérprete do direito processual continuar a prestigiar a velha regra contida no art. 1º, V, do Decreto-Lei nº 779/1969, diante da nova feição da remessa "ex-officio" decorrente da Lei nº 10.352/2001. Com efeito, como adverte a lição de Carlos MAXIMILIANO (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 12), "O intérprete é o renovador inteligente e cauto, o sociólogo do Direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita, e atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita. Esta é a estática, e a função interpretativa, a dinâmica do direito".

Foge à razoabilidade admitir-se que o trabalhador que demande contra a Fazenda Pública na Justiça do Trabalho e obtenha sentença condenatória de até sessenta salários mínimos ou em sintonia com a jurisprudência sumulada ou plenária do STF, ou com Enunciado do TST, tenha que esperar tal sentença ser confirmada pela instância "ad quem", via remessa "ex-officio", para executá-la, ao passo que qualquer outro demandante contra o Poder Público, na Justiça Comum, esteja isento do duplo grau obrigatório, em tais condições. O Direito deve ser interpretado com inteligência, afastando-se os absurdos e as inconveniências, de sorte a dar eficiência exegética à medida prevista na lei - como bem ressalta MAXIMILIANO (ob. cit., p. 166).

Em sendo assim, conforme o novo art. 475, I, e §§2º e 3º, do CPC, se a sentença contrária à Fazenda Pública, proferida pelos órgãos da Justiça do Trabalho a partir de 27 de março de 2002, contiver condenação ou o direito controvertido for de valor certo não superior a sessenta salários mínimos, não se procederá ao reexame obrigatório. Do mesmo modo se procederá se tal sentença estiver fundamentada em Súmula do STF, jurisprudência do Plenário do STF ou Enunciado do TST - que é o "tribunal superior competente" no âmbito da Justiça Laboral.

Ressalte-se que a hipótese de remessa "ex-officio" regida pelo art. 475, II, do CPC (improcedência dos embargos de devedor) não interessa à Justiça do Trabalho, visto que nela não são processadas, por motivo de incompetência material, as execuções de dívida ativa da Fazenda Pública.


4 Considerações finais

A crescente necessidade de entrega da prestação jurisdicional em prazo suportável exige a reformulação de institutos e procedimentos incompatíveis com o direito processual contemporâneo. Nesse contexto, medidas como o reexame obrigatório das sentenças contrárias à Fazenda Pública estão sendo atenuadas, limitando-se aos casos em que se justifique, seja pela expressão do valor disputado, seja pela possibilidade de reforma da decisão, o acionamento compulsório da segunda instância.

As novidades introduzidas no direito processual comum visando à melhoria dos serviços da Justiça, notadamente com rapidez, economia e proteção ao hipossuficiente, aplicam-se ao processo do trabalho, independente de expressa menção legal, uma vez achando-se em harmonia com seus princípios.

A nova feição do instituto da remessa "ex-officio" decorrente da Lei nº 10.352/2001, com vigência a partir de 27/3/2002, aplica-se ao processo trabalhista, e não mais serão submetidas, obrigatoriamente, à instância "ad quem", as sentenças proferidas pelos juízes do trabalho, contra a Fazenda Pública, contendo condenação ou direito controvertido de valor certo até sessenta salários mínimos, ou quando se tratar de sentença, independente do valor, fundamentada em Súmula do STF, jurisprudência do Pleno do STF ou Enunciado do TST.

Sobre a autora
Evanna Soares

Procuradora Regional do Ministério Público do Trabalho na 7ª Região (CE). Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA, Buenos Aires). Mestra em Direito Constitucional (Unifor, Fortaleza). Pós-graduada (Especialização) em Direito Processual (UFPI, Teresina).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Evanna. A remessa "ex officio" no processo do trabalho diante da Lei nº 10.352/2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3060. Acesso em: 19 dez. 2024.

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