4 aplicação proativa da norma tributária em controle de constitucionalidade
No presente capítulo será enfrentado o ponto central da pesquisa. Com base nos conhecimentos assentados nos capítulos anteriores, será enfocada a modulação temporal de efeitos de decisões judiciais, em sede de controle de constitucionalidade de norma tributária, quando há alteração de jurisprudência consolidada.
Deste modo, imprescinde uma análise da aplicação análoga do art. 27 da Lei nº 9.868/99; comando legal que, apesar de ter positivado a modulação de efeitos, apenas criou requisitos a um mecanismo que já vinha sendo adotado pelo Supremo. Para fundamentar a solução a ser apresentada, será feito um breve estudo sobre o subprincípio da irretroatividade da norma tributária, decorrência, conforme visto, do sobreprincípio da segurança jurídica tributária. Entretanto, preliminarmente, deve-se abordar a formação da norma jurídica através do poder judicante do Estado.
4.1 Criação de norma jurídica pelo Poder Judiciário
4.1.1 Direito positivo, norma jurídica e semiótica
Como conjunto de normas determinadoras do dever-ser social, o Direito é um corpo de linguagem com fim de estabelecer condutas intersubjetivas. Nesse sentido, a linguagem é elemento constitutivo do fenômeno jurídico, sem a qual a essa função não pode ser cumprida. Dessa forma, como ciência que estuda os signos componentes da linguagem, a Semiótica é um instrumento essencial para estudo do Direito.
Para melhor entender essa relação, observa-se que a linguagem é dividida em três níveis: o sintático, o semântico e o pragmático. No primeiro plano, objetiva-se estabelecer uma relação comunicativa, traçando as regras de arrumação da seqüência frásica dos signos. O nível semântico situa-se no plano de investigação significativa dos signos empregados, com o fim de extrair o sentido nele expressados. Nesse campo, estuda-se o vínculo do signo com a realidade que exprime, nas palavras do professor Ecio Perin Junior:
[...] análise semântica de qualquer dispositivo legal, implica na busca de sua conotação e denotação, primeiramente para estabelecer a relação dos termos por ela empregados alcançando o conjunto de objetos que representa, ou seja, delimitando sua extensão. A denotação, por sua vez, surge posteriormente à conotação a medida que passamos a predicar, a determinado termo, conjunto de propriedades que o distingue dos demais.[50]
No plano pragmático, investiga-se a linguagem em situação de uso, enfocando a ligação entre os interlocutores e a influência do contexto. Estuda-se, portanto, relação aplicador/signo.
O Direito Positivo pode ser definido como um conjunto de normas jurídicas que, em determinado tempo e território, prescrevem os comportamentos intersubjetivos dos indivíduos. Essas normas jurídicas são valoradas utilizando-se a lógica deôntica (dever-ser), podendo ser válidas ou inválidas. É nesse campo valorativo das antinomias entre normas, que se encontram as discussões no âmbito do controle de constitucionalidade.
Ocorre que, pelo fato de o direito, e os institutos que lhe constituem, serem formados por linguagem, são sujeitos aos vícios da ambigüidade, da vagueza e da carga emotiva. Nesse sentido, para uma conceituação mais precisa de norma jurídica, deve-se identificar o nível de linguagem que está predominando.
Nas palavras de Robson Maia Lins, o termo lei ou norma jurídica é, sintaticamente, “[...] uma estrutura bimembre constituída de um antecedente e de um conseqüente, capaz, minimamente, de regular condutas”.[51] O que o citado tributarista pretendeu dizer é que, analisando sob o primeiro nível de linguagem, a lei ou norma é a integridade formada por hipótese e conseqüente, ligados pelo dever-ser interproposicional, ou seja, pela imputação ou causalidade jurídica. Paulo de Barros Carvalho conclui que:
[...] norma jurídica é a proposição de estrutura hipotética que associa ao acontecimento de um fato, uma conseqüência que se consubstancia na previsão de um comportamento-tipo. Sendo assim, podemos dizer que a conseqüência da imputação normativa é sempre a previsão do surgimento de uma relação jurídica, pois é esse o único instrumento de disciplina do comportamento humano.[52]
Noutro giro, entende-se por texto de lei ou texto normativo o suporte físico, sem atribuição de nenhuma significação. Quando a esse enunciado é atribuído um significado, tem-se um enunciado prescritivo. Apenas quando um conjunto de enunciados prescritivos é capaz de ordenar uma conduta estruturada na forma hipótese-condição, que se considera a norma jurídica em sentido estrito. Dessa forma, há um progressivo aprofundamento na significação da linguagem para se obter uma norma jurídica em sentido estrito; inicia-se em um texto sem interpretação, após aplica-se uma significação mínima aos seus termos, para obter um enunciado prescritivo, e a partir desse, reunido de forma a representar um conteúdo deôntico, que se tem uma lei. Robson Maia Lins esclarece a distinção entre norma jurídica em sentido estrito e em sentido amplo:
Norma jurídica em sentido amplo e enunciado prescritivo são expressões que se equivalem, semanticamente, pois conotam o texto e a respectiva significação. Já norma jurídica em sentido estrito é a significação constituída pelo intérprete cuja estrutura é hipotético-condicional, suficiente para disciplinar minimamente a conduta. Texto de lei significa apenas o suporte físico a partir do qual se constroem os enunciados e as normas jurídicas. Lei é a norma jurídica da espécie geral e concreta.[53]
No plano semântico, são construídos os sentidos das normas a partir do contato com o suporte físico, alcançando os desígnios de tipificar condutas intersubjetivas em obrigadas, proibidas e permitidas. A partir do contato com os textos normativos, as significações são criadas, podendo ser consideradas normas jurídicas, caso apresente a estrutura hipótese-conseqüência. Nesse nível, encontram-se critérios para se identificar se a norma é primária ou secundária, vez que, no plano sintático, as estruturas são idênticas.
As normas podem ainda ser divididas pelo critério do efeito imediato. Enquanto a norma de comportamento propõe a regulação de condutas, as normas de estrutura disciplinam a produção de outras normas. Essas últimas se bifurcam em: normas de produção normativa, que disciplinam de forma imediata a produção de outras normas jurídicas; e normas de revisão sistêmicas, que objetivam a regulação de outras normas já insertas no ordenamento. Quando o STF exerce o controle de constitucionalidade, insere no ordenamento jurídico uma norma de revisão sistêmica, que prevê a manutenção ou expulsão de normas já inserta no sistema.
Distinção que merece ressalva é entre a concretude e abstração das normas jurídicas. A diferença deve ser feita a partir da análise do antecedente. Enquanto no primeiro atributo descreve-se uma ação que, realizada esgota o comando normativo; no segundo não há esse esgotamento, há a formação de uma ação tipo, que deverá incidir todas as vezes que a conduta ocorrer. Nesse esteio, a norma concreta descreve em seu antecedente com máxima precisão, aplicando-se somente uma determinada relação jurídica; inversamente, a norma abstrata aplica-se todas as vezes em que os fatos se amoldarem a situação hipotética.
Sob o ponto de vista do conseqüente, a norma jurídica pode ser classificada como geral ou individual. Conforme afirmado, é no conseqüente normativo que se fornecem os critérios de constituição da relação jurídica tributária. Um dos critérios é de cunho subjetivo, o qual pode ser ativo ou passivo; é desse que se extraem os atributos da generalidade ou individualidade, relativos aos destinatários imediatos da relação jurídica. Por conseguinte, a norma geral é aquela que o destinatário é uma coletividade, individualmente indeterminada. Noutro lado, a norma individual caracteriza-se pela precisão na determinação dos sujeitos componentes da relação jurídica.
Outro conceito essencial no estudo do direito é o de validade; esse, por também apresentar definição plurívoca, exige uma análise utilizando as ferramentas da semiótica. Procura-se, dessa forma, encontrar o nível de linguagem que se relaciona a cada significação, buscando expressar os aspectos estáticos e dinâmicos da validade. A validade estática, relacionada ao campo sintático do sistema jurídico, é definida como o vínculo que une a norma ao sistema, dando juridicidade a essa. O plano de significação em tela expressa o relacionamento horizontal e vertical das normas jurídicas. Por sua vez, a validade dinâmica indica o processo de invalidação das normas, vistas sob as perspectivas semântica e pragmática da produção normativa.
Observa-se que, como garantia da funcionalidade do ordenamento, as normas se presumem válidas. Essa presunção deve-se ao fato de não ter como se aferir a validade sintática da norma, numa perspectiva estática, presumindo-se válida toda norma posta por órgão jurídico credenciado e por procedimento previsto pelo sistema.
A análise da validade sintática, com a verificação do órgão produtor e do processo utilizados é examinada apenas na dinâmica do direito, feita por outro órgão também credenciado pelo ordenamento. A norma só será considerada inválida por meio desse processo de verificação.
Em respeito a validade da norma jurídica, Sgarbi conclui que “conforme a teoria Kelseniana, dizer que uma norma é válida é o mesmo que dizer que existe no conjunto normativo e que, por existir, deve ser obedecida e aplicada juridicamente”.[54]
Dentro dessa análise, assenta-se que o termo vigência designa o tempo que a norma atua, podendo ser invocada a produzi efeitos, pelo fato de estar apta a qualificar fatos e prescrever relações jurídicas, nos termos do direito positivo. Já eficácia é empregada para a possibilidade de produção de efeitos e de produção efetiva de efeitos. A primeira refere-se a eficácia jurídica: a possibilidade de fazer surgir a relação jurídica prevista no conseqüente da norma. Já a segunda, entende-se como a eficácia técnica, que pode ser vista da perspectiva: sintática, a independência de outra norma, ou a existência dessa norma caso dependente; e semântica, a possibilidade material de incidir sobre os eventos.
Feitas essa considerações sobre norma jurídica e linguagem, salientando suas características, estudar-se-á a formação da mesma através do poder judicante do Estado.
4.1.2 Introdução de normas no ordenamento jurídico pelo órgão judicante
As fontes do Direito podem ser divididas em formais e materiais. As fontes formais dizem respeito às normas originárias de um órgão estatal e construídas através de procedimento predeterminado. Essa fonte ainda pode ser considerada primária, quando inova no ordenamento jurídico, ou secundária, quando não há essa inovação. Por fonte material, entendem-se os fatos políticos, econômicos, sociais, religiosos, etc., capazes de influenciar a produção normativa positiva pelo órgão estatal.
Dada a não-uniformização na definição do instituto, por vezes parte da doutrina apresenta o próprio direito positivo como uma de suas fontes. Desta forma, conforme afirmado por Robson Maia Lins, começou a ser desenvolvida a doutrina do construtivismo jurídico, defendida no Direito Tributário pelo professor Paulo de Barros Carvalho, e que propõe uma separação entre fontes do direito e o próprio direito positivo.[55] Essa divisão é acompanhada por uma distinção importante, a feita entre normas introdutoras e normas introduzidas.
As normas introdutoras dizem respeito ao que classicamente se tem por fonte formal do direito, englobando leis, decretos, etc. As normas introduzidas são, por sua vez, aquelas que ingressam no sistema jurídico com a finalidade de disciplinar as condutas ou a produção normativa, introduzidas pelas introdutoras. A partir dos critérios explicitados no tópico anterior, pode-se afirmar que as normas introdutoras são normas gerais e concretas; isso porque, em seu antecedente indica precisamente os critérios que envolveram o seu processo de produção; e no conseqüente, apresenta critérios para a formação das relações jurídicas em sentido estrito.
Para buscar a diferença entre o direito positivo e suas fontes, é necessário consignar uns conceitos da semiótica, são eles: ato de enunciação, enunciado, enunciação-enunciada e enunciado-enunciado. O ato enunciação é o ato (agir humano) que, consumindo-se no espaço e tempo em que é criado, produz o enunciado. Ainda com fundamento nos ensinamentos de Robson Maia Lins, entende-se enunciado como: “o suporte físico, o conjunto de grafemas ou fonemas, ordenado segundo as normas gramaticais, cuja função é produzir comunicação entre emissor e receptor”. Nesse sentido, enquanto aquele é o processo, esse é o produto. Observa-se ainda que, o enunciado é composto: pela enunciação-enunciada, que são os registros lingüísticos da enunciação; e pelo enunciado-enunciado, que não apresentam as marcas da enunciação.
Dessa forma, pode-se concluir que as fontes do direito são atos de enunciação, pelos quais se produzem enunciado-enunciado (normas introduzida) e enunciação-enunciada (normas introdutoras). Enquanto as fontes estariam no campo do ser, o direito positivo estaria no campo do dever-ser. É pelo processo de enunciação que o Poder Judiciário produz fontes do direito e direito positivo, composto pelos enunciados.
Para o judiciário inserir normas no ordenamento jurídico, ele necessita, assim como os demais Poderes, de uma norma geral e abstrata, que serve como “veículo introdutor”. Essas normas “transportadoras” são as já descritas normas introdutoras; que possui um elemento concreto na antecedente, quando descreve os órgãos e o procedimento criador adotado, e geral no conseqüente, determinando o respeito às normas jurídicas (introduzidas) nela veiculadas.
Os enunciados produzidos pelo Estado-juiz, sentenças ou acórdãos, são conceituados como: documento normativo, norma introduzida e norma introdutora. O documento normativo designa a decisão em sua literalidade textual, é o suporte físico de onde se pode divisar a norma introduzida e a introdutora. A norma introdutora é extraída a partir da enunciação-enunciada, tendo no antecedente o relatório do procedimento de decisão pelo órgão jurisdicional, e no conseqüente a prescrição da obediência a essa determinação. Noutro giro, a norma introduzida, referente ao enunciado-enunciado, possui no antecedente os critérios motivadores da decisão, e no conseqüente, os elementos hábeis para constituição da relação jurídica.[56]
Pelo exposto, conclui-se que o Poder Judiciário é órgão produtor de normas jurídicas, não ferindo de qualquer maneira a separação dos poderes. O que é vedado ao Estado-juiz é criar normas abstratas, requisito que revela a inovação originária do ordenamento jurídico. Nesse esteio, o órgão jurisdicional pode introduzir no sistema as normas gerais e concretas, e as individuais e concretas; sem atuar, de nenhuma maneira, como “legislador positivo”. Nesse mesmo sentido, Kelsen afirmava que o processo judicial é um processo de produção normativa; e defendia que:
Somente a falta de compreensão da função normativa da decisão judicial, o preconceito de que o Direito apenas consta de normas gerais, a ignorância da norma jurídica individual, obscureceu o fato de que a decisão judicial é apenas a continuação do processo de criação jurídica e conduziu ao erro de ver nela apenas a função declarativa.[57]
O jurista criticava as concepções doutrinarias que concebiam as decisões judiciais apenas no caráter declaratório. Segundo ele, a função judicante vai muito além do que descobrir e declarar direitos; tem também natureza constitutiva, produzindo-se normas concretas para aplicação aos casos postos a julgamento.
4.2 Irretroatividade da norma tributária
Conforme afirmado no capítulo anterior, o Direito sempre teve como um de seus pilares o valor da segurança, estando esse relacionado com a própria finalidade de ordenamento da vida em sociedade. Nesse esteio, a noção de Direito sempre esteve ligada à idéia de certeza, o qual, através das normas objetiva dar maior confiabilidade e previsibilidade aos atos sociais, tanto entre particulares, quanto entre esses e o Estado.
Ainda de acordo com os conhecimentos já assentados, observa-se que a Constituição Federal consagrou, implicitamente, a segurança jurídica como decorrência do Estado de Direito. Elevada ao status de sobreprincípio, dela decorre inúmeros outros subprincípios com maior grau de especialização dentro do ordenamento jurídico, todos com a função precípua de garantir a segurança.
No campo tributário, a norma-princípio em epígrafe possui ressaltada importância; haja vista que é através desse direito que o Estado, no uso do seu ius imperii, alcança o patrimônio dos particulares para consecução de suas finalidades. Justamente para garantir a certeza na relação, decorrem do sobreprincípio da segurança jurídica tributária os subprincípios da: legalidade, tipicidade, irretroatividade, isonomia, proibição da analogia, anterioridade e proteção da confiança do contribuinte. As garantias do princípio em tela são consignadas, em sua maior parte, no art. 150 da CF/88, que trata das limitações do poder de tributar.
Na presente pesquisa, ganha relevância o princípio da irretroatividade tributária, decorrente da segurança jurídica. A irretroatividade das normas foi prevista na CF/88 como garantia ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada (art. 5º, inciso XXXVI). Em matéria tributária, a irretroatividade foi prevista na alínea “a”, do inciso III do art. 150, impedindo que leis instituidoras ou majoradoras de tributos sejam aplicadas a fatos pretéritos.
Conforme dito alhures, vale ressaltar que o constituinte não previu qualquer exceção à irretroatividade tributária, ao contrário da legalidade e da anterioridade, reconhecendo a fundamental importância desse princípio. Na vida em sociedade, os indivíduos pautam suas ações no direito positivo, de onde pode extrair qual conduta, através do antecedente das normas, gerará qual relação jurídica, prevista no conseqüente normativo. Dessa forma, a possibilidade de incidir tributos sobre fatos que, no lapso de tempo-espaço em que se aperfeiçoaram, não era tido como fato gerador da relação fiscal, fere toda a estabilidade do sistema.
Dada a relevância desse princípio, alguns doutrinadores defendem que se trata de cláusula pétrea, não podendo ser mitigada, sendo uma garantia fundamental do contribuinte. Nesse sentido, Ricardo Lobo Torres:
Os princípios vinculados à idéia de segurança jurídica, muitos deles positivados em diversos dispositivos do capítulo constitucional dedicado às Limitações Constitucionais do Poder de Tributar (Título VI, Capítulo I, Seção II), e outros apenas implícitos no Texto Maior (...) todas essas limitações constitucionais ao poder tributário constituem cláusulas pétreas, na forma definida pelo art. 60 da CF, pois são uma qualidade, uma exteriorização ou um atributo dos direitos fundamentais (imunidades), ou representam a afirmação do direito fundamental à igualdade (proibições de privilégios ou discriminações odiosas), ou consubstanciam garantias principiológicas dos direitos fundamentais do contribuinte (princípios de segurança jurídica).[58]
. Vale relembrar que, a retroatividade deve ser analisada em relação à efetiva ocorrência dos fatos previstos na lei, e não em data por ela definida com vistas a facilitar a cobrança. No caso do tributo complexivo, como também já firmado anteriormente, a norma instituidora ou majoradora de tributos deverá anteceder todos os fatos necessários para aperfeiçoamento da relação tributária.
Portanto, salvo para beneficiar o contribuinte, a norma tributária sempre terá efeitos proativos. Aplicar tributos retroativamente fere a segurança jurídica tributária, o Estado de Direito e a supremacia da Constituição. Para esta pesquisa, conforme abordaremos no tópico seguinte, a discussão ganha complexidade quando feita sob o enfoque do controle de constitucionalidade; ocasião em que haverá princípios em conflito.
4.3 Modulação de efeitos – art. 27 da Lei nº 9.868/99 versus aplicação proativa da norma tributária
4.3.1 Inaplicabilidade analógica do art. 27 à declaração de constitucionalidade
Em capítulo anterior, foi apresentado o caso que serviu de parâmetro para a presente pesquisa: os REs 377.457/PR e 381.964/MG; nos quais o STF negou-se, após decidir a constitucionalidade do art. 56 da Lei nº 9.430/96, a realizar a modulação temporal dos efeitos do acórdão. No julgamento dessa questão, apresentada pelo advogado Paulo de Barros Carvalho, os Ministros apreciaram a modulação de efeitos aplicando, analogamente, o dispositivo do art. 27 da Lei nº 9.868/99. A modulação não foi concedida, conforme afirmado, pelo fato de cinco ministros terem rejeitado a proposta, quando o referido artigo exige a manifestação favorável de 2/3 dos membros do Tribunal.
Quando a doutrina ou a jurisprudência estende a aplicação do artigo em questão para situações não previstas expressamente no texto da lei, o faz com fundamento na segurança jurídica e na certeza do direito. Defendem nesses casos que, pela produção de efeitos prospectivos ou a partir de data futura se estribar nos citados princípios constitucionais, deve haver a aplicação analógica do art. 27 da Lei nº 9.868/99.
Uma das aplicações analógicas do instituto é no controle difuso, vez que o mecanismo foi previsto em leisi referente ao processo objetivo. Entretanto, essa aplicação é pacífica na jurisprudência do STF, não se encontrando resistência a essa analogia. Nesse ponto, quando os processos subjetivos declaram a inconstitucionalidade de lei, não há qualquer óbice à modulação dos efeitos pela aplicação do citado artigo. A divergência surge quando se pretende aplicar esse mecanismo no controle de constitucionalidade.
Conforme ressaltado nesta pesquisa, o instituto da modulação de efeitos das decisões não foi criado pelo art. 27, mas nascido na doutrina e jurisprudência, sendo adotado nas próprias decisões do STF, conforme histórico voto do Min. Leitão de Abreu supra colacionado. Nesses casos, o Supremo começou a perceber, na mesma linha do Tribunal Superior estadunidense, a necessidade de mitigar o dogma da nulidade que, até então era irredutível na jurisprudência brasileira. Observe-se que, o dispositivo legal, apesar de ter formalizado a modulação de efeitos nos casos em que há declaração de inconstitucionalidade, não monopolizou o instituto.
Dessa forma, alguns casos não previstos pelo artigo, mas que exigem modulação por razões de segurança jurídica, não precisam de analogia para ter seus efeitos aplicados proativamente ou postergados para o futuro; se fundamentando diretamente em princípios constitucionais. Essa possibilidade está incluída no próprio poder judicante dos Tribunais, quando fazem ponderação entre os princípios e os interesses sociais envolvidos na decisão. Quando do julgamento do referido caso Linkletter vs. Walker, a Suprema Corte estadunidense afirmou o teor político do controle de constitucionalidade, e reconheceu a possibilidade da decisão tomada no controle de constitucionalidade, relativizar a retroação de efeitos. Sergio Rezende de Barros esclareceu que no referido leading case:
a Suprema Corte reconheceu que a questão da retroatividade ou prospectividade dos efeitos do judicial review não corresponde a um princípio exarado na Constituição, mas a uma prática jurisprudencial, que pode ser alterada, portanto, pela própria jurisprudência, se necessário.[59]
Por conseguinte, a modulação temporal dos efeitos das decisões não se encerra no artigo em tela, pode ser usado, independentemente, pelo Estado-juiz no exercício do poder judicante. Nesse esteio, o que é defende é que o art. 27 não se aplica às declarações de constitucionalidade, vez que, além de o texto ter sido expresso no que toca a inconstitucionalidade, os rigores nele previstos são injustificáveis para a modalidade de controle em tela, conforme se observará a seguir. O ponto aqui não é a aplicação em processos subjetivos, o que é observa é a natureza da declaração que será modulada.
Conforme já assentado, o controle de constitucionalidade é o instrumento que visa garantir a Supremacia da Constituição, a qual prescreve que a Lei Maior sempre prevalecerá sobre todo o ordenamento jurídico. Dessa forma, toda vez que uma norma ingressa no sistema em desrespeito a previsão constitucional, cabe ao órgão jurisdicional, através dos instrumentos do controle, expurga-la do direito positivo. Observe-se que, em nenhuma hipótese, a Supremacia Constitucional poderá ser mitigada ou ponderada, fato que corresponderia à subversão do Estado de Direito, no qual aquela se funda.
Quando há aplicação proativa dos efeitos de uma decisão que reconhece a inconstitucionalidade de uma norma, não se está permitindo – durante o tempo não abrangido pelo efeito da declaração – que em dado momento uma norma infraconstitucional prevaleceu sobre um dispositivo constitucional. Tal possibilidade corresponderia ao desrespeito da Supremacia da Constituição. O que ocorre é que, na hipótese vertida, uma possível retroação dos efeitos desrespeitaria outra norma também constitucional. Nesse sentido, o que era um confronto “Constituição” vs. “Lei infraconstitucional”, se transformou em um embate “Constituição vs. Constituição”.
O critério material do art. 27, o qual se refere às razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, liga-se, justamente, às normas constitucionais que serão desrespeitadas caso haja a retroação de efeitos. São essas normas constitucionais que serão ponderadas em face da prescrição constitucional desrespeitada.
Pelo exposto, mesmo que fundamentado em norma também constitucional, um preceito da CF/88 deixaria de ter eficácia durante um período de tempo, em privilégio de norma infraconstitucional. Por essa razão, o legislador fez por bem criar um processo mais dificultoso para modulação de efeitos de declaração de inconstitucionalidade; exigindo a concordância de, pelo menos, 2/3 dos Ministros. Em parecer referente aos recursos extraordinários que servem de objeto a presente pesquisa, Luís Roberto Barroso, explicitou às razões apontadas pela doutrina, para o quorum apontado:
[...] a doutrina aponta dois aspectos específicos que justificariam a exigência do quorum qualificado. Em primeiro lugar, está-se diante de uma ponderação entre a norma constitucional violada pela lei ou ato normativo declarado inválido e a segurança jurídica, de modo que, se esta houver de prevalecer, modulam-se os efeitos da decisão. Na prática, essa modulação implica um congelamento parcial da eficácia da norma constitucional violada, que deixa de produzir um de seus efeitos normais por algum tempo, a saber: a nulidade do ato que a ofendeu. Trata-se, portanto, de medida grave, que justificaria a exigência de um quorum mais elevado. Além disso, e em segundo lugar, a decisão que preserva efeitos de lei ou ato normativo declarado inconstitucional o faz, não apenas com fundamento na segurança jurídica, mas também tendo em vista razões de excepcional interesse social. Ademais, tal decisão é dotada de efeitos erga omnes e eficácia vinculante (Lei nº 9.868/99, art. 27). Veja-se, então, que pronunciamento dessa natureza pode envolver avaliações que não são puramente jurídicas, mas também de política judiciária, tendo em conta as repercussões práticas que pode produzir em relação à sociedade e à Administração. É compreensível que uma Corte Constitucional desfrute de tal competência e, nesse ambiente, o quorum de dois terços de que trata a Lei nº 9.868/99 não seria fora de propósito. (grifou-se)[60]
Na declaração de constitucionalidade, esses motivos não se encontram presentes. No caso de dar efeito proativo a decisão que conclui pela constitucionalidade de norma, não há qualquer preceito constitucional desrespeitado; pelo contrário, apenas se posterga a eficácia de uma lei infraconstitucional para se privilegiar um princípio ou disposição contida na CF (as razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social).
Por conseguinte, a aplicação analógica do art. 27 (tendente a englobar as declarações de constitucionalidade) é completamente inconstitucional; pois, ao contrário do que afirmam na doutrina, não protege o princípio da segurança jurídica, desrespeita-o. Isso ocorre porque, aplicando-se analogicamente o dispositivo citado, e por conseqüência seu quorum qualificado, cria-se um privilégio à norma infraconstitucional em prejuízo ao princípio constitucional, sustentando uma hierarquia inadmissível.
4.3.2 Aplicação proativa de decisão que modifica jurisprudência consolidada
Conforme assentado, no caso em que há a declaração de constitucionalidade, não é possível modular os efeitos da decisão com fulcro no art. 27 da Lei nº 9.868/99. Porém, os efeitos dessa declaração poderão ser mitigados caso haja razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, produzindo efeitos proativos com fulcro nesses próprios princípios. O que se passa a examinar, depois de consignado as idéias supra, é justamente como se dá e qual o fundamento dessa aplicação proativa.
Uma das hipóteses recorrente nos julgados do STF, apta a motivar a modulação de efeitos, é no caso de mudança de jurisprudência. Essa hipótese se fundamenta no sobreprincípio da segurança jurídica, na proteção da confiança e da boa fé. Na presente pesquisa, que possui enfoque na matéria tributária, servirá de estribo um dos subprincípios dos supramencionados corolários, o da irretroatividade tributária. Consoante o que já foi demonstrado, esse último princípio impõe que as normas tributárias que instituem e aumentam tributos deveram ter sempre efeitos proativos, nunca alcançando fatos pretéritos a seu ingresso no ordenamento, baseado na manutenção da certeza do direito e da estabilidade das relações jurídicas.
Nesse sentido, justamente tratando de modulação de efeitos por mudança de jurisprudência, em declaração de constitucionalidade, o Min. Ricardo Lewandowiski esclareceu em seu voto no julgamento da RE 370.682/PR, que:
Por tal motivo, e considerando que não houve modificação no contexto fático e nem mudança legislativa, mas sobreveio uma alteração substancial no entendimento do STF sobre a matéria, possivelmente em face de sua nova composição, entendo ser conveniente evitar que um câmbio abrupto de rumos acarrete prejuízos aos jurisdicionados que pautaram suas ações pelo entendimento pretoriano até agora dominante. Isso, sobretudo, em respeito aos princípio da segurança jurídica que, no dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, tem por escopo “evitar alterações surpreendentes que instabilizem a situação dos administrados”, bem como “minorar os efeitos traumáticos que resultam de novas disposições jurídicas que alcançaram situações em curso”. [...] Por essas razões entendo que convém emprestar-se efeitos prospectivos às decisões em tela, sob pena de impor-se pesados ônus aos contribuintes que se fiaram na tendência jurisprudencial indicada nas decisões anteriores desta Corte sobre o tema, com todas as conseqüências negativas que isso acarretará nos planos econômico e social.[61] (grifou-se)
No mesmo julgado, o Min. Gilmar Mendes fez também importantes ponderações:
Desde já, gostaria de ressaltar que comungo das preocupações doutrinárias manifestadas pelo Ministro Ricardo Lewandowski, especialmente quanto à questão da prospectividade. E aí não se trata de aplicação do art. 27, conforme Sua Excelência deixou bem claro. O Tribunal tem dado mostras, em larguíssima jurisprudência, no caso de eventual revisão de interpretação constitucional ou, ocasionalmente, de revisão de interpretação de caráter legal. [...] Entendo, portanto, legítimas as premissas teóricas suscitadas no voto do eminente Ministro Ricardo Lewandowski que, como já se demonstrou, não cuidou de aplicar o art. 27, mas de aplicar, entendendo ele que existia, sim, uma mudança de entendimento, a prospectividade em nome da segurança jurídica. (grifou-se)[62]
Para explicar como a irretroatividade tributária e a mudança de jurisprudência se relacionam nesse caso, utilizar-se-á os conceitos assentados sobre teoria geral da norma jurídica e semiótica.
Assim como o Direito e os institutos que lhes constituem, a norma jurídica é uma formação lingüística. Nessa perspectiva, vista sobre o plano sintático da linguagem, entende-se por norma uma integridade formada por hipótese e conseqüente, ligados pelo dever-ser interproposicional. Dessa forma, o instituto em tela é uma previsão de um comportamento-tipo que, em ocorrendo, desencadeia conseqüências jurídicas também predeterminadas.
Relembre-se ainda que a qualidade de jurídica atribuída a norma liga-se a sua validade, a capacidade de regular comportamentos em dado tempo e espaço, integrando o direito positivo. Importante distinção que se deve repisar é que, ao contrário da norma jurídica em sentido estrito ora descrita, tem-se por texto normativo a estrutura física composta por signos lingüísticos sem atribuição de significação.
Por conseguinte, o órgão jurisdicional produz normas no exercício de seu poder judicante, vez que cria estruturas que regulam condutas a partir de uma estrutura hipotético-condicional. As sentenças e acórdãos são enunciados, dentro dos quais existem a enunciação-enunciada e a enunciação-enunciação, que são as normas jurídicas. As decisões emanadas pelo Estado-juiz produzem normas concretas nas formas individual ou geral.
Dessa forma, quando há uma jurisprudência consolidada, deflui-se que o Poder Judiciário inseriu no ordenamento jurídico uma norma jurídica, obtida a partir dos processos de interpretação do texto normativo. No presente contexto, na modulação de efeitos na declaração de constitucionalidade, quando há jurisprudência consolidada; infere-se que existia um entendimento pacífico no sentido da inconstitucionalidade de determinada norma jurídica, que foi modificado para o sentido oposto.
Nesse raciocínio, a jurisprudência consolidada cria norma concreta e geral com a seguinte estrutura: na hipótese, o desrespeito a dispositivo da Constituição; e no conseqüente, a não aplicação da lei tida por inconstitucional. Quando ocorre uma mudança jurisprudencial e a decisão prevê, em seu enunciado-enunciado, a constitucionalidade do dispositivo, está introduzindo nova norma no mundo jurídico. Portanto, por tratar-se de norma nova que resgata a incidência de tributo, ou de circunstâncias agravantes para o contribuinte, deve ter seus efeitos aplicados proativamente, em prol da irretroatividade tributária.
Esse é o magistério de Luiz Roberto Barroso, quando tratando do tema da mudança de jurisprudência nos recursos extraordinários aqui analisados:
O que o STF fez foi modificar o entendimento vigente acerca de matéria tributária, estabelecendo uma nova norma sobre o tema. E norma, consoante a dogmática jurídica contemporânea, não se confunde com enunciado normativo. Enquanto este é o relato abstrato constante do diploma legal, aquela é o produto da interação entre enunciado e realidade fática. [...] E essa nova norma – isto é: o novo entendimento da Corte sobre o tema – incrementa a obrigação fiscal a cargo dos contribuintes, a ela se aplicando, como não poderia deixar de ser, a regra constitucional da irretroatividade tributária. A mesma solução se impõe, ainda, por incidência da proteção da confiança e da boa-fé, que se dirigem de forma específica à Administração Pública e ao Poder Judiciário.[63]
A irretroatividade tributária deve, como um dos instrumentos previstos pelo constituinte para efetivar o sobreprincípio da segurança jurídica na matéria fiscal, ser aplicada a qualquer norma, seja concreta ou abstrata, que agrave a situação do contribuinte. O instituto em epígrafe foi previsto justamente para salvaguardar os administrados contra a atuação do Estado que fere a boa-fé e a confiabilidade das relações jurídicas. Por esse motivo que, caso a norma tributária declarada constitucional com mudança de jurisprudência diga respeito a um benefício do contribuinte, não poderá haver modulação com fundamento na irretroatividade, vez que esse princípio apenas se refere à agravação da situação do administrado.
Na questão sub examine, poderia se cogitar também a declaração pro futurum dos efeitos da decisão. Essa hipótese se fundamenta também no princípio da segurança jurídica tributária, vez que, conforme afirmado, ele garante não apenas o conhecimento prévio (aplicação proativa), mas também o conhecimento antecipado do tributo, tempo mínimo para o contribuinte se adequar às novas determinações.
Pelo exposto, quando se trata de declaração de constitucionalidade de tributo, com mudança de jurisprudência, deve-se aplicar a norma daí emanada apenas às relações jurídicas futuras, independente do quorum estabelecido no art. 27, que é inaplicável ao caso. Entretanto, a declaração de inconstitucionalidade de tributo, com mudança de jurisprudência, não enseja a mesma conclusão; tendo em vista que, além de se aplicar o referido art. 27, a segurança jurídica tributária estará a favor da retroação dos efeitos, em benefício do contribuinte.
4.3.3 Modulação temporal de efeitos nos REs 377457/PR e 381964/MG
Em conclusão ao que foi defendido nesta pesquisa, observa-se que, nos recursos especiais apontados, não houve declaração de inconstitucionalidade do art. 56; inversamente, foi declarada a constitucionalidade do dispositivo. Dessa forma, não há que se aplicar o mecanismo de modulação previsto no art. 27 da Lei nº 9.868/99, e sim a aplicação proativa dos efeitos por razões de segurança jurídica, motivada pela mudança de jurisprudência. O professor Luís Roberto Barroso concluiu no mesmo sentido:
[...] a eficácia prospectiva postulada aqui não implica paralisação parcial da eficácia de uma norma constitucional. O que ocorre, a rigor, é justamente o oposto. Na realidade, a modulação aqui decorre de forma direta, e necessária, da incidência de normas constitucionais, como a irretroatividade tributária e a proteção da confiança e da boa-fé. Isto é: não se mantém a vigência de um ato inválido, mas evita-se uma inconstitucionalidade.[64]
Salienta-se que, a aplicação da COFINS às sociedades prestadoras de serviços profissionais era tida por inconstitucional pela jurisprudência consolidada do STJ, que inclusive editou a súmula nº 276 e vinha aplicando há cinco anos. Dessa forma, quando os Ministros que votaram contra a modulação afirmaram que não havia posição consolidada no Supremo, desprivilegiaram o valor da jurisprudência. O só fato de ser da competência constitucional do STF falar por último em questões de controle de constitucionalidade, não sustenta a posição adotada; pois ignora os fatos sociais gerados pelo entendimento de um Tribunal Superior, e fere gravemente a boa-fé, a confiança e o sobreprincípio da segurança jurídica.
No julgamento, o Min. Menezes Direito insistiu nesse pensamento, tendo sido apoiado por outros quatro Ministros:
[...] estou considerando que está matéria foi posta no plano infraconstitucional, reiteradamente, perante o Superior Tribunal de Justiça. E perante o Superior tribunal de Justiça a matéria foi assentada em sentido exatamente oposto àquele que nós estamos julgando agora, ou seja, numa palavra, essa diferença de posições entre o que foi assentado no plano infraconstitucional pelo Superior Tribunal de Justiça, e não é de hoje, é de muito tempo, e o que está sendo decidido neste momento, considerando que não houve decisão anterior, pode ter havido uma indicação, um indício, mas não houve, pode gerar, e aí é a sustentação que faço, uma insegurança jurídica e conseqüências terrificantes [...]. [65]
No mesmo sentido, o Min. Celso de Mello declarou que, a situação em julgamento:
[...] coloca em pauta a questão relevantíssima da segurança jurídica, que há de prevalecer nas relações entre o Estado e o contribuinte, em ordem a que as justas expectativas deste não sejam frustradas por atuação inesperada do Poder Público, como sucederia e, situações, como a ora em exame, em que se registra clara ruptura de paradigmas, com a prolação da decisão que evidentemente onera a esfera jurídica do sujeito passivo da obrigação tributária. [...] A instabilidade das decisões estatais, motivada pela ruptura abrupta de critérios jurisprudenciais, que, até então, pautavam o comportamento dos contribuintes – cujo planejamento fiscal na matéria em causa traduzida expressão direta do que se continha na Súmula 276/STJ –, não pode nem deve afetar ou comprometer a esfera jurídica daqueles que, confiando em diretriz firmada pelos Tribunais e agindo de acordo com esse entendimento, ajustaram, de boa-fé, a sua conduta aos pronunciamentos reiterados do Superior Tribunal de Justiça a propósito de subsistência, no caso, da isenção da Cofins.[66] (grifos originais)
Apesar de vendidos, os votos colacionados registram a preocupação em proteger a segurança das relações jurídicas, especificamente a garantia da certeza do direito no campo fiscal. Da mesma forma como se procurou demonstrar na presente pesquisa, as posições adotadas pelos Ministros revelam que a não modulação de efeitos, pelo fato de até então ter havido jurisprudência consolidada, desrespeita o sobreprincípio da segurança jurídica tributária.
Por conseguinte, a aplicação analógica do art. 27 da Lei nº 9.868/99, referente a declaração de constitucionalidade, foi totalmente indevida, pelas razões apontadas acima. Essa postura prejudicou a conclusão dos processos a favor do contribuinte, vez que, o citado artigo requer um quorum de 2/3 dos ministros para deferimento da modulação, exigência inconstitucional no presente caso. Se a proatividade da norma tributária, posição que protege as bases principiológicas impostas pela Constituição Federal, tivesse sido aplicada, voto da Min. Ellen Gracie – ausente no julgamento – poderia desempatar o feito, e preservar a segurança dos contribuintes.