Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A base de cálculo do imposto sobre serviços e o reembolso de despesas

Exibindo página 1 de 2
Agenda 25/10/2014 às 11:22

O presente artigo pretende analisar o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS). O foco principal é a base de cálculo do ISS, especialmente, o que pode ser considerado serviço.

INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende abordar uma relevante questão na prática dos operadores do direito, especialmente daqueles afetos ao direito tributário. A questão, apesar de não ser nova (há julgados do STF de 1981), ainda é atual e relevante.

Trata-se da análise do Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), mais especificamente, sobre a base de cálculo do referido imposto. Em uma primeira leitura, a resposta pode parecer simples: a base de cálculo é o valor do serviço. Mas a prática revela que há outras dificuldades.

O que deve ser considerado como retribuição do serviço? Toda e qualquer receita recebida pelo prestador de serviços deve ser considerada como base de cálculo? Se afirmativo, referido procedimento encontra respaldo na magna carta, no arquétipo constitucional do ISS?

E como seria, especificamente, o tratamento dos reembolsos para ressarcimento de despesas efetuadas pelo prestador? Esse valor pode ser considerado como preço do serviço?

São essas as questões que pretendemos responder. Note-se que o tema proposto toma relevância quando se percebe que a Administração Municipal (competente para instituição do ISS), muitas vezes, possui entendimento diverso dos Tribunais.

Para obter as respostas às questões propostas, foi feita uma abordagem, ainda que de forma sumária, sobre os principais aspectos do ISS, incluindo, especialmente, o critério material. O arquétipo constitucional do tributo, além de não ter sido esquecido, foi o ponto de partida de toda a explanação.

Evidente que o presente artigo não pretende exaurir todos os aspectos do ISS. Contudo, no que tange à base de cálculo e ao reembolso de despesas, a pretensão é formular uma conclusão precisa diante da jurisprudência atual.


1 DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

O estudo científico de determinado instituto jurídico significa, necessariamente, o estudo da norma jurídica. Afinal, sendo a norma jurídica o mínimo deôntico irredutível, ou seja, a unidade mínima portadora de sentido, é evidente que todo estudo deve tê-la por objeto.

Ocorre que o estudo da norma jurídica pressupõe, necessariamente, a interpretação sistemática de diversos enunciados, sendo certo que os enunciados mais importantes são aqueles construídos a partir da leitura, pelo intérprete do direito, do texto magno.

A maior importância dos enunciados construídos a partir da Constituição Federal decorre do fato de que esses enunciados veiculam verdadeiros princípios, que orientam a interpretação dos demais, bem como orientam a construção, pelo intérprete do direito, das normas jurídicas.

O texto magno institui as características essenciais dos institutos jurídicos do ordenamento pátrio, sendo certo que toda norma jurídica, para ser considerada válida, deve estar em sintonia com o referido diploma legal.

A análise do Imposto sobre Serviços implica, primeiramente, o estudo dos enunciados construídos a partir do texto magno.

A Constituição Federal de 1988, ao repartir a competência para instituição de tributos, reservou aos Municípios a faculdade da criação do imposto sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar” (art. 156, III, do atual texto magno).

A instituição de tributo pelo ente competente é uma faculdade e não um dever. Não há obrigação em instituir o tributo. Note-se que, apesar do acerto da afirmação diante do aspecto tributário, quando a análise é feita tomando como premissa a Lei de Responsabilidade Fiscal, pode-se afirmar que, em determinadas situações, o exercício pleno da competência tributária é uma obrigação.

A Constituição Federal, ao tratar do ISS, elaborou o arquétipo da regra matriz de incidência. Em síntese, a leitura do texto magno revela os seguintes elementos para configuração do ISS: a prestação, por pessoa física ou jurídica e sob regime de direito privado, de serviços de qualquer natureza, excetuando-se os serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação.

Aprofundando o arquétipo constitucional, podemos arrolar as características básicas do ISS: a) a prestação de serviços deve configurar uma utilidade material ou imaterial para aplicação do trabalho humano, como execução de obrigação de fazer e não de dar, b) a incidência não se dá sobre o contrato para prestar serviços, mas sim sobre a efetiva e real execução daquele contrato, c) o serviço deve ser prestado a terceiro, excluindo-se os serviços que a pessoa executa em seu próprio benefício, d) o serviço deve ser executado sem vínculo de subordinação jurídica, ou seja, em caráter independente, f) o serviço deve ser objeto de circulação econômica, executado com objetivo de lucro e g) deve ser prestado em regime de direito privado.

O texto magno determina, ainda, na parte final do art. 156, III, da CF/88, que os serviços devem ser “definidos em lei complementar”. Ou seja, os serviços passíveis de tributação pelo ISS devem ser previstos na Lei Complementar Nacional que trata do tema. Atualmente, a Lei Complementar 116/2003.

Este é, em linhas gerais, o arquétipo Constitucional do Imposto sobre serviços. Informe-se, ainda, que a Constituição Federal, por não instituir tributos - apenas dá competência tributária para que os entes políticos os instituam-, não veicula a regra matriz de incidência do ISS, que deve ser estabelecida pela legislação ordinária.

Dessa forma, nos próximos itens, faremos um estudo mais aprofundado sobre os aspectos do ISS, sempre tendo como ponto de partida o texto magno e o arquétipo constitucional.


2 DA REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS

O presente item pretende realizar um estudo dos aspectos da regra matriz de incidência do ISS que ensejam divergências interpretativas e são relevantes para o escopo do presente.

O presente item não vai estudar a regra matriz do ISS, uma vez que este estudo demandaria a análise das diversas legislações ordinárias dos Municípios e do Distrito Federal.

O que será objeto de análise é a regra matriz possível do ISS, elaborada com base no arquétipo constitucional do imposto e na legislação federal correlata. Em outras palavras, o que se pretende estudar são os limites constitucionais para que o legislador ordinário institua a regra matriz de incidência do ISS.

A regra matriz de incidência é um modelo teórico, isto é, uma estrutura abstrata construída na mente do intérprete do direito, cuja finalidade é permitir um estudo tópico da norma que institui o tributo (norma tributária em sentido estrito). A regra matriz tem por objeto as normas jurídicas que, in abstracto, instituem os tributos. Portanto, quando nos referimos à regra matriz de determinado tributo, estamos, na verdade, nos referindo ao estudo tópico da norma jurídica que institui determinado tributo.

A regra matriz de incidência deve ser dividida em hipótese (descritor) e consequente (prescritor). A hipótese, por sua vez, se subdivide em (i) critério material, (ii) critério temporal e (iii) critério espacial. O consequente se subdivide em (a) critério pessoal (formado pelo sujeito ativo e passivo) e (b) critério quantitativo (formado pela base de cálculo e alíquota).

Conforme já dito em item anterior, a Constituição Federal de 1988 facultou aos Municípios a criação do imposto sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar” (art. 156, III, do atual texto magno). A Constituição determinou, como arquétipo do critério material da regra matriz do ISS, a prestação de serviços de qualquer natureza, excetuando-se os serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Ocorre que a Constituição Federal não define ‘serviços’ para efeitos tributários. Limita-se a fazer referência à expressão ‘serviços’, relegando ao intérprete do direito a tarefa de construir a definição de serviços tributáveis.

Portanto, para se determinar quais são os serviços sujeitos à incidência do imposto sobre serviços, é necessária uma interpretação sistemática do texto magno. Somente após esta atividade hermenêutica é que será possível, ao intérprete do direito, obter os limites constitucionais a que está adstrito o legislador ordinário quando da instituição, in abstracto, do critério material do ISS.

A expressão ‘serviços’ pode ser definida, de forma bastante genérica, como sendo todo o esforço humano desenvolvido em benefício de outra pessoa (ou favorecedor de outrem). Mas não é todo e qualquer esforço humano, ou seja, todo e qualquer ‘fazer’, que vai permitir a incidência do imposto sobre serviços.

O princípio constitucional da capacidade contributiva – como implicação do princípio da isonomia – requer que a materialidade dos tributos contenha fatos de significação econômica. Assim, somente pode ser considerado serviço o esforço humano com conteúdo econômico.

Informe-se que é neste princípio que reside a fundamentação de uma das principais características do serviço tributável, que é a necessidade do esforço humano ser produzido em favor de outrem, pois é impossível dar significação econômica para um trabalho produzido para si mesmo.

O conteúdo econômico do serviço surge diante de um prestador que obtenha uma retribuição pecuniária de outrem em função da prestação de determinado serviço. Ou seja, há a necessidade de que o patrimônio do prestador sofra acréscimo em função da retribuição pelos serviços prestados.

Essa característica dos serviços tributáveis decorre, também, do próprio art. 156, I, da Constituição que, ao mencionar ‘serviços’ está também – mesmo que de forma implícita – se referindo ao seu prestador. Afinal, a Constituição não se limita, sob pena de estabelecer preceitos inócuos, a mencionar fatos, mas se reporta, implícita ou explicitamente, aos sujeitos desses fatos, que, neste caso, somente pode ser o prestador.

Os Professores Aires Barreto e Geraldo Ataliba[1] trazem lição que referenda o posicionamento acima apontado, ao afirmar que:

[...] ao mencionar serviço a Constituição refere-se ao seu prestador, como ‘destinatário legal tributário’. Quer dizer, a Constituição não se limita à consideração objetiva do serviço, mas, para poder chegar a fixar o conceito de serviço tributável, necessariamente está fazendo referência ao prestador do serviço, nele centrando a sua preocupação tributária, mediante a implícita autorização ao legislador ordinário para que atinja o prestador, que – no contexto de prestações com conteúdo econômico – será o beneficiário da retribuição ou remuneração a que elas correspondem.

A jurisprudência do STJ[2], no que tange à conceituação de serviços para efeitos tributários, também adota a conclusão acima exposta, ao afirmar que:

[...] comprovado que a parte promovia as construções em terrenos de sua propriedade pelo sistema de incorporação, na qualidade de proprietária-incorporadora, não há falar-se em prestação de serviço, pois impossível o contribuinte prestar a si próprio o serviço desvanecendo, destarte, o fato imponível do ISS.

Outro ponto que merece ser estudado quando da conceituação de serviços para fins tributários é a expressão ‘serviço público’. A questão que se coloca é a seguinte: o serviço público estaria abrangido pelo conceito de ‘serviços de qualquer natureza’ e, consequentemente, poderia dar ensejo à incidência do ISS?

Diante de uma leitura rápida do texto magno, poderia, o intérprete do direito, entender que a palavra ‘qualquer’ tem o significado da palavra ‘todo’ e, dessa forma, chegar à conclusão que os serviços públicos nada mais são que uma espécie do gênero ‘serviços de qualquer natureza’ e, como tais, poderiam sofrer a incidência do ISS.

Ocorre que essa conclusão decorre de evidente falha do operador do direito na interpretação do texto magno. A interpretação de dispositivos do texto constitucional não pode ser feita de forma isolada, como se cada artigo fosse totalmente autônomo e independente em relação aos demais. É necessário que o operador do direito tenha em mente uma visão sistemática, ou seja, interprete determinado dispositivo de forma que a conclusão esteja em harmonia com os demais dispositivos e com os princípios constitucionais.

Ao realizarmos uma interpretação sistemática do disposto no art. 156, I, da CF/88, sobretudo da expressão ‘serviço de qualquer natureza’, iremos nos deparar com o art. 150, IV da CF/88, que determina que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios [...] instituir imposto sobre patrimônio, renda ou serviços um dos outros”.

Neste contexto, a única forma de realizarmos uma interpretação sistemática e harmônica dos artigos 156, I e 150, IV, da CF/88 é entender que o imposto sobre serviços não pode incidir sobre os serviços públicos, uma vez que há imunidade. Portanto, a palavra ‘qualquer’ (contida na expressão ‘serviços de qualquer natureza’) deve ser entendida como todo serviço, exceto o serviço público.

O Prof. Bernardo Ribeiro de Moraes[3], ao tratar das imunidades relativas ao ISS, faz afirmação que ratifica a conclusão acima exposta:

[...] veda-se a criação de impostos sobre serviços das entidades de direito constitucional (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), atingindo as pessoas de direito público interno expressamente nomeadas. Nenhuma delas poderá exigir o ISS de outra. Assim, nenhum Município poderá exigir o ISS em relação a serviços prestados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos outros municípios. A Constituição procura evitar, assim, que as entidades políticas da Federação se transformem em contribuintes umas das outras, numa inutilidade de pagamentos recíprocos [...] Estão imunes, pois, em relação ao ISS, os serviços públicos prestados pelas entidades políticas da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Neste ponto existe uma questão que merece ser estudada, qual seja, a prevalência da imunidade do ISS sobre serviços públicos prestados por delegação e por concessão.

A resposta para essa questão surge da interpretação do art. 150, VI, ‘a’, combinado com os parágrafos 2º e 3º do mesmo artigo, donde se conclui que a imunidade dos serviços públicos em relação ao ISS somente permanece quando diante de delegação:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios [...] VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; [...]

§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

§ 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

A lição dos Professores Geraldo Ataliba e Aires F. Barreto[4] justifica a conclusão acima exposta:

[...] os serviços públicos são imunes, nos termos explícitos da Carta Constitucional, enquanto desempenhados por delegados, criaturas das leis das pessoas políticas, que os titularizam. Não há imunidade, quando exercidos por concessionários (art. 19, §1º, 2ª parte). O texto constitucional é muito claro, ao dizer que o concessionário de serviço público não é imune, de tal sorte que não tem cabimento a invocação de qualquer lucubração de caráter doutrinário, para opor-se à conclusão inexorável a que conduz a letra explícita da norma. Uma distinção, entretanto, impõe-se, diante do preceito geral fixando a imunidade ontológica das pessoas públicas. [...] Enfim, toda vez que uma empresa pública ou sociedade de economia mista desempenha serviço público, ou o faz na condição de concessionária (quando a competência para prestação do serviço é de pessoa diversa daquela que criou a executora do serviço) ou na condição da delegada (quando o serviço é próprio da entidade política que criou a empresa executora). No caso de delegação – que se opõe à concessão – há imunidade[5].

Outro aspecto que deve ser apontado no presente estudo é que os serviços desempenhados sob vínculo funcional ou trabalhista não são passíveis de tributação pelo ISS. A presença do vínculo caracteriza relação de trabalho e não prestação de serviço, o que, consequentemente, afasta a incidência do ISS.

A Constituição faz uma distinção entre prestação de trabalho e prestação de serviço. O artigo 156, I, da CF/88 somente menciona serviço num contexto em que as distinções entre espécie e gênero são bastante acentuadas. Só a espécie serviço é, por esse preceito, alcançada. Isto não só porque este é o expressamente mencionado, mas, principalmente, porque o trabalho puro e simples (por definição, subordinado) – com remuneração de sentido puramente alimentar – é, a teor da Constituição, destituído de conteúdo econômico para fins tributários.

O ponto essencial para a distinção entre a relação de trabalho e a prestação de serviços está na natureza jurídica do conteúdo econômico de cada relação. Na prestação de trabalho com vínculo, a retribuição paga ao empregado pelo empregador tem nítido e insuperável cunho alimentar. O conteúdo econômico vai surgir traduzido no resultado da atividade do empregador, que é uma atividade de organização, soma, multiplicação, harmonização de fatores de produção, dentre os quais está o trabalho do empregado.

Na prestação de serviços propriamente dita, o conteúdo econômico não tem natureza alimentar, ao contrário, é uma retribuição decorrente do serviço prestado. Em outras palavras, trata-se de um acréscimo do patrimônio da pessoa física ou jurídica que, sem vínculo de subordinação e mediante uma relação jurídica regida pelas normas de direito civil, prestou determinados serviços que foram objeto de retribuição pecuniária.

Nesse contexto, somente a atividade externa da empresa ou pessoa física (prestação de serviços para pessoa física ou jurídica distinta da empresa) possui o conteúdo econômico capaz de ensejar a incidência do ISS.

Diante da sistemática constitucional vigente, que segmenta a prestação de trabalho da prestação de serviços, e da consequente diferença na natureza jurídica do conteúdo econômico desses dois institutos jurídicos, é de rigor concluir que a prestação de trabalho não apresenta os requisitos necessários para a incidência do ISS, ou seja, não pode fazer parte do conceito de serviço tributável.

Esses foram os principais aspectos relacionados com o critério material do ISS, especialmente, o que se entende por ‘serviço’.


3 DOS VALORES RECEBIDOS PARA REEMBOLSO DE DESPESAS

Pois bem, é chegado o momento de analisar se os valores recebidos pelos prestadores de serviços para reembolso de despesas devem fazer parte da base de cálculo do ISS.

O Decreto-Lei nº 406/68, norma recepcionada pelo atual texto magno e que regulamenta o art. 156, I, da CF/88, dispõe, no seu art. 9º, que “a base de cálculo do imposto é o preço do serviço”[6].

A análise sistemática dos dispositivos legais acima citados conduz à conclusão de que a base de cálculo do tributo em questão somente pode ser o preço do serviço, sendo certo que não se vislumbra qualquer incompatibilidade entre o disposto no texto magno (art. 156, I, da CF/88) e o estabelecido na legislação complementar (art. 9º do DL 406/68).

O cerne da questão ora em análise está em saber se a expressão “preço do serviço” - art. 9º do DL 406/68 - pode, ou não, abranger valores que não buscam remunerar o serviço prestado (bem imaterial), mas, apenas, fornecer os meios para viabilizar a prestação dos serviços.

Isto é, se o preço do serviço incluiu, além das verbas recebidas a título de retribuição pela utilidade imaterial fornecida pelo prestador de serviços, os valores que visam apenas repor a parte do patrimônio do prestador que fora reduzido para que fosse possível a prestação do serviço.

José Eduardo Soares de Mello[7] afirma que:

[...] embora a expressão preço – significando a remuneração pela prestação de serviços – não ofereça nenhuma dificuldade para ser apurada (previsão contratual e indicação em nota fiscal), o fato é que nem todos os valores auferidos pelo prestador de serviço devem ser considerados para quantificação do tributo. Diversos valores não mantém conexão com a quantia acordada como forma de remuneração de serviços, podendo tratar-se de simples recebimentos temporários, ou ingresso de distinta natureza, uma vez que só pode ser considerada como receita aquele valor que integra o patrimônio do prestador.

O mesmo autor ressalta ainda que:

[...] os contribuintes dos tributos citados (dentre eles o ISS) têm o direito de não considerar, como receitas próprias, valores que apenas transitam por seus livros fiscais, sem representar, entretanto, acréscimo patrimonial. Tal é o caso dos montantes a ele repassados para satisfação de despesas incorridas por conta e ordem de terceiros, ou para pagamento, aos efetivos prestadores, por serviços por eles apenas intermediados.

Ou seja, há entendimento doutrinário que, com segurança, determina que só pode ser considerado como preço do serviço (e consequentemente base de cálculo do ISS) o valor que, pago em contrapartida da prestação de um serviço, ingressa no patrimônio do prestador como riqueza nova, isto é, gera um aumento patrimonial do prestador.

Por sua vez, os valores que não geram acréscimo patrimonial e apenas recompõe a parte do patrimônio do prestador que fora reduzido em função da prestação dos serviços (reembolso de despesas) não são considerados como preço do serviço e, consequentemente, não são considerados como base de cálculo do ISS.

O Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, ao analisar a questão em testilha, afastou a incidência do ISS sobre valores recebidos a título de reembolso de despesas:

[...] as receitas e não as meras entradas é que se constituem em base de cálculo do ISS, pois tão só as receitas remuneram o serviço e representam o seu preço, correspondendo ao esforço prestado ao tomador do serviço e representam o pagamento de prestação contratual específica. De fato, existem valores que são entregues à Embargante por suas clientes para serem repassados a terceiros (despesas de passagens, hospedagens, refeições, publicação de anúncios, etc.) e que apenas transitam por seus lançamentos contábeis, não ingressando de forma definitiva em seu patrimônio, destinando-se exclusivamente a remunerar serviços que a mesma verdadeiramente presta (atividades de intermediação e seleção de executivos). Dessa maneira, a Embargante, na qualidade de mandatária de seus clientes, apenas repassa os valores que recebe dos mesmos aos terceiros, reais prestadores de outros serviços, figurando como mera depositária. Assim, os valores que recebe das suas clientes e transfere para terceiros, que jamais integram o seu patrimônio em caráter definitivo, não devem configurar base imponível do aludido imposto (ISS), por não corresponderem ao serviço prestado pela Embargante[8].

O Superior Tribunal de Justiça, que tem a função de uniformizar a interpretação da legislação federal, ao analisar a questão ora em debate - art. 9º do Decreto Lei 406/68 -, ratifica o posicionamento do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, conforme se verifica do acórdão proferido no RESP 224813/SP. Rel. Min. José Delgado. Primeira Turma. DJU 28/02/2000. Há outros julgados do STJ no mesmo sentindo: AgRg no REsp 1094948/MG. rel. min. Min. Humberto Martins. Segunda Turma. DJe 16/02/2009.

É interessante notar que julgados recentes do STJ, envolvendo empresas de Marketing, parecem adotar outra orientação:

TRIBUTÁRIO. ISS. EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE MARKETING. BASE DE CÁLCULO. PREÇO GLOBAL DO SERVIÇO. DEDUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE REEMBOLSO DE SERVIÇOS AUXILIARES DE LIMPEZA E VIGILÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES COM TRATAMENTO LEGAL DIVERSO APLICADO A SITUAÇÕES SEMELHANTES. NÃO OCORRÊNCIA.

1. As sociedades que tenham como objeto a prestação de serviços de marketing não possuem direito à exclusão da base de cálculo do ISS dos valores recebidos a título de reembolso pelo pagamento de profissionais contratados interinamente, a exemplo de serviços contratados de vigilância e de limpeza.

2. Precedentes: AgRg no REsp 1141557/SP, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 16/8/2012, DJe 24/8/2012; AgRg no AREsp 227.724/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20/11/2012, DJe 26/11/2012; REsp 1293162/RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 19/6/2012, DJe 3/8/2012 [...][9].

Será que, diante do precedente, o STJ teria mudado seu entendimento, admitindo a incidência do ISS sobre os valores recebidos para reembolso?

A análise dos precedentes do STJ sobre o tema revela que o foco principal desses julgamentos envolvia empresas de serviço de Marketing. O STJ entendeu que os gastos dessas empresas com contratações temporárias seriam parte integrante do próprio serviço e, dessa forma, não poderiam ser excluídos da base de cálculo do ISS.

Em outras palavras, ao julgar casos envolvendo empresas de marketing, o STJ entendeu que o serviço por elas prestados envolve, necessariamente, a contratação temporária de terceiros. Logo, todo o valor recebido do cliente constitui preço do serviço.

Contudo, ao julgar casos envolvendo empresas de agenciamento de mão-de-obra, o STJ entendeu que o ISS somente incide sobre o valor da remuneração pela intermediação, não há incidência sobre os valores recebidos para pagamento de salários e encargos:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA? ISSQN. AGENCIAMENTO DE MÃO-DE-OBRA TEMPORÁRIA. ATIVIDADE-FIM DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS. BASE DE CÁLCULO. PREÇO DO SERVIÇO. VALOR REFERENTE AOS SALÁRIOS E AOS ENCARGOS SOCIAIS.

1. A base de cálculo do ISS é o preço do serviço, consoante disposto no artigo 9°, caput, do Decreto-Lei 406/68.

2. As empresas de mão-de-obra temporária podem encartar-se em duas situações, em razão da natureza dos serviços prestados: (i) como intermediária entre o contratante da mão-de-obra e o terceiro que é colocado no mercado de trabalho; (ii) como prestadora do próprio serviço, utilizando de empregados a ela vinculados mediante contrato de trabalho.

3. A intermediação implica o preço do serviço que é a comissão, base de cálculo do fato gerador consistente nessas "intermediações".

4. O ISS incide, nessa hipótese, apenas sobre a taxa de agenciamento, que é o preço do serviço pago ao agenciador, sua comissão e sua receita, excluídas as importâncias voltadas para o pagamento dos salários e encargos sociais dos trabalhadores. Distinção de valores pertencentes a terceiros (os empregados) e despesas com a prestação. Distinção necessária entre receita e entrada para fins financeiro-tributários.

5. A exclusão da despesa consistente na remuneração de empregados e respectivos encargos da base de cálculo do ISS, impõe perquirir a natureza das atividades desenvolvidas pela empresa prestadora de serviços. Isto porque as empresas agenciadoras de mão-de-obra, em que o agenciador atua para o encontro das partes, quais sejam, o contratante da mão-de-obra e o trabalhador, que é recrutado pela prestadora na estrita medida das necessidades dos clientes, dos serviços que a eles prestam, e ainda, segundo as especificações deles recebidas, caracterizam-se pelo exercício de intermediação, sendo essa a sua atividade-fim[10].

O STJ, diante da divergência exposta, já foi instado a se manifestar em embargos de divergência (STJ. AgRg nos EREsp 1366045 / SP. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. DJe 19/03/2014.) e reafirmou o entendimento, afastando qualquer semelhança entre as situações.

Isto é, para o STJ, o serviço de marketing não pode ser equiparado ao serviço de agenciamento de mão-de-obra temporária. Assim, manteve o entendimento acima exposto.

A conclusão que se formula é que a diferença entre os julgados não está na premissa: incidência de ISS sobre reembolso de despesas. Os julgados analisados revelam que o STJ aceita a premissa de que não há incidência sobre valores somente repassados a terceiros e que o valor da base de cálculo do ISS é somente a remuneração do serviço.

A questão é que, no caso das empresas de serviço de marketing, o STJ entende que os valores de terceiros (contratação de vigilância, etc.) não podem ser considerados como reembolso, na medida em que fazem parte do próprio serviço. Vale dizer, são inerentes ao serviço de marketing; logo, sujeitos à incidência do ISS.

Sobre o autor
Marcelo Carita Correra

Procurador Federal,<br>exerceu a advocacia privada em São Paulo/SP<br>Bacharel em Direito pela PUC-SP<br>Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRERA, Marcelo Carita. A base de cálculo do imposto sobre serviços e o reembolso de despesas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4133, 25 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30678. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!