A responsabilidade civil do empregador em relação aos danos sofridos pelo empregado, decorrem dos imensuráveis e estarrecedores casos de acidentes do trabalho, encontra fundamento nos princípios constitucionais da dignidade humana e da integridade física, psíquica e moral do trabalhador.
O acidente de trabalho é evento danoso tanto para a vítima quanto para seus dependentes e, em muitos casos, é irreparável, devido à extensão de seus efeitos.
Mas se o direito à vida e à integridade física do trabalhador é violado pela ocorrência de sinistro relacionado ao meio ambiente laboral, ocasionando-lhe perda parcial ou total, temporária ou permanente da sua capacidade para trabalhar ou até mesmo a morte, tal dano deverá ser reparado, ao menos pelo seguro social, independentemente de culpa do empregado ou empregador, ainda que tal indenização apenas mitigue o mal sofrido. É imperiosa, portanto, a reparação do dano causado a outrem para, na medida do possível, desfazer seus efeitos funestos e restituir statu quo ante aquele que sofreu o prejuízo.
Por sua natureza social, a responsabilidade civil decorrente de acidente do trabalho funda-se em norma cogente de caráter público elevado à categoria constitucional.
A nossa Carta Magna assegura ao trabalhador, com base nos princípios da valorização do trabalho e da dignidade humana, o direito ao meio ambiente laboral salutar, sendo o empregador civilmente responsabilizado pelos acidentes sofridos por aquele, havendo ou não culpa na prestação obreira.
Note-se que, sob esta ótica, encontra-se delimitada a fundamentação legal e teórica para as normas infraconstitucionais relativas à reparação acidentária laboral, seja de cunho civil, administrativa ou penal. E, infere-se dos princípios mencionados que a responsabilidade civil poderá ter natureza contratual ou extracontratual, cujos pressupostos básicos são: a ocorrência de dano, nexo causal entre o evento danoso e o dano e a causa oriunda de ato ilícito ou não.
Sendo assim, o tema está compreendido tanto pelas teorias civilistas (teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva) quanto pelas teorias publicistas (teoria do risco ou da responsabilidade objetiva).
A. Teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva
A tradicional teoria da culpa ainda é o principal fundamento da responsabilidade civil, vez que ninguém será obrigado a indenizar se não houver agido culposamente, salvo nos casos especificados em lei ou quando sua atividade seja perigosa e implique em risco para os direitos de outrem (CCB, art. 927, par. único).
Exceto raras exceções, como na hipótese do dispositivo do parágrafo acima mencionado, que determina a responsabilidade objetiva, o nosso Código Civil acolhe a responsabilidade civil subjetiva e, em parte, adota o princípio geral do processo civil, que incumbe a quem alega, o ônus de provar o seu direito e os fatos que o fundam, ou seja, cabe ao lesado provar a culpa do agressor.
Contudo, em determinados casos, a teoria da culpa aproxima-se da teoria da responsabilidade objetiva ao aceitar a culpa presumida.
Deveras, muitas são as hipóteses em que praticamente fica impossível ao lesado provar a culpa do responsável pela violação do seu direito. Uma delas é o que acontece nos casos de acidente do trabalho decorrente de culpa ou dolo do empregador (CF/88, art. 7º, inc. XXVIII). Em tais situações, como regra, se não houver a inversão do ônus da prova, dificilmente o lesado poderá provar a culpabilidade do empregador.
Houve uma evidente evolução na teoria da responsabilidade civil nos últimos tempos, uma busca de socialização dos riscos. A aplicação pura da teoria da culpa, definitivamente, não se mostrou suficiente para atender às transformações sócio-econômicas da nossa época.
A insuficiência da culpa para cobrir todos os prejuízos, por obrigar a perquirição do elemento subjetivo na ação, e a crescente tecnização dos tempos modernos, caracterizado pela introdução de máquinas, pela produção de bens em larga escala e pela circulação de pessoas por meio de veículos automotores, aumentando assim os perigos à vida e à saúde humana, levaram a uma reformulação da teoria da responsabilidade civil dentro de um processo de humanização.
B. Teoria do risco ou da responsabilidade objetiva
A impossibilidade de concretizar reparação dos danos oriundos de acidentes do trabalho, cujo número cresceu assustadoramente nos últimos tempos (com alguma redução no quadro do mercado de trabalho formal), determinou a insuficiência responsabilidade subjetiva.
O operário hipossuficiente e vulnerável ou seus dependentes, sempre se encontraram em irrefragável desvantagem em relação ao poderio do empregador. Como provar a culpa deste? A lei que por um lado tutelava o direito à integridade física e a reparação dos danos ocorridos com a violação desse direito, praticamente, negava o efetivo direito de ação, ao dificultar (quase impossibilitar) a prova da culpa do empregador. Conceder o direito à reparação do dano aos lesados, mas negar-lhes, ainda que indiretamente, instrumentos para provar o direito, equivale à negação do direito.
Surgiu a teoria do risco como fundamento da responsabilidade objetiva, ante a necessidade de amparar as vítimas de acidentes e tendo em vista os problemas sociais deles originados, principalmente, para o operário e sua família, cuja sobrevivência depende do trabalho. Esta teoria vem, portanto, como resposta aos anseios de ordem sócio-econômica.
Como bem esclarece o árduo defensor da teoria do risco em nosso país, Alvino Lima, "a necessidade imperiosa de se proteger a vítima, assegurando-lhe a reparação do dano sofrido, em face da díspar entre as empresas poderosas e as vítimas desprovidas de recursos, (...) [torna] imprescindível, pois, rebuscar um novo fundamento à responsabilidade extracontratual, que melhor resolvesse o grave problema da reparação dos danos, de molde a se evitarem injustiças que a consciência jurídica e humana repudiavam".
Para Saleiles, o precursor das bases de sustentação para a nova doutrina, desenvolvida por Josserand e seus seguidores "a teoria objetiva é uma teoria social que considera o homem como fazendo parte de uma coletividade e que o trata como atividade em confronto com as individualidades que o cercam".
Cavalieri afirma que, em qualquer das modalidades, a teoria do risco se resume na seguinte afirmação: "Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa ".
Por conseguinte, para assegurar o ressarcimento ao prejudicado, cabe verificar se ocorreu o evento e dele emanou o dano, não se cogitando da imputabilidade ou antijuridicidade do fato danoso. É satisfatória a relação de causalidade entre o prejuízo e aquele que materialmente o causou, isto é, basta o nexo causal entre o dano e o fato gerador. O agente deve ser responsabilizado pelo simples fato da ocorrência do fato danoso prejudicial a outrem, relacionado à atividade exercida, visto que aquele assumiu, ao explorá-la, todos os riscos a ela inerentes.
Resposta = Sim, é aplicável o disposto no art. 927, p. único, do CC.
O atual Código Civil Brasileiro, em seu art. 927, parágrafo único, estabelece que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, ou seja, adota critérios de responsabilidade objetiva no âmbito do direito privado.
Logo, o dever de reparar, em determinadas hipóteses, independe da existência ou não de ato ilícito, de conduta culposa. Basta o dever legal de indenizar ou que a atividade, por sua natureza, cause riscos aos direitos de outrem, segundo fundamento da responsabilidade objetiva.
Surge, então, a responsabilidade com fundamento nos riscos da atividade (responsabilidade objetiva), cujos pressupostos são apenas a existência do prejuízo e a relação entre este e o evento danoso que o causou (nexo causal).
Neste diapasão, leciona Mauricio Godinho Delgado:
“Note-se a sabedoria da ordem jurídica: a regra geral mantém-se com a noção da responsabilidade subjetiva, mediante aferição de culpa do autor do dano (art. 159, CCB/1916; art. 186, CCB/2002). Entretanto, se a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano (no estudo em questão, a empresa) implicar, por sua natureza, risco para os trabalhadores envolvidos, ainda que em decorrência da dinâmica laborativa imposta por essa atividade, incide a responsabilidade objetiva fixada pelo Direito(art. 927, parágrafo único, CCB/2002).
Isso impõe seu estudo e questionamento, principalmente no que diz respeito à interpretação da intenção do legislador, buscando estudar o alcance da norma em tela, já que sua aplicação importa significativo aumento na probabilidade de responsabilização na medida em que, a partir de agora, em certas espécies de atividade, estar-se-á sujeito a indenizar por dano ainda que se tenha agido sem culpa, o que recomendaria a adoção de maior cautela por parte das pessoas ou empresas que atuem em atividade considerada perigosa.
Tal matéria, submetida aos tribunais, tem sido objeto de entendimento jurisprudencial que, em casos restritos – e ante a dificuldade de a vítima efetuar a prova da culpa – utiliza a teoria do risco como forma de distribuir justiça, o que, doravante, passará a ter maior aplicabilidade como conseqüência da nova regra legal dispondo expressamente sobre a questão.
Segundo ensinamentos de Maria Helena Diniz:
"O interesse em restabelecer o equilíbrio violado pelo dano é fonte geradora da responsabilidade civil, independentemente de que a causa da lesão ao bem material ou moral, seja ato ilícito ou lícito. Porque também as atividades permitidas legalmente, mas que por sua natureza, impliquem em risco para os direitos de outrem, cria o dever de indenizar, bastando haver nexo de causalidade entre o dano e atividade de risco desenvolvida, sem levar em conta a existência de culpa do criador do risco (CCB, art. 927, par. único)”.
A relevância da inovação promovida pelo parágrafo único do art. 927 do Código Civil Brasileiro reside no fato de que a responsabilidade objetiva, antes do advento do novo Código Civil, somente ocorria nos casos especificados em legislação especial, o que, agora, já não prevalece, pois atualmente, mesmo inexistindo lei que regulamente o fato, pode o juiz aplicar o princípio da responsabilidade objetiva, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Delgado, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho / Maurício Godinho Delgado. – 5. ed. – São Paulo: LTr, 2006.
LIMA, Maria Marta Rodovalho Moreira de. Acidentes do trabalho. Responsabilidades relativas ao meio ambiente laboral. Jus Navigandi, Teresina. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5815>
ARALDI, Udelson Josue. Responsabilidade civil objetiva: alcance do disposto no parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1070, 6 jun. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8474>