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A inconstitucionalidade do interrogatório do réu realizado antes da instrução criminal no procedimento da Lei de Drogas

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Agenda 29/11/2014 às 07:22

3. O INTERROGATÓRIO DO RÉU COMO DESDOBRAMENTO DA AMPLA DEFESA

O interrogatório do réu constitui uma fase de persecução penal que permite ao suposto autor da infração esboçar a sua versão dos fatos acerca da imputação que lhe é dirigida, exercendo, se assim desejar, a autodefesa. Tal instituto está regulamentado pelos arts. 185 a 196 do Código de Processo Penal (CPP).

O acusado terá contato com a autoridade competente, o que lhe autoriza indicar provas, confessar a infração que lhe é imputada, delatar outros, apresentar teses defensivas, bem como valer-se do direito de silêncio.

A Lei nº. 11.719/2008 trouxe significativas mudanças nos procedimentos do processo, bem como no interrogatório, adaptando a legislação a um modelo processual predominantemente acusatório.

Com isso, o interrogatório do réu apenas acontecerá após a apresentação escrita da defesa, e na audiência una de instrução, depois da inquirição do ofendido, das testemunhas de defesa e de acusação, dos esclarecimentos dos peritos, das acareações.Sob esse mesmo ponto de vista, Pacelli elucida que:

A mudança, sobretudo na imposição de audiência una, determinando a concentração dos atos de prova, imprime ritmo mais célere ao procedimento, ao tempo em que permite ao acusado um exame mais amplo acerca de seu comportamento no processo. Como ele, agora, será o último a ser ouvido, poderá, livremente, escolher a estratégia de autodefesa que melhor consulte aos seus interesses.[22]

As principais características do interrogatório do réu podem ser encontradas nos ensinamentos de Nestor Tavorá[23] e Norberto Avena[24], quais sejam:

a) Ato público: em regra, interrogatório pode ser assistido por qualquer pessoa. Isso ocorre, porque ele se destina à comprovação de que as declarações realizadas pelo réu foram espontâneas. Excepcionalmente, se pode ter o sigilo do interrogatório se necessário, em havendo risco de escândalo, inconveniente grave ou perturbação da ordem;

b) Ato personalíssimo: apenas o réu é que pode ser interrogado, não cabendo sua representação, substituição ou sucessão por qualquer pessoa; 

c) Oralidade: em regra, o interrogatório segue a forma oral. Porém, o Código de Processo Penal prevê exceções a essa característica para pessoas portadoras de necessidades especiais. Para o mudo, as perguntas serão feitas oralmente, as respostas na forma escrita. Para o surdo, as perguntas serão por escrito e as respostas serão orais. Para o surdo-mudo, as perguntas e respostas serão escritas, sendo que, se estes forem analfabetos ou também deficientes visuais intervirá sob compromisso pessoa habilitada a entendê-los. Quanto ao estrangeiro, o interrogatório será realizado através de intérprete;

d) Individualidade: existindo corréus no mesmo processo, eles serão interrogados separadamente. Isso será útil quando houver versões contraditórias, momento em que o juiz poderá acareá-los.

O interrogatório do acusado será realizado em duas etapas: a primeira será sobre a pessoa do réu e a segunda sobre o fato. Na primeira etapa, o réu será interrogado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais (art.187,caput e §1º do CPP).

Na segunda etapa se aferirá os fatos apresentados no processo. Neste momento o réu poderá aceitar como verdadeira ou negar a imputação que lhe é feita. Se confessar o crime poderá ser questionado acerca dos motivos que o levaram a cometer o delito, das circunstâncias de fato, bem como se outras pessoas participaram.

Caso negue a acusação, no todo ou em parte, poderá prestar esclarecimentos e indicar provas; poderá imputar a acusação a terceiros; terá oportunidade de esclarecer ao tempo dos fatos e se teve notícia dos acontecimentos; se tem conhecimento das provas já apuradas; se tem conhecimento da vítima e as testemunhas, desde quando e se tem algo a alegar contra elas; se tem conhecimento acerca do instrumento do crime e dos demais objetos relacionados a ele; será indagado sobre todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração, por fim, se tem algo a mais a alegar em sua defesa (art.187, §2º do CPP).

Convém registrar que durante o interrogatório do réu será obrigatório a presença de seu defensor, sob pena de nulidade absoluta. Destaque-se que ausente o advogado constituído pelo réu, o juiz deverá nomear um advogado para assisti-lo neste ato.

O art.185, §5º do CPP garante ao réu, antes do início de seu interrogatório, o direito de entrevista reservada com seu advogado. Tal garantia tem como objetivo dar a possibilidade ao réu (solto ou preso) de ter um ultimo contato com o seu defensor, para que assim possa receber as devidas orientações acerca da postura que deve seguir no momento do seu depoimento ao magistrado.

Com efeito, Avena pondera:

Essa entrevista, sob a ótica da defesa, assume relevância especial nos procedimentos em que o interrogatório deva ser realizado posteriormente à oitiva da vítima e das testemunhas (como ocorre nos procedimentos ordinário e sumário, ex vi do que dispõem os arts. 400 e 531 do CPP), já que ensejará ao defensor a oportunidade de fornecer ao réu os aconselhamentos necessários para adequar sua versão às provas que já foram produzidas, ou, no mínimo, justificar, sob o enfoque da defesa, fatos ou circunstâncias trazidas ao processo em desfavor da tese defensiva. [25]

A natureza jurídica do interrogatório é dúplice, isto é, tem atributo de meio de prova e meio de defesa. Constitui meio de prova, porque o magistrado irá realizar perguntas pertinentes ao esclarecimento dos fatos, assim como também farão a acusação e o advogado do réu. Atente-se que o material eventualmente colhido servirá na formação do livre convencimento do magistrado.

Pacelli afirma que “em uma concepção de processo via da qual o acusado seja um sujeito de direitos, e no contexto de um modelo acusatório, tal como instaurado pelo sistema constitucional das garantias individuais, o interrogatório do acusado encontra-se inserido fundamentalmente no princípio da ampla defesa”. [26]

Na verdade, têm-se uma oportunidade de defesa que se dá ao réu, de forma a possibilitar que ele apresente a sua versão dos fatos, sem que este fique constrangido ou se sinta compelido a fazê-lo.

Em continuidade, Pacelli acrescenta que a conceituação do interrogatório como meio de defesa, e não de provas (ainda que ostente valor probatório), é riquíssima de consequências, elas são:

Em primeiro lugar, permite que se reconheça, na pessoa do acusado e de seu defensor, a titularidade sobre o juízo de conveniência e a oportunidade de prestar ele o (réu), ou não prestar, o seu depoimento. E a eles caberia, então, a escolha a opção mais favorável aos interesses defensivos. E é por isso que não se pode mais falar em condução coercitiva do réu, para fins de interrogatório, parecendo-nos revogada a primeira parte do art.260 do CPP. Fazemos a ressalva em relação à possibilidade de condução coercitiva para o reconhecimento de pessoas, meio de prova perfeitamente possível e admissível em nosso ordenamento.

Em segundo lugar, impõe, como sanção, a nulidade absoluta do processo, se realizado sem que se desse ao réu a oportunidade de se submeter ao interrogatório. Haveria, no caso, manifesta violação da ampla defesa, no que se refere à manifestação da autodefesa. [27]

Demais disso, Denilson Feitoza afirma que o princípio constitucional da ampla defesa foi bastante fortalecido com as reformas processuais decorrentes dos ultimos anos e assim exemplifica:

O acusado será qualificado e interrogado na presença do seu defensor, constituído ou nomeado (art.185, caput do CPP); será interrogado no estabelecimento prisional, se garantida a presença de seu defensor (art.185, §1º do CPP); antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor (art.185, §2º do CPP); o acusado deve ser devidamente cientificado do inteiro teor da acusação (art.186, caput, primeira parte). Sempre entendemos que a falta de imediação e contato do acusado com a defesa técnica é uma das mais graves violações do princípio constitucional da ampla defesa, motivo pelo qual pensamos que a inobservância desses dispositivos legais de asseguramento de entrevista reservada com o defensor e de presença do defensor acarreta a nulidade absoluta do ato. [28]

Assim sendo, fica evidente que o interrogatório do réu é um desdobramento do princípio constitucional da ampla defesa, haja vista que a ampla defesa garante ao acusado a mais completa defesa em relação à imputação que lhe foi feita.

No interrogatório o réu pode, se desejar, esboçar a sua versão dos fatos que lhe é própria ou pode optar pelo direito de silêncio, que nada mais é que uma expressão da autodefesa.

Registre-se que no momento do interrogatório do réu é obrigatória a presença de um advogado e a sua não observância constitui expressa violação da ampla defesa, bem como gera nulidade absoluta, haja vista que a defesa técnica decorre da ampla defesa e ela é indispensável no âmbito do processo penal. 

3.1 O INTERROGATÓRIO DO RÉU NO PROCEDIMENTO COMUM

O procedimento comum é o rito padrão ditado pelo Código de Processo Penal para ser aplicado na apuração de crimes para os quais não se tenha procedimento especial previsto em lei, isto é, ele é aplicado residualmente[29]. Na esfera deste rito são encontradas três categorias de procedimento: procedimento comum ordinário, procedimento comum sumário e o procedimento comum sumaríssimo.

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Registre-se que o procedimento ordinário é destinado para a apuração de crimes cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos de pena privativa de liberdade (art.394, §1º, I do CPP); o procedimento sumário destinado a apuração de crimes cuja sanção máxima cominada seja inferior a quatro anos de pena privativa de liberdade, excluindo as que cabem pelo rito sumaríssimo (art.394, §1º, II do CPP).

Por fim, o procedimento sumaríssimo que é destinado a infrações de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não seja superior a dois anos, cumulada ou não com multa e contravenções penais (art.394, §1º, III do CPP).

O procedimento ordinário é constituído das seguintes etapas (arts. 395 a 405 do CPP): oferecimento da denúncia ou queixa-crime; rejeição liminar ou recebimento; recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo magistrado; citação do acusado para reposta; resposta do acusado; julgamento antecipado do processo e absolvição sumária do acusado, se possível; audiência de instrução, interrogatório e julgamento (audiência una); requerimento de diligências e alegações finais orais, e por ultimo, sentença.

Deste procedimento será feita a análise apenas o que diz respeito à audiência de instrução e julgamento. Nesta audiência, primeiramente, será tomada as declarações do ofendido, depois se efetuará a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e, após, das arroladas pela defesa. Prosseguindo a audiência ainda será realizado o esclarecimento dos peritos, as acareações, o reconhecimento de pessoas e coisas, e por fim, o interrogatório do acusado.

Sem dúvidas, o interrogatório é deixado para a providência final, isto é, ele ocorre depois de produzida prova oral, haja vista que assim o réu terá maiores elementos para exercer a sua autodefesa, ou valer-se, no caso de seu direito de silêncio.

No âmbito do processo penal, durante toda a persecução deve, obrigatoriamente, dar oportunidade para a realização do interrogatório do acusado. Quanto a essa necessidade do interrogatório, Nestor Távora comenta:

[...] Não é tecnicamente adequado falar em interrogatório na fase pré- processual. Nesta etapa, o indiciado ou o preso em flagrante prestará declarações perante a autoridade policial, em que pese o vício de linguagem ser constante. Interrogatório é o ato realizado perante a autoridade judicial, e enquanto a sentença não transitar em julgado, sempre que possível, deve ser realizado, sob pena de nulidade, como dispõe o art.564, III, “e”, do CPP. Indique-se que a nulidade ocorre não pela realização efetiva do ato, e sim por sua supressão arbitrária. Sendo o réu intimado regularmente e não comparecendo à audiência de instrução e julgamento, frustrando a realização do interrogatório, não há de se falar em nulidade. O que não pode ocorrer é a dispensa do ato pela autoridade, suprimindo do réu a possibilidade de exercitar a autodefesa, ou a não requisição do réu que estava preso para que seja apresentado, ou tendo havido requisição, a não requisição do poder público (art.399,§1º do CPP). [...]. [30]

Depreende-se, assim, que a oitiva do indiciado será realizada na forma do interrogatório judicial, observando que certas particularidades do próprio instituto não se aplicarão na fase de inquérito policial, como por exemplo, a obrigatoriedade da presença de advogado, a entrevista preliminar, a possibilidade de reperguntas, entre outras. Isso ocorre porque a fase de inquérito policial não admite o contraditório e a ampla defesa, isto é, ele é inquisitivo (art. 6º, V do CPP).

É cediço que a falta do interrogatório do acusado, tendo ele comparecido em audiência, constitui nulidade. A respeito da nulidade, existem controvérsias se ela é absoluta ou relativa. Entendendo que a nulidade é de natureza absoluta, encontra-se Denilson Feitoza[31]. Em sentido diverso, isto é, entendendo que a nulidade é de natureza relativa, pronuncia-se Guilherme de Souza Nucci[32].

Pacelli ensina que o direito à oportunidade do interrogatório e o direito à sua realização obrigatória são duas situações distintas. Uma vez intimado regularmente o réu e, ele não comparece a audiência una, não se pode mais falar em um direito futuro à repetição do interrogatório, isto é, a ser exercido em outra fase do processo, pois já houve a superação da etapa procedimental para o exercício da autodefesa. Direito, a ser ouvido, sim, mas não quando for conveniente apenas ao acusado.[33]

Antes da reforma introduzida pela Lei nº. 10.792/2003, o interrogatório do réu era um ato privativo do juiz, haja vista que o promotor, o defensor e o curador não podiam reperguntar, porém, com a alteração introduzida pela referida lei, o art. 188 do CPP passou a contemplar a faculdade de realizarem questionamentos ao acusado.

Na exata lição de Norberto Avena:

De qualquer sorte, a par desta alteração introduzida ao Código, cabe lembrar que as intervenções realizadas ao interrogado pelas partes deverão ser feitas por intermédio do juiz, o qual, inclusive, poderá indeferir determinadas perguntas se as entender impertinentes (sem qualquer relação com o fato investigado) ou irrelevantes (relativas ao fato apurado, mas sem qualquer importância no respectivo esclarecimento). Mantém-se, então, aqui, o sistema presidencialista de inquirição. [...] [34]

Desse modo, findas as perguntas do magistrado, este indagará à acusação e a defesa, se ainda tem algum ponto a ser esclarecido, oportunizando, assim, a realização de reperguntas, que serão feitas ao interrogado se o juiz achar pertinente e relevante, devendo o mesmo vedar as reperguntas que constranja o acusado.

Nessa linha de princípio, entenda que se o interrogado não quiser responder as reperguntas, não é necessário, isto é, ele não está obrigado a fazê-lo. Cabe, portanto, somente a ele escolher o que lhe é ou não conveniente responder.  

Necessário também fazer algumas considerações acerca do interrogatório do réu por videoconferência, que foi consagrado no art. 185, §2º do CPP. O magistrado, por decisão fundamentada, excepcionalmente, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou qualquer outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.

Essa modalidade de interrogatório só pode ser utilizada se ocorrer alguma das hipóteses descritas nos incisos I ao IV do art. 185, §2º do CPP, quais sejam: prevenir risco à segurança pública quando se tratar do interrogatório de réu suspeito de integrar organização criminosa, ou se houver risco de fuga; viabilizar a participação do acusado no interrogatório, caso haja dificuldade de seu comparecimento por motivo de enfermidade ou outra circunstância pessoal; evitar a interferência do réu no ânimo de testemunhas ou ofendido; e por fim, se questões gravíssimas de ordem pública assim o exigirem.  

Távora evidencia que a aplicação do dispositivo é medida extrema, haja vista que o interrogatório, com sua natureza jurídica de meio de defesa, deve ser prioritariamente realizado pessoalmente com o juiz.  A incidência do dispositivo sem justificativa ou com motivação que massacre a possibilidade do interrogatório mediante contato pessoal com o magistrado deverá ser declarada inconstitucional.[35]

Atente-se, ainda, que nessa modalidade de interrogatório, o acusado e seus defensores durante a videoconferência terão direito a comunicação entre si, assegurada por meio de canais telefônicos, para a manutenção do sigilo da conversa, conforme regulamenta o art. 185, §5º do CPP. No mais, o texto legal ainda exige a designação de um defensor para atuar no local em que esteja o preso e outro na sede do Juízo.

Importante frisar também o princípio do direito ao silêncio (nemo tenetur se detegere) que está assegurado no art. 186 do CPP. Nos termos deste artigo, antes de iniciar o interrogatório, deverá o juiz advertir o acusado de seu direito de permanecer calado, sendo que tal silêncio, não resultará em confissão, bem como não trará prejuízo para a sua defesa.

Valioso transcrever a lição de Pacelli:

Com efeito, ao permitir-se, como regra legal, o silêncio no curso da ação penal, o sistema impede a utilização pelo (s) julgador (es), de critérios exclusivamente subjetivos na formação do convencimento judicial. Dessa maneira, procura-se evitar que eventuais hesitações, eventuais contradições, não relevantes, ou, ainda, lapsos de memória ou coisa que o valha, presentes no momento do interrogatório do réu, sirvam de motivação suficiente para o convencimento do juiz ou do tribunal. De outra forma: evita-se o estímulo à cultura do quem cala consente, que não oferece padrões mínimos, seja de ordem psicanalítica, jurídica, espiritual, seja de qualquer outra espécie, para a produção de verdade alguma. [36]

Pacelli continua afirmando que se há o direito a não responder as perguntas, o silêncio em relação a elas, ou a algumas delas, não poderá ser valorado em prejuízo da defesa.  No mais, como não existe uma obrigação legal à aceitação a veracidade do depoimento do acusado, o juiz poderá livremente desconsiderar a idoneidade probatória de uma versão defensiva que não demonstre sentido ou lógica argumentativa, o que acontecerá quando o réu começa a selecionar as perguntas de sua preferência.[37]

Reza o art. 185, §1º do CPP:

O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal.

Esse dispositivo legal visa evitar a fuga do réu preso na ocasião de seu transporte, como também evita o deslocamento de policiais de suas funções normais para escoltar o preso até o fórum. Se satisfeitos os requisitos legais, o interrogatório deverá ser realizado no estabelecimento prisional. É evidente, contudo, que esse dispositivo é difícil aplicabilidade, haja vista a insegurança dos estabelecimentos prisionais.

Observe-se que o interrogatório do réu solto e, se não forem assegurados os requisitos legais, o interrogatório do réu preso será realizado nas sedes dos juízos e dos tribunais, segundo as regras gerais do CPP (art.792, caput do CPP).

Enfim, o juiz poderá realizar novo interrogatório do réu a qualquer tempo, de ofício ou a requerimento das partes, nos termos do art. 196 do CPP.

O procedimento sumário apresenta a seguinte seqüência de atos (arts. 531 a 538 do CPP): oferecimento da denúncia ou queixa-crime; recebimento ou rejeição da denúncia ou queixa-crime; citação do acusado, se recebida a denúncia; resposta à acusação; possibilidade de absolvição sumária; audiência de instrução e julgamento (audiência una); alegações orais e, por fim, a sentença.

Frisando que a audiência de instrução e julgamento segue a mesma sequência de atos do procedimento ordinário, bem como também se aplica aqui as ressalvas atinentes ao interrogatório do acusado do procedimento ordinário.

Por conseguinte, o procedimento sumaríssimo que contém os seguintes atos procedimentais: oferecimento de denúncia ou queixa-crime oral, que deverá ser reduzida a termo; citação do acusado; composição do dano cível ou transação penal pelo Ministério Público, se ainda não foram discutidas em fase preliminar; suspensão condicional do processo, nos crimes de ação penal pública, se ultrapassadas as fases anteriores; audiência de instrução e julgamento (audiência una), se ultrapassadas as fases anteriores e, por fim, a sentença. Neste procedimento deve se observar a Lei nº. 9.099/1995 (arts. 77 a 81).

Por sua vez, na audiência de instrução e julgamento, primeiramente, se observará a manifestação da defesa, após o que o magistrado verificará se receberá ou rejeitará a denúncia ou queixa-crime.

Prosseguindo-se a audiência teremos a oitiva da vítima; oitiva das testemunhas da acusação e depois, as de defesa; o interrogatório do acusado; debates orais (alegações finais orais da acusação e, em seguida, alegações finais da defesa) e, por ultimo, a sentença. No tocante ao interrogatório do acusado também devem ser observadas as mesmas regras do procedimento ordinário.

Resumindo-se, o interrogatório do réu no curso do processo em qualquer uma das espécies do procedimento comum (procedimento ordinário, sumário ou sumaríssimo) será realizado após a produção de prova oral em audiência, observando que as perguntas serão realizadas primeiramente pelo magistrado e, se restar algum fato para ser esclarecido, as partes (acusação e defesa) deverão formular perguntas por meio do magistrado ao acusado.

3.2 O INTERROGATÓRIO DO RÉU NO PROCEDIMENTO DO JÚRI

Antes de qualquer coisa, deve-se conceituar o que se entende por procedimento especial. Segundo Avena é o “procedimento especial é todo aquele que está previsto no âmbito do CPP ou de Leis Especiais para hipóteses legais específicas, incorporando regras próprias de tramitação processual visando à apuração dos crimes que constituem o objeto de sua disciplina” [38]. Observe-se que como exemplos de tal rito têm o procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497 do CPP).

O procedimento do Tribunal do Júri é escalonado, ou seja, é composto de duas etapas: a primeira, chamada de “judicium acusationes”, que abrange os atos praticados desde o recebimento da denúncia até a pronúncia; e a segunda, chamada de “judicium causae”, que abrange os atos situados entre a pronúncia e o julgamento pelo Tribunal do Júri.

A primeira fase (“judicium acusationes”) desenvolve-se perante o juiz singular, observando que, a instrução preliminar é praticamente a mesma do procedimento comum do rito ordinário, contudo, contém alguns atos a mais. No tocante ao interrogatório do acusado deve-se também obedecer às regras contidas nos arts. 185 a 196 do CPP.

Demais, nesta fase o interrogatório também deve seguir o sistema presidencialista, isto é, o juiz deve formular as perguntas para o réu e, depois, se as partes (acusação e defesa) desejarem reperguntar podem fazê-lo. No mais, devem ser observadas as normas gerais do interrogatório do acusado já examinadas.  

Na segunda fase (“judicium causae”), o interrogatório do acusado também é o ultimo ato a ser praticado na instrução, da mesma forma que ocorreu no rito ordinário e sumário. Determina o art. 474 do CPP que o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado, ficando evidente, que aqui não se adota o sistema presidencial.

Frise-se que os jurados formularam perguntas ao acusado por intermédio do juiz presidente. No mais, Feitoza ilustra que o juiz deve ser o primeiro a formular as perguntas no interrogatório, da mesma forma que acontece nos procedimentos ordinário e sumário, por interpretação sistemática.[39]

Logo, na primeira fase do júri não há novidade, deve ser obedecidas às normas gerais do interrogatório do réu. Somente o interrogatório do acusado durante a sessão de julgamento pelo júri (segunda fase) é que as perguntas serão realizadas diretamente pela acusação e defesa, enquanto, eventuais indagações dos jurados ao acusado, permanece a sistemática de que sejam feitas pelo magistrado.

3.3 A CONFISSÃO

Confissão é a admissão por parte do suposto autor da infração, de fatos que lhe são atribuídos e que lhe são desfavoráveis. Confessar é reconhecer a autoria da imputação ou dos fatos objeto da investigação preliminar por aquele que está no pólo passivo da persecução penal. [40]

Na visão de Nucci deve-se “considerar confissão apenas o ato voluntário (produzido livremente pelo agente, sem qualquer coação), expresso (manifestado, sem sombra de dúvida nos autos) e pessoal (inexiste confissão, no processo penal, feita por preposto ou mandatário, o que atentaria contra a segurança do princípio da presunção de inocência)”. [41]

Destaque-se que a confissão igualmente ao interrogatório do réu, também apresenta natureza jurídica de meio de prova, que é admissível para a demonstração dos fatos.

Segundo Julio Fabbrini Mirabete, para que a confissão esteja revestida de regularidade, ela deve obedecer aos seguintes requisitos:

(a) intrínsecos: são requisitos inerentes ao ato, para lhe dar credibilidade e aproveitamento:

- verossimilhança: deve ser aferido se é factível, provável que o fato tenha ocorrido da forma como confessado;

- certeza: provocada no julgador;

- clareza: é a confissão límpida, despida de ambigüidades, contradições ou elementos que possam dificultar o entendimento do ocorrido ou a real vontade do confidente;

- persistência: é a segurança transmitida pela repetição do fato, sem disparidade entre a versão dada inicialmente e as posteriores reproduções;

- coincidência: é a compatibilidade com os demais elementos probatórios existentes nos autos.

(b) formais: são questões de ordem procedimental, para dar validade ao ato:

- pessoalidade: a confissão tem que ser feita pelo próprio réu. Não poderá fazê-lo por intermédio de interposta pessoa ou por procurador, mesmo que este possua poderes especiais. Em havendo co-réus, a confissão de uns não vincula os demais;

- ser expressa: no processo não há que se falar em confissão ficta ou tácita;

- ser feita à autoridade competente;

- ser livre e voluntária: não se admite coação na realização da confissão. A tortura ou a intimidação levam ao reconhecimento da ilicitude da prova;

- higidez mental do confidente: só podem confessar as pessoas que tenham a devida capacidade de entender e querer. [42]

A doutrina apresenta diversas classificações no que diz respeito à confissão, contudo, Avena destaca as mais comuns e demonstra as que podem apresentar importância prática, elas são:

(I) Quanto ao momento:

a) Confissão extrajudicial: é aquela que não é realizada perante o juízo, podendo constar nos auto de inquérito policial, nas consignações em termos redigidos pelo Ministério Público, nas comissões parlamentares de inquérito, nas sindicâncias administrativas etc. Apresenta pouco valor probatório, apenas podendo ser utilizada como fundamento para a condenação se corroborada por provas contundentes que tenham sido colhidas em juízo sob o crivo do contraditório.

b) Confissão judicial: realizada perante o juiz, ocorre, normalmente, na oportunidade do interrogatório, embora nada impeça venha a ser realizada em outro momento no curso do processo. Possui, evidentemente, maior valor probante do que a confissão realizada extrajudicialmente. Não obstante, seu valor não é absoluto, apenas se prestando para embasar o juízo condenatório se compatível e concorde com as demais provas, nos termos do art. 197 do CPP.

(II) Quanto à natureza:

a) Confissão real: diz-se, aqui, a confissão efetivamente realizada pelo investigado ou réu, perante a autoridade, revelando ele a autoria, circunstâncias e motivação do delito cometido.

b) Confissão ficta: assim considera-se a confissão decorrente de ficção jurídica, decorrente de uma ação ou omissão prevista em lei como, por exemplo, a confissão decorrente da revelia ou do silêncio do réu. Não é reconhecida como prova no direito processual penal brasileiro, não tendo sido recepcionada pela Constituição Federal a última parte do art.198 do CPP, cuja redação, inclusive, poderia ter sido modificada por meio da Lei nº. 10.792/2003, tal qual ocorreu em relação ao art.186, que continha norma de semelhante teor.  

(III) Quanto à forma:

a) Confissão escrita: é aquela realizada pelo próprio réu por meio de cartas, bilhetes ou qualquer documento escrito que venha a ser juntado aos autos, ou, então, por meio de petições redigidas pelo advogado reconhecendo total ou parcialmente à acusação inserta à inicial acusatória, embora invocando, como é necessário (sob pena de nulidade processual por falta de defesa), excludentes, minorantes ou privilegiadoras em seu favor.

b) Confissão oral: é aquela que decorre de verbalização do réu perante o juiz ou é registrada por meio de interceptações telefônicas ou ambientais. A licitude, aqui, depende da observância das normas constitucionais que protegem a intimidade e a privacidade.

(IV) Quanto ao conteúdo:

a) Confissão simples: é aquela em que o réu limita-se a admitir como verdadeiros os fatos que lhe são atribuídos, reconhecendo, enfim, a sua responsabilidade criminal.

b) Confissão qualificada: é aquela em que o autor da infração penal, embora atribua a si a prática da infração penal que lhe está sendo imputada, agrega, em seu favor, fatos ou circunstâncias que excluem o crime ou que o isentem de pena. [43]   

Preconiza o art. 197 do CPP:

O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

Depreende-se da leitura deste artigo que a confissão deixa de ter força probante absoluta e, passa a ter valor relativo, o que ocorre com os demais meios de prova, devendo o juiz fazer a valoração desta prova.

Por fim, cabe ressaltar que o art. 200 do CPP informa que a confissão pode ser divisível e retratável. A característica da divisibilidade significa que a confissão pode ser desmembrada, isto é, o magistrado pode considerar verdadeira uma parte e desconsiderar o restante.

A retratabilidade quer dizer que a lei admite que o réu confesse em juízo e, depois desminta o que afirmou anteriormente. Assim, o juiz deverá confrontar a retratação e a confissão, a fim de verificar qual delas irá prevalecer.

Frise- se, ainda, que é possível que a retratação não convença o magistrado, que poderá tomar como verdade o que foi dito anteriormente, isso ocorre em razão do seu livre convencimento. Não se olvidando que a retratação não vincula o juiz.

3.4 A DELAÇÃO PREMIADA

Avena compreende delação premiada “como o benefício concedido ao criminoso que denunciar outros envolvidos na prática do mesmo crime que lhe está sendo imputado, em troca de redução ou até mesmo isenção de pena imposta. Trata-se, em verdade, de uma hipótese de colaboração do criminoso com a justiça.” [44] Nesse sentido, complementa:

Para alguns, a delação premiada traduz-se como um procedimento eticamente censurável, já que induz à traição. Além disso, implicaria rompimento ao sistema da proporcionalidade da pena, permitindo a punição diferente de indivíduos acusados do mesmo crime e com o mesmo grau de culpabilidade. Particularmente, não concordamos com esse entendimento, aderindo à corrente que vislumbra no instituto um mecanismo de combate à criminalidade organizada e que, bem empregada, servirá de instrumento importante na busca da verdade real. [45]

No direito brasileiro, a delação premiada está prevista em diversas leis, mas neste estudo somente se analisará o tema no que diz respeito à Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006).

O art. 41 do referido diploma legal nos informa que o indiciado ou o acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá a pena reduzida de um terço a dois terços.

A respeito do tema, Pacelli vislumbra:

Embora nada se esclareça a esse respeito, pensamos que, ao contrário do que confusamente o fazia a Lei nº 10.409/02, a atual deleção premiada para o crime de tráfico tem configuração muito mais próxima de uma verdadeira causa de diminuição de pena, impondo-se ao juiz, independentemente de sua concordância. Trata-se de norma imperativa, atributiva de direito subjetivo ao réu, bastante seja demonstrada a sua efetiva participação, tanto no curso da investigação quanto na ação penal. [46]

A Suprema Corte brasileira não tem objeções quanto à constitucionalidade da delação premiada, conforme se verifica:

Penal. Processual Penal. Habeas Corpus. Acordo de Cooperação. Delação Premiada. Direito de saber quais as autoridades participaram do ato. Admissibilidade. Parcialidade dos membros do Ministério Público. Suspeitas fundadas. Ordem deferida na parte conhecida. I- HC parcialmente reconhecido por ventilar matéria não discutida no tribunal ad quem, sob pena de supressão da instância. II- Sigilo do acordo de delação que, por definição legal, não pode ser quebrado. III- Sendo fundadas as suspeitas de impedimento das autoridades que propuserem ou homologaram o acordo, razoável a expedição de certidão dando fé de seus nomes. IV- Writ concedido em parte para esse efeito. [47]

Para se aplicar esse instituto é necessário a existência de inquérito instaurado com o respectivo indiciamento, ou processo criminal já deflagrado; a voluntariedade do agente; e por fim, a obtenção de certos resultados, de forma cumulativa, quais sejam: identificação dos demais infratores e recuperação total ou parcial do produto do crime.

O delator deverá informar o nome de todos aqueles de que tem conhecimento do crime e, também, deve-se considerar a vontade do delator em colaborar com a Justiça em entregar todos os seus comparsas, observando que, mesmo que este desconheça toda a ramificação criminosa, ele será beneficiado. No mais, a apreensão total ou parcial da substância entorpecente satisfaz o diploma legal.

Sobre a autora
Annelise Freitas Macedo Oliveira

Advogada. Especialista em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera - Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Annelise Freitas Macedo. A inconstitucionalidade do interrogatório do réu realizado antes da instrução criminal no procedimento da Lei de Drogas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4168, 29 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30743. Acesso em: 23 dez. 2024.

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