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Legalidade do CDI em contratos financeiros - Súmula 176 do STJ.

Movimento cíclico do retrocesso jurisprudencial e suas causas

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Agenda 26/01/2015 às 17:14

O tema central do presente estudo é a Súmula 176 do Superior Tribunal de Justiça, seu contexto de edição e a forma aparentemente cíclica com que a sua aplicação em situações concretas tende a falhar no transcurso do tempo em decorrência de alguns fatores .

O tema central do presente estudo é a Súmula 176 do Superior Tribunal de Justiça, seu contexto de edição e a forma aparentemente cíclica com que a sua aplicação em situações concretas tende a falhar no transcurso do tempo em decorrência de alguns fatores que serão também abordados nesta oportunidade.

Referido verbete produzido pelo STJ versa no seguinte sentido:

Cláusula Contratual - Taxa de Juros

É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID-CETIP.”

Como se pode inferir da mera leitura de sua transcrição, a mesma, prima facie e em interpretação meramente literal, não se apresenta como o primor da redação jurídica, a qual, dentre outras premissas, deve sempre se pautar na “univocidade” de termos empregados, sob pena de perdimento de seu sentido real e desejado, o que compromete a tutela do bem jurídico que é seu objeto remoto.

Da redação equívoca e da obscuridade dos termos utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça para estabelecer a orientação jurisdicional pretendida, se vislumbra de logo a possibilidade de uma dificuldade de aplicação prática do teor programático da Súmula 176 e isso se alia à data em que fora a mesma editada e publicada, o que se deu em idos de 1996 (06.11.96). 

Assim, já há, de logo, uma má técnica na redação empregada que compromete ou “promete comprometer” a correta aplicação da mensagem real arraigada na súmula editada.

Sua antiguidade, ainda, aos seus quase 18 (dezoito) anos de existência, é outro fator que se apresenta como empecilho à sua correta aplicação por conta do perecimento no tempo de seu “contexto de edição”, ou seja, pela não discussão atualmente da matéria que se discutiu um dia de forma tão recorrente a ponto de gerar a edição de tal instrumento programático de jurisdição.

Nesse momento, o próprio texto nos traz a necessidade de conceituar o instituto jurídico da “súmula”:

“Uma súmula é um verbete que estampa a interpretação sedimentada sobre determinado assunto pelo tribunal que a edita, sendo instrumento programático para obtenção de razoável segurança jurídica, pois com ela se pretende a uniformização da jurisprudência sobre o tema; e para publicização do entendimento do tribunal sobre a matéria objeto de cada súmula.” (definição do autor).

Tem-se, então, dois grandes fatores que desfavorecem a aplicação correta da mensagem real arraigada na Súmula 176 do STJ, quais sejam: (i) má técnica de redação empregada e (ii) perdimento de seu contexto de edição.

Levando em consideração ambos os fatores mencionados, não era difícil prever que, em algum momento a Súmula 176 do STJ poderia passar a ser mal empregada. O momento chegou.

Desde o início de 2011, pode-se apurar uma inclinação dos Tribunais Estaduais, com maior proeminência do Tribunal de Justiça de São Paulo em deturpar, muito provavelmente de forma não intencional, a mensagem arraigada na súmula em questão, produzindo julgamentos exatamente contrários a ela, sem ao menos ser notado pelos magistrados que tal dinâmica passou a imperar.

Para explicar o que houve antes de 1996 e até aquele momento para levar o STJ a produzir o verbete objeto deste estudo; de que modo a interpretação foi pacificada e em que sentido pela súmula em evidência; e de que forma está ocorrendo a deturpação de seu sentido na aplicação em casos concretos nos dias atuais é necessário partir da efetiva e real mensagem da súmula.


Necessárias conceituações

Para que se torne viável a remontagem do contexto de edição da súmula em evidência, necessário conceituar que Certificados de Depósito Interbancário (“CDI”) são os títulos de emissão de instituições financeiras que lastreiam as operações no mercado interbancário e têm como função transferir recursos de uma instituição financeira para outra.

As operações acima indicadas são reguladas pela Resolução do Conselho Monetário Nacional (“CMN”) n.? 3.399, de 29 de agosto de 2006, e pela Circular do Banco Central do Brasil (“BACEN”) n.? 2.190, de 25 de junho de 1992, alterada pela Circular BACEN n.? 3.126 de 12 de junho de 2002.

Indigitadas operações financeiras tem lugar fora do âmbito de atuação do BACEN e devem ser registradas e liquidadas financeiramente em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizados pelo BACEN ou no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (“SELIC”).

Ressalta-se que antes da edição da Circular BACEN n.? 3.126, de 12 de junho de 2002, as operações de depósito interfinanceiro somente podiam ser registradas e liquidadas nos terminais da Central de Custódia e Liquidação Financeira (“CETIP”).

A “Taxa DI” se traduz, portanto, na média das taxas dos CDIs lançados no terminal da entidade de registro e liquidação financeira em um dado período. Nesse sentido, antes da Circular BACEN n.? 3.126, existia somente o terminal da CETIP para registro e liquidação, sendo essa a primeira instituição a divulgar a referida taxa média dos CDIs lançados em seu terminal, e servindo, assim, como parâmetro para os demais investimentos do mercado financeiro lastreados em tal referencial.

Esclarecido com precisão o que é, qual a origem e a que dinâmicas externas e internas do mercado financeiro obedece a “Taxa DI”, estão presentes as ferramentas de conhecimento necessárias para descortinar o contexto e real sentido da infelizmente mal redigida Súmula n.º 176 do Superior Tribunal de Justiça.

Importante, entretanto, antes de iniciar, ter em mente que se trata aqui de uma súmula editada pelo Superior Tribunal de Justiça por motivação análoga a todas as súmulas que são editadas pelo Tribunal em questão: reiterada litigância judicial sobre o tema central, o que compreende argumentações proeminentes para ambas as teses, que são importantes para remontar o contexto de edição da súmula; e necessidade de cumprimento do papel do Superior Tribunal de Justiça no contexto do Estado Democrático de Direito de assegurar a melhor interpretação legal sobre o bem jurídico tutelado pela súmula e se valer do verbete para expandir a segurança jurídica sobre o tema sumulado, visando à uniformização interpretativa.


Contexto de edição da Súmula 176 do STJ e seu sentido real

A Súmula n.º 176 foi editada em outubro de 1996 e teve como base processos nos quais se questionava, em sua maioria, a utilização da taxa de juros apurada e divulgada pela ANBID/CETIP, para a atualização dos encargos financeiros de títulos de créditos rurais (Nota de Crédito Rural e a Cédula de Crédito Rural), emitidos em favor do Banco do Brasil, ficando na posição de credor das cártulas, portanto.

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Cumpre anotar que as Cédulas de Crédito Rural possuem dinâmica diferente de produtos bancários mais maleáveis como as Cédulas de Crédito Bancário. Dentre as diferenças que se apresentam temos, por exemplo, a aplicabilidade da  Lei da Usura que estabelece a limitação em 12% ao ano dos juros de mora de dívidas decorrentes do inadimplemento da cédula rural, o que não se transporta para a maioria dos produtos financeiros de varejo e atacado. Confira-se:

“A cédula de crédito industrial, no pertinente aos juros, tem a mesma disciplina da cédula de crédito rural, de maneira que lhe é aplicável a jurisprudência que se formou no STJ, a propósito de incidir a limitação de 12% da Lei da Usura, à míngua da autorização do Conselho Monetário Nacional.” (STJ, REsp 187.579/RS, 3ª T., rel. Min. Costa Leite, DOU 18.12.1998, constante em jurisprudência – ADV – Advocacia Dinâmica, Boletim Semanal n. 18, maio de 1999, p. 281).

“Por ausência de deliberação do Conselho Monetário Nacional , a taxa de juros remuneratórios está limitada em 12% ao ano para as cédulas de crédito rural, comercial e industrial.” (AgRg no REsp 241.834/PR, 3ª T., j. 18.08.2005, DJU 12.09.2005).

Outra exigência específica da Cédula de Crédito Rural é seu registro perante o Cartório de Registro de Imóveis para validade perante terceiros, na forma do artigo 30 do Decreto-lei 167/1967 e também no artigo 167, inciso I, 13, da Lei 6.015/73, algo completamente apartado dos produtos financeiros mais corriqueiros, do que se extrai que um fenômeno incidente sobre essa espécie de cédula não poderia ser utilizada como via de regra para parâmetros gerais.

As cláusulas desses títulos estipulavam sujeição de juros moratórios – e não os remuneratórios - atualizados pela taxa divulgada pela ANBID/CETIP, de maneira que, nesse cenário, os devedores do Banco do Brasil questionavam o seguinte:

  1. a utilização da taxa de juros fixada pela ANBID violava o artigo 115 do antigo Código Civil de 1916, visto que trata-se de condição potestativa em que sujeita o devedor ao livre arbítrio do credor;
  2. a estipulação de taxa flutuante com base em taxa fixada pela ANBID/CETIP violava a Resolução CMN n.? 1.143, de 26 de junho de 1986, e a revogada Circular BACEN n.? 1.493,  de 07 de junho de 1989; e
  3. a utilização da Taxa DI ANBID não poderia ser usada como referência de juros moratórios, pois ultrapassaria o limite legal de 1% (um por cento) ao mês.

O primeiro argumento utilizado pelos emissores dos títulos defendia que a utilização da taxa de juros divulgada pela ANBID, associação de classe das instituições financeiras constituída para defender os interesses destas, violaria o artigo 115 do Código Civil brasileiro de 1916, transcrito abaixo:

“Art. 115. São lícitas, em geral, todas as condições, que a lei não vedar expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes.”

O Superior Tribunal de Justiça então se inclinou no sentido de não concordar que a ANBID é uma associação com personalidade jurídica distinta da do seu associado e que, mesmo não sendo parte da relação contratual, não poderia ser responsável pela fixação da taxa de juros incidentes sobre os encargos financeiros, dado que a estipulação dos juros estaria de alguma forma unilateralmente estabelecida por uma das partes.

O vigente Código Civil reproduziu o mesmo artigo do antigo código utilizado como fundamento para questionar a utilização da taxa de juros, conforme transcrito abaixo.

“Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.”

Apesar da quase perfeita reprodução do artigo que fundamentou o questionamento mencionado acima, percebe-se que, pela leitura dos processos que originaram a súmula, em nenhum momento houve pronunciamento formal do Superior Tribunal de Justiça no que se refere à possível vedação da utilização da taxa fixada pela CETIP para cálculo dos eventuais encargos remuneratórios em operações de crédito.

O segundo argumento pontuado se funda na Resolução CMN n.? 1.143, de 26 de junho de 1986, e na revogada Circular BACEN n.? 1.493, de 07 de junho de 1989, para alegar que as taxas flutuantes não podem ser fixadas por órgãos privados, sendo de exclusiva competência do BACEN a fixação das taxas de juros de tal natureza no âmbito do mercado financeiro brasileiro, conforme artigos transcritos a seguir.

Inciso I da Resolução CMN n? 1.143, de 26 de junho de 1986:

“Autorizar as instituições financeiras a realizar operações ativas e  passivas  a taxas flutuantes (variáveis), que poderão ser reajustadas em períodos fixos, desde que tais  operações tenham prazo igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias.”.

Alínea “c”da Circular BACEN n? 1.493, de 07 de junho de 1989:

“permitir seja utilizada, como parâmetro para base do reajuste periódico das taxas previsto na alínea "b" do item IV da citada Resolução, a taxa média de captação por Certificados de Depósitos Bancários, com prazo de 30 (trinta) ou 60 (sessenta) dias, conforme a remuneração ou atualização prevista na alínea  anterior, apurada por este Banco Central e divulgada por entidade por ele credenciada, ou de outra taxa referencial de fácil aferição e de conhecimento público.”.

O que se pode concluir, portanto, é que as instituições financeiras podem, sim, licitamente estipular taxas de juros remuneratórios pós-fixados com base em taxa referencial definida pela ANBID ou pela CETIP.

A evolução da legislação e da interpretação jurisprudencial, outrossim, corrobora a certeza de que as instituições financeiras podem realizar operações ativas com taxas flutuantes fixadas por entidades privadas, tendo em vista a revogação da Circular BACEN n.? 1.493, bem como pelo disposto no artigo 3º da Circular n.º 2.905, de 30 de junho de 1999, conforme transcrito abaixo:

“Art. 3º Fica liberado o prazo mínimo das operações ativas e passivas realizadas no âmbito do mercado financeiro com remuneração contratada com base em taxas flutuantes, na forma admitida pela Resolução nº 1.143, de 26 de junho de 1986

Parágrafo único. A taxa flutuante a que se refere este artigo deve:

 I – ser regularmente calculada e de conhecimento público; e

II - basear-se em operações contratadas a taxas de mercado prefixadas, com prazo não inferior ao período de reajuste estipulado contratualmente.”

 Nesse sentido, resta mais do que claro que no contexto de edição da Súmula n.º 176 do Superior Tribunal de Justiça, bem como, por conseguinte, no verbete a ser produzido, se pretendia indicar como posicionamento a ser seguido por todo o Judiciário Estadual de que as instituições financeiras podem utilizar taxas de juros variáveis desde que essas taxas tenham cálculo regular e de conhecimento público, bem como tenham como base operações contratadas a taxa de mercado – o que é justamente o caso do CDI e respectiva Taxa DI”.

Nesse sentido, foram cunhados julgados na Justiça Estadual até meados do ano de 2011 em que se zelou pela interpretação acima, programaticamente trazida ao mundo do Direito pelo Superior Tribunal de Justiça. Confira-se, para ilustração, um acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que assim versa:

“REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO – Contrato de crédito bancário consubstanciado em cédula de crédito bancário – Impossibilidade de vedação a capitalização com prazo inferior a 01 ano – Título executivo extrajudicial por definição legal – Dicção da Medida Provisória 2.160/01 e do artigo 28 da Lei nº. 10.931/04 – Reconhecimento da utilização dos CDI’s como índice de atualização monetária – Demonstração pericial de inexistência de ganho impróprio pela instituição financeira – Ação improcedente – Sentença reformada – Recurso provido.” (TJSP, Apelação Cível nº. 0176593-31.2007.8.26.0100, 13ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Heraldo de Oliveira, j. 02.02.2011).

Referida súmula, então deveria produzir a uniformização do entendimento de acima esposado, trazendo maior garantia ao Sistema Financeiro Nacional e assim foi-se em 1996 entendido pelo Superior Tribunal de Justiça, pelos Tribunais Estaduais, pelos membros do Ministério Público, pelos Advogados e principalmente pela peça chave desse bem jurídico tutelado: as instituições financeiras.


Consequências da edição da súmula

Atendendo a seu propósito específico, a súmula trouxe boa capacidade de uniformização de entendimento sobre a matéria tutelada que, como se pôde perceber até o momento, é de simplicidade visível.

Com essa nova realidade os banqueiros, dirigentes das instituições financeiras atuantes no país, se sentiram seguros para expandir o potencial de utilização da “Taxa DI” no mercado financeiro brasileiro.

De 1996 até o presente momento, o crescimento da utilização do CDI como índice remuneratório contratual de instrumentos de mútuo, das mais diversas modalidades, foi franco e visível, sendo que a segurança trazida pela Súmula n.º 176 do Superior Tribunal de Justiça no contexto de um país como Brasil, em que a segurança jurídica vem sendo cada dia, cada mês, cada ano, em maior escala diminuída, promovendo um “apequenamento” das instituições do Estado Democrático de Direito Brasileiro, era muitíssimo necessário e relevante para atividade financeira no país.

Assim, em um país de muitas incertezas jurídicas, uma tábua de salvação, de interpretação límpida e reconhecidamente específica favoreceu a escalada da utilização de um índice que era agradável aos banqueiros atuantes no país.

Atualmente, a imensa maioria dos contratos financeiros emitidos/celebrados no Brasil possui a Taxa DI como índice remuneratório eleito, assim como muitas das negociações diárias entre casas bancárias e seus clientes são tidas sob a égide de um spread lastrado no CDI.

 É certo que o mercado costuma possuir, de acordo com o contexto vivido e conveniência, alguns índices chaves, que funcionam como instituições consolidadas no âmbito mercadológico na qual tanto o banqueiro, como o tomador do crédito, as partes efetivas dos contratos financeiros, possuem confiança.

A Taxa DI se tornou uma delas e no âmbito do middle market, que se vale de mútuos para fomento de atividade empresarial, sem qualquer medo de errar se pode afirmar ser o indexador base de toda e qualquer negociação financeira desse nicho de mercado: se o contrato não está indexado no CDI, ele já o foi, ele o será em aditamento, a Taxa DI já foi objeto de discussão para escolha de outro índice eleito e, no caso de inadimplência ele voltará à mesa em uma renegociação.

Portanto, a principal consequência da edição da Súmula 176 do Superior Tribunal de Justiça, certamente é a consolidação da Taxa DI como base do mercado financeiro brasileiro e o crescimento do sistema financeiro escorado também nesse alicerce.


Deturpação do sentido da Súmula 176 do STJ e suas razões

Como se pode intuir, a escalada da utilização da Taxa DI possui base histórica e técnica e se sustenta por si.

O que também se pode intuir é que uma balo a essa consolidação depois do alastramento de sua utilização hodierna no horizonte pode gerar severas consequências e nenhuma é análoga à “estabilidade”.

Em idos de 2011 começaram a surgir precedentes em tribunais estaduais, sendo certo que nossa abrangência máxima se dará no Estado de São Paulo, que inegavelmente é termômetro para o sistema financeiro nacional.

Referidos precedentes advieram de um entendimento dos desembargadores dos tribunais estaduais, desembargadores esses que não vivenciaram as vicissitudes do avivamento da discussão acerca da Taxa DI, por não serem vivos ou por não viverem a vida de desembargador em 1996 e anos anteriores.

Como já frisado, são dois os grandes fatores que geram a aplicação equivocada da Súmula 176 do STJ: (i) má técnica de redação empregada e (ii) perdimento de seu contexto de edição.

O perdimento desse contexto histórico-técnico, como já se pôde vislumbrar foi o fato de que, em palavras nuas e cruas: quem julga hoje, não sabe porque a Súmula 176 foi criada ontem.

O desembargador de hoje ainda estava nos bancos universitários, no segundo grau, ou ainda meramente estudando para seu concurso público em 1996. Não obstante, ainda que empossado estivesse, poderia estar em uma vara criminal, em um acúmulo de funções de início de carreira, ou em comarca afastada na qual as preocupações são mais carnais.

De qualquer modo, notório que os desembargadores que hoje violam a Súmula n.º 176 do STJ justamente sob o argumento antagônico de a fazer valer em seus termos, o que é uma contradição das mais notórias.

Embora notória a contradição o desembargador não a detecta o que prova: realmente se trata de falta de conhecimento.

Na análise por amostragem de grande número de arestos proferidos em segunda instância pelo Tribunal de Justiça Paulista, nenhuma vez logrou-se verificar a visualização por parte de cada venerando julgador de qualquer viés diverso do que efetivamente respaldou a edição do verbete vestibular, do que se infere a inviabilidade de se aventar que se vivenciaria o vislumbre de um nova tese de vanguarda. Não, nenhuma vez se viu, só há vazio.

Todos os acórdãos possuem as mesmas argumentações e todos rumam no sentido de afirmar que a Súmula 176 veda a indexação de contratos financeiros (todos e quaisquer) pelo índice do CDI, a Taxa DI, o que, como se viu, não é verdade, portanto se traduz em ilegalidade.

O segundo grande componente da tônica que gera a ilegalidade da súmula em evidência é a má técnica de redação empregada para dar corpo ao verbete.

Não há muito o que se explicar que não a mera necessidade de novamente se ler o conteúdo da súmula para se verificar que são muitos os operadores do Direito que terão dificuldade em dar o sentido correto à sua inscrição.

Nos termos do artigo 11, inciso II, alíneas “a”, “c” e “e”, da Lei Complementar n.º 95 de 26.02.1998:

“Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas: (...)

II - para a obtenção de precisão:

a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma; (...)

c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto; (...)

e) usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado; (...)”   

Certamente uma súmula não se equipara a uma lei, mas se se pretende por intermédio dela algo análogo ao que se intenta com uma lei (garantir um direito), a redação técnica exigida não pode ser menos criteriosa que a redação da própria lei.

No dia a dia do Poder Judiciário atual, macrocéfalo, sucateado e que tem como maior exigência a agilidade e não a realidade, muito dificilmente algum magistrado buscará pelo “contexto de edição da súmula 176 do STJ”, se lhe for desconhecido o sentido correto do verbete. Acabará ele por buscar “qual a taxa de juros divulgada pela ANBID-CETIP”.

Fazendo esse nocivo exercício mais célere descobrirá que ela é a “Taxa DI” e assim o ciclo de ilegalidade se confirma.

 A combinação da má técnica da redação da Súmula 176 do STJ, somada ao perdimento de seu contexto de elaboração, gerou os precedentes que interpretam de forma diametralmente oposta à lei e ao entendimento correto emanado pelo órgão competente para pacificar o entendimento sobre a questão, e se a oposição é diametral, total à lei, não se trata de entendimento, mas sim de ilegalidade.

Tal ilegalidade pode ser notada nos precedentes abaixo transcritos, todos da lavra do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferidos nas datas que constam em suas referências:

DEMANDA REVISIONAL C.C. PEDIDO DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - A garantia fiduciária não guarda proporcionalidade idêntica ao débito, cabendo aos devedores restituírem eventuais créditos. Obrigações recíprocas, firmadas em atenção ao princípio da autonomia da vontade Inaplicabilidade da Lei nº 8.078/90 ao caso concreto, por não se tratar da relação de consumo. A capitalização dos juros é permitida nos termos do inciso I, do §1º, do artigo 28 da Lei nº 10.931/04. Os encargos cobrados foram especificamente previstos no contrato bancário A utilização do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), para a correção monetária do débito é ilegal Cláusula nula de pleno direito. Cabimento da restituição, nos termos do artigo 876 do Código Civil Brasileiro Pré-questionamento. É desnecessária a menção explícita a todos os dispositivos legais citados pelos recorrentes. Demanda julgada improcedente. Decisão reformada. Recurso parcialmente provido. (...) Por outro lado, o Certificado de Depósito Interbancário constitui índice que reflete o custo de aquisição de fundos no mercado interbancário, cuja taxa é fixada pela CETIP/ANBID. Acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 176, que estabelece: ‘É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP’. Dessa forma, ante a vedação estabelecida pela supracitada Corte, referido índice foi ilicitamente aplicado pela instituição financeira, porquanto deverá ser restituído, nos termos do artigo 876 do Código Civil Brasileiro. (...) PELO EXPOSTO, dá-se parcial provimento ao recurso, apenas para excluir a aplicação do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), como índice aplicável à correção monetária da dívida. (...)” (grifou-se). (TJSP – Apelação n.º 0131079-50.2010.8.26.0100, 18ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Carlos Alberto Lopes, j. em 25.09.13, p. em 04.10.13).

“EMBARGOS À EXECUÇÃO - Pretensão do apelante de indexação pelo extra-grupo CDI Certificado de Depósito Interbancário (também denominado Certificado de Depósito Interfinanceiro), divulgada pela ANDIB/CETIP - Afastamento - Indexador utilizado nas relações interbancárias - Incidência da Súmula 176, do Superior Tribunal de Justiça - Recurso Improvido”. (TJSP. Apelação n° 0000115-42.2010.8.26.0011. 16ª Câmara da Seção de Direito Privado. Des. Rel. Luís Fernando Lodi. J. 05.05.2013.)

Sobre o autor
Igor Guilhen Cardoso

Igor Guilhen Cardoso, membro da Ordem dos Advogados do Brasil sob n.º OAB/SP 306.033, bacharel em direito pela Faculdade de Direito Mackenzie, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD), com curso de extensão em Finanças pela University of Michigan (EUA), membro colaborador do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados em Processo), advogado coordenador do Contencioso Cível do escritório David e Aniceto Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Igor Guilhen. Legalidade do CDI em contratos financeiros - Súmula 176 do STJ.: Movimento cíclico do retrocesso jurisprudencial e suas causas . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4226, 26 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30801. Acesso em: 17 nov. 2024.

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