Possíveis consequências para o Sistema Financeiro Nacional
Antes mesmo de discorrer sobre as consequências que afligirão o sistema financeiro nacional e a economia brasileira como um todo, de rigor a valia, aqui, das palavras do Professor Arnaldo Rizzardo em seu livro Contratos de Crédito Bancário acerca da essencialidade das instituições financeiras em um cenário de desenvolvimento nacional:
“Basicamente, grande parte das atividades produtivas depende do crédito. O progresso e a expansão do comércio e da indústria são movidos pelos empréstimos, que munem os mais variados setores da economia de meios para alcançar os objetivos a que se destinam.
Possibilita o crédito a própria existência das indústrias e do comércio.
Na maioria das vezes, as pessoas físicas ou jurídicas comerciais ou industriais não têm meios próprios para atender as constantes demandas de aperfeiçoamento e expansão no ramo em que atuam. É o crédito que move a engrenagem para alcançar tais objetivos, o qual tem no banco o seu principal elemento técnico propulsor. Não se destina a criar riquezas, mas a possibilitar a sua circulação e acumulação (...)
O banco promove a industrialização do crédito , o favorecimento da circulação de riquezas e enseja as condições de consolidação das poupanças individuais (...)” (Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, pág. 17)
Assim, se as instituições financeiras desempenham papel fundamental no seio da sociedade e servem como uma espécie de “muleta” para seus indivíduos, existindo como meio realizador de uma projeção de futuro idealizada por eles; de logo se intui a capacidade destrutiva para a própria coletividade de consequências negativas que aflijam essa engrenagem, que além de violar as projeções futurísticas acabarão por prejudicar o estado presente dos mesmos indivíduos.
No caso de um dano a um instituto base das engrenagens principais do sistema financeiro e mais próximas dos indivíduos que delas se valem, os bancos, a projeção de futuro dá meia volta e confronta o presente dos protagonistas das projeções.
Sob essa premissas, a primeira consequência da interpretação errônea da Súmula n.º 176 do Superior Tribunal de Justiça é a instabilidade das relações jurídicas do mercado financeiro lastreadas na Taxa DI, ou seja, uma grande parcela dessas relações.
Admissão de recursos especiais e início do movimento de ascendência recursal sobre o tema
É certo que essa instabilidade interpretativa nasceu de Ações Revisionais de contratos bancários em que, desde antes de 1996 se questionava a ilegalidade da indexação de contratos financeiros na Taxa DI (e assim se continuará questionando).
As ações revisionais tem sempre um ideário muito fraco, desprovido de razões e desatendido pelo direito, além de prolixo, sendo duas suas pretensões principais: atrapalhar e tentar a sorte.
Quando há uma falha na interpretação sedimentada acerca de uma questão objeto de ações revisionais de contratos bancários a sorte pode sorrir.
Muitas foram as ações revisionais e os embargos à execução, que apesar de possuir rol taxativo de matérias a abordar sempre mesclam seu escopo com pretensões de revisão, que ganharam nova tônica a partir de 2011 e notadamente em maior número em 2013 e 2014, denotando-se a consolidação do entendimento ilegal nos Tribunais Estaduais, tiraram os advogados da rotina com a declaração da ilegalidade de indexação de contratos financeiros, tais quais Cédulas de Crédito Bancário, por exemplo, pelo CDI e a Taxa DI.
Como reação natural, tendo em vista que a maior movimentação rumo à ilegalidade decorre de conduta dos Tribunais Estaduais, os advogados das instituições financeiras manejaram recursos especiais contra os acórdãos que ilegalmente declaravam a ilegalidade em evidência, pela alínea “c” do permissivo constitucional, escancarando a divergência jurisprudencial diametral em casos idênticos.
Referida ascendência recursal se deu no processo em que proferida a decisão abaixo transcrita, o mesmo caso concreto em que proferida a decisão que declarou ilegal a indexação de Cédula de Crédito Bancário da Taxa DI de relatoria do Desembargador Carlos Alberto Lopes (1º precedente do tópico Deturpação do sentido da Súmula 176 do STJ e suas razões):
“Trata-se de Recurso Especial no qual se alega dissídio jurisprudencial. O recurso reúne condições de admissibilidade. De fato, cumpridas as exigências legais e regimentais, nos moldes preconizados nos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, e inexistindo qualquer óbice sumular, restou demonstrada a aparente similitude de situações com soluções jurídicas diversas entre o entendimento esposado pelos doutos julgadores e o adotado no paradigma apresentado para confronto. A propósito: ‘(...) no que se refere ao dissídio jurisprudencial, cabe salientar o cabimento do recurso especial, na hipótese elencada no artigo 105, inciso III, alínea "c", da Constituição Federal, quando a decisão recorrida der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal, com a finalidade de possibilitar a uniformização da jurisprudência dos Tribunais do país acerca da interpretação da legislação infraconstitucional. Para tanto, o recorrente deverá comprovar a divergência, com base no artigo 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil, e no artigo 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça’ (recurso especial 1.249.691/SP, relator o ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 26/04/2013). ‘(...) o dissenso deve ser comprovado por certidão, ou cópia autenticada, ou citação do repositório de jurisprudência oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte’ (recurso especial 695.571/RJ, relator o ministro FERNANDO GONÇALVES, DJe 20/11/2009). Para a admissão do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional, torna-se imprescindível a indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos do aresto recorrido com os do acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ) (agravo regimental no agravo de instrumento 1.357.066/RS, relator o ministro RAUL ARAÚJO, DJe 22/06/2011). Assim, competindo ao egrégio Superior Tribunal de Justiça aferir a eventual ocorrência de divergência entre Tribunais e tendo sido constatada a presença dos demais pressupostos recursais, afigura-se recomendável a abertura da instância especial para que sobrevenha o julgamento da questão de direito sub judice. Ante o exposto, admito o recurso especial pelo artigo 105, inciso III, alínea c, da Constituição Federal. Subam os autos, oportunamente, ao egrégio Superior Tribunal de Justiça, observando a Secretaria as formalidades legais.” (grifou-se). (TJSP – Recurso Especial n.º 0131079-50.2010.8.26.0100, 18ª Câmara de Direito Privado, Des. Artur Marques da Silva Filho, Presidente da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça, j. em 11.07.2014).
Tais admissões, portanto, levarão à apreciação direta do Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pela edição da Súmula 176 e que será confrontado com o contexto que o levara à edição em 1996 e tenderá a, como órgão de arraigada proeminência política que é, sanar as ilegalidades perpetradas pelos Tribunais Estaduais.
Referido movimento ascendente de recursos, portanto, funciona como uma espiral lançada contra o cíclico movimento da ilegalidade interpretativa da Súmula 176, ceifando os equívocos e reestabelecendo a lei e a ordem, retomando o ciclo de segurança das relações financeiras postas.
Entretanto, não se crê que a movimentação do Superior Tribunal de Justiça ultrapassará o controle difuso de casos que tornem possível formalmente a análise da ilegalidade em evidência, desprezando o fato de que muitos processos terão desfecho ilegal, pois não se logrará, por qualquer que seja o entrave alheio à admissibilidade da dissonância jurisprudencial, ultrapassar os requisitos de admissibilidade de cada específico recurso especial acerca da legalidade da indexação de contratos pela Taxa DI.
Conclusão – Necessidade de reedição da Súmula 176 do STJ
Conforme se demonstrou, a Súmula 176 do STJ, criada para trazer segurança jurídica à interpretação sobre a inaplicabilidade do DI, índice divulgado pela Anbid/Cetip, a contratos financeiros a título de juros moratórios, pelos vícios de edição (má técnica de redação aliada à perda do contexto editorial), promove, hodiernamente, exatamente o contrário de seu objetivo: insegurança jurídica.
Não apenas uma insegurança de decisões judiciais que não possuem parâmetro ou norte sobre a matéria em questão, mas uma insegurança muitíssimo mais nociva, pois em nome dela se promove uma ilegalidade afirmando-se aplicá-la corretamente.
Se assim o é, se há um instrumento de uniformização de jurisprudência, e se ele está sendo interpretado pelos membros do Poder Judiciário de forma antagônica à interpretação juridicamente desejável, se está, claramente, a lançar decisões ILEGAIS por única e exclusivamente se ter um verbete equívoco.
Portanto, ao invés de promover segurança de julgamentos e uniformização de jurisprudência, 18 (dezoito) anos após sua edição e após um relativo período de produção dos efeitos desejados, em que os magistrados conheciam seu contexto de edição, este último se perdeu e agora a Súmula 176 do STJ não promove, na mais das vezes, outra coisa que não a ILEGALIDADE, iniciando-se um ciclo errante de retrocesso.
Ilegalidade essa que impede a indexação dos juros remuneratórios de contratos financeiros no índice DI, como visto, um dos principais índices de capitalização utilizado pelas instituições financeiras no contexto do Sistema Financeiro Nacional, e, assim, promove uma extremamente nociva incerteza quanto a todos os contratos financeiros que estão na praça e indexados pelo índice em questão.
O movimento ascendente de recursos especiais sobre a matéria tende a promover algum choque de realidade, mas ele é meramente difuso o que é incapaz de sanar um problema conjuntural.
Em todo esse contexto resultante dos fatores elencados e as consequências da realidade atual para a atividade financeira, se mostra como necessária a urgente reedição da Súmula 176 do STJ para que esta elimine os vícios de criação que hoje a maculam.
O meio do verbete voltar a produzir o efeito dele esperado é simplesmente agindo em seus vícios: elaborando-se uma redação simples, calara, unívoca e de qualidade e, por intermédio de uma redação com tais características, erradicar a obrigatoriedade do conhecimento da comunidade jurídica e operadores do direito em geral acerca do contexto de edição da súmula, o qual, como visto, se perde no tempo.
O ponto positivo de toda essa necessidade de reedição é que esse aprimoramento significativo para a preservação do bem jurídico tutelado pela Súmula 176 do STJ não é nada complexo, podendo-se, até, qualquer operador do direito esboçar sugestão de nova redação ao verbete, como por exemplo:
“É nula a cláusula contratual que indexa juros moratórios de contrato financeiro na Taxa DI, divulgado pela ANBID/CETIP, sendo livre a pactuação do índice a título de juros remuneratórios e correção monetária para contratos financeiros”.
Valendo-se de termos unívocos, claros, que se desprendem do contexto de edição da súmula e promovem sua intelecção per se e se valendo ainda de alguma redundância em prol da clareza para demonstrar o antagonismo do intuito do verbete em relação a juros moratórios (vedado) e juros remuneratórios (aceito), se pode, em minutos, produzir um novo, útil e seguro texto para reedição do enunciado em questão.
Por fim, ao detectar o movimento de ascendência de recursos especiais que debatem a legalidade da indexação de contratos financeiros na taxa DI a título de juros remuneratórios é dever do Superior Tribunal de Justiça, no estrito cumprimento de suas atribuições constitucionais, promover a reedição da súmula em evidência, além de sanar as ilegalidades no controle difuso de cada caso concreto, o que, conforme já se demonstrou, é tarefa fácil.