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A normatização das finanças de campanha eleitoral à luz do direito de participação política do cidadão

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Agenda 02/10/2014 às 15:15

CONCLUSÃO

O Poder Estatal emana do povo e o seu exercício, direto ou por meio de representantes, não pode se dissociar dos interesses da sociedade. O povo é tido como elemento primário da formação do Estado, conquanto se denote como titular da soberania democrática.

Os elementos estruturantes e formadores do Estado são, segundo a doutrina tradicional, compostos por povo, território e soberania. São várias as classificações encontradas na doutrina, mas em comum há o reconhecimento desses três elementos.

O conceito de povo nos remete ao conjunto e indivíduos qualificados pela nacionalidade.  Entretanto, podemos ir adiante e afirmar que o povo é o principal elemento formador do Estado; é o elemento anímico e passional que determina a formação de uma nação e do Estado.

Podemos enxergar os contornos de um Estado nacional pela associação de pessoas que se denominam e se consideram detentoras dos mesmos vínculos nacionais, culturais e históricos, mesmo que ausentes os demais elementos de existência do Estado: território e governo soberano.

Dai temos que o povo representa a acepção primária de fonte de Poder de um Estado, preexistindo à sua formação ou reconhecimento pela comunidade internacional.

Por sua vez, os esses elementos de Estado são os alicerces em que se sustentam os fundamentos da Constituição da República – soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valorização do trabalho e livre iniciativa, e o pluralismo político –, o Estado Democrático e o princípio Republicano.

O Constituinte originário, no exercício indireto da essência do Poder Estatal, alicerçou o Estado brasileiro sob o primado do regime democrático, de modo que os poderes estatais não sejam demasiadamente concentrados em pessoas ou entes, e que sejam exercidos harmoniosamente e de forma transitória.

O exercício do poder político é um fato da vida social. A simples existência de um grupo social significa que este pode exigir certos atos ou condutas em conformidade com os fins pretendidos. Nesse diapasão o Estado, estratificação maior do grupo social, detém a expressão maior do poder: poder político ou estatal.

Nesse contexto o Poder – visto na ótica da acepção primária do conceito de povo – representa os interesses nos rumos e na gestão da coisa pública, ou seja: no direito de participação política de cada pessoa (cidadão) integrante do Estado.

Cediço que não se trata de direito absoluto, conquanto a hermenêutica constitucional não reconheça direito dessa ordem, sendo própria da interpretação a unidade da Constituição e a cedência recíproca de seus princípios e preceitos, sempre considerando a realidade concreta de uma problemática.

Oportuna para demonstrar esse raciocínio é a lição de CAVALCANTE FILHO, João Trindade:

Nenhum direito fundamental é absoluto. Com efeito, direito absoluto é uma contradição em termos. Mesmo os direitos fundamentais sendo básicos, não são absolutos, na medida em que podem ser relativizados. Primeiramente, porque podem entrar em conflito entre si – e, nesse caso, não se pode estabelecer a priori qual direito vai “ganhar” o conflito, pois essa questão só pode ser analisada tendo em vista o caso concreto. E, em segundo lugar, nenhum direito fundamental pode ser usado para a prática de ilícitos. Então – repita-se – nenhum direito fundamental é absoluto. [51]

No entanto, as limitações aos direitos fundamentais somente se justificam se forem estritamente necessárias ao equilíbrio das relações sociais e observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Se as limitações aos direitos fundamentais ferirem os fundamentos de existência do Estado e da Constituição, não forem necessárias e justificadas, observando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, caracterizam-se como ilegítimas ou até mesmo inconstitucionais.

Assim, o direito de participação política de apoio e o engajamento em favor de candidatos e partidos podem sofrer limitações, desde que se mostrem amparados em outros princípios constitucionais que, no caso concreto, figurem prevalentes.

Nessa seara de limitações o disciplinamento da arrecadação de recursos e aplicação nas campanhas eleitorais na atribuição de fontes vedadas (artigo 24 da Lei 9.504/1997), vedações de doações de bens e vantagens aos eleitores (artigo 23, §5º da Lei 9.504/1997), bem como a imposição de limites para a doação, por pessoas físicas ou jurídicas, em favor de campanhas eleitorais previstas respectivamente nos artigos 23, § 1º, I e § 3º e 81 §1º, ambos da Lei 9.504/1997.

Nesse último ponto, entendemos que, em se tratando dos limites às doações realizadas por pessoas físicas, a análise deva se dar à luz do direito de participação política do cidadão – compreendido de forma ampla – e dos princípios republicano, da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

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As pessoas físicas podem contribuir para as campanhas eleitorais com a doação de dinheiro ou bens e serviços estimáveis em dinheiro. Os limites de doação são estabelecidos no artigo 23, §1º da Lei 9.504/1997 – 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos no ano-calendário anterior à eleição – e contemplam as eleições como um todo; total de doações realizadas em determinada eleição e não a candidatos ou partidos isolados.

Em se tratando de doações consubstanciadas em trabalho ou serviços prestados diretamente por pessoa física, entendemos que os limites e a normatização atinente as finanças das campanhas eleitorais devam ser interpretados conforme o texto constitucional, pois ao direito de participação e engajamento político não pode dado o mesmo tratamento que previsto para as limitações de doações em dinheiro ou doações de bens estimadas em dinheiro em geral. 

A doação da força de trabalho é quantificável em dinheiro e deve ser considerada na prestação de contas, sob pena de desvirtuar o comando constitucional e dos princípios constitucionais que orientam a prestação de contas de campanha.

Entretanto, não ser tida como fator de desequilíbrio do pleito, nos moldes do abuso de poder econômico, pois é reflexo da posição política adotada pela pessoa e do exercício de cidadania, fundamento do Estado brasileiro.

Entendemos que a interpretação literal importa na criação de obstáculos do direito de participação da pessoa nas “coisas” do Estado e no exercício Poder Estatal, que, primariamente, é de sua titularidade.

Aceitar a limitação ao direito de participação e engajamento político significa no reconhecimento da existência de “classes de cidadãos”, fundado em critérios puramente econômicos, privilegiando pessoas de classes mais abastadas em detrimento dos demais cidadãos.

Interpretação, a nosso ver, que não pode prevalecer por ferir as premissas e os fundamentos da Constituição cidadã de 1988, bem como os princípios da igualdade e a dignidade da pessoa humana.


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[1] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo:Saraiva. 1990. p. 39.

[2] AQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria Geral do Estado. São Paulo. 1994. p. 24/68

[3] MALUF, Said. Teoria Geral do Estado. 24ª ed. São Paulo. 1998. p.  136.

[4] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Saraiva. 1990. p. 50.

[5] Hans KELSEN. apud. MALUF, Said. Teoria Geral do Estado. 24ª ed. São Paulo. 1998. p. 25.

[6] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª Ed. São Paulo. 2010. p. 153.

[7] LENZA, Pedro. op. cit. p. 153.

[8] MALUF, Said. Teoria Geral do Estado. 24ª ed. São Paulo. 1998. p.  136.

[9] Hans KELSEN. apud. MALUF, Said. op. cit. p. 25.

[10] AQUAVIVA. Marcus Cláudio. Teoria Geral do Estado. São Paulo. 1994. p. 35.

[11] MALUF, Said.op. cit. p. 26.

[12] FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo:Saraiva. 1990. p. 40.

[12] FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. op. cit. p. 40.

14 AQUAVIVA. Marcus Cláudio. Teoria Geral do Estado. São Paulo. 1994. p. 40.

15 Jean BODIN. apud. LIMA, Antonio Sebastião. Teoria Geral do Estado e Constituição (fundamentos positivos). Rio de Janeiro. 1998. p. 182.

16 Jean BODIN. apud. LIMA, Antonio Sebastião. op. cit. p. 182.

17 LIMA, Antonio Sebastião. Teoria Geral do Estado e Constituição (fundamentos positivos). Rio de Janeiro. 1998. p. 183.

18 Jean BODIN. apud. LIMA, Antonio Sebastião. op. cit. p. 182.

[19] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. São Paulo. Malheiros. p. 102.

[20] DA SILVA, José Afonso. op. cit. p. 14.

[21] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A Constituição e o Supremo. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=4

[22] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado:  2001. p. 60.

[23] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. São Paulo. Malheiros. p. 102. p. 119.

[24] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A Constituição e o Supremo. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=4

[25] DE MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 21ª Ed. São Paulo: Jurídico Atlas.  2007. p 125.

[26] DA SILVEIRA, José Neri. Aspectos do Processo Eleitoral. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 1998. p. 13.

[27] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. São Paulo. Malheiros. p. 102. p. 128.

[28] DUARTE, Liza Bastos. Hermenêutica Jurídica – uma análise de temas emergentes. Canoas. Editora da Ulbra. 2004. p. 180.

[29] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. São Paulo. Malheiros. p. 102. p. 14.

[30] DA SILVA, José Afonso. op. cit. P. 128.

31 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. São Paulo. Malheiros. p. 102. p. 131.

[32] SANTANA, Jair Eduardo. GUIMARÃES, Fábio Luís. Direito Eleitoral – para compreender a dinâmica do Poder Político. Belo Horizonte. 2004. p. 23.

[33] SCHLICKMANN, Denise Goulart. Financiamento de campanhas eleitorais. 6ª Ed. Curitiba. Juruá. p. 24.

[34] CAVALCANTI, Themistocles Brandão. apud. SCHLICKMANN, Denise Goulart. op. cit. p 23.

[35] SCHLICKMANN, Denise Goulart. Financiamento de campanhas eleitorais. 6ª Ed. Curitiba. Juruá. p. 24.

[36] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.  MS 26603 / DF - DISTRITO FEDERAL Julgamento: 04/10/2007 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Publicação DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC. 19-12-2008 - EMENTA VOL-02346-02 PP-00318).

[37] SCHLICKMANN, Denise Goulart. Financiamento de campanhas eleitorais. 6ª Ed. Curitiba. Juruá. p. 25.

[38] SCHLICKMANN, Denise Goulart. Financiamento de campanhas eleitorais. 6ª Ed. Curitiba. Juruá. p. 24

[39] CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral Brasileiro. 2ª ed. São Paulo. EDIPRO. 1992. p. 18.

[40] RIBEIRO, Fávila. apud. CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral Brasileiro. 2ª ed. São Paulo. EDIPRO. 1992. p. 19. 

[41] DE ALMEIDA, Roberto Moreira. Direito Eleitoral. 2ª ed. Bahia. Ed. JusPodivm. 2009. p. 34.

[42]  TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso Eleitoral n. 1.943, do Rio Grande do Sul. Disponível em: http://www.tre-sc.jus.br/site/fileadmin/arquivos/institucional/publicacoes/Resenha_vol_15_-_integra.pdf

[43] FRANCISCO, Caramuru Afonso. Dos abusos nas Eleições – a tutela jurídica da legitimidade e normalidade do Processo Eleitoral. 1ª ed. São Paulo. Ed. Juarez de Oliveira. 2002. p. 12.

[44] Informações extraídas de jornais e revistas e artigos esparsos da época do julgamento do impeachment do Ex-Presidente Fernando Collor de Mello.

[45] FRANCISCO, Caramuru Afonso. Dos abusos nas Eleições – a tutela jurídica da legitimidade e normalidade do Processo Eleitoral. 1ª ed. São Paulo. Ed. Juarez de Oliveira. 2002. p. 1.

[46] CAVALCANTE FILHO, João Trindade.  Disponível em: https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:O8LpJIAp7LIJ:www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalTvJustica/portalTvJusticaNoticia/anexo/Joao_Trindadade__Teoria_Geral_dos_direitos_fundamentais.pdf+&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEEShSXPLxtcfJhOjgBv4Q-JeuSOp4JVtTc6GtKa7kHNLnSJrfIYdnMslWKIVdlVlRB1u91Ln9P-V_ljj3M2J_vHeYg8M0FxTBAlvG5BRN6MFGJNSCw_rGsYGJM9xxKvG5lcg4x8sQ&sig=AHIEtbT4LZxaIBtgbjaWBfRFrublUtL4sA

[47] Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência: STF, Pleno, RMS 23.452/RJ, Relator Ministro Celso de Mello. DJ de 12.05.2000, p. 20.

[48] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. São Paulo. Malheiros. p. 102. p. 394.

[49] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. São Paulo. Malheiros. p. 102. p. 699.

[50] TRE-SP . Recurso Eleitoral n° 1716-50 – Relator: Juiz Flávio Yarshell.

[51] CAVALCANTE FILHO, João Trindade.  Disponível em: https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:O8LpJIAp7LIJ:www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalTvJustica/portalTvJusticaNoticia/anexo/Joao_Trindadade__Teoria_Geral_dos_direitos_fundamentais.pdf+&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEEShSXPLxtcfJhOjgBv4Q-JeuSOp4JVtTc6GtKa7kHNLnSJrfIYdnMslWKIVdlVlRB1u91Ln9P-V_ljj3M2J_vHeYg8M0FxTBAlvG5BRN6MFGJNSCw_rGsYGJM9xxKvG5lcg4x8sQ&sig=AHIEtbT4LZxaIBtgbjaWBfRFrublUtL4sA

Sobre o autor
Alexsandro Trindade

Graduado em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (2001), possui especialização em Direito Constitucional Aplicado (2013) e em Direito Registral e Notarial (2013). Atuou como Advogado, Assessor Jurídico no Poder Legislativo Municipal e Analista Judiciário da Justiça Eleitoral. Atualmente é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da sede da Comarca de Ibiúna/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRINDADE, Alexsandro. A normatização das finanças de campanha eleitoral à luz do direito de participação política do cidadão . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4110, 2 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30996. Acesso em: 23 dez. 2024.

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