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Dano coletivo nas relações de trabalho:

o dumping social e seus reflexos

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Agenda 02/02/2015 às 14:35

3 DIREITOS COLETIVOS E DIREITOS INDIVIDUAIS

3.1 Conceituação e forma de tutela

            Alerta Zavascki (2011, ps. 32 e 33) que muitos equívocos são cometidos na prática forense frutos da confusão que tanto doutrina quanto jurisprudência cometem em relação ao direito coletivo e defesa coletiva de direitos.

A partir do advento do Código de Defesa do Consumidor, que introduziu mecanismo especial para a defesa coletiva dos chamados Direitos individuais homogêneos, passou-se, não raro, a considerar tal categoria de direitos, para todos os efeitos, como espécie dos direitos coletivos e difusos, lançando-os todos eles em vala comum, como se lhes fossem comum e idênticos os instrumentos processuais e as fontes normativas de legitimação para a sua defesa em juízo.

            Dessa maneira, nos parece importante abrir espaço para estudar as diferentes formas de manifestações e defesa de direitos, embora estas estejam com definição no art. 81 da lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor. O ilustre ministro, em sua obra citada (2011, p. 34), esclarece que Direitos Coletivos são direitos subjetivos transindividuais, ou seja, não possuem um titular individualmente determinado, sendo uma designação genérica para dois tipos de direitos transindividuais: o difuso e o coletivo stricto sensu. Não pertence a uma pessoa em particular e nem ao poder público, mas sim a uma classe, à própria sociedade em seu sentido amplo ou a uma cadeia abstrata de pessoas, que possuem vínculos fáticos através de uma situação, e cuja possível lesão atinja todos os titulares.

            Já a diferença entre direitos difusos e os direitos coletivos strictu senso parece residir numa maior subjetividade entre ambos, pois, enquanto os direitos difusos podem pertencer a toda uma população, o segundo precisa de uma relação jurídica base, ou seja, há uma relativa indivisibilidade, pois pertence apenas àquele grupo que possui uma ligação fática entre si, como é o caso de integrantes, por exemplo, de entidades de classe.

De outra maneira, direitos individuais homogêneos, ainda segundo o mesmo autor (2011), são aqueles pertencentes a um grupo de pessoas, mas cujo direito material em questão pode ser individualizado, determinado, ou seja, ter uma titularidade individual. O termo homogêneo apenas determina que há uma relação de semelhança, de afinidade, o que permite a defesa coletiva desse direito pertencente também a várias pessoas. Bezerra Leite (2004), explica que a diferença entre direito homogêneos e os individuais subjetivos repousa exatamente na existência deste fato de origem comum, que atinge vários indivíduos deixando-os na mesma situação e expostos ao mesmo dano, propiciando, assim, a aglutinação em uma única demanda de pretensões diversas, mas com uma causa idêntica.

Assim, a sua instrumentalização via Processo coletivo é uma estratégia para permitir uma maior efetivação jurisdicional, um mais fácil acesso à justiça e uma economia processual, pois em apenas um processo discute-se o direito de um grupo de pessoas que tem o mesmo bem lesado/direito ferido, ao invés de vários processos debatendo a mesma materialidade. “Quando se fala, pois, em ‘defesa coletiva’ ou em ‘tutela coletiva’ de direitos homogêneos, o que se está qualificando como coletivo não é o direito material tutelado, mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de sua defesa” (ZAVASCKI, 2011, ps. 34, 35 e 146). A classificação é meramente processual, e não material. Aqui, o coletivo diz respeito apenas a um dos modos como esse direito pode ser tutelado, ou seja, de forma coletiva, além de várias ações individuais, da mesma maneira como preceitua o art. 46, II e IV do Código de Processo Civil (CPC). Na sua essência, o direito em questão não deixa de ser genuinamente direito individual subjetivo.

 Carlos Henrique Bezerra Leite (2004) classifica tanto os direitos difusos, os coletivos (strictu sensu) e os individuais homogêneos como espécies do gênero Interesses ou Direitos mentaindividuais, e concorda com Zavascki de que os direitos individuais homogêneos apenas possuem esta classificação para fins processuais. E ainda classifica este último em disponíveis e indisponíveis, lembrando que a definição, mesmo sendo dada por uma lei que trata das relações de consumo, deve ser estendida e aplicada a todas as relações de fato ou de direito onde há a necessidade de aplicação deste conceito, inclusive para o direito material e processual do trabalho, diante da omissão quanto à definição de que sejam direitos metaindividuais e necessitando da aplicação do princípio da completude. Realmente, seria uma aberração jurídica tal conceito ter uma aplicação num ramo do direito, e outra totalmente diversa em outro ramo: o direito precisa emanar uma sinergia entre todos os seus ramos para que ocorra a sua efetividade.

Porém, reconhece Zavascki (2011) que existe a possibilidade de certas lesões a direitos individuais homogêneos ter tal grau de profundidade que acabaria comprometendo também interesses sociais, e teriam a força de transcender a esfera dos interesses meramente individuais e representar interesses de uma comunidade. Mas, mesmo isto acontecendo, os limites de distinção devem ser mantidos, eis que interesses sociais são qualificáveis como direitos transindividuais, e os individuais homogêneos, não. E essa realidade deve ser levada em consideração quando se quer definir o modelo processual destinado a sua defesa.

Defende o mesmo autor que é equivocado o entendimento de que a Ação Civil Pública, que é uma ação criada para defender direitos e interesses transindividuais, seja utilizada para a defesa de direitos individuais, pois seria impensável que a solução deste tipo de ação aproveitasse a alguns e não a outros membros de uma mesma coletividade. Existiriam até algumas aplicações subsidiárias admitidas por leis, mas que, claramente, o instrumento adequado para a defesa de direitos coletivos seria a Ação Civil Pública, e que para a defesa coletiva de direitos individuais (grifo nosso) seriam as ações civis coletivas – decorrentes de substituição processual (2011). E lembra que os direitos homogêneos possuem feição de direitos disponíveis. Conforme citamos acima, Bezerra Leite os classifica como disponíveis e indisponíveis.

Ainda, relevante mencionar, que a ação coletiva visando a defesa de direitos homogêneos possui dois momentos cognitivos, sendo que no primeiro, o representante requer direito alheio em seu nome, e na segunda etapa, sendo vitoriosa a primeira, procede-se o seu cumprimento com o titular pedindo em nome próprio o cumprimento da mesma em seu favor (ZAVASCKI, 2011). Frente a complexidade do tema, e nosso exíguo espaço, recomendamos a leitura da citada obra de Bezerra Leite[12], pois mostra a Ação Civil Pública nos níveis cíveis e trabalhistas, e neste último, para as ações que visem direitos transindividuais na sua forma de gênero e para a espécie individuais homogêneos. Desta forma, a CLT somente será utilizada naquilo em que não for incompatível com o sistema metaindividual de acesso à justiça, mas também possuindo uma eficácia mais restritas do que as sentenças proferidas nas ações individuais e na Ação Civil Pública que trata de direitos difusos e coletivos strictu sensu (2004).

Existe precedente junto do STF de que as ações coletivas de iniciativa dos sindicatos possuem tratamento diferenciado, com base no art. 8º, III da CF. A legitimidade outorgada aos sindicatos deve ser vista como ampla, abrangendo além do conhecimento, a liquidação e a execução dos créditos trabalhistas, não precisando de qualquer autorização dos substituídos[13], inclusive no tocante a sua legitimação para ser o autor da Ação Civil Pública, conforme nos explica Bezerra Leite (2004). Porém, o hoje também ministro do STF Teori Zavascki (2011), não concorda com este posicionamento, pois seriam muitas as dificuldades com uma execução global em nome do sindicato. Mesmo admitida, sendo o direito pertencente a um empregado, é indispensável a análise de sua situação jurídica particular, bem como para salvaguardar o direito de quem paga de identificar o credor a quem está pagando. Além, ainda, de evitar que existam beneficiários iguais em ações coletivas e individuais e que, um processo que seria rapidamente terminado se fosse uma ação individual (a execução), se alongue em decorrência da análise de múltiplas situações individuais, que seriam independentes uma das outras (aspecto heterogêneo da ação coletiva), ganhando, aqui na fase de execução, a mesma agilidade e efetividade pretendida quando da propositura da ação coletiva para defesa do direito individual homogêneo.

Em 1985 foi instituído através da Lei 7.347, o procedimento especial apto a promover a tutela dos direitos e interesses transindividuais, seja de forma preventiva, reparatória ou cautelar (hoje com redação determinada pela Lei 12.529/2011). Embora, segundo Zavascki (2011), a denominação em si de uma ação não seja essencial para identificar a natureza procedimental, é inegável que ela desempenha um importante papel didático, e isso não deve ser desprezado. Desta forma, quando falarmos de processo coletivo, seria de suma importância ter em mente que quando usado o termo Ação civil pública, estar-se-ia falando de um procedimento destinado a implementar judicialmente a tutela de direitos transindividuais, e não individuais, mesmo que estes últimos carreguem o título de homogêneos (grifo nosso), sendo que para a defesa desses direitos, e também para efeito didático, o correto é atribuir outro nome, qual seja, Ação Coletiva e Ação civil coletiva, nos moldes do art. 91 do CDC. Nem doutrina e nem jurisprudência seguem esta nomenclatura, atribuindo, de um modo geral, o nome Ação Civil Pública a praticamente todas as ações que se relacionem com o processo coletivo.

Relativamente à competência para propor a defesa desses interesses e direitos (transindividuais), diz o autor que a legitimação do MP deve ser irrestrita, mais ampla possível e compatível com a natureza e magnitude da lesão ou ameaça, e reforça sua posição de que a tutela aplicável ao MP é apenas para os direitos sem titulares determinados e materialmente indivisíveis, não se incluindo aqui, desta forma os direitos subjetivos individuais, quais sejam, os individuais homogêneos, sendo a única exceção a possibilidade de uma previsão em lei (ZAVSACKI, 2011). É o que ocorre com o CDC, por exemplo, que determina que é atribuição do MP tutelar os direitos dos consumidores e das vítimas da relação de consumo (art. 82 da Lei 8.078/90), bem como a própria Lei Orgânica Nacional do MP (lei 8.625/93) que atribui à instituição a promoção da Ação Civil Pública “para a proteção, prevenção e reparo dos danos causados (...) a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos”.

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Mas reafirma que, “a defesa coletiva de direitos individuais homogêneos somente é legítima quando isso representar também a tutela de relevante interesse social” (2011). Já Bezerra Leite (2004) considera um avanço legislativo no processo do trabalho o reconhecimento do Ministério Público do Trabalho para promover a Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho, através do art. 83, III da citada Lei Orgânica do Ministério Público da União, além da própria Lei da Ação Civil Pública em seu art. 1º, inciso IV, que ampliava o alcance daquela lei a todos as ações de responsabilidade que envolvesse interesses difusos ou coletivos, inclusive os de natureza trabalhista, por força do seu art. 21 que inclui os direitos individuais e aplicação dos dispositivos do CDC.

Neste ponto, ZAVASCKI (2011) propõe uma reflexão sobre a legitimação atribuída ao MP através de uma lei ordinária (CDC), frente à delimitação constitucional de sua competência para tutelar apenas direitos individuais indisponíveis através do art. 127 da CF. Indica que é legitimação para ser substituto processual e que, o que deve ser considerado não é a satisfação do direito de cada beneficiado, mas sim a ação lesiva em sua dimensão integral e a condenação do lesante, mesmo porque a futura execução deverá, daí sim, ser de iniciativa individual de cada lesado.

Aqui, parece crucial o raciocínio proposto por Souto Maior, Mendes e Severo (2012), de que o direito deve ser examinado enquanto sistema global, sustentado na integridade e na coerência que emanam da força normativa da Constituição, e que tanto a CLT, quando o CC ou o CDC (que é mais um diploma criado para corrigir e coibir distorções próprias do sistema capitalista), apontam no mesmo sentido: “o de que o processo deve necessariamente construir instrumento adequado para a realização do projeto constitucional de construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária”.

3.2 Condenação pela prática de Dumping Social nas ações individuais e coletivas

Quando leciona sobre a consagração constitucional dos interesses sociais e sobre as atribuições do MP de defendê-los outorgadas pelo art. 127 da CF, Zavascki (2011) propõe uma reflexão sobre o alcance e a forma de identificar a natureza desta categoria jurídica. Explica que é unânime na doutrina o entendimento de que não há como determinar o alcance dessa expressão interesses sociais (grifo nosso), pois sua formulação é a base de um conceito jurídico muito aberto, e utilizando-se a técnica legislativa de cláusulas abertas, incumbiria ao juiz da causa determinar o seu sentido frente ao caso concreto, pois estariam apresentados elementos que forneceriam ao intérprete condições para definir ali sua presença ou não. Lembra que um dos principais limites para a sua identificação é a contraposição a interesses particulares, pois o primeiro sempre terá uma abrangência maior que o individual. Assim, é um conceito jurídico indeterminado, ou incerto, carecedor de um preenchimento valorativo, e deve assim permanecer, para que se adapte às mudanças de valorações inerentes à vida em sociedade, que são relativas e condicionadas ao tempo e ao espaço. É aquilo que é julgado oportuno para o progresso material e moral de uma sociedade, que ajuda a preservar as condições de vida em um meio social, mantém a organização estatal e democrática.

Desta forma, o raciocínio final é que, sendo interesses juridicamente tutelados, devem ser tratados como direitos, e sendo direitos que não pertencem exclusivamente a um só patrimônio jurídico, deve ser incluído na categoria de direitos transindividuais (coletivos lato sensu). Mas, quanto ao Dano Moral, orienta que devem ser interpretados com visão processual quando a questão é a via judicial através da Ação Civil Pública, e não visão de direito material, pois reafirma o caráter personalíssimo da lesão moral, incompatível com os direitos difusos e coletivos, que é para o que se destina a Ação Civil Pública (2011).

Lembramos da reflexão anteriormente proposta pelo ministro do STF, quando explica a justificativa para que o MP possa defender direitos individuais homogêneos (competência inclusa pelo CDC), de que devemos analisar a dimensão global da lesão ocorrida, primando pela condenação do lesante, eis que sua ação ou omissão é coletiva e impessoal, e atinge os interesses sociais como um todo. Mas reitera que essa legitimação se opera pela via da substituição processual pautada pela impessoalidade e coletividade dos direitos subjetivos lesados e em busca de uma sentença genérica, e que somente nesta dimensão é que a defesa de direitos individuais homogêneos divisíveis e disponíveis pode ser promovida pelo MP sem ofensa à CF, pois tutelaria “bens e valores jurídicos de interesse social” (ZAVASCKI, 2011, ps. 210 e 214).

Bezerra Leite (2004) explica que a jurisdição trabalhista metaindividual é operacionalizada pela aplicação simultânea das normas da CF (art. 129, III e a abertura do inciso IX, art. 8º, III e art. 114), da Lei Orgânica do Ministério Público da União, da Lei da Ação Civil Pública e pelo CDC, título III, restando à própria CLT e ao CPC o papel de diplomas subsidiários, pois o objetivo visado é outro, o de responsabilizar o réu pelos danos morais ou patrimoniais causados a quaisquer direitos ou interesses metaindividuais, propondo uma inversão da regra clássica do art. 769 da CLT, que fala sobre a aplicação subsidiária do direito processual comum aos casos omissos do direito processual do trabalho.

 Consolidando este entendimento, Souto Maior, Mendes e Severo (2012, p. 12) defendem que a indenização por dano moral coletivo tanto pode ser pedida em ação individual e deferida pelo juiz, quanto ser objeto de ação proposta pelo MP, via Ação Coletiva:

Essa função não é exclusiva do juiz. O fato de o MPT ter legitimidade para propor ação coletiva pretendendo o pagamento de indenizações que coíbam a reiteração de práticas de dumping social não retira do Juiz a mesma função. Trata-se de uma ação conjunta em prol da concretização de um projeto constitucional de sociedade inclusiva e comprometida com o bem de todos.

Entendemos que deva se tratar de Ação Civil Pública, afinal, é o MP o titular deste tipo de ação. Acrescentam ainda os autores, que essa legitimidade coletiva que foi concedida ao Ministério Público do Trabalho, bem como aos sindicatos, não tem sido geralmente satisfatória, nem mesmo a fiscalização por parte do Ministério do Trabalho, demonstrando-se, mais um motivo para reconhecer a procedência da condenação pela prática de dano social independente de pedido da parte.

Porém, podemos citar neste momento, exemplo de jurisprudência favorável ao uso da Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Trabalho onde foi solicitada a condenação da empresa ré pela prática de Dumping Social. É o mesmo caso citado anteriormente da condenação da rede de Lojas Magazine Luiza[14]. Após a notória condenação ao pagamento da multa complementar no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), por óbvio que a empresa ré recorreu da decisão, alegando nulidade da sentença por falta de previsão legal e a não comprovação da prática de dumping social. O desembargador-relator do caso rechaça as duas teses da empresa. Lembramos que foram juntados à ação 87 Termos de Ajustamento de Conduta firmados com o Ministério Público do Trabalho apenas na região de jurisdição da 1ª Vara do Trabalho de Franca/SP, e que se trata de uma rede de abrangência nacional. Afirma que se trata de exercício abusivo do direito, já que extrapola os limites econômicos e sociais, rendendo ensejo a indenização postulada, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Já o art. 404, parágrafo único do Código Civil traz amparo para a imposição de indenização suplementar ao agressor contumaz, além dos arts. 652, "d", e 832, § 1º, da CLT. Para o argumento de que não houve a prática de Dumping, explica o relator:

Com efeito, os Autos de Infração juntados aos autos demonstram de forma clara que a ré vem descumprindo reiteradamente a legislação trabalhista, impondo aos seus empregados jornadas de trabalho com extrapolação do limite máximo previsto no artigo 59 da CLT (labor por mais de 10 horas diárias); jornadas por mais de 12 horas em virtude de realização de serviços inadiáveis; labor aos domingos, sem amparo convencional; bem como não concessão do descanso semanal remunerado e dos intervalos inter e intrajornadas, além de registro irregular da jornada (fls. 39/169). 

Como bem ponderado pelo MM. Juízo de origem “a retribuição pecuniária, por óbvio, não compensa a perda da saúde, advinda da exaustão, e, também, os momentos perdidos de convívio com familiares e amigos (ofensa ao direito ao lazer, direito humano fundamental, constitucionalmente assegurado, socialmente desejado e imprescindível para a manutenção da integridade física e psicológica do ser humano).” (grifo nosso).

Vale destacar que o limite da jornada de trabalho, bem como os intervalos para repouso previstos na legislação trabalhistas, frente aos termos do artigo 7º, incisos XIII e XXII da Constituição Federal, traduzem normas de ordem pública, de caráter imperativo por abarcar norma de saúde pública, destinada à proteção da saúde, higiene e segurança do trabalhador. Os intervalos e o limite de jornada diária são necessários para preservar a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. (Constituição Federal – artigo 1º, incisos III e IV).

Portanto, a inobservância pela reclamada das normas trabalhistas no que se refere à jornada de trabalho é inescusável, já que afronta direito humano fundamental.

De outra sorte, restou demonstrado que a ré vem reiteradamente descumprindo a legislação trabalhista (87 autos de infração!), mesmo após a formalização de Termos de Ajustamento de Conduta perante o Ministério Público do Trabalho, demonstrando total descaso com saúde e segurança de seus empregados. [...]Diante de tal contexto, restou evidente que a ré obteve redução dos custos com mão de obra de forma ilícita, com prejuízo as demais empresas concorrentes que cumprem as suas obrigações trabalhistas, bem como com dano a toda sociedade, ensejando a indenização deferida pela origem, não merecendo acolhimento o apelo neste particular. (grifo nosso)

E por fim, manteve a condenação pela prática de dano social decorrente do Dumping Social no valor anteriormente arbitrado. E, tendo em vista a propositura de Embargos Declaratórios após a publicação do acórdão desejando rediscutir a aplicação da multa, mais multa por embargos protelatórios no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Foi protocolada petição de Recurso de Revista para o TST em 10/02/2014.

Quanto à possibilidade ou não do deferimento da condenação por dano social em processo individual, Souto Maior, Mendes e Severo (2012) definem como pressupostos que conferem razão de ser à teoria da aplicabilidade, a falha que há entre a realidade e a teoria do direito do trabalho, bem como a ausência de força real de luta pela efetivação dos direitos trabalhistas no tocante ao fato de sequer reconhecermos o dever do empregador de motivar a dispensa de um trabalhador[15]. Além de mencionar que, na prática, não se consegue garantir ao trabalhador o respeito total às regras de seu contrato de trabalho durante a execução deste, sendo que o único espaço que resta, é o processo, e este, por sua vez, já deficitário, pois a maioria esmagadora dos litigantes são empregados que já perderam o seu emprego, fechando um círculo vicioso, onde buscam apenas a reposição pecuniária dos danos a que foram expostos.

Do mesmo pensamento compartilha Bezerra Leite (2004) ao declarar que o trabalhador individualmente considerado é frágil e incapaz de experimentar seus direitos sociais, pois no Brasil sempre haverá o medo de ajuizar-se uma demanda individual durante o curso do contrato de trabalho pelo medo da perca do emprego.

Desta forma, o processo individual é essencialmente importante, pois abstraindo-se sua função reparatória, escancara-se a sua função especial de pedagógica e dissuasória, demonstrando à sociedade quais condutas que queremos manter ou queremos banir. E aqui, reside a função primordial da condenação pela prática de dano social, pois o Estado demonstra não somente às partes porque aquela conduta deve ser rechaçada, mas também tenta convencer que devemos adotar posturas compatíveis com a CF e de observação dos direitos fundamentais trabalhistas. O processo assume papel fundamental na construção de uma sociedade comprometida com a inclusão, com a solidariedade e com a dignidade mínima de vida.

De forma prática, citamos e analisamos os argumentos utilizados por nossos magistrados de 1º e 2º graus quando se deparam com situações processuais onde há o cabimento da indenização suplementar civil, bem como a questão de haver ou não pedido da parte e sua decretação ex oficio. Tendo em vista o caráter protetivo social desta multa civil, que é utilizada como defesa da dignidade dos trabalhadores e do respeito aos princípios constitucionais da valorização do trabalho, iniciaremos com os argumentos do Ilustre Desembargador e doutrinador Jorge Luis Souto Maior, do TRT15, reconhecidamente um nome de respeito da na doutrina que trata de direitos trabalhistas.

EMENTA: DANO SOCIAL (“DUMPING SOCIAL”). IDENTIFICAÇÃO: DESRESPEITO DELIBERADO E REITERADO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. REPARAÇÃO: INDENIZAÇÃO “EX OFFICIO” EM RECLAMAÇÕES INDIVIDUAIS. Importa compreender que os direitos sociais são o fruto do compromisso firmado pela humanidade para que se pudesse produzir, concretamente, justiça social dentro de uma sociedade capitalista. [...]As agressões ao Direito do Trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de pessoas, sendo que destas agressões o empregador muitas vezes se vale para obter vantagem na concorrência econômica com relação a vários outros empregadores. Isto implica dano a outros empregadores não identificados que, inadvertidamente, cumprem a legislação trabalhista, ou que, de certo modo, se vêem forçados a agir da mesma forma. Resultado: precarização completa das relações sociais, que se baseiam na lógica do capitalismo de produção. O desrespeito deliberado, inescusável e reiterado da ordem jurídica trabalhista, portanto, representa inegável dano à sociedade. Óbvio que esta prática traduz-se como “dumping social”, que prejudica a toda a sociedade e óbvio, igualmente, que o aparato Judiciário não será nunca suficiente para dar vazão às inúmeras demandas em que se busca, meramente, a recomposição da ordem jurídica na perspectiva individual, o que representa um desestímulo para o acesso à justiça e um incentivo ao descumprimento da ordem jurídica. Assim, nas reclamações trabalhistas em que tais condutas forem constatadas (agressões reincidentes ou ação deliberada, consciente e economicamente inescusável de não respeitar a ordem jurídica trabalhista), tais como: salários em atraso; salários “por fora”; [...] deve-se proferir condenação que vise a reparação específica pertinente ao dano social perpetrado, fixada “ex officio” pelo juiz da causa, pois a perspectiva não é a da mera proteção do patrimônio individual, sendo inegável, na sistemática processual ligada à eficácia dos Direitos Sociais, a extensão dos poderes do juiz, mesmo nas lides individuais, para punir o dano social identificado (grifo nosso). RO 0049300-51-2009-5-15-0137, 6ª Turma. Jorge Luis Souto Maior. 27/04/2012[16].

Este processo está atualmente no TST aguardando julgamento de Recurso de Revista interposto pela empresa cujo despacho de admissibilidade foi publicado em 10/08/2012. Ainda não incluído em pauta.

A mesma sorte alcançamos ao argumento majoritário das decisões que afastam a condenação imposta por não ter sido pedida pela parte autora e deferido ‘arbitrariamente’ pelo juiz da causa, caracterizando as sentenças como ultra ou extra petita. São inúmeros os acórdãos que afastam a condenação de primeiro grau utilizando este argumento.

EMENTA: Indenização por dano social. Recolhimento ao FAT. Sentença desprovida de pretensão na inicial que a justifique. Sentença extra petita. Caso em que o julgador da origem, de ofício, condenou as reclamadas ao pagamento de R$ 300.000,00 em favor do FAT, a título de indenização "por dano social". Não havendo causa de pedir e nem pedido que ampare tal condenação, tem-se que a sentença é extra petita, no aspecto. Portanto, aplicando à hipótese o disposto no art. 128 do CPC e no art. 460 do CPC, cumpre absolver as reclamadas de tal pagamento. Recurso provido para afastar a condenação ao pagamento de indenização por dano social. Recurso Ordinário: 0000138-88.2012.5.04.0234, 7ª Turma. Flavio Portinho Sirangelo. 20/03/2013[17].

            Recurso ordinário originado de sentença prolatada pelo juiz Rafael da Silva Marques da 4ª Vara do Trabalho de Gravataí. A referida sentença condenou a empresa à indenização por dumping ex oficio no valor de R$ 300 mil reais, sendo que a recorrida alegou para seu recurso a anteriormente mencionada sentença extra e ultra petita, tese acolhida pelo relator do recurso, que defende que a indenização não foi pedida na inicial pelo autor, mas ao mesmo tempo, de que tampouco poderia fazê-lo, eis que não seria legitimado a requerer este tipo de condenação. Aponta artigos do CPC que subsidiam o fato de o juiz se ater aos limites da causa, defende que este é entendimento prevalecente na turma a que pertence e afasta a condenação estipulada pelo juízo a quo, e apresenta ainda outra possibilidade, que seria a remessa dos autos para o Ministério Público do Trabalho para adoção de medidas cabíveis de acordo com a Lei nº 7.347/85, dada a legitimidade daquele Órgão para defesa de interesses difusos e coletivos.             A parte autora da ação trabalhista até intentou Recurso de Revista para o TST, mas não adentrando no afastamento da condenação pela prática de Dumping Social.

            Incorporamos aqui mais um ensinamento proposto por Souto Maior, Mendes e Severo (2012, p. 52), no sentindo de repelir a exigência de pedido para parte autora para que haja condenação por Dumping Social na peça inicial da demanda trabalhista:

É importante aqui registrar que a exigência de pedido da parte afigura-se mesmo inusitada em se tratando de dano social. É que a indenização suplementar não tem por fundamento o ressarcimento da lesão a que se submeteu o autor do feito, mas sim a compensar a lesão de espectro social e a inibir (essa é a questão fundamental) a reiteração de condutas que afetam a harmonia social”. Mesmo porque a própria CLT em seu art. 652 estabelece que é função do juiz impor multas e demais penalidades dentro de sua competência, não condicionando esta aplicação ao pedido da parte lesada para isso.

Ainda mais atual, o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, RO 0000986-49.2012.5.04.0663, prolatado em 05/12/2013, pelo Desembargador Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa, em processo originário da 3ª VT de Passo Fundo/RS, onde o desembargador nem adentrou ao mérito da questão de analisar se há ou não a prática de Dumping Social fruto do reiterado desrespeito aos direitos trabalhistas. Em poucas linhas reconhece que não há o pedido da parte autora na inicial da ação e declara a sentença extra petita, e que o inadimplemento das obrigações trabalhistas enseja o pagamento das mesmas com juros e correção monetárias previstas em lei[18].

Contra este tipo de posicionamento judicial, Marcelo Abelha Rodrigues (apud Bezerra Leite, 2004, p. 272), diz “tem o estado que intervir, e pó isso o juiz, seu representante, não pode ficar parado, estático, esperando que a justiça corra sozinha se, quando e na forma em que for provocado”.

Reconhece-se, assim, um papel diferenciado ao Juiz do Trabalho, de agente realizador dos direitos do trabalhador, não apenas repondo perdas já experimentadas, mas acima disso, doutrinando a sociedade a reconhecer e praticar o certo e socialmente justo, de aplicar a segurança jurídica para todos, e não para um grupo menor que resistem em não observar a legislação trabalhista e sua função social. Não pode se perder de vista o ser humano.

Podemos ainda citar ementa de decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, proferida pela Juíza Valdete Souto Severo condenando empresa ao pagamento da indenização por Dumping mesmo não havendo pedido da parte quando da Inicial. A decisão da Turma acolhe a sentença publicada em 30/03/2010 pelas suas próprias fundamentações, e o réu tentou se valer do mesmo argumento utilizado pela maioria, de que o pedido desta condenação não havia partido do autor quando da peça vestibular, mas desta vez o entendimento foi diverso:

Como bem exposto pelo juízo a quo, o entendimento inovador acima mencionado é plenamente aplicável e socialmente justificável para a situação que estabeleceu na presente demanda. Como já referido na sentença, [...] Nessa esteira, a confirmar o novo paradigma instaurado pela ordem constitucional de 1988, o artigo 187 do Código Civil define como ilícito o ato praticado pelo “titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. É por isso que a atuação do grupo econômico – no presente feito e em tantas outras demandas em tramitação na comarca de Porto Alegre – implica verdadeiro dumping social, a perpetrar macrolesão que, por sua vez, exige um tratamento rigoroso e diferenciado, por parte do Poder Judiciário Trabalhista.

Considerando o número expressivo de processos relatando realidade de contumaz e reiterada inobservância dos mais elementares direitos humanos (nem sequer refiro os trabalhistas, mas apenas aqueles decorrentes do necessário respeito à integridade moral dos trabalhadores) [...] Salienta-se, ainda, e de conformidade com o já exposto pelo juízo de primeiro grau, que não há falar em julgamento extra petita, diante dos fundamentos retro expendidos. Não há falar, também, em violação de dispositivos legais e constitucionais, principalmente os referidos nos recursos. (grifo nosso)

Porém, esta decisão alterou a sentença quanto ao seu valor, reduzindo a indenização de R$ 700 mil para R$ 100 mil, e a sua destinação: ao invés de ser depositada em conta vinculada a Vara do Trabalho para quitação de processos baixados com débito, para crédito do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Segundo Valdete Severo ([2012], texto digital), prolatora da sentença recorrida e mantida parcialmente, quando a notícia foi veiculada no site do TRT4, a própria matéria explicou que nas condenações por Dumping Social, os magistrados acrescentam o valor da indenização quando do julgamento de uma ação individual, e que apesar de a Ementa[19] não trazer em seu corpo o assunto Dumping, trata-se de julgamento paradigmático frente à posição que o TRT vem adotando, como bem pudemos verificar com os acórdãos que colacionamos a este artigo:

Há certa resistência em enfrentar a modificação não apenas das relações jurídicas, mas também e especialmente do processo e do juiz do Trabalho, frente às macro lesões, exigindo pedido da parte que seque é beneficiária de eventual conseqüência econômica da pena privada e retirando do juiz função que é nitidamente sua, em um contexto de Estado constitucional. Os novos eventos, porém, trazem esperança renovada nessa busca pela efetividade do direito.

Podemos citar ainda mais um acórdão originado do TRT4, que mantém a condenação pela prática de Dumping Social[20]. O acórdão tem o posicionamento de enfrentar a tese do Dumping Social, verificando se as condutas que ali se apresentam caracterizam ou não o problema, e se pronuncia sob o cabimento da indenização deferida, não fugindo do assunto sob a alegação de que não foi pedida por um particular. Conforme escreveu o juiz de 1º grau quando da sentença:

Infelizmente, as indenizações deferidas ao próprio trabalhador neste processo são flagrantemente insuficientes a reparar esse agir da empresa e sobretudo a incentivá-la a não mais descumprir direitos fundamentais. A sociedade, como um todo, é prejudicada pela conduta reiterada de desrespeito a direitos sociais.

Quanto ao posicionamento da Desembargadora de manter a destinação da indenização para pagamentos de demandas arquivadas sem pagamento naquela unidade judiciária, vai ao encontro de mais um argumento utilizado por Souto Maior, Mendes e Severo (2012, ps. 91 e 92)

Vale repisar que a tentativa de inibir as ações corretivas, pondo em discussão qual seria o ente legítimo para receber a reparação de cunho social, não tem a menor razão de ser. Concretamente, a forma de se fixarem a reparação e o benefício da obrigação determinada não são o mais importante. Não podem constituir obstáculo à ação concreta para reparação do dano social, que visa revitalizar a autoridade da ordem jurídica. [...] De todo modo, não é esta a questão que interessa. Quem achar que a reparação do dano social, reconhecido nas ações individuais deve ter essa destinação (para algum este estatal ou ONG), que o faça, pois o que importa é o efeito prático da recomposição da autoridade do ordenamento. O que não pode, de jeito algum, é deixar que o dano social, reconhecido perante um ou vários processos judiciais, reste impune.

Souto Maior, inclusive, defende que devemos contrariar as decisões do TST se estas se demonstram desrespeitosas à realidade social e os princípios fundamentais do Direito do Trabalho, principalmente aos ligados aos Direitos Fundamentais (2009). “O Poder Judiciário Trabalhista é o último reduto de garantia de eficácia dos direitos fundamentais trabalhistas” (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2012, p. 106)

Sobre a autora
Suelen de Souza Lindenmaier

Graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil. Aluna do curso de Pós Graduação Lato Sensu do Centro Universitário Univates. Funcionária de carreira do Banco do Brasil. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINDENMAIER, Suelen Souza. Dano coletivo nas relações de trabalho:: o dumping social e seus reflexos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4233, 2 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31000. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Artigo científico apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Nível de Especialização em Direito e Processo do Trabalho, do Centro Universitário Univates, como parte da exigência para a obtenção do título de Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

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