Cumprindo a tradição, eu e mais seis colegas da 3ª Turma de Direito da Universidade de Ribeirão Preto Campus Guarujá demos um espetacular "pendura" no Hotel Casagrande, em 11 de agosto de 2005. Na época, o caso foi matéria da TV Tribuna 2ª edição, e do jornal Bom Dia São Paulo do dia seguinte .
Seguindo os ensinamentos do nosso nobre Professor Luiz Flávio Borges D´Urso, quando esteve palestrando no auditório de nossa faculdade, demos o "pendura perfeito". Nada de sair correndo de "cavalo doido" depois de comer e beber, nem tampouco combinar com restaurante e mendigar alimento e bebida, que certamente virão sacaneados pelos garçons, como bem sugere nosso Professor.
Foi tudo bem planejado semanas antes. Primeiro nos cercamos das bases jurídicas que nos "autorizam" a praticar a ação. Procedendo na forma do art. 176, tínhamos os argumentos para desclassificar o art. 171, ambos do CP, caso fôssemos processados. Todos traziam consigo dinheiro ou cartão de crédito mostrando que podiam pagar a conta e não o fizeram pela tradição. E também portavam suas carteirinhas da faculdade de direito ou declaração. Por livre e espontânea pressão, fui nomeado o orador da turma. Novamente me vali das palavras do Nobre Professor e decorei todo aquele discurso de Imperador Dom Pedro I e a criação dos cursos de direito em 11 de agosto de 1827.
Para melhor caminhar a narrativa, vou dar nomes fictícios aos colegas pendureiros, pois não os consultei para saber se podia divulgar seus nomes. Qualquer semelhança com o nome real é mera coincidência.
No dia anterior ao dia do pendura, a colega Fabiana ligou para o hotel de luxo simulando o noivado de seu sobrinho Charles com a minha filha Luciene e querendo alugar o salão de festas, que por sinal é muito bonito. Então, ficou marcado para o meio-dia do dia seguinte a visita ao hotel para acertar os detalhes do aluguel do salão. Só para constar, nossas idades eram compatíveis com os personagens da farsa.
No dia 11 de agosto a nossa última aula terminou às 11:30 da manhã, chegou a hora do pendura, alguns colegas desistiram e só restamos nós sete pendureiros. Então nos reunimos na casa da Fabiana para definir os últimos detalhes, os outros colegas seriam primos ou convidados do noivo ou da noiva. Seguimos em dois carros, o Élisson e eu fomos no carro do Charles, a Luciene, a Juliana e o Luciano foram no carro da Fabiana. Chegando lá paramos em frente ao hotel e os manobristas pediram as chaves dos carros para levar ao estacionamento, hesitamos um pouco, mas entregamos.
Entramos todos e fomos ao encontro da pessoa contatada por telefone, uma distinta senhora nos recebeu muito bem e nos mostrou toda instalação do salão e falou sobre as condições do aluguel para festa. Não sei bem o que ficou resolvido, mas nos despedimos e falamos em almoçar em algum lugar, já que passava de uma hora da tarde. Solícita, a senhora nos apresentou o restaurante do hotel, assim saberíamos um pouco sobre o serviço deles.
Havia algumas pessoas distraídas almoçando no restaurante que nem prestaram atenção em nós numa das mesas centrais. Almoçamos bem, de extravagante só pedimos um vinho de R$ 80,00 a garrafa. Após a sobremesa, quem quis tomou um cafezinho, eu preferi um licor enquanto o garçom trazia a conta. Toda despesa do almoço das sete pessoas ficou em R$ 460,00, já incluído os dez por cento do garçom que seria R$ 46,00. Então, cada um de nós deu R$ 10,00, totalizando R$ 70,00 que entregamos na mão do garçom e lhe pedimos para chamar seu chefe.
Quando o gerente chegou eu comecei a agradecer pela refeição em tom mais alto e passei a proferir aquele discurso ensaiado sobre o dia do pendura e D. Pedro I, todos olhavam sem entender nada enquanto nos levantávamos para sair. O gerente desconfiado indagou:
- Quem vai pagar essa conta?
Eu lhe respondi:
- Ninguém, vocês nos ofertaram pelo dia do advogado.
Foi quando um senhor que estava na mesa ao lado, e que depois se identificou como gerente geral da rede de hotéis, se levantou muito bravo vociferando insultos e dizendo que já tinha tido experiência semelhante em São Paulo e era pra chamar a polícia. O reboliço estava armado, os garçons que levaram a melhor se divertiam com a situação. Enquanto isso nos dirigimos ao saguão do hotel cercados por alguns seguranças trogloditas.
O gerente do hotel, por sua vez, ligou para a polícia do seu telefone celular quando ouvi ele dizer:
- Alô, sargento!
Epa, pensei..., sargento? Ele não chamou a polícia, ele chamou o chefe da segurança.
Imediatamente eu liguei para o 190 e, me passando por garçom, disse para a policial militar que no Hotel Casagrande havia um grupo de estudantes que almoçaram e não queriam pagar a conta dizendo para pendurar. A policial disse que mandaria a patrulha imediatamente. O sargentão do gerente chegou primeiro, à paisana, e já estava meio se estressando querendo dar uma dura em todo mundo quando a polícia chegou, primeiro duas bicicletas, em seguida duas viaturas.
- Quem chamou a polícia? Indagou o sargento furioso.
- Pessoal chegaram nossos defensores, exclamei, e fomos logo nos entregando aos policiais fardados. Naquelas alturas o saguão do hotel estava cheio de curiosos querendo saber qual o motivo de tanta agitação.
Em meio a agradecimentos e aplausos dos garçons, entregamos os documentos dos carros aos policiais e fomos conduzidos escoltados em nossos próprios carros para a delegacia, só o Élisson que quis ir no camburão, o folgado ainda pediu para o policial ligar a sirene, tomou uma geral antes de entrar.
Tudo correu como manda a tradição. Chegamos no DP Sede de Guarujá por volta de quatro horas da tarde, a mãe do Charles estava apavorada, ele não tinha falado nada, ela soube por alguém que seu filho estava na delegacia, foi difícil convencê-la a não pagar a conta. O advogado Dr. Zé estava na delegacia quando chegamos, ele disse que deu pendura quando estudante e resolveu ficar conosco só pra ver se ia dar tudo certo. Enquanto esperávamos pela elaboração do BO no DP eu liguei para a TV Tribuna e falei sobre os pendureiros, eles mandaram uma equipe de repórteres para fazer a matéria. O Dr. Zé e eu fomos entrevistados, ele falou sobre legalidades e eu falei sobre a tradição do pendura.
Ao final saímos ainda a tempo de assistir em casa a reportagem na televisão. Como troféu, cada qual levou consigo uma cópia do boletim de ocorrência além de tirar fotos em frente à delegacia. Ainda guardo o boletim de ocorrência, as fotos e a gravação da reportagem exibida na TV sobre esse verdadeiro pendura. O restaurante do hotel não levou adiante a acusação feita no BO e não nos representou judicialmente.
Hoje estou pensando em reunir novamente os sete "pendureiros" para almoçar lá no restaurante do Hotel Casagrande. Vamos, quem sabe, tomar uma ou duas garrafas daquele mesmo vinho, tomar um licor e, desta vez vamos pagar direitinho, nosso tempo de estudante já passou. Vale dizer que nós somos autores do primeiro pendura jamais aplicado por alunos de uma faculdade de direito em Guarujá e o mais espetacular pendura que se soube em toda região.
O mais importante ainda é que, no próximo dia 11 de agosto, cabe aos atuais estudantes de direito terem a coragem de manter essa tradição centenária. A nossa parte nós já fizemos.