Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Sanção e coação: a organização da sanção e o papel do Estado

Exibindo página 2 de 2
Agenda 01/08/2002 às 00:00

Cláusula de não indenizar

São válidas as cláusulas que, por excluírem o dever de indenizar nos contratos, privam a obrigação de sanção jurídica?

Alguns, com base no princípio da autonomia da vontade, admitem-nas com amplitude. Se as partes são capazes e lícito o objeto do contrato, válida a avença.

A outros parece que a cláusula fomenta a desídia, imprudência e negligência daquele que dela se beneficiará.

Há variadas posições intermediárias na lei, na doutrina e na jurisprudência. Ora se admite a cláusula em alguns contratos, ora é negada noutros. Em algumas situações, mesmo admitida, sofre maiores ou menores restrições.

O STF, na Súmula nº 161, negou-a: "Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar."

Há os que a repelem nos contratos de adesão, conforme RT 759/142: "O pré-estabelecimento dos danos por meio das cláusulas limitativas de responsabilidade viola o princípio da reparação integral, pois impede que sejam ressarcidos todos os prejuízos sofridos pela vítima. (...) Se é verdade que as cláusulas que excluem o dever de indenizar aparecem nos contratos em geral, nos contratos por adesão ganham elas relevo particular. Exprimem nesses contratos a posição de supremacia de uma das partes. O objetivo visado é conferir legitimidade jurídica ao poder de que dispõe o predisponente. Não há dúvida de que as cláusulas de não indenização trazem prejuízos aos consumidores. Quando não provocam a completa imunidade do fornecedor, impõem drástica limitação do dever de indenizar ou a transferência desse dever a terceiros. Tais cláusulas privam a obrigação de qualquer sanção jurídica, fator que a transforma em obrigação moral, destituída de garantia. Desaparece a faculdade de o credor exigir que o devedor cumpra a obrigação. Atentam contra o princípio da força obrigatória dos contratos porque não há risco a suportar quando o fornecedor exclui a obrigação que sobreviria como resultado de um fato a ele imputável."


A organização da sanção

Perda da vida, privação da liberdade pessoal, expropriação do patrimônio, constrição de bens por meio da penhora, arresto, seqüestro, arrolamento, constrangimento através de protesto extrajudicial etc., eis algumas medidas jurídicas de coação exercida pelo Estado, que o faz por ter ele se organizado em uma unidade de poder, disciplinado o exercício dessa coação, com o objetivo de aplicar as sanções por ele mesmo criadas e, enfim, atribui-se o monopólio da coação.

Destarte, o Estado, ao ordenar o poder, disciplinou a coação em suas formas, conteúdos e intensidades. O poder originário se impõe e deve ser obedecido. Neste passo, Bobbio, identificando o poder originário com o poder constituinte, define-o como o conjunto das forças políticas que num determinado momento histórico tomaram o domínio e instauraram um novo ordenamento jurídico. Ante a possibilidade de raciocínio errôneo na singeleza de reduzir o direito à força, sustenta não se dever confundir o poder com a força física, e deixa claro ser possível que se instale o poder por meio do consenso e não ser verdade de termos que nos submeter à violência, e normalmente nos submetemos sim aos que têm o poder coercitivo. Se o poder foi obtido pelo consenso, os detentores do poder são os que têm a força necessária para fazer respeitar as normas que deles emanam. Em tal sentido, a força é instrumento necessário do poder.

Sendo a força, nesse sentido, instrumento necessário do poder, seria também o fundamento? Responde Bobbio que a força é necessária para exercer o poder, mas não para fundamentá-lo, não para justificá-lo.

Poder-se-ia indagar: para existir um ordenamento jurídico se faz imprescindível o exercício da força ou do poder? Se entender-se, com Bobbio, que poder significa "poder coercitivo", ou o poder de fazer respeitar, chega-se à mesma resposta fornecida por ele: um ordenamento jurídico é impensável sem o exercício da força, isto é, sem o poder. É coerente com o conceito que dá de Direito: ordenamento com eficácia reforçada.

O mesmo Bobbio demonstra que os temem a redução do Direito à força física estão preocupados, não propriamente com o Direito, mas com a justiça. O equívoco deles está na confusão do Direito positivo, que é, com o que deveria ser, o Direito justo. Por ser o Direito a expressão dos mais fortes, não dos mais justos, a norma fundamental autoriza os detentores do poder ao uso da força, legitimando apenas juridicamente esse uso, esse poder, mas não moralmente. A situação ideal, embora rara, é o de serem os mais fortes também os mais justos.


Bibliografia

BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Elementos de Direito Tributário – Introdução. Coordenação de Geraldo Ataliba. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1978.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil – Parte Geral. São Paulo, Editora Saraiva, 1º v., 1999, 36ª edição.

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução: Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Revisão Técnica: Cláudio de Cicco. Apresentação: FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio, Editora Fundação Universidade de Brasília, 1999, 10ª edição,.

CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandez Barbiery, Campinas, v. I, Bookseller Editora Ltda., 1999.

DOURADO, Paulo Dourado de. Introdução à Ciência do direito. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2ª edição, 1960.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo, Editora Saraiva, 15ª edição, 1999.

_________________. Código Civil Anotado. São Paulo, Editora Saraiva, 3ª edição, 1997.

FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio e outros. A norma Jurídica. Coordenação de Sérgio Ferraz. Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos S.A., 1980.

FRANCO MONTORO, André. Introdução à Ciência do direito. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 24ª edição, 1997.

GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro, Editora Forense, 14ª edição, 1999.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 2ª edição brasileira, 1987.

KOMATSU, Roque. Da Invalidade no Processo Civil. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1991.

MELO FILHO, Álvaro. Sanção Premial. Enciclopédia Saraiva de Direito, coordenada por R. Limongi França, v. 67, São Paulo, Editora Saraiva, 1977.

MENEZES, Anderson de. Teoria Geral do Direito. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1ª edição, 1960.

MIRANDA, Pontes. Sistema de Ciência Positiva do Direito. Rio de Janeiro, Editor Borsoi, 2ª edição 1972, tomo I a IV.

NADER, Paulo. Introdução à Ciência do direito. Rio de Janeiro, Editora Forense, 5ª edição, 1988.

PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro, Editora Forense, 19ª edição, 1999.

SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil - Introdução, Parte Geral e Teoria Geral dos Negócios Jurídicos. Revista e Atualizada pelo Prof. José Serpa Santa Maria. Rio de Janeiro, Freitas Bastos Editora, 8ª edição, 1996.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo, Editora Saraiva, 18ª edição, 1998.

_____________. Lições Preliminares de Direito. São Paulo, Editora Saraiva, 19ª edição, 1991.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil – Direito Família. São Paulo, Editora Saraiva, v. VI, 1984, 11ª edição.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro, Editora Forense, Volumes I e II, 1991.

___________________. Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro, Volumes III e IV, 1991.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1992.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela, São Paulo, Ed. Saraiva, 1999.

Sobre o autor
Teófilo Marcelo de Arêa Leão Júnior

advogado, professor universitário na Faculdade de Direito de Marília, mestre em Direito pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEÃO JÚNIOR, Teófilo Marcelo Arêa. Sanção e coação: a organização da sanção e o papel do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3117. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!