Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Direito Penal simbólico

Agenda 25/08/2014 às 21:54

Quando ocorre de o direito penal se tornar ineficaz perante as condutas, origina-se o que se chama de direito penal simbólico.

O convívio em sociedade gera conflitos. Estes precisam ser resolvidos pelo direito, que tem papel solucionador de conflitos, restabelecendo o status quo ante e mantendo a paz social. É notório que uma das principais carências da sociedade é a segurança jurídica, face à crescente violência, não só nos grandes centros, mas também nas pequenas cidades. Desta forma é notório que todo indivíduo, ou grupos de indivíduos, considerados em suas diversas modalidades, têm o anseio e necessidade da segurança jurídica para viver em sociedade como também alcançar suas metas. Qualquer sociedade sem direito, corre o risco de perecer (José de Ribamar Sanches Pereira).

Tão urgente é a necessidade da segurança jurídica, que há aqueles que a põe em primeiro plano, desprezando outros valores, que se fazem até mais importantes. Prosperando assim a errônea ideia de que essa tão almejada segurança está acima, é superior ao direito e até outros valores, fazendo assim que estes pereçam pela falta de atenção e importância, para dar lugar à tão esperada segurança jurídica. Ou seja, essa tão falada segurança, que em primeiro momento, sob o olhar jurídico, teria a função de se portar como ferramenta a serviço da dignidade do homem, acaba por se tornar poderoso obstáculo frente à mesma, se portando agora como meta principal, não importando quais formas para se chegar a ela. Como afirma José de Ribamar Sanches Prazeres, “coloca-se dessa forma, a segurança como único objetivo, voltado em si mesmo, acima da moral, dos valores e do próprio direito, permitindo que todos os demais valores tidos como fundamentais do homem sejam sacrificados em nome e em prol dessa malfadada segurança”.

Em resumo, o que se vê é o seguinte panorama: tudo é permitido, tudo é válido para se ter segurança. Até mesmo, que em seu nome, acarrete mais violência.

Na esfera penal é, indubitavelmente, onde se há maior preocupação com a questão da segurança. Essa afirmação é consequência da ilusão de que o Direito Penal é a solução para todos os problemas relacionados à criminalidade. Ilusão essa que atribui a esse ramo do Direito a imagem de único remédio de que dispões o Estado para o problema da criminalidade. Decorrente dessa ilusão, além da ideia de que o direito penal é único solucionador de problemas, soma-se o fato de que, para a sociedade, arrebatada por uma forte influência da mídia, a edição de uma lei penal, com penas mais severas e restritivas dos direitos dos indivíduos infratores, tem o poder de solucionar a violência existente. Tal ideia está amparada em um sistema que prima pela repressão, qual seja, o Movimento da Lei e da Ordem. O que remete também ao conhecido Direito Penal do Inimigo, em que aquele que comente qualquer infração é visto como inimigo da sociedade e como tal, deve ser totalmente excluído da mesma.

Do exposto, assevera Vera Regina sobre o direito penal simbólico:

Trata-se precisamente de uma posição entre o “manifesto” (declarado) e o “latente”; entre o verdadeiramente desejado e o diversamente acontecido; e se trata sempre dos efeitos e consequências reais do Direito Penal no qual se pode esperar que realize através da norma e sua aplicação outras funções instrumentais diversas das declaradas, associando-se neste sentido com o engano.(ANDRADE, 2003, p.293)

Assim, o direito penal, na sua acepção simbólica, traz à sociedade, desesperada por segurança, o compromisso da extinção da violência, mais prisão e mais penas severas, se portando assim como fator de alcance da segurança.

Observa-se assim, que o direito penal simbólico acerta diretamente o seio do Direito Penal, tornando-o ineficaz e ineficiente, quando sua função preventiva é deixada de lado, para dar lugar a meios de eficácia momentânea aos conflitos existentes, dando a falsa ideia de segurança à população. Como afirma Maurício Neves de Jesus “[...] com esta força do simbolismo, o Direito Penal tem sua essência deturpada: incita a criminalidade em vez de retribuir a conduta ilícita, fomenta ao invés de sanar[...]”

O legislador simbólico não tem a intenção de prevenir certas condutas. Com a produção em massa de novas leis, pretende dar à população uma falsa ideia de tranquilidade, furtando as raízes históricas, políticas e sociais da criminalidade, implantando leis e mais leis, com a finalidade de vendar os olhos da sociedade com políticas ineficazes e falsas promessas de segurança.

Sob forte influência da mídia o legislador pátrio editou a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8072/90), que trouxe condutas que são entendidas como merecedoras de maior repulsa pelo Estado e pela sociedade; como também a Lei de Tortura (Lei nº 9455/97), dentre outras, ou seja, remédios temporários para acalmar os ânimos de sociedade e meios ineficazes de combate à crescente criminalidade. Como afirma José de Ribamar

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Desse manancial legislativo e da própria experiência na aplicabilidade das normas, constata-se que a intimidação não serviu e nem serve como forma de combate à violência, assim como a pena ou a prisão não reabilitam ou ressocializam o preso ou apenado, produzindo isto sim efeitos opostos aos desejados, retroalimentando a criminalidade.

Essas leis surgiram pelo ensurdecedor grito da sociedade por justiça e segurança. A edição dessas leis não implicou na redução da criminalidade, nem tampouco na efetividade da segurança.

De todo o exposto tem-se que o direito penal simbólico serve de fator calmante para uma sociedade que vive e clama por segurança. Não sendo necessariamente fator de forte repressão, atuando apenas como um pseudo direito penal.

 

 

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica- do controle da violência à violência do controle penal. 2 ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado editora, 2003.

DIP, Ricardo. Crime e castigo. Campinas. Millenium Editora, 2002.

FILHO, Antônio Carlos Santoro. Bases críticas do direito criminal. Editora LED, 2002.

GRINOVVER, Ada Pellegrini. Eficácia e Autoridade da Sentença Penal. 1 ed. São Paulo. Editora RT, 1978.

JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. 4 ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado Editora, 2009.

JESUS, Maurício Neves de; GRAZZIOTIN; Paula Clarice Santos. Direito Penal Simbólico: o anti-Direito Penal. Disponível em: <http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/artigos/pdf/anti.pdf> Acesso em: 12 de maio de 2014.

NETO, Júlio Gomes Duarte. Direito Penal Simbólico, o Direito Penal mínimo e a concretização do garantismo penal. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6154> Acesso em : 03 de maio de 2014.

PRAZERES, José de Ribamar Sanches. O Direito Penal Simbólico Brasileiro. Disponível em:<http://www.mp.ma.gov.br/arquivos/arquivos_site_antigo/Noticia86A56.doc>Acesso em: 06 de junho de 2014.

RIBEIRO, Marcos Vinicius de Oliveira. O Direito Penal Simbólico como um resultado do irracionalismo pós-moderno através de bioética na sociedade brasileira urbanizada.2010. Disponível em : <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3936> Acesso em 08 de junho de 2014.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!