Em 30 de setembro de 1937, os jornais noticiaram que o Estado-Maior do Exército teria descoberto um plano comunista para a tomada do Poder (“Plano Cohen”). Este foi o “estopim” para que o Governo decretasse o golpe como suposta “salvação” contra o comunismo que parecia “assolar” o País. (LENZA, 2013)
O então chefe de governo Getúlio Vargas declarou à nação amedrontada pelo “fantasma do socialismo” (D’ARAÚJO, 2011, p. 358):
O homem de Estado, quando as circunstâncias impõem uma decisão excepcional, de amplas repercussões e profundos efeitos na vida do país, acima das deliberações ordinárias da atividade governamental, não pode fugir ao dever de tomá-la, assumindo, perante a sua consciência e a consciência de seus concidadãos, as responsabilidades inerentes à alta função que lhe foi delegada pela confiança nacional.
Apoiado pelos Generais Góis Monteiro (Chefe do Estado-Maior do Exército) e Eurico Gaspar Dutra (Ministro da Guerra) e ante uma nova decretação de “estado de guerra” pelo Congresso Nacional, em 10 de novembro de 1937 Getúlio Vargas toma de assalto o poder, fechando o Congresso Nacional.
Seria o início do que Getúlio Vargas denominou de “nascer da nova era”, e, por outorga, passou a viger a Constituição de 1937, indelevelmente marcada por fortes traços fascistas e autoritários, que instalou a ditadura – “Estado Novo”. Este só cessaria com a redemocratização a parir do texto de 1945, declarando-se em todo o País o estado de emergência.
Conforme rememora Pandolfi (1999, p. 293), O brigadeiro Francisco Teixeira, cassado em 1964 e que nos anos 30 era oficial de Marinha:
Eles [os generais] dariam o golpe mesmo sem Getúlio. Naturalmente, para eles era mais cômodo dar com o Getúlio, não é? Teriam mais cobertura. E o Getúlio era hábil o suficiente para não perder aquela oportunidade de ter plenos poderes. O golpe de 37 foi um golpe militar, do Exército. A ideia que predominou na estratégia do Exército foi a do Góis: a intervenção controladora do Estado.
O General Góis Monteiro era, contudo, muito criticado pela mídia. Tanto o é que o tenente revolucionário de 30, Ernesto Geisel, militar de perfil discreto, o qual manifestou sua opinião sobre Góis Monteiro
Góis era um homem muito inteligente, muito lido, mas político também. Falava muito e, consequentemente, sofria ataques ofendiam o Exército, quando na realidade o problema era com ele. (...) Convivi com Góis, servi junto dele e várias vezes senti suas frustrações. Tinha, como é natural, suas ambições, embora não declaradas, à Presidência da República. (PANDOLFI,1999, p. 294)
Portanto era compreensível a predileção por Vargas em detrimento a ínfima exposição de Góis. O Estado Novo, comandado por eles, consagrou formalmente na Constituição o princípio representativo – a Assembleia Nacional era uma câmara política de representação nacional – e o princípio eletivo – designação do Presidente da República e da Assembleia Nacional. A sua concretização foi, porém, viciada pela ausência de liberdade política e a aplicação de mecanismos de controlo da oposição e da sociedade.
Nesse sentido, Getúlio Vargas discursou, no dia 10 de novembro de 1937, o seguinte:
A constituição hoje promulgada criou uma nova estrutura legal, sem alterar o que considera substancial nos sistemas de opinião; manteve a forma democrática, o processo representativo e a autonomia dos Estados, dentro das linhas tradicionais da federação orgânica. (D’ARAÚJO, 2011, p. 365)
A mencionada Carta, elaborada por Francisco Campos, recebeu o apelido de “Polaca”, haja vista que recebeu severa influência da Constituição polonesa, de teor fascista, de 1935, imposta pelo Marechal Josef Pilsudski. Nada obstante a previsão em seu art. 187 à realização de plebiscito, este nunca sobreveio.
Assim, além de fechar o Parlamento, o Governo estabeleceu amplo domínio sobre o Poder Judiciário. Ademais, a própria Federação viu-se abalada pela nomeação de diversos interventores. Direitos fundamentais foram enfraquecidos, em especial pela atividade desenvolvida pela “Polícia Especial” e pelo “DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda”. Dissolvidos foram os partidos políticos.
Vilipendiou-se o princípio da humanidade, cujo teor veda sanções cruéis e desumanas. Afinal, o art. 122, n.13, permitia a pena de morte para os presos políticos e nas hipóteses de homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade, de modo a aviltar também a dignidade da pessoa humana, pedra angular de toda a hodierna construção constitucional, resguardada pela Carta de 1988, em seu art. 1º, III.
A tortura, atribuída geralmente apenas ao Regime Militar, também veio à tona como meio de repressão, cujo pináculo simbólico ocorreu com a entrega da gestante Olga Benário, companheira de Luís Carlos Prestes, notório líder comunista do Brasil, aos nazistas, os quais viriam a assassiná-la em um campo de concentração.
Sua transferência aconteceu na calada da noite, por meio do navio cargueiro “La Coruña”, que detinha ordens expressas de não parar em nenhum outro porto. Em razão da existência de avisos de que os portuários franceses e espanhóis resgatavam deportados para a Alemanha (SALOMÃO, 2013).
Ao repensarmos o Estado Novo verifica-se que ainda existem resquícios desse período. A memória de Getúlio Vargas, político reverenciado pelas massas, continua sendo lembrada por muitos brasileiros que, apesar de o lembrarem ditador, não se esquecem dos benefícios perpetrados por esse carismático tirano.
Para muitos saudosistas, o Estado Novo deve ser visto como Estado-nação, de forte intervencionismo e forte participação sindical - sendo que tais organizações trabalhistas eram contraladas pelo governo; idealizado e realizado pela força de um único homem. Esquece-se que esses foram “tempos duros”, de repressão, censura, antissemitismo, que simbolizaram um nefasto período da política brasileira, de modo que deve-se vinculá-lo, dessarte, à perda de direitos, em especial, liberdades de expressão e reunião. Por isso, faz-se mister afastar os espectros do Estado Novo.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Constituição da República, 1988.
______. Constituição Federal, 1937.
PANDOLFI, Dulce. REPENSANDO o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999.
SALOMÃO, Graziela. A vida revolucionária Olga Benário Prestes. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT794517-1655,00.html. Acesso em 17/10/2013
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva 2013
D’ARAUJO, Celina. Getúlio Vargas. Brasília: Edições Câmara ,2011