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Cooperativismo (d)e trabalho:

algumas reflexões sobre o instituto após o advento da Lei 12.690/12

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Agenda 28/08/2014 às 15:45

A virtude do cooperativismo, em relação a todos os demais sistemas de organização do trabalho e da economia, segundo Amaral, é também a porta pela qual adentram os mais severos críticos: sua simplicidade.

RESUMO: O modelo cooperativista brasileiro foi recém-alterado pela Lei 12.690/2012, que trata especificamente das cooperativas de trabalho, agregando seu conteúdo à chamada Lei Geral de 1971 (5.764). O intuito dessa mudança foi garantir melhores condições de vida aos trabalhadores cooperados, na medida em que lhes estende alguns direitos atribuídos aos empregados. O objetivo deste trabalho é propor algumas reflexões sobre a tradição cooperativista brasileira, sobre a adequação do cooperativismo à prestação de serviços a terceiros, à luz de seus tradicionais princípios para, ao fim, examinar até que ponto a nova lei pode, de fato, romper com o paradigma da fraude e da precarização das relações de trabalho no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Cooperativismo. Cooperativas de Trabalho. Precarização. Lei 12.690/2012.


I. INTRODUÇÃO

 “Conquanto eminentemente prático, o cooperativismo é poesia, é sentimento, é coração” (AMARAL, 1938). Com estas palavras, inicia-se o primeiro grande tratado brasileiro sobre cooperativismo, erigido por Luis Amaral, numa época em que ainda se ressaltavam as vantagens comparativas do Brasil agrícola, e se exortava o cooperativismo camponês como forma de evitar uma revolução que anos antes eclodira na Rússia.

Schulze-Delitzsch tivera êxito em elevar a Prússia a potência agrícola, ainda nos estertores do século XIX, pondo em prática uma nova organização econômico-social denominada cooperativismo, a “flor da consciência coletiva”. Sagrou-se vitoriosa em amainar a Questão Social na Alemanha, melhorando a condição da massa popular, quando na França falhavam os economistas-financistas Boisguillebert e Vauban, de início, e os fisiocratas Quesney, Mirabeau, Condorcet e Turgot, mais adiante. Melhor sorte não tiveram Malthus e Ricardo na Inglaterra, e nem os economistas de transição, como Sismondi, Blanqui, Rossi e outros.

A virtude do cooperativismo, em relação a todos os demais sistemas de organização do trabalho e da economia, segundo Amaral, é também a porta pela qual adentram os mais severos críticos: sua simplicidade. Todavia, enquanto a economia política, através de sua mais aclamada intelligentsia, buscava receitas baseadas na cultura e no talento humanos, o cooperativismo surge invocando a interferência do sentimento, da alma, do coração, que “é ainda a essência da humanidade, e que é ainda o melhor manancial da melhor ciência” (AMARAL, 1938, p. 22).

O cooperativismo é, basicamente, coletividade, e sua concepção-base é de uma simplicidade comovente: aliança de esforços para aumento da eficiência produtiva e defensiva, e para diminuição de despesas; para aperfeiçoamento da produção e melhor aproveitamento do trabalho. Talvez até por estas regras simples, os efeitos do cooperativismo, em sua origem, manifestaram-se de forma especialmente exitosa na lavoura, na pequena lavoura, donde surgiram outras expressões do cooperativismo que se integraram verticalmente ao processo produtivo, como as cooperativas de crédito e de compra e venda.

“Cooperativismo é união, é solidariedade”, reafirma Amaral noutra parte de sua obra. E não é qualquer solidariedade, é solidariedade social, aquela que, conforme o autor, deve se opor ao individualismo do homem hobbesiano. Cooperativismo é também, e principalmente, um sistema de defesa. Defesa do homem e de seu trabalho frente ao capital que o coisifica. Decerto que, hoje em dia, invoca-se o “verdadeiro” cooperativismo em nome de um Direito Social. Mas deixe estar que a organização do trabalho em cooperativas, por seus princípios que a identificam como o “Evangelho em ação”, antecipa-se, e muito, ao Direito, em sua pretensão de conferir dignidade à pessoa humana.

Sob o olhar do materialismo histórico, diz-se que o trabalho humano organizado e dividido na forma cooperada não é alienado, senão para o alterego coletivo do próprio trabalhador cooperado. O trabalhador cooperado é proprietário de seus fatores de produção, ainda que só possua a força de trabalho. Sua obra é revertida para si próprio, mas assimilada por sua expressão coletiva: a cooperativa. Qual numa integração monadológica Tardiana[1], cada trabalhador cooperado contém a si próprio, como indivíduo, e também a cooperativa. Pode-se dizer que a partir dessa percepção original do cooperativismo eclodiram os princípios que, apropriados pelo Direito, passaram a informá-lo no âmbito dos sistemas jurídicos, mas que a modernidade, em pouco mais de meio século, tratou de corromper.

Inicia-se este artigo por uma exortação à gênese da doutrina do cooperativismo, a fim de que, adiante, se possa compreender de que forma, e até que ponto ela foi instrumentalizada pelo capitalismo, a partir da crise do Estado do Bem-Estar, tendo sido redefinida, no Brasil, pelas legislações que, sobretudo a partir da década de setenta, se encarregaram de regulá-la de cima a baixo. Por aqui, o ápice do desvirtuamento do cooperativismo, como sistema, veio com uma tentativa de corrigir desvios da política fundiária de assentamentos, durante a gestão de Itamar Franco, quando a Lei nº 8.949/94 alterou o artigo 442 da CLT, criando uma ilha de exclusão do garantismo trabalhista constitucional (SILVA, 2011) no próprio estatuto do obreiro, tornando-se o que, para muitos, é o primeiro ato da grande transformação legislativa que iria caracterizar, durante os oito anos seguintes, a assimilação do Brasil à cartilha neoliberal.

A piéce de résistance deste ensaio pretende mostrar de que maneira o cooperativismo se tornou um dos principais mecanismos de precarização do trabalho, no Brasil, e de que forma contribuiu, para isso, a legislação de sustento. Tudo para ao fim se poder refletir sobre as promessas de transformação desse cenário, advindas com a Lei nº 12.690/2012.

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2. DESENVOLVIMENTO

2.1. COOPERATIVISMO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS(?)

Ao que parece, os sessenta anos que separam os pioneiros de Rochdale (1844), e as primeiras expressões legislativas sobre o que se poderia chamar de cooperativismo brasileiro, foram suficientes para produzir um mal de origem no processo de positivação do instituto. Ainda em 1903, com o Decreto nº 979, certamente influenciado pelo anarcossindicalismo, através de uma de suas mais características expressões: as sociedades de socorro mútuo, atribuiu-se, por vez primeira, o vocábulo “sindicato” à organização de cooperativas de crédito rural. Adiante, em 1907, editou-se o Decreto nº 1.637, sendo considerado o primeiro estatuto do cooperativismo no Brasil, o qual, por sua vez, continha nada menos que uma teratologia jurídica, ao admitir a possibilidade de constituírem-se cooperativas na forma de sociedades anônimas. O cooperativismo visualizado no neonato estatuto erigido durante o governo de Affonso Penna era, de fato, uma contradictio in adjecto.

Se a associação do cooperativismo ao sindicalismo provou não ter causado malefícios a um e outro (talvez benefícios ao último), a prática do cooperativismo no Brasil começou “de pé esquerdo”, a partir do decreto de 1907, quando cooperativas-empresas foram criadas com o intuito de dar empregos a seus incorporadores. Mas, ainda assim, há de se louvar o Decreto nº 1.637, pois além de ter impulsionado o cooperativismo no Brasil, permitiu especial desenvolvimento no ramo creditício, principalmente no Rio de Janeiro.

Outra falha de origem na normatização do cooperativismo brasileiro parece se situar na forma pela qual se concediam “favores” pecuniários para o fomento do cooperativismo, no mais das vezes através de isenções fiscais, preços mínimos e prêmios em dinheiro, em vez de fazê-lo através da “boa assistência e da educação cooperativa” (AMARAL, 1938, p. 107).

O Decreto nº 22.239 de 1932 se seguiu ao de 1907. Nele, ao elencar as dezesseis espécies de cooperativas, lá estava a de trabalho (profissionais ou de classe). Na mesma época, o Bureau Internacional du Travail classificava o cooperativismo em quatro grandes categorias: consumo, habitação, agrícola e profissional. Convém lembrar, no entanto, que a interpretação autêntica do que seria um contrato de trabalho, tal como delineado na CLT, surge três anos depois do decreto de 1932, através da Lei nº 62/35. Até então, vigorava a regra do locatio conductio operarum, regulado nos artigos 1.216 a 1.236 do Código Civil de 1916. Desse modo, via-se na cooperativa de trabalho ou profissional a realização de um instituto que jamais se instalou no “Brasil da CLT”: o contrato de equipe.

Com a assimilação da principiologia do Direito do Trabalho, que por aqui foi imortalizada por Américo Plá Rodriguez, e a identificação da subordinação jurídica como o marco reitor da relação de emprego, tornou-se tarefa árdua fundamentar a existência de cooperativas de trabalho, sobretudo quando este, como fator de produção, é alienado a outrem, que dele se serve, usufruindo de seus frutos.

A páginas tantas, Amaral afirma que o sistema cooperativista não tem a função de agredir os fortes, mas proteger os fracos, numa clara referência à Questão Social. Mas também afirma que o cooperativismo não proscreve o capitalismo, apenas o impede de gerir, por seus próprios interesses, a organização do trabalho. A autogestão é, de fato, um determinante do cooperativismo. No entanto, não há sistema cooperativista que se pretenda legítimo sem que estabeleça um canal direto entre a produção e o consumo. Desse modo, a lógica do cooperativismo profissional aponta para o esforço conjunto de consecução do melhor preço para trabalho, a ser ofertado como mercadoria para o consumidor ávido de tê-lo para seu exclusivo regalo. E se adotarmos a sedutora percepção de Karl Polanyi (2000), o que se vai ao mercado de consumo não é tão só o trabalho, mas o próprio trabalhador.

O simples fato de tratar o trabalho como mercadoria já subverte os mandamentos da Rerum Novarum, que fixou os batentes da moralização do trabalho e da dignificação do trabalhador. Estaria o cooperativismo, desse modo, alheado das promessas de melhoria da condição social do trabalhador, tomado como aquele que o aliena em favor de outrem? Parece estranho imaginar que a pessoa-que-vive-do-trabalho que importa ao cooperativismo seja, precisamente, um empreendedor.

Mas as perguntas persistem.

Em se tratando de cooperativa de trabalho, de que maneira se realizaria o princípio cooperativista da dupla qualidade, segundo o qual o trabalhador cooperado aliena seu esforço laboral em favor de seu alterego coletivo: a própria cooperativa? Como é possível que uma cooperativa de trabalho (da subespécie “serviços”, segundo a Lei nº 12.690/2012), possa prestar serviços a seus associados (art. 4º da Lei 5.764/71) ao tempo que presta serviços para um terceiro. A nosso sentir, a possibilidade de existir cooperativas de prestação de serviços redefine ontologicamente o sentido de cooperativismo, tornando tais cooperativas completamente indistinguíveis das empresas de prestação de serviços ou, pior, meras intermediadoras de mão-de-obra. Para tal modelo, não há como se aplicar o princípio da dupla qualidade, e desse modo, a autogestão é o que mantém as cooperativas de prestação de serviços ainda ligadas ao ideário cooperativista.

É o caso de dizer que o cooperativismo de serviços não é, necessariamente, uma forma de organização do trabalho, mas tão só um modelo de gestão. Desta forma, convém questionar, como faz Carelli (2002), se apenas a configuração formal desse modelo já seria suficiente para tornar as cooperativas categoria jurídica distinta das demais empresas e, por isso mesmo, merecedora de todas as prerrogativas legais que as colocam em posição de vantagem frente às sociedades empresárias, notadamente no que se refere à participação em certames públicos, hipótese garantida pela Lei 12.690/2012.

2.2. O LEGADO DA LEI 8.949/94

Costuma-se afirmar que o art. 442 da CLT, alterado pela Lei 8.949/94, visou a estimular a criação de cooperativas de produção, no âmbito dos assentamentos fundiários decorrentes da política brasileira de reforma agrária. Trata-se, de fato, de uma meia verdade, pois o que se mirava era desestimular os cooperados de requererem em juízo o reconhecimento do vínculo empregatício com as cooperativas às quais pertenciam.

Por razões que ficariam mais bem explicadas num tratado sociológico, a política nacional de assentamento não cria quaisquer restrições a quem se candidate a uma gleba de terra, no tocante ao quanto conheça do ofício de lavrador. Daí que parte da população assentada no campo é, na verdade, de origem urbana, para a qual a agricultura é, sem dúvida, uma aventura arriscada. Muitos recém-assentados negociaram suas glebas, sem que antes disso acumulassem prejuízos, por não terem conseguido colher os resultados do plantio financiado com dinheiro alheio. Com a perda da propriedade, e a exclusão da cooperativa (muitas delas informais) muitos ex-assentados decidiram demandar na Justiça do Trabalho, em face das próprias cooperativas, reivindicando o reconhecimento do vínculo empregatício.

A alteração na CLT objetivou, portanto, criar um impeditivo legal ao estabelecimento da relação de emprego entre cooperado e cooperativa. O sinal foi bem compreendido pelo mercado, e em plena década neoliberal (CARDOSO, 2003), não foram poucas as sociedades empresárias que, misteriosamente, tornaram-se sociedades cooperativas. Viram-se velhos e velhacos empreendedores abrindo mão da ética capitalista individualista, como se fossem acometidos de uma epifania de solidariedade coletiva. Para uma economia em que o setor terciário já amealhava mais da metade da mão-de-obra ocupada, novos empreendimentos de serviços vieram ao mundo, sob a forma de sociedades cooperativas, cientes de que a lei as protegiam de seus próprios cooperados.

Mesmo com o contra-ataque do Judiciário Trabalhista, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério Público do Trabalho (MPT), não dá para dizer que o objetivo do legislador não foi alcançado. É impróprio afirmar que, a despeito da atuação do “tripé” institucional para a proteção e garantia dos direitos trabalhistas (PIRES, 2009), o parágrafo único do art. 442 da CLT tenha se tornado letra morta. Ainda hoje é extremamente difícil, para a Inspeção do Trabalho, autuar as cooperativas de prestação de serviços, por manterem trabalhadores sem o devido registro, porquanto travestidos de cooperados. O marchandage[2], tão bem identificado, em tese, pela doutrina, ganha no processo judicial ares de substância escura[3]: há quem afirme sua existência, mas ninguém jamais a viu.

Há, contudo, contabilidade de sucesso, sobretudo quando se fala na sempre profícua, embora eventual, aliança entre o MPT e MTE. Para os falsos cooperados, o caminho mais fácil foi sempre, por óbvio, o do reconhecimento do vínculo empregatício com o tomador de serviços, aproveitando (enquanto não encolhe ainda mais) o entendimento esposado na Súmula nº 331, do TST. Mas o argumento da ausência dos princípios do cooperativismo[4] vem fundamentando o fechamento compulsório de cooperativas pelo MPT, a partir, muitas vezes, de instrução produzida pela Inspeção do Trabalho, mormente quando o cenário analisado é obstativo da independência, da participação democrática e da realização da autogestão, da adesão voluntária e, pior, quando se impõe uma condição ao trabalhador que o diferencia in pejus do seu correspondente assalariado.

O pleno emprego que se observa há alguns anos, e as novas formas de empreendedorismo individual meio que desviaram a atenção sobre as cooperativas, até porque sua face fraudulenta era mais visível quando o emprego era escasso, e valia o primado da renda a qualquer custo. Mas este é o cenário da nova lei das cooperativas de trabalho, que se agrega à chamada “Lei Geral do Cooperativismo Brasileiro”, de 1971 (Lei nº 5.764), cujo objetivo é regular as chamadas cooperativas de trabalho, entre elas a de produção e a de serviços. Pretende-se agora, em poucas linhas, refletir sobre o quanto poderá a lei fazer para tornar infértil o chão donde brotam, em profusão, as falsas cooperativas.

2.3. A LEI 12.690/2012 E AS LIXEIRAS NAS ESQUINAS

Paul Singer[5] fala em “vida nova para as cooperativas de trabalho”, identificando virtudes na Lei 12.690/2012 que ele vê em iniciativas normativas de outros países, sobretudo na Europa. A lei tem um propósito claríssimo: estender aos cooperados parte significativa da paleta de direitos trabalhistas do trabalhador assalariado, por reconhecer que esses, segundo o próprio autor, fazem parte dos direitos inerentes à condição humana.

Na prática, as “retiradas” dos sócios da cooperativa serão mais vultosas, o que equivale a dizer que a manutenção desse tipo de sociedade demandará mais recursos, o que talvez impeça a proliferação de novas “fraudoperativas”, bem como a sustentação das que já existem. Esta é uma virtude que não se pode negar à nova lei. Mas há outras questões que merecem a nossa atenção.

A Lei 12.690/2012 abre definitivamente as portas das sociedades cooperativas aos certames destinados à prestação de serviços para a Administração Pública. Parece-nos certeiro o argumento de Carelli (2002) ao invocar a quebra do princípio constitucional da isonomia, considerando que as sociedades cooperativas gozam de prerrogativas legais (leia-se fiscais) que as colocam em posição de vantagem frente às sociedades empresárias. Decerto que a Lei 12.690/2012 incrementa o custo da cooperativa com seus cooperados, na medida em que lhes estende alguns direitos trabalhistas. Mas não são todos – e isso, por si só, já é outra crítica corriqueira – de modo que as vantagens permanecem, embora ligeiramente mitigadas.

Um dos fenômenos mais observados, durante o período de surto de cooperativas no Brasil, foi a transformação de sociedades empresárias em sociedades cooperativas. Mas este processo não ficou restrito à iniciativa privada, pois se deu, em profusão, também no setor público. Mesmo quando originadas de fora da Administração Pública, muitas eram (ou são) cooperativas que possuem “donos”, quase sempre ex-secretários municipais, ou pessoas ligadas à alta burocracia administrativa. Ainda hoje a Administração Pública é reconhecidamente um porto seguro para a criatividade criacionista dos gestores municipais e estaduais. Basta lembrarmos que há poucos anos, antes de ser dissolvida, uma única cooperativa de Resende (RJ), com 1.500 cooperados, prestava serviços em diversos departamentos daquela Administração. Em Barra Mansa (RJ), também há poucos anos, uma cooperativa esteve a ponto de assumir o serviço de limpeza urbana, depois que a empresa que até então exercia essa atividade teve o contrato denunciado. O serviço público de saúde parece ser especialmente propício à penetração das sociedades cooperativas. Pela Região Sul Fluminense e Médio Paraíba, viram-se iniciativas em Barra Mansa, Valença e em Mendes. Mas certamente o maior exemplo é o próprio Estado do Rio de Janeiro, que por alguma alquimia administrativa tornou-se cooperada a grande maioria dos médicos servidores estaduais[6].

Até que se questione a constitucionalidade da Lei 12.690/2012, nesse particular, a prestação de serviços públicos deverá estimular, e muito, a criação de novas cooperativas de trabalho. E o melhor(?), é bom que se diga, é que nem mesmo o argumento da terceirização da atividade-fim se aplicaria à Administração Pública, visto que a sua atuação se dá fora do mercado, por não exercer atividade econômica. No tocante à terceirização de serviços públicos através de cooperativas, resta a discussão acerca de sua constitucionalidade. Mas neste caso, o fato de a transferência de certos serviços públicos se dar em favor de cooperativas não torna esta questão mais, ou menos especial.

Já se questionou, linhas atrás, sobre a imprestabilidade do princípio da dupla qualidade às cooperativas que existem tão só para prestar serviços a terceiros. Nesse ponto, a nova lei nada altera. Por fim, mitiga-se também um importante fio condutor da atuação do MTE e do MPT, um forte elemento de convicção, que é a retribuição pecuniária diferenciada, tomada como a evidência objetiva de que a cooperativa existe para melhorar a situação do trabalhador, e não para precarizá-lo. No entanto, nem todas as garantias do trabalhador assalariado são atribuídas ao cooperado, o qual, ao menos no âmbito da prestação de serviços, se lhe assistem menos direitos que aos avulsos, em relação aos quais também não se reconhece o vínculo de emprego.

A nova lei, por fim, não tem a pretensão de transformar o ideário cooperativista. Sacramenta a cooperativa prestadora de serviços, pondo a baixo o princípio da dupla qualidade, verdadeiro pivô da doutrina do trabalho solidário. A lei sugere uma conformidade (ou diria conformismo?) com o cooperativismo de trabalho no Brasil, e no tocante ao aspecto laboral, se limita a melhorar a retribuição financeira do trabalhador cooperado, à maneira do que se fazia no tempo de Luis Amaral, que mais serve à cristalização de uma condição de “precariedade mitigada”, do que à emancipação do trabalhador e a valorização do cooperativismo, como modelo de organização sócio-econômica. Se a população excluída da coleta domiciliar junta seu lixo na calçada das esquinas, coloquem-se lixeiras.

Sobre o autor
Luiz Felipe Monsores de Assumpção

Economista (UERJ) e bacharel em direito (UNESA). Especialista em direito do trabalho e legislação social (UNESA). Mestre e doutor em direito e sociologia (UFF). Auditor-Fiscal do Trabalho. Professor do Centro Universitário Geraldo di Biase. Pesquisador e membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito (ABraSD), da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação Interdisciplinar em Sociais e Humanidades (ANINTER-SH) e da Rede de Pesquisa Empírica em Direito (REED).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSUMPÇÃO, Luiz Felipe Monsores. Cooperativismo (d)e trabalho:: algumas reflexões sobre o instituto após o advento da Lei 12.690/12. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4075, 28 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31375. Acesso em: 22 dez. 2024.

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