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Morte de Campos e depoimento de contadora: duas tragédias

Agenda 03/09/2014 às 05:40

Há tragédias que configuram acidentes imprevisíveis. Outras são totalmente evitáveis.

A tragédia e o carnaval são marcas registradas do Brasil (veja Empoli, Hedonismo e medo), com predomínio (lamentavelmente) da primeira. No mesmo momento em que o candidato à presidência da República, Eduardo Campos, perdia sua vida num trágico acidente de avião na cidade de Santos (SP), a ex-contadora do doleiro Alberto Yousseff (Meire Poza) confirmava, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, grande parte da sua entrevista bombástica para a Veja.

Mais duas grandes tragédias no mês de agosto (a se lamentar). Do ponto de vista político, agosto definitivamente não é um bom mês para o Brasil: morte de JK, de Getúlio, renúncia de Jânio Quadros etc. Mas há uma diferença entre as tragédias: enquanto o discurso de Campos era pela renovação, um novo rumo, as confirmações de Meire Poza representam a continuidade da corrupção, da extravagância, da excentricidade, da vigarice.

Na entrevista Meire afirmou que (no escritório do doleiro) manuseava notas fiscais frias, assinava contratos de serviços não prestados e montava empresas de fachada para promover lavagem de dinheiro; disse ainda que via muitas malas de dinheiro saindo da sede de grandes empreiteiras e chegando às mãos e bolsos de notórios políticos, destacando-se, dentre eles, Luiz Argôlo (que foi sócio de Yousseff), André Vargas, Fernando Collor, Cândido Vaccarezza, Mário Negromonte etc.

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Há tragédias que configuram acidentes imprevisíveis. Outras são totalmente evitáveis. Nesse segundo grupo entra a corrupção endêmica ou sistêmica do Brasil, que não é algo imposto pela natureza, conforme suas leis físicas (lei da gravidade, por exemplo). A corrupção no Brasil é fruto de pura vigarice, que ocorre quando o político, as empreiteiras ou construtoras, outras grandes empresas (do setor alimentício, cervejaria etc.) e vários bancos se unem para obter vantagens em prejuízo dos outros.

Necessitamos de um grande milagre que promova a reforma da prazerosa vulgaridade de origem do humano nascido com a democracia (há um pouco mais de dois séculos). Novo rumo só pode ser alcançado se esse humano assumir as consequências morais da sua urbanização, o que significa "inibir seus instintos, adiar as gratificações imediatas dos seus desejos e alienar parcelas da sua liberdade" (Gomá Lanzón), que nunca poderia ter se transformado em libertinagem. Nossa campanha tem como alvo justamente essa libertinagem que concede, à troyca maligna (políticos, agentes econômicos e financeiros), licença para roubar (licença para tirar vantagens indevidas em prejuízo do todo, do país).

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

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