1. OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS E A JUSTIÇA
Toda a sociedade é regida por determinados valores, que constituem os postulados originários e primários do agrupamento coletivo. Para que exista uma sociedade, é fundamental uma comunhão mínima de valores que propiciem as diretrizes de o que e como se pretende se conduzir. O direito, em seu propósito de realizar a justiça, buscará operacionalizar esses valores. A partir daí, surge o ordenamento jurídico como um conjunto de normas que expressam os valores de uma sociedade.
Os princípios jurídicos representam os valores materiais que a sociedade elegeu à justiça, nos mostram como alcançá-los. Dworkin os define como um "standard" que há de ser observado por ser uma exigência da justiça, da equidade ou de alguma outra dimensão da moralidade.1 Constituem as proposições primárias do direito, estão vinculados àqueles valores fundantes da sociedade, que exprimem o que foi por ela eleito como sendo o justo.
Neste sentido, nos ensina Zagrebelsky:
"Desde su punto de vista, el positivismo jurídico tenía razones para preocuparse, aun cuando los princípios establecidos por la Constitución no son, desde luego, derecho natural. Tales principios representan, por el contrario, el mayor rasgo de orgullo del derecho positivo, por cuanto constituyen el intento de "positivizar" lo que durante siglos se había considerado prerrogativa del derecho natural, a saber; la determinación de la justicia y de los derechos humanos. La Constitución, en efecto, aunque trasciende al derecho legislativo, no se coloca en una dimensión independiente di la voluntad creadora de los hombres y, por tanto, no precede a la experiencia jurídica positiva. La separación de los derechos y de la justicia respecto de la ley no significa, en consecuencia – como ocurre, en cambio, en todas las manifestaciones del jusnaturalimo – su fundamentación en la esfera de un orden objetivo, intangible para la voluntad humana: los derechos encuentran su base en la Constitución y la Constitución es, por definición, una creación política, no el simple reflejo de un orden natural; más aún, es la máxima de todas las creaciones políticas. "2
Os princípios constitucionais traduzem os direitos do homem e os grandes princípios de justiça. Eles impõem ao legislador, à jurisprudência, à administração e aos particulares, a interpretação do Direito de acordo com os valores por eles espelhados.
Em virtude de sua generalidade e caráter prima facie , os princípios obrigam a adequação das normas secundárias e das condutas aos valores que incorporam. As regras jurídicas estabelecem o dever ser, ou seja, regulam especificamente o comportamento e a conduta social, nos dizem como devemos agir em determinadas situações específicas, previstas por estas regras. Já os princípios estabelecem direções em que deveriam situar-se as normas. Assim, cabe aos princípios, enquanto proposições fundamentais, orientar concretamente o direito, qualificando as normas dentro de determinados padrões axiológicos.
Sobre o papel dos princípios no ordenamento jurídico, nos ensina Zagrebelsky:
"La realidad, al ponerse en contacto com el principio, se vivifica, por así decirlo, y adquire valor. En lugar de presentarse como materia inerte, objeto meramente pasivo de la aplicación de reglas, caso concreto a encuadrar en el supuesto de hecho normativo previsto en la regla – como razona el positivismo jurídico - , la realidad iluminada por los principios aparece revestida de cualidades juridicas proprias. El valor se incorpora al hecho e impone la adopción de "tomas de posición jurídica conformes com él ( al legislador, a la jurisprudencia, a la administracion, a los particulares y, en general, a los interpretes del derecho). El "ser" iluminado por el principio aún no contiene en sí el "deber ser", la regla, pero sí indica al menos la dirección en la que deberia colocarse la regla para no contravenir el valor contenido en el principio." 3
2. O DIREITO COMO REGRAS E PRINCÍPIOS
As regras e os princípios são caracterizados dentro do conceito de norma jurídica. A distinção entre um e outro é uma distinção entre dois tipos de normas. Ambos dizem o que deve ser, ainda que tenham por base razões muito diferentes.
A principal diferença entre regras e princípios, é que os princípios impõem a realização de algo na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Fazendo uso de uma expressão de ALEXY, os princípios são mandados de otimização, que se caracterizam pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, de acordo com as possibilidades reais e jurídicas. Os princípios e regras opostos é que irão determinar o âmbito das possibilidades jurídicas. Já as regras somente podem ou não ser cumpridas, contém determinações no âmbito do fático e juridicamente possível. Se uma regra é válida deve-se fazer exatamente o que ela exige.
Outro ponto muito claro para a distinção entre regras e princípios, é quanto a ocorrência de uma colisão de princípios ou um conflito de regras. Quando ocorre um conflito de regras, este só poderá ser solucionado, ou introduzindo-se em uma das regras uma cláusula de exceção para eliminar o conflito , ou declarando inválida , pelo menos uma das regras. Não podem existir duas regras jurídicas que impõem dois juízos concretos de dever contraditórios e que sejam ao mesmo tempo válidas. Para DWORKIN, as normas ( regras) são aplicadas diretamente, há casos em que a regra pode ter exceções, devendo-se, nesses casos, listá-las uma a uma – pois é teoricamente possível enumerá-las em enunciado normativo – e, quanto mais listarmos, mais completa será a proposição.
Por exemplo, se uma norma (regra) afirma que um testamento para ser válido deverá ser assinado por três testemunhas, não poderá ser válido um testamento assinado por duas. Se houver exceções a essa norma (regra) estas deverão ser listadas no próprio corpo do enunciado normativo, o que é, ao menos, teoricamente possível. Assim, uma das exceções para a presente norma poderia ser : "O testamento deve ser assinado por três testemunhas. Se o testador estiver hospitalizado em estado grave de saúde o testamento deve ser assinado por duas testemunhas. Agora, se uma outra norma prescrever que o testamento deve ser assinado por cinco testemunhas, uma das duas normas será inválida.
Nas colisões entre princípios são solucionadas de maneira totalmente distinta. Quando um princípio entra em colisão com o outro, significa que um deles deverá ceder ao outro, ou seja, frente a determinadas circunstâncias um dos princípios irá preceder ao outro. O que não significa que um deles será declarado inválido ou que se introduzirá uma cláusula de exceção, mas simplesmente que, frente a determinadas circunstancias aplicar-se-á um princípio, quando forem outras as condições será outro o princípio a ser aplicado. O conflito entre regras ocorre na dimensão da validez; a colisão entre princípios se dá na dimensão do peso, uma vez que só podem entrar em colisão princípios válidos.
Um exemplo de colisão de princípios dado por ALEXY, trata-se de um programa de televisão (ZDF), que projetava a emissão de um documentário: " O assassinato de soldados em Lebach". Este documentário informaria sobre o crime de quatro soldados do grupo de guarda de um depósito de munições do Exército Federal perto de Lebach que foram assassinados enquanto dormiam. Os assassinos tinham por objetivo o roubo de armas com as quais se pensava realizar outros atos delitivos. Uma pessoa que havia sido condenada por cumplicidade a este crime, e que estava para abandonar a prisão entendeu que a emissão deste documentário, em que era expressamente mencionada e aparecía fotografada violava seu direito fundamental, sobretudo porque comprometeria a sua ressocialização. Aqui se verifica um conflito entre a proteção da personalidade, e da liberdade de informação. Este conflito não será solucionado declarando-se inválido um dos princípios, mas através de uma ponderação, uma vez que não há uma precedência básica entre eles, nenhum possui uma precedência absoluta. O Tribunal Constitucional Alemão decidiu no sentido de que a repetição de uma informação sobre um delito grave, que não responde mais a interesses atuais de informação, e que põe em perigo a ressocialização do autor possui precedência a proteção da personalidade, frente à liberdade de informação, e que esta, neste caso , está proibida.
Os princípios não contêm mandados definitivos, mas somente prima facie. Um determinado princípio pode valer para um caso concreto, frente determinadas circunstâncias e para outro caso não. Quando um princípio não prevalecer para um determinado caso, não significa que não pertença ao sistema jurídico, porque num outro caso, quando inexistirem tais considerações contrárias, ou quando estas não tiverem o mesmo peso, este princípio poderá ser decisivo. Caso totalmente distinto é o das regras , que contêm uma determinação no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas. Esta determinação somente não será aplicada quando se verificar impossibilidades jurídicas ou fáticas, que podem conduzir à sua invalidez. Se não ocorrer tal caso, aplica-se exatamente o que diz a regra.
Neste sentido, nos esclarece ALEXY:
"Los principios ordenan que algo debe ser realizado en la mayor medida posible, teniendo en cuenta las posibilidades jurídicas y fácticas. Por lo tanto, no contienen mandatos definitivos sino sólo prima facie. Del hecho de que un principio valga para un caso no se infiere que lo que el principio exige para este caso valga como resultado definitivo. Los princípios presentam razones que pueden ser desplazadas por otras razones opuestas. El princípio no determina cómo há de resolverse la relación entre una razón y su opuesta. Por ello, los principios carecen de contenido de determinación com respecto a los principios contrapuestos y las posibilidades fácticas.
Totalmente distinto es el caso de las reglas. Como las reglas exigem que se haga exactamente lo que en ellas se ordena, contienen una determinación en el ámbito de las possibilidades jurídicas y fácticas. Esa determinación puede fracasar por imposibilidades jurídicas y fácticas, lo que puede conducir a su invalidez; pero, si tal no es el caso, vale entonces definitivamente lo que la regla dice." 4
Para se aplicar os princípios jurídicos a um caso concreto , torna-se necessário fazer-se uma ponderação dos interesses em jogo. Deve-se analisar os valores que cada princípio representa, as condicionantes de fato que lhe permeiam e buscar a solução através da ponderação realizada pelo intérprete. Em virtude de que os princípios não nos fornecem respostas prontas, a responsabilidade dos juristas frente à concretização da justiça vê-se ampliada, pois valoriza-se o seu potencial argumentativo.
ZAGREBELSKY acrescenta a necessidade da "razoabilidade" na realização dos princípios:
" En el lenguaje que hoy suele usarse, esta atención a lo posible en la realización de los principios se denomina " razonabilidad": una discutible expresión para aludir a lo que clásicamente se conocía como la "prudencia" en la tratamiento del derecho.
Está claro que este modo de situarse frente al derecho constituye solamente una actitud, una predisposición hacia soluciones dúctiles que tomen en consideración todas las razones que pueden reinvindicar buenos principios en su favor. No es , en cambio, la "clave" para resolver todo problema jurídico, como si tratase de una fórmula que permitiera obtener la solución de un problema matemático. Busca la respuesta más adecuada para las expectativas legítimas y, por ello, está abierto al efrentamiento entre todas las posiciones que remiten a principios vigentes en el derecho... supone que hay que poner en marcha procedimientos leales, trasparentes y responsables que permitan confrontar los principios en juego y que hay que selecionar una "clase jurídica" ( en los órganos legislativos, judiciales y forenses, administrativos, etc.) capaz de representar principios y no sólo desnudos intereses o meras técnicas. Éstas son las condiciones para el triunfo de la prudencia en el derecho." 5
Cabe acentuar que, a partir da preponderância dos princípios jurídicos , os operadores do direito devem agir atendendo à razoabilidade, que significa nada mais que prudência e bom senso. Ao mesmo tempo que se concede um maior espaço de liberdade e argumentação ao jurista, exige-se deste que haja com responsabilidade na luta pelo maior objetivo e razão de ser do direito – a concretização da justiça.
3. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A maior parte dos princípios do Direito Administrativo encontra-se positivado, implícita ou explicitamente, na Constituição. Possuem eficácia jurídica direta e imediata e exercem a função de diretrizes superiores do sistema, vinculando a atuação dos operadores jurídicos na aplicação das normas ao respeito dos mesmos. Funcionam como diretrizes superiores do sistema, objetivando a correção das graves distorções que ocorrem no âmbito da Administração Pública e que impedem o efetivo exercício da cidadania.
O sistema constitucional do Direito Administrativo funciona como uma rede hierarquizada de princípios, regras e valores, que exige não mais o mero respeito à legalidade estrita, mas vincula a interpretação de todos atos administrativos ao respeito destes princípios. A função administrativa encontra-se subordinada às finalidades constitucionais e deve pautar as suas tarefas administrativas no sentido de conferir uma maior concretude aos princípios e regras constitucionais, uma vez que estes não figuram como enunciados meramente retóricos e distantes da realidade, mas possuem plena juridicidade.
Antes de procedermos à analise de cada um dos princípios que regem o Direito Administrativo, cabe novamente acentuar, que estes princípios se constituem mutuamente e não se excluem, não são jamais eliminados do ordenamento jurídico. Destaca-se ainda a sua função programática, fornecendo as diretrizes situadas no ápice do sistema, a serem seguidas por todos os aplicadores do direito.
Os dois princípios fundamentais , que decorrem da bipolaridade do direito administrativo – liberdade do indivíduo e autoridade da Administração – são os princípios da legalidade e da supremacia do interesse público sobre o particular, de onde se constroem todos os demais.
3.1. O PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E INDISPONIBILIDADE DOS MESMOS PELA ADMINISTRAÇÃO
O Direito Administrativo , segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, se delineia em função da consagração de dois princípios:
supremacia do interesse público sobre o privado;
indisponibilidade, pela administração, dos interesses públicos.
O primeiro proclama a superioridade do interesse da coletividade , firmando a prevalência dele sobre o do particular, como pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados.
O segundo parte do pressuposto de que a administração possui poderes-deveres , ou seja, são concedidos determinados poderes a esta como meios para o alcance de uma finalidade previamente estabelecida , que é defesa do interesse público, da coletividade como um todo e não da entidade governamental em si mesma considerada. São poderes que ela não pode deixar de exercer, sob pena de responder pela omissão, ao mesmo tempo em que devem ser exercidos sem excesso, o que se caracterizaria em abuso.
Deste princípio decorre o princípio da titularidade irrenunciável da prestação de serviços públicos pelo Poder Público, ainda que delegável a execução dos mesmos ( art. 175, CF), limitação da atuação dos Estado como explorador de atividade econômica às hipóteses de relevantes interesses coletivos ou segurança nacional( art. 173, CF), assim como oferece substrato ao subprincípio da continuidade dos serviços públicos.
Estes exemplos, segundo Juarez Freitas, acentuam que o sistema não pretende o primado do todo sobre a vontade particular, mas apenas da vontade geral legítima em relação àquela que se revelar contrária ao interesse comum. E nos ensina ainda:
" ... o princípio da universalização do interesse público e da correlata subordinação das ações estatais à dignidade da pessoa humana não significa o arbitrário e inaceitável jugo da vontade do particular ou do cidadão, imolado para o gáudio de um volúvel e falso interesse coletivo. Ao revés. Representa tão-somente a indução legítima( limitada por imperativos de justiça) de que se subordinem as condutas e os bens particulares ao interesse geral digno desse nome, o qual também haverá de se configurar afinado com o interesse lícioto de cada cidadão, Quiçá na realização da velha esperança de que o stado, que somos nós, venha a existir como legítima corporificação de uma vontade igualmente nossa, nã de vertentes grupulculares que almejam destruir incessantemente a sutil teia onde se ergue a construção da polis. Esta, de alguma forma precisa condensar todos os princípios no respeito à dignidade da pessoa humana " 6
3.2 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA SUBMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO DIREITO
O Princípio da legalidade nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais, uma vez que a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício dos mesmos.
A submissão da Administração Pública não é apenas à lei em sentido estrito, mas à legalidade entendida também como um conjunto de princípios em sintonia com a teleologia constitucional. Segundo Juarez Freitas, pensar o direito simplesmente como um conjunto de normas seria subestimar, de forma danosa, a complexidade e riqueza do fenômeno jurídico-administrativo.
Em nossa Constituição encontramos o princípio da legalidade estabelecido nos seguintes artigos:
art.5º, II - " ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" – onde exige-se do administrador público que faça apenas o que a lei e o Direito permitirem ou obrigarem;
art. 37. – que estabelece os princípios aos quais a Administração Pública deve obediência – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência;
art. 5º, LXIX - se refere ao mandado de segurança;
art. 5º, IX e XI – estão relacionados com o princípio da liberdade democrática e com o da proteção da dignidade da pessoa humana, e impõem limites à atividade estatal;
art. 70. – que disciplina sobre a fiscalização contábil , financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da Administração direta e indireta, mediante controle externo e por intermédio do sistema de controle interno de cada poder ;
trata de dar eficácia plena a dispositivos como os que definem a função social da propriedade ( art. 186) ,ou no caso da definição dos limites do direito de greve a ser exercitado pelo servidor público civil ( art. 37, VII);
art. 37, XIX e XX – impõem uma restrição à discricionariedade, através da exigência constitucional de que somente por lei específica possam ser criadas empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias ou fundações públicas, assim como a criação de subsidiárias.
Cabe ainda acentuar que este princípio não se coaduna com a edição de medidas provisórias com inobservância dos pressupostos constitucionais ( relevância e urgência – art. 62. da CF). Há ,por parte do governo, uma abusividade em relação a edição dessas medidas, o que gera uma hiperinflação normativa, e viola o próprio princípio da legalidade.
3.3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
O princípio da proporcionalidade significa que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na realização de seus objetivos. As competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade do interesse público a que estão atreladas. Ocorre a violação quando o administrador, tendo dois valores legítimos a sopesar, prioriza um a partir do sacrifício exagerado do outro.
Este princípio implica uma adequação axiológica e finalística pelo agente público do poder-dever de hierarquizar princípios e valores de maneira adequada nas relações de administração e no controle das mesmas. Devem ser estabelecidas prioridades fundamentais e hierarquizações devidas, para o alcance de uma real e efetiva atuação do Poder Público.
3.4. O PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE
Este princípio decorre do próprio princípio da igualdade ou isonomia, que se traduz na idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações nem favoritismos. Constitui uma vedação à qualquer discriminação ilícita e atentória à dignidade da pessoa humana. Busca-se, através deste princípio, a instauração de um governo que vise a consecução do bem de todos, acima de qualquer personalismo e de projetos de cunho iminentemente personalistas.
Este princípio pode ser ilustrado através da exigência de que sempre haja licitação pública, nos termos do art. 175. da CF, ou frente à exigência de que a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, não podendo constar nomes, imagens, que caracterizem promoção pessoas de autoridade ou servidores públicos ( art. 37,§ 1ºda CF). O art. 54, I eII da CF., também proíbe os agente políticos de firmarem contratos com pessoas da Administração Pública, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes. Outros artigos também estabelecem essa determinação ao agente público de agir desinteressadamente, sem perseguir nem favorecer jamais movido por interesses subalternos.
3.5. O PRINCÍPIO DA MORALIDADE E PROBIDADE ADMINISTRATIVA
De acordo com esse princípio a Administração e seus agentes devem atuar na conformidade de princípios éticos, que não transgridam o senso moral da sociedade. Corresponde, segundo Juarez Freitas ao
" dever de a Administração Pública observar, com pronunciado rigor e a maior objetividade possível, os referenciais valorativos basilares vigentes, cumprindo, de maneira precípua até, proteger e vivificar, exemplarmente, a lealdade e a boa-fé para com a sociedade, bem como travar o combate contra toda e qualquer lesão moral provocada por ações públicas destituídas de probidade e honradez." 7
Nos termos do art. 85, V, da CF., atentar contra a probidade da administração é hipótese prevista como crime de responsabilidade do Presidente da República, fato que enseja sua destituição do cargo. Também os atos de improbidade administrativa dos servidores públicos "importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível ( art. 37, § 4º). O artigo 5º prevê o cabimento de ação popular para anulação de "ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa...etc.
3.6 O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
A partir deste princípio exige-se da Administração Pública que preste contas de todos os seus atos, contratos e procedimentos. Deve manter plena transparência de seus comportamentos, exceto nas hipóteses em que o impedir o interesse público , nos casos extremos de segurança nacional ou em situações em que a divulgação prévia possa eliminar a viabilização de medidas justificáveis.
Na constituição encontram-se vários preceitos que confirmam ou restringem este princípio:
art. 37, caput;
art. 5º, XXXIII, que assegura a todos o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
art. 5º, LXXII – "habeas data" – para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público ou para retificação de dados, caso não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;
art. 5º, LX, em face do qual a lei somente poderá restringir a publicidade dos atos processuais administrativos quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;
Decreto-lei n. 3.365/41 e Lei Complementar n. 76/93 – exige a máxima transparência como condição de legitimidade, sob pena de não se aperfeiçoarem atos e contratos públicos, assim como também exige atos declaratórios no caso da expropriação.
3.7 O PRINCÍPIO DO CONTROLE DOS ATOS,CONTRATOS E PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS
O artigo 74 da CF, concede aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário o sistema de controle interno de seus atos. O exercício desta autotutela que se reconhece à Administração Pública corresponde ao poder-dever de anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou de revogá-los , quando conveniente, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada , em todos os casos a apreciação judicial, segundo a Súmula 473 do STF.
O controle externo dos atos, contratos e procedimentos públicos é realizado pelo Poder Legislativo ( CF, art. 49, X) e exercido como o auxílio do Tribunal de Contas( art.71 da CF). O art. 74, § 2 da CF., garante a qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato ser parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas. Também as contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias anualmente, à disposição de qualquer contribuinte para exame e apreciação ( CF, art. 31, § 3º).
Outros meios processuais existentes para a aplicação do referido princípio são a ação popular, a ação civil pública , a defesa do consumidor de serviços públicos e a ação civil de improbidade administrativa.
Cabe acentuar, ainda, que segundo o disposto no artigo 5º, XXXV da CF, nenhuma contenda sobre direitos pode ser excluída da apreciação do poder judiciário. Assim, não há órgão jurisdicionais estranhos ao Poder Judiciário para decidir, com esta força específica, sobre as contendas entre Administração e administrados. Só a ele cabe decidir definitivamente sobre quaisquer litígios de direito.
3.8. O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Uma das grandes questões discutidas atualmente, e que faz parte do projeto de reforma administrativa do Estado, é a necessidade de tornar a administração pública mais eficiente. Faz-se necessário a adoção de novas formas de gestão da coisa pública, mais ágeis, descentralizadas, que priorizem o controle de resultados ao controle de procedimentos.
Neste sentido, Luis Carlos Bresser Pereira, define entre as principais características da administração pública gerencial, ou da " nova administração pública ", a orientação da ação do Estado para o cidadão-usuário ou cidadão- cliente e a ênfase no controle dos resultados através dos contratos de gestão ( ao invés de controle dos procedimentos ).
Fabiana de Menezes Soares, afirma que em face da "explosão de complexidade" das funções estatais, a Administração Pública abandonou o seu modelo clássico para adotar um perfil de uma Administração Pública mais eficaz, transparente e democrática. E para o alcance desses objetivos é necessário a existência de um controle por parte dos cidadãos, enquanto participantes efetivos dos atos da Administração e a eliminação da corrupção.
Neste sentido, afirma Bresser , que " o grande desafio da reforma do Estado é Ter partidos políticos que correspondam a orientações ideológicas; é desenvolver um sistema eleitoral que permita a formação de governos ao mesmo tempo representativos e com maiorias estáveis...; é desenvolver sistemas de participação dos cidadãos no controle direto do Estado e das entidades públicas não-estatais..." 8
A Emenda Constitucional nº 19, de 4-6-98, inseriu o princípio da eficiência entre os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no artigo 37, caput.
O princípio da eficiência impõe que o agente público atue de forma a produzir resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar. Hely Lopes Meirelles define este princípio como " o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros". 9
Ocorre a vedação a esse princípio quando se constata vícios na escolha dos meios ou dos parâmetros voltados para o alcance de determinados fins administrativos. Não se verifica nenhuma invasão da discricionariedade do poder administrativo, mas se pede a vigilância quanto a compatibilização plena do ato administrativo com o ordenamento.
Juarez Freitas, quando se refere ao princípio da economicidade e, dada a sua conexão com o princípio da eficiência afirma:
É que nosso País insiste em praticar, em todas as searas,desperdícios ignominiosos de recursos escassos. Não raro, prioridades não são cumpridas. Outras tantas vezes, pontes restam inconclusas, enquanto se principiam outras questionáveis. Traçados de estradas são feitos e desacordo com técnicas básicas de engenharia. Mais adiante, escolas são abandonadas e, ao lado, inauguram-se novas. Hospitais são sucateados, mas se iniciam outros, que acabam por não serem concluídos. Materiais são desperdiçados acintosamente. Obras apresentam projetos básicos que discrepam completamente dos custos finais, em face de erros elementares. Por tudo isso, torna-se conveniente frisar que tal princípio constitucional está a vetar, expressamente, todo e qualquer desperdício dos recursos públicos ou escolhas que não possam ser catalogadas como verdadeiramente comprometidas com a busca da otimização ou do melhor para o interesse público." 10
O presente princípio visa combater o tão latente sistema de corrupções e privilégios que permeia as práticas da administração pública, onde o objetivo prioritário não é o alcance do bem comum, mas a realização de interesses particulares. Não se investe nas áreas sociais, a não ser para a construção de algumas escolas, ou outras medidas superficiais, que visam não a solução do problema, que marginaliza grande parte da população, deixando-a ao completo abandono, mas tem por objetivo a promoção pessoal dos agentes da administração pública que visam a sua reeleição. Este constitui um dos principais princípios e que deve ser intensamente efetivado, através de uma prática consciente dos operadores jurídicos, comprometidos com um projeto outro de sociedade, que vise a real concretização do princípio da justiça.