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Tutela jurisdicional das liberdades

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Agenda 01/08/2002 às 00:00

1 - A opção por um enfoque além do jurídico-dogmático.

O tema sugere, de logo, uma resposta à indagação sobre que meios estão disponíveis aos cidadãos para que tornem efetivas, via Poder Judiciário, as liberdades que lhes foram constitucionalmente asseguradas. Matéria, portanto, suscetível de abordagem dogmático-exegética, sem dúvida pertinente e até indispensável. Fugirei, entretanto, de assim proceder. Tenho uma série de razões para isso. Em primeiro lugar, muitos já o fizeram, tantos e tão bem, que mais não poderia senão repeti-los ou inserir-me num processo de mutua citação e mutuo louvor, bem pouco construtivo. Além disso, insistir nesse enfoque será de clamorosa inutilidade, por sua inadequação para favorecer o entendimento do que socialmente real, a par de sua impotência para suscitar mudanças na ordem prática. Repugna-me atribuir ao jurista o papel de autor de contos da carochinha, escrevendo sobre fadas madrinhas, duendes, gnomos, bruxas e fantasmas, ou de seus personagens, mesmo quando revestido da boa intenção de tornar mais ameno o sono e o sonho dos homens. Se o nosso gênero não é a ficção, nem pretendemos ser fabulistas fantasiados de homens de ciência, ou contadores de estórias com roupagem de estadistas, precisamos baixar à terra, enlamear os pés, fatigar o corpo e calejar as mãos.

Por todos esses motivos, dispenso-me de falar-lhes, prioritariamente, das garantias que a Constituição Federal institucionalizou para proteção das liberdades por ela enunciadas, ou como postulá-las de modo tecnicamente correto perante o Poder Judiciário. Já se escreveu torrencialmente sobre o assunto e quase nada teria a dizer, salvo me propusesse apenas a originalidade do personagem do conto de Monteiro Lobato que, pretendendo ser diferente, agradeceu o livro que lhe haviam emprestado nestes termos "O livro li, muito gostei". Infelizmente, se não tivermos cuidado, corremos o risco de escrever sobre temas jurídicos apenas colocando em ordem inversa radical, confusa, o já ensinado por outros, com clareza, na ordem direta. Daí a abordagem por mim preferida que, entretanto, nem é mais excelente nem menos exposta a erros que as demais, pelo só motivo de pretender ultrapassar os limites do dogmático-exegético. Antes, pelo que revele de ambicioso, pode representar para mim o risco de incidir no equívoco do sapateiro que desejou ir além das botas e mereceu a justa advertência de que deveria voltar ao seu tamborete de remendão.


2 - A liberdade só é pensável pensando-se a não-liberdade.

Na linha que me propus, a primeira ponderação a ser feita é sobre a impossibilidade de podermos compreender a liberdade sem antes refletirmos sobre a "não-liberdade". Descomprometido, embora, com qualquer profissão de fé na dialética ontológica hegeliana, creio ser inviável definir-se ou delimitar-se algo prescindindo-se de colocá-lo em face ou em confronto com o que é a sua negação. Entendida exclusivamente como poder de autodeterminação inerente a todo homem, por força do qual direciona sua conduta, a liberdade é um contínuo e pleno operar de um ente capaz de opções, sem lacunas e sem obstáculos, descomportando, consequentemente, problematização. Esta se faz apenas necessária e relevante por motivo das inelutáveis "limitações" com que se defronta. Obstáculos oferecidos pela Natureza, a par dos que os homens se colocam uns aos outros Os problemas da liberdade são, pois, na sua essência, "problemas de não-liberdade". Os limites impostos pela Natureza escapam ao interesse imediato do jurista. As ciências de que ela é objeto têm buscado soluções para removê-los. Relevantes para nós se mostram exclusivamente os óbices que os homens reciprocamente se colocam à liberdade. Nossa reflexão concentrar-se-á, portanto, na problemática dos obstáculos postos socialmente à liberdade do indivíduo. Limitações imprescindíveis, frise-se, visto como, sem elas, a convivência humana se inviabilizaria. Precisamente a resistência a esses limites é que determina a conflituosidade social, razão de ser do Direito.


3 - Liberdade e não-liberdade social

Entendida a liberdade como capacidade de determinação da conduta mediante opções, nessa idéia está implícita a exigência de escolha entre ações possíveis, o que implica a ponderação de alternativas. Assim, todo ato de liberdade é também, e necessariamente, um ato de não-liberdade, autolimitação da liberdade, por força da exclusão, pelo ator, das opções rejeitadas. Por outro lado, se uma relação de liberdade diz respeito necessariamente a uma série de no mínimo duas ações, ou tipos de ações alternativas, a não-liberdade, ao revés, é determinante - eu sou "não-livre" para fazer algo definido, sem opção. Uma não-liberdade alternativa seria a negação de si mesma. Disso concluímos que apenas a não-liberdade é suscetível de institucionalização e de coerção. A liberdade, por força de sua própria natureza, é incompatível com qualquer tipo de imposição, visto que obrigar alguém a ser livre implicará em privá-lo de sua liberdade. Como já salientado, todo ato de liberdade implica sua compreensão também em termos de não-liberdade, dado que, entre as alternativas possíveis, uma foi eleita e as demais rejeitadas pelo ator. Essa rejeição, contudo, ainda não configura autolimitação da liberdade, pois a escolha se consumou em decorrência de valoração feita pelo ator, tendo em vista interesses que apenas lhe dizem respeito. Antes de haver perda, houve proveito, o da realização do ato cujo resultado é a vantagem de que é beneficiário o próprio indivíduo. Também esta é uma dimensão da liberdade que escapa ao interesse imediato do jurista. Para ele, relevante é a liberdade social, relação de interação entre pessoas ou grupos, ou seja, o fato de que um ator deixa outro ator livre para agir de determinada maneira. Esse conceito, entretanto, para ser definido, pede, também, como visto antes, seja feita referência a outra relação de interação, a de "não-liberdade interpessoal ou social."

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4 - Autolimitação e não-liberdade social

Somos socialmente livres quando inexiste algum agente em condições de nos obstar de fazer aquilo que nos dispúnhamos a fazer. Só ex post facto, portanto, é que é possível determinar se um ator era não-livre para fazer aquilo que na realidade acabou fazendo. Em princípio, um ator é livre para agir da forma que mais lhe agrade, contanto que não exista um outro ator que o torne não-livre para levar a bom termo alguma dessas ações. Ser livre para fazer X ou Z implica a inexistência de outro ator em condições de tornar impossível ou passível de pena quem podia optar por fazer X ou Z. A par dessa não-liberdade, que resulta da resistência oferecida pelo outro ao exercício de nossa liberdade, podemos nós mesmos, por deliberação pessoal, excluir, dentre as alternativas que nos colocamos, aquelas que se nos afiguram menos favoráveis ou mais nocivas aos outros. Cuida-se de uma autolimitação diferente da precedentemente analisada, porque, neste contexto, as ações excluídas o foram por força de valoração em que o outro, com quem interagimos, foi levado em consideração. Individual em sua implementação é social em seu alcance. Ainda quando relevante e socialmente eficaz é, contudo, insuficiente, por si só, para oferecer a segurança que a convivência humana reclama, donde ser fundamental a heterolimitação.


5 - Heterolimitação da liberdade e poder

A não-liberdade, em sua dimensão social, diversamente do que se passa com a liberdade, precisa, fundamentalmente, para existir e operar, da heterolimitação, visto como a autolimitação da liberdade, como já salientado, é impotente e insuficiente para gerar segurança social em termos satisfatórios. A não-liberdade social requer, para existir, que alguém recuse adesão ao limite que o outro pretende impor a sua liberdade. Quando se diz que A é não livre para fazer X é porque B o impede de fazer, ou ameaça sancioná-lo se o fizer. Disso se conclui inexistir limitação efetiva à liberdade se ausente o fato do poder, tanto do poder da vontade do indivíduo sobre seus impulsos ou motivações, poder que tem sobre si mesmo (pouco importa o que o induz a assim agir) quanto do poder do outro ou dos outros - a heterolimitação - efetive-se ela pelo exercício da força bruta ou se realize mediante coerção legitimada, seja por sua institucionalização social (sanção difusa) ou política (sanção jurídica) Não-liberdade social e poder ou controle são, destarte, categorias indissociáveis Impossibilitando A de fazer X, B torna A não-livre de fazer algo e exerce controle sobre o seu comportamento. Falhando o controle, incide a sanção, também um ato de poder.


6 - Não-liberdade de fato e não-liberdade jurídica.

Sendo a heterolimitação inseparável do ato concreto do poder inibidor da liberdade, conclui-se que onde e quando ele falta ou falha, a liberdade do mais fraco periclita, predominando a do mais forte, do favorecido pelo "fator discriminante" que lhe empresta superioridade no caso concreto. Consequentemente, a tutela da liberdade se frustra. A par disso, todos temos consciência de que é impossível organizar-se politicamente a convivência humana de molde a que, em toda e qualquer situação particular de confronto de liberdades, esteja presente e atuante um agente do poder político em condições de tornar efetivo o limite juridicamente imposto à liberdade do mais forte, vale dizer, a efetivar sua não-liberdade, tutelando, assim, a liberdade do desfavorecido. Daí ser relevante distinguirmos a não-liberdade de fato da não liberdade jurídica, até para se ressaltar a fragilidade desta e a robustez da primeira. A "não-liberdade jurídica" traduz-se em mera expectativa compartilhada pelos integrantes do grupo social, sem possibilidade de ser garantida sua efetividade em todos os lugares e em todas as circunstâncias, nos termos prometidos. Diversamente, a "não-liberdade de fato" é sempre o resultado da atuação de uma força inibidora mais decisiva, porque derivada da pressão social do grupo, bem mais constante e abrangente. Oppenheim [1], apreciando o problema, invoca um fato revelador do que acabamos de afirmar. Pesquisas feitas comprovaram que 40% dos motoristas franceses excediam os limites legais de velocidade e não eram multados, como previsto em lei. Conclui ele que esses motoristas eram não-livres juridicamente, mas livres socialmente para ultrapassar os limites legais de velocidade. Poderíamos, inclusive, acrescentar que, certamente, dos 60% respeitadores da norma bem mais da metade o fez por autolimitação de sua liberdade, ou em face da cogência da sanção social, o que deixa bem pouco para a eficácia da tutela jurídica da liberdade. Conclui-se, portanto, serem a autolimitação e a heterolimitação social as que mais contam, por sua eficácia abrangente e imediata, como forma de tutela das liberdades, em lugar da tutela jurídica, só implementável mediante heterolimitação com elevado custo em termos de tempo e dinheiro, a par do alto risco de frustração que oferece, por sua incapacidade de ser onipresente.


7 - Institucionalização social e jurídica da não-liberdade.

Dessa verdade inconteste inferimos que a garantia de nossa liberdade repousa muito menos no que nos é prometido em proclamações político-jurídicas e muito mais, senão quase que exclusivamente, na institucionalização social de limites postos à liberdade dos indivíduos, isto é, das não-liberdades sociais. Daí a falácia das proclamações exclusivamente jurídicas de liberdades, quando falta a prévia institucionalização social da não-liberdade correspectiva, ou inexiste a vontade social e política de institucionalizá-la Que pretendemos dizer quando falamos em institucionalização social da não-liberdade ? Sabemos todos que o homem é um animal desaparelhado para agir à base de seus instintos. O que deles recolhe, em termos de orientação de seu comportamento, é irrelevante. Por outro lado, a ponderação das alternativas possíveis em cada situação concreta do agir humano é tarefa por demais empenhativa, da qual procura o homem libertar-se ou reduzir-lhe o impacto. Isso ele logra mediante a aquisição de hábitos. O hábito é o substitutivo humano do instinto animal. Comportamento originariamente fruto de reflexão e ponderação de opções, instituído como resposta para todas as situações semelhantes que venham a se materializar no futuro, o hábito é o agir adotado sem previa ponderação no ato concreto, mas fruto de uma escolha consciente feita no passado e internalizada, a ponto de se fazer resposta imediata a determinado estímulo, à semelhança da que é provocada pelo instinto. Generalizado que seja, sua dimensão social o institucionaliza e ele passa a operar também nas interações sociais, dispensando qualquer coerção externa. Habituei-me a não jogar lixo nas ruas, adoto esse comportamento instintivamente, sem que para sua efetividade se exija a presença do agente social ou político inibidor [2]. A institucionalização do hábito pode, inclusive, revesti-lo da natureza de costume, regra coercitiva disciplinadora da convivência social, servida também por uma sanção social efetiva. Ainda quando mais presente e mais abrangente que a sanção politicamente institucionalizada, o seu caráter difuso fragiliza-a em parte, torna-a menos poderosa nos casos limites. Daí a exigência da juridicização das condutas. Em verdade, a tutela excelente das liberdades, pelo grau ótimo de eficácia, é a resultante da auto-limitação que os indivíduos se impõem, Esta coerção está presente sempre e é sempre plenamente eficaz quando operacionalizada, dispensando qualquer agente inibidor externo. É o que poderíamos chamar de "institucionalização do dever". Falhando, sua falta é suprida pela sanção difusa da heterolimitação social. Diante do fracasso desses meios, lança-se mão do recurso extremo e menos desejável da sanção política institucionalizada de que se ocupa o Direito.


8 - A excelência do dever e a precariedade do direito. O equívoco da modernidade

Se quisermos ser fiéis à realidade, concluiremos que a segurança das liberdades sociais assenta, em termos de sua efetiva garantia, em primeiro plano, e quase decisivamente, na autolimitação da liberdade, fruto da aquisição de hábitos pelo indivíduo. E isso só se dá por via da educação, tomado o termo em seu sentido mais abrangente, mediante a qual os hábitos são institucionalizados. A heterolimitação social vem a seguir, colocando-se a que é politicamente institucionalizada, de que se ocupa o Direito, como o recurso extremo, necessário para suprir o fracasso dos meios precedentes e por força da necessidade de se dispor de um último instrumento de garantia da ordem social no vazio deixado pela falha dos instrumentos mais excelentes apontados precedentemente. Antes de ser a melhor, é a menos desejável. Um dos mais graves descaminhos da modernidade foi a exagerada ênfase dada à liberdade em desfavor da autolimitação da liberdade, que é o relevante Dizendo de outro modo, colocou-se o direito no primeiro plano, quando a consciência do dever é a garantia única da excelência da ordem social. O dever assumido é a liberdade do outro efetivamente tutelada. A liberdade hrterolimitada é violência que submete o outro e mobiliza-o para a resistência. Daí este mundo de conflituosidade progressiva que estamos institucionalizando Enfatizando o direito, ressalto minha superioridade em detrimento do outro; acentuando o dever, conscientizo-me de minha responsabilidade em relação ao outro. Valorizo-o e enalteço-o. Pacifico. Não há tempo aqui para aprofundar as conseqüências dessa reflexão, que entendo seja o grande desafio de nossos dias, mas é indispensável que se diga algo a respeito, ainda que de passagem. Nos tempos pré-modernos, a idéia do dever sempre se colocou no primeiro plano. Os homens submetiam-se a limitações que os deuses ou a tradição lhes impunha. Só para superficialmente exemplificar: antes de se falar no direito à vida, mencionava-se o dever de não matar; antes de haver referência ao direito de possuir, acentuava-se o dever de não cobiçar o alheio, e assim por diante. A modernidade libertou o homem dessas amarras e colocou-o como sua própria medida - fê-lo senhor de si mesmo. Deu-lhe como parâmetro a razão e a partir dela buscou institucionalizar o dever. Daí para o subjetivismo, o individualismo e o relativismo foi um passo curto. Se eu sou a medida de mim mesmo, é a partir dessa minha autarquia que a melhor conduta deve ser institucionalizada. Estava dado o passo para o utilitarismo, o pragmatismo e pensamentos afins que se maximizariam com o absolutismo da razão instrumental e da ideologia tecnocrática. O demônio, como símbolo do mal, foi transferido para nossa própria subjetividade e o inferno (lugar da expiação), para recordar Sartre, passou a ser o outro - o social.


9 - As declarações de direitos e sua inocuidade

Tudo isso conduziria necessariamente à hipostasia do sujeito e de sua afirmação, o que implica a prioridade dos valores da liberdade em detrimento de seus limites, vale dizer, das não-liberdades. Conseqüência necessária, a de uma convivência social e uma organização política centradas nos direitos em detrimento dos deveres, na dominação antes que no serviço, no conflito antes que na solidariedade. A par disso, e talvez sua mais grave conseqüência, fragilizou-se a autolimitação da liberdade, que, como visto, é a mais efetiva maneira de se tutelar a liberdade e de todo dependente da institucionalização de hábitos, por via da introjeção de valores Melancolicamente concluo que tudo quanto fomos convidados a louvar como preciosa conquista política, com raízes no pós-segunda guerra mundial, pode transmudar-se em formidável falácia ou, no mínimo, formidável equívoco. Estamos entoando hosanas à liberdade com cadeias nos pés. Estamos gestando um mundo em que se sucedem fulgurantes proclamações formais de liberdade às quais se associa uma progressiva insegurança material, alimentada pela também progressiva conflituosidade de uma convivência social de homens que perderam toda referência ao dever como valor e fizeram de si mesmos, na sua solidão sem solidariedade, o valor supremo.


10 - A face cinzenta do Direito

Nós, juristas, incidimos em outro erro, talvez até de mais nefastas conseqüências. Esquecemo-nos de que o Direito é um medicamento com que procuramos restabelecer a saúde da convivência social. Ele não evidencia nenhuma excelência, antes, em ordem diretamente proporcional a sua importância e institucionalização, atesta o fracasso social. É a impotência dos homens, mediante suas instituições não-estatais, para prevenir e solucionar os conflitos oriundos de sua convivência que impõe a utilização dos mecanismos jurídicos de que a tutela jurisdicional é a última e mais representativa expressão A presença do jurista - doutrinador, postulador ou julgador - denuncia a vitória da doença no corpo social, como a do médico comunica a vitória da doença no corpo biológico. Feliz a sociedade que precisa pouco de médicos. Feliz a sociedade que precisa pouco de juristas. O que ocorreu em nossos dias, entretanto, foi o oposto. A nossa perda de perspectiva nos levou à apologia da doença e do doutor, ao invés de cuidarmos da sua profilaxia e prevenção. É dessa ótica que vejo o espetáculo montado para levar ao grande público a opereta dos diretos humanos, dos direitos fundamentais, civis, políticos e sociais, protegidos por cláusulas petreas, para que todos saibam que eles têm a resistência milenar das pirâmides e das esfinges, ou dos mandamentos de ontem, outorgados pelos deuses ou pelo Deus único, no monte Sinai, ao intermediário privilegiado - Moisés. Só que agora nem mesmo são mais os deuses que dizem a palavra suprema, sim alguns humanos que se atribuem virtudes e poderes que os tornam iluminados. Valeria a pena relembrarmos que de nada valem os mandamentos dos deuses para os que não têm fé, como de nada valem as proclamações de direitos para os que não têm a consciência do dever. Não se veja nessa colocação uma atitude de menosprezo ou menoscabo no tocante aos direitos humanos e sua proclamação universal. Quisemos acentuar, sim, a falácia dessas proclamações quando desassistidas da vontade social e política que efetivamente as institucionaliza e essa vontade política não pode ser imposta ou surgir por força de prescrições jurídicas. Ela é fruto do esforço incessante, individual e social, de introjeção de valores que domesticam nossos ímpetos e nos dão a consciência de que se perdendo algo em favor de alguns se lucra muito em benefício de todos. Essa sabedoria da solidariedade é indissociável, contudo, de um compromisso social que reclama empenho, convencimento e vigilância, inicialmente moldado no ambiente familiar e depois ampliado e consolidado no espaço da convivência social. Só depois desse longo percurso chega ao espaço político institucionalizado de modo eficaz. O caminho inverso jamais foi feito na história. Nem o será em nossos tempos e em nosso país.

Sobre o autor
José Joaquim Calmon de Passos

Falecido em 18 de outubro de 2008. Foi advogado e consultor jurídico em Salvador (BA), coordenador da Especialização em Direito Processual da Universidade Salvador (UNIFACS), professor catedrático de Direito Processual da Universidade Federal da Bahia (aposentado)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSOS, José Joaquim Calmon. Tutela jurisdicional das liberdades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3199. Acesso em: 5 nov. 2024.

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