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Excludentes de antijuridicidade, culpabilidade e tipicidade

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Agenda 29/09/2014 às 10:36

III  - EXCLUDENTES DE TIPICIDADE

O tipo delitivo, definindo uma ação ilícita ou ainda apresentando norma com relação a conduta ilícita contém: a) proibição da conduta descrita, o elemento valorativo que espelha o seu conteúdo material e atua como fator limitativo do juízo de adequação típica; b) a descrição da conduta proibida , o aspecto fático sobre o que incide a valoração e a proibição da norma.

Há elementos objetivos no tipo que são os que possuem validade externa, independentes do sujeito, e que podem ser constatadas por outras pessoas. Serão eles descritivos ou normativos. Os primeiros são os que exprimem juízos da realidade(matar, coisa, mulher, filho etc). Os segundos são os constituídos por termos ou expressões que só adquirem sentido quando completados por um juízo de valor preexistente em outras normas, como por exemplo: coisa alheia, propriedade, funcionário público etc.

Por sua vez, os elementos subjetivos da norma são os fenômenos anímicos do agente, o dolo, intenções, motivos especiais.

Já se disse que não há crime sem conduta que constitui elemento estrutural do aspecto objetivo do crime. Tem-se para a conduta as seguintes teorias: Nas teorias da conduta, temos: a) teoria causalista(naturalista, tradicional) onde a conduta é evento humano voluntário no mundo exterior, que consiste em fazer ou não fazer; b) finalista: a conduta é uma atividade final humana e não um comportamento simplesmente causal; c) a teoria social da ação( ação socialmente adequada) onde a ação é a conduta socialmente relevante, dominada pela vontade humana.

Tipicidade, pois, é a descrição legal de um fato que a lei proíbe ou ordena. A conduta humana deve se amoldar a definição de um crime, de forma que  preenchendo todas as características será considerada típica.

Fala-se numa Tipicidade penal que é tipicidade formal mais tipicidade conglobante. Por sua vez, tipicidade formal é adequação do fato ao tipo penal incriminador. Tipicidade material é a materialização do tipo formal, entendida como a concretização da conduta prevista na norma penal incriminadora que prova uma lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado. Ainda se tem por antinormatividade a conduta não exigida ou não fomentada pelo direito. A tipicidade conglobante é a tipicidade material mais a  antinormatividade.

Haverá excludente de tipicidade: a) na aplicação da  coação física absoluta; b)  na aplicação do principio da insignificância; c) na aplicação  do princípio da adequação social;  d)na aplicação da teoria da tipicidade conglobante.

Na coação física não há ação por parte de quem foi coagido. Com efeito, na coação física(vis absoluta) o coato “não age, mas é agido”, enquanto na coação moral(vis compulsiva) o coato exerce alguma vontade e ação, embora coagido. Mas a coação deve ser irresistível.

Já se disse que o artigo 22 do CP cuida de coação moral, pois a coação física irresistível retira a própria voluntariedade do comportamento, deixando de haver conduta(vontade mais manifestação da vontade). Assim deve tratar-se de coação moral irresistível, que leva a não exigibilidade de conduta diversa. Se for resistível somente beneficiária o agente como atenuante(Código Penal, artigo 65, III, c, primeira parte). Tem-se que a não exigibilidade de conduta diversa encerra um juízo de valor sobre a formação de querer do agente. Assim avalia-se se a opção feita contra o direito, naquela situação, presentes os elementos objetivos é válida, por não ser exigível conduta diversa, levando-se em conta as circunstâncias pessoais do agente. Sendo  assim a não exigibilidade de conduta diversa é valor a iluminar o juízo de censura ou não da ação. A coação física irresistível estará atrelada a ação, a conduta, daí ao tipo penal.

O princípio da insignificância não deve ser estudado à luz das causas de exclusão da antijuridicidade. Deve ser estudado á luz da tipicidade material.

É certo que Francisco de Assis Toledo[54] trouxe à  análise a posição de Welzel que considerava que o princípio da adequação social era levado em consideração para excluir certas lesões insignificantes. Assim se permitiria excluir tipos onde os danos fossem de pouca significância.

Segundo o princípio da insignificância o direito penal só vai até onde seja necessário para  a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas. O dano, previsto no artigo 163 do Código Penal, não deve ser aplicado para qualquer lesão, mas sim para aquelas que representam um prejuízo de alguma significação. O crime de descaminho, previsto no artigo 334, § 1º, do Código Penal, não será a posse de pequena quantidade de produto estrangeiro, de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja quantidade ou cujo valor indique lesão tributária, de certa expressão para o Fisco. A injúria, a calúnia, a difamação devem restringir-se a fatos que possam afetar, significativamente, a dignidade, a reputação.

A infração bagatelar ou delito de bagatela expressa o fato insignificante, de ninharia, ou, em outras palavras, de uma conduta ou, de um lado, de um ataque ao bem jurídico que não requer(ou não necessita a intervenção penal) como aduziu Luiz Flávio Gomes.[55]

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A infração bagatelar deve ser compreendida sob dupla dimensão: a) infração bagatelar própria; b) infração bagatelar imprópria. Própria é a que nasce sem nenhuma relevância penal, ou porque não há desvalor da ação(não há periculosidade da conduta, Isto é, idoneidade ofensiva relevante) ou porque não há o desvalor do resultado(não se trata de ataque grave ou significativo ao bem jurídico). Para todas as situações da infração bagatelar própria o princípio o princípio a ser aplicado é o da insignificância(que tem o efeito de excluir a tipicidade penal, ou seja, a tipicidade material). A infração bagatelar imprópria é a que nasce relevante para o direito penal(porque há relevante desvalor da conduta bem como desvalor do resultado), mas depois se verifica que a incidência de qualquer pena em caso concreto apresenta-se totalmente desnecessária.

Há lição de Luiz Flávio Gomes[56] no sentido de que o principio da insignificância está para a infração bagatelar própria assim como a irrelevância penal do fato está para a infração bagatelar imprópria. De toda sorte, o princípio da irrelevância penal do fato está coligado de forma estreita com o princípio da desnecessidade da pena.

O fundamento da desnecessidade da pena reside em múltiplos fatores: ínfimo desvalor da culpabilidade, ausência de antecedentes criminais, reparação de danos, reconhecimento da culpa, colaboração com a justiça, o fato de o agente ter sido processado, o fato de ter ficado preso por um período, em análise que deve ser feita em concreto, caso a caso.

A infração bagatelar imprópria resulta na ofensa de bem juridicamente relevante para o ordenamento jurídico penal. Contudo, por uma questão de política criminal, mediante a análise das circunstâncias judiciais(artigo 59 do código penal) que envolvem o caso concreto, a aplicação da pena torna-se desnecessária.

Diverso é o principio da intervenção mínima. O ordenamento positivo deve ter como excepcional a previsão de sanções penais e não se apresentar como um instrumento de satisfação de situações contingentes e particulares que podem servir a situações políticas de momento que servem para aplacar o clamor público que e exacerbado pela propaganda. Além  disso, a sanção aplicada para cada delito deve ser a necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime.   Tais ideias que consubstanciam o princípio da intervenção mínima servem para inspirar o legislador, que deve buscar na realidade fática o substancial dever ser, como explica Fabbrini Mirabete[57]para tornar efetiva a tutela dos bens e interesses considerados relevantes quando do momento da criminalização, neocriminilização, descriminilização e despenalização.

A teoria da adequação social ou normativa surgiu para ser uma ponte entre as teorias da causalidade e a finalista.

Se um jogador fere seu colega de profissão, dentro das regras do jogo, há uma ação socialmente adequada, excluída do tipo, dentro da regularidade do direito, porque se realiza no âmbito da normalidade social. Assim a relevância social é o critério conceitual comum a todas as formas de comportamento e, portanto, do crime. O comportamento é a resposta do homem a uma exigência posta em determinada situação conhecida ou pelo menos passível de ser conhecida, constituindo-se na realização de uma possibilidade de reação, de que ele dispõe em razão de sua liberdade, como se tem da doutrina alemã.[58]

 Como o direito penal só comina pena às condutas socialmente danosas   e como socialmente relevante é toda conduta que afeta a relação do indivíduo para com o seu meio, sem relevância social não há relevância jurídico penal. Sendo assim só haverá fato típico, portanto, segundo a relevância social da ação. Ora, para refutar tal ilação dir-se-ia que  para isso necessário seria  um juízo de valor ético, o que tornaria indeterminada a atipicidade.

Por sua vez, a  tipicidade conglobante, em teoria proposta por Eugenio Raúl Zaffaroni, entende que o Estado não pode considerar típica uma conduta que é fomentada ou tolerada pelo Estado. O que é permitido, fomentado por uma norma, não pode estar proibido por outra.


Notas

[1] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. I, título II, pág. 40.

[2] BRUNO, Aníbal, Direito penal, volume I, 1967, pág. 21.

[3] ASSIS TOLEDO, Francisco de.Princípios básicos de direito penal, 4ª edição, São Paulo, ed. Saraiva, pág. 172.

[4] ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal, 4ª edição, São Paulo, ed. Saraiva, pág. 206.

[5] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1955, volume I, t..2, pág. 290 a 291.

[6] BRUNO, Aníbal. Direito penal, volume I, 1967, pág. 9.

[7] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, parte geral, São Paulo, Bushatsky, 1976 a 1983, pág. 213.

[8] Nelson Hungria, em seu Direito Penal,  tomo I, pág. 379, entendeu que a teoria diferenciadora não se aplicava ao direito brasileiro.

[9] Para Francisco de Assis Toledo(obra citada,pág. 184), ao estudar o balanceamento dos bens e interesses em conflito, entende que afasta-se qualquer possibilidade de justificação de sacrifício do bem maior para salvação do bem menor, transferindo-se, nesta última hipótese, a solução para o juízo de culpabilidade. 

[10] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, 7ª edição,  São Paulo, Atlas, volume I, pág. 171.

[11] Essa teoria foi adotada no Código Penal Militar(artigos 39 a 43).

[12] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1955, volume I, t. 2, pág. 298 a 299.

[13] Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador Adriano Marrey, que foi comentada por Francisco de Assis Toledo, obra citada, pág. 208 e 209,  e ainda pó Paulo José da Costa Júnior, Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, pág. 45.

[14] HUNGRIA, Nelson. A legítima defesa putativa, Rio de Janeiro Livraria Jacinto, 1936.

[15] BRUNO, Aníbal. Direito Penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense,  1967, tomo II, pág. 253. 

[16] BRUNO, Aníbal, Direito Penal, 3ª edição, Rio de janeiro, Forense, 1967, tomo II, pág. 126.

[17]  ASSIS TOLEDO, Francisco de. Obra citada, pág. 226.

[18] ASSIS TOLEDO, Francisco.de. Obra citada, pág. 225.

[19] apud Figueiredo Dias, Liberdade e culpa – Direito Penal, pág. 118).

[20] Das Deutsche Strafrecht, apud Francisco de Assis Toledo, obra citada, pág. 240).

[21] JAKOBS Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo, sexta edição, pág. 114.

[22] REALE Jr, Miguel. Teoria do delito, São Paulo, RT, 1988, pág. 86.

[23] REALE Jr, Miguel. Teoria do Delito, 1988, pág. 86.

[24] FABBRINI MIRABETE, Júlio. Manual de direito penal, volume I, 7ª edição, pág. 106.

[25] ASSIS TOLEDO, Francisco de. Obra citada, pág. 267.

[26] ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, volume I, parte geral, 6ª edição, São Paulo, RT, 2006, pág. 554 e 555.

[27] CORREIA, Eduardo. Direito criminal, volume II, Coimbra, Almedina, 1965, pág. 331.

[28] FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Liberdade – Culpa – Direito Penal, pág. 118.

[29] ASSIS TOLEDO, Francisco de. O erro no direito penal. São Paulo, Saraiva, 1977, pág. 65.

[30] Necessário distinguir a eutanásia, da ortotanásia e da distanásia. A ortotanásia, prevista na Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina,  é o processo pelo qual se opta por não submeter um paciente terminal a procedimentos invasivos que adiam sua morte, mas ao mesmo tempo, comprometem sua qualidade de vida. Por sua vez, a eutanásia corresponde a prática de interromper a vida de um paciente com doença em estágio irreversível(é crime). A distanásia se refere ao adiamento da morte do indivíduo, geralmente pela utilização de fármacos e aparelhagens que, muitas vezes, ocasionam um sofrimento desnecessário. Na ortotanásia o sujeito não possui dolo de atingir o bem jurídico vida, havendo atipicidade de conduta. É a eutanásia passiva.

[31] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, 7ª edição, parte geral, volume I, pág. 197.

[32] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Obra citada,pág. 197.

[33] TOLEDO, Francisco de Assis. Obra citada, pág. 272 a 273.

[34] ASSIS TOLEDO, Francisco de. Obra citada ,pág. 273 a 274.

[35] MUNOZ NETO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal, Rio de Janeiro, Forense, 1978, pág. 112.

[36] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, 4ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008. 

[37] GOMES, Luis Flávio. Erro do tipo e erro de proibição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, pág. 114.

[38] Relatório, pág. 220.

[39] Caso citado por Aníbal Bruno, obra citada, pag. 105.

[40] ASSIS TOLEDO, Francisco de. Obra citada, pág. 328.

[41] REALE Jr, Miguel. Teoria do delito, São Paulo, RT, 1988, pág. 153.

[42] BRUNO, Aníbal. Direito penal, parte geral, tomo II, 1959, pág. 105.

[43] ASSIS TOLEDO, Francisco de. Obra citada, pág. 329.

[44] REALE JR., Miguel.Parte geral do código penal,  1988, pág. 105.

[45] BRUNO, Aníbal. Direito penal, tomo II, 1967, pág. 169.

[46] DELMANTO, CELSO e outros. Código penal comentado, 6º edição, pág. 42.

[47] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, parte geral, 4º edição, pág. 215.

[48] FABBRINI MIRABETE, Júlio. Manual de direito penal, parte geral, 4º edição, pág. 206.

[49] ASSIS TOLEDO, Francisco de. Obra citada, pág. 338.

[50] FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Curso de Direito Penal Tributário, 2010, pág. 69.

[51]JIMENEZ DE ASSUA, Juan. Leciones de derecho penal, 1995, pág. 274.

[52] MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, volume II/235, 1965. ,

[53] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, volume I, pág. 22.

[54] ASSIS TOLEDO, Francisco de. Obra citada, pág. 133.

[55] GOMES, Luiz Flávio. Infração bagatelar imprópria.

[56] GOMES, Luis Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes da tipicidade.

[57] FABBRINI MIRABETE, Júlio. Manual de direito penal, volume I, 7ª edição, pág. 115.

[58] JESCHECK, Hans. Tratado de derecho penal, parte geral, 1991, pág. 296.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Excludentes de antijuridicidade, culpabilidade e tipicidade . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4107, 29 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32324. Acesso em: 5 nov. 2024.

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