Resumo: O presente estudo monográfico trata da parceria público-privada em estabelecimentos penitenciários no Brasil como uma alternativa à ressocialização. Para melhor compreender a matéria proposta, no segundo capítulo demonstra-se mediante o estudo das noções históricas e a evolução do Direito Penal que esse instituto nasce para a regulamentação da sociedade atuando como meio de controle social formalizado, e visa por intermédio das penas privativas de liberdade a ressocialização do indivíduo que delinquiu. Num segundo momento, passa-se a uma breve explanação acerca da atual situação do sistema prisional brasileiro, oportunidade em que se constata um cenário de extrema calamidade, em que são observadas deficiências das mais variadas formas em razão da incapacidade Estatal em administrá-lo segundo as normas dispostas na Lei de Execução Penal, dessa forma os direitos dos presidiários não são devidamente resguardados, motivo pelo qual mais se tem visto reincidência do que efetiva recuperação dos egressos. Nesse contexto, torna-se objeto do presente estudo a análise da aplicabilidade da parceria público-privada em estabelecimentos penitenciários no Brasil como medida jurídica viável ao abrandamento da realidade atual. Conclui-se, por fim, que a proposta da parceria público-privada em estabelecimentos penitenciários se apresenta como uma alternativa para solucionar os desafios do sistema prisional brasileiro, efetivando a ressocialização da população carcerária.
Palavras-chave: Sistema Prisional Brasileiro. Crise. Parceria Público-Privada. Ressocialização.
Sumário: 1. Introdução. 2. Direito penal. 2.1 Noções históricas. 2.2 Conceito. 2.3 Função. 2.4 Legitimidade. 2.5 Consequências jurídicas do delito. 2.5.1 Pena. 2.5.1.1 Teorias da pena. 2.5.1.1.1 Penas de prisão. 3 Sistema prisional. 3.1 Noções históricas. 3.1.1 Evolução no brasil. 3.2 Lei de execução penal – lei n. 7.210/1984. 3.3 Direitos dos presidiários. 3.4 O atual sistema prisional. 4 Parceria público-privada em estabelecimentos penitenciários. 4.1 Administração pública. 4.2 Delegação de serviços públicos concessão. 4.2.1 Parceria público-privada – Lei n. 11.079/2004. 4.3 Reflexos da parceria público-privada em estabelecimentos penitenciários: ressocialização. 5. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo monográfico apresenta como tema a parceria público-privada em estabelecimentos penitenciários no Brasil como uma alternativa à ressocialização, pois o atual sistema prisional brasileiro demonstra-se ineficiente em vários aspectos em razão da incapacidade Estatal no desempenho das atividades que lhe incumbe a lei.
Nesse sentido, a presente pesquisa consiste em analisar os aspectos concernentes ao sistema prisional brasileiro gerido diretamente pelo Estado, e se diante das dificuldades observadas a proposta de implementação da parceria público-privada se apresenta como medida jurídica viável ao abrandamento da situação atual, a fim de efetivar a ressocialização dos presidiários e possibilitar o retorno desses indivíduos ao convívio social.
A relevância do tema reside no fato de que os referidos problemas vêm se arrastando ao longo dos anos na realidade penitenciária brasileira, refletindo de forma imensamente negativa tanto na população carcerária que acaba se assenhoreando de um sentimento de revolta em virtude do tratamento que lhe é destinado, quanto na sociedade propriamente dita que tem aumentada, diariamente, sua sensação de insegurança.
Assim, justifica-se a presente pesquisa pela necessidade de se demonstrar a falência do sistema prisional brasileiro advinda da atuação descomprometida de seus gestores e, igualmente, a obrigatoriedade de reversão deste quadro, pois que as ações que embrutecem os homens no cárcere, provocam um retrocesso do fim mister da Execução Penal – a ressocialização, transcendendo o plano dos estabelecimentos penitenciários e, refletindo, intensamente, na vida de cada um dos cidadãos brasileiros.
Interessante esclarecer que para o desenvolvimento do presente trabalho utiliza-se o método de abordagem dedutivo por intermédio de pesquisa bibliográfica; a priori aborda-se o instituto do Direito Penal no que concerne a seu objetivo ressocializador e, depois, conclui-se pela viabilidade da implementação da parceria público-privada em estabelecimentos penitenciários como medida eficaz para o alcance do referido objetivo, para tanto, utiliza-se a técnica de pesquisa documental indireta que abrange pesquisa em todos os tipos de documentos escritos.
O trabalho apresentado estrutura-se da seguinte forma: no segundo capítulo abordam-se os aspectos formadores do Direito Penal, dentre eles as noções históricas, conceito, função, legitimidade e as consequências jurídicas do delito, destacando-se a pena de prisão com o intento de se chegar à explanação acerca do sistema prisional.
No terceiro capítulo versa-se sobre as noções gerais do sistema prisional brasileiro, mediante breve explanação acerca das noções históricas e evolução no Brasil, bem como sua regulamentação pela Lei de Execução Penal, evidenciando-se os direitos dos presidiários e a atual realidade do sistema.
No quarto capítulo, estuda-se as circunstâncias concernentes à parceria público-privada em estabelecimentos penitenciários e, para tanto, se faz imprescindível explanação sobre a Administração Pública, a delegação de serviços públicos sob o regime de concessão, a parceria público-privada como modalidade de concessão especial, demonstrando-se, ao final, os reflexos da implementação da parceria público-privada em estabelecimentos penitenciários com vistas à ressocialização da população carcerária.
Após o desenvolvimento dos três capítulos encerra-se o estudo monográfico com as considerações finais, em que são evidenciados os principais resultados obtidos com o desenvolvimento da pesquisa e apresenta-se a relação das referências bibliográficas utilizadas como apoio ao trabalho desenvolvido.
2. DIREITO PENAL
Neste capítulo serão analisados os aspectos formadores do Direito Penal, tais como as noções históricas, conceito, função, legitimidade e as consequências jurídicas do delito, destacando-se a pena de prisão com o intento de se chegar à explanação acerca do sistema prisional.
2.1 NOÇÕES HISTÓRICAS
O homem, por sua própria natureza, necessita agregar-se e relacionar-se com seus semelhantes, estabelecendo um convívio social; assim, aqueles que procuram o isolamento constituem exceções à regra (GONÇALVES, 2009, p.01).
Assevera Paulo Nader (2004, p. 21) que “a própria constituição física do ser humano revela que ele foi programado para conviver com outro ser de sua espécie”.
Isto porque, “para atingir a plenitude do seu ser, o homem precisa não só da convivência, mas da participação na sociedade” (NADER, 2004, p. 16).
E, continua:
É na sociedade, não fora dela, que o homem encontra o complemento ideal ao desenvolvimento de suas faculdades, de todas as potências que carrega em si. Por não conseguir a auto-realização, concentra os seus esforços na construção da sociedade, seu habitat natural e que representa o grande empenho do homem para adaptar o mundo exterior às suas necessidades de vida. (NADER, 2004, p. 22).
No entanto, em razão de sua constante evolução, as relações entre os homens adquiriram complexidade dando ensejo ao surgimento de conflitos que, a bem da verdade, podem ser considerados um fenômeno natural; definido, como “oposição de interesses, entre pessoas ou grupos, não conciliados pelas normas sociais” (NADER, 2004, p. 23).
Como descrito por Paulo Nader (2004, p. 25):
Cenário de lutas, alegrias e sofrimentos do homem, a sociedade não é simples aglomeração de pessoas. Ela se faz por um amplo relacionamento humano, que gera a amizade, a colaboração, o amor, mas que promove, igualmente, a discórdia, a intolerância, as desavenças. Vivendo em ambiente comum, possuindo idênticos instintos e necessidades, é natural o aparecimento de conflitos sociais, que vão reclamar soluções.
Portanto, a imposição de regras de conduta aos membros da sociedade se mostra imprescindível à sua própria manutenção, tendo em vista ser o homem dotado de impulsos e instintos (GONÇALVES, 2009, p. 01).
Contudo, o estabelecimento das referidas regras, por si só, não é capaz de extirpar os maus oriundos dos conflitos de interesses, porque nem sempre são cumpridas espontaneamente pelos homens (GONÇALVES, 2009, p. 02).
Nos tempos mais primitivos as próprias partes em litígio solucionavam os conflitos, chamada fase da autotutela, em que o titular de um direito o impunha mediante o uso da força (GONÇALVES, 2009, p. 02).
Com definição dada por Fernando Capez (2009, p. 06) “a autotutela [...] caracteriza-se, basicamente, pelo uso da força bruta para satisfação de interesses”.
Com o passar do tempo, o poder de compor as lides fora atribuído a um terceiro estranho à relação, ou seja, passou-se a eleger-se um árbitro para atuar na solução dos conflitos (GONÇALVES, 2009, p. 07).
Entretanto, na maioria das vezes, referidas soluções se mostravam ineficazes pelo grau de parcialidade envolto na relação; sendo que a partir do momento em que os Estados se organizaram fora abandonada a autotutela como método de solução para os conflitos de interesses (GONÇALVES, 2009, p. 02).
Neste momento, “o Estado assumiu para si, em caráter de exclusividade, o poder-dever de solucionar os conflitos. Desde então compete-lhe a elaboração das regras gerais de conduta e a sua aplicação aos casos concretos” (GONÇALVES, 2009, p. 03).
Assim, é possível observar que “as necessidades de paz, ordem e bem comum levam a sociedade à criação de um organismo responsável pela instrumentalização e regência desses valores. Ao Direito é conferida esta importante missão” (NADER, 2004, p. 17).
Na visão de Miguel Reale (2002, p. 01) o Direito é um conjunto de regras necessárias à imposição de limites aos membros da sociedade para garantia da convivência social.
E, conclui afirmando que “há, portanto, em cada comportamento humano, a presença, embora indireta, do fenômeno jurídico: o Direito está pelo menos pressuposto em cada ação do homem que se relacione com outro homem” (REALE, 2002, p. 05).
Partindo desse pressuposto, pode-se afirmar que o Direito nasce da sociedade para regulamentá-la (NADER, 2004, p. 26).
Por essa razão, a argumentação de Fernando Capez (2009, p. 05, grifo do autor) no que se refere à mútua dependência entre Sociedade e Direito se mostra coerente; posto que “não existe sociedade sem direito (ubi societas ibi jus), desempenhando esta função ordenadora das relações sociais (controle social)”.
Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 02, grifo do autor), quanto ao surgimento do Direito Penal ensina:
Quando as infrações aos direitos e interesses do indivíduo assumem determinadas proporções, e os demais meios de controle social mostram-se insuficientes ou ineficazes para harmonizar o convívio social, surge o Direito Penal com sua natureza peculiar de meio de controle social formalizado, procurando resolver conflitos e suturando eventuais rupturas produzidas pela desinteligência dos homens.
Em relação às noções históricas do Direito Penal, salienta Luiz Regis Prado (2005, p. 68) que suas fases se comunicam simultânea e continuamente.
Necessário, portanto, breve explanação acerca das etapas da evolução da justiça punitiva, sendo elas: vingança privada, vingança divina, vingança pública e fase de humanização.
Na primeira etapa da história penal (vingança privada) a punição poderia ultrapassar a pessoa do infrator, atingindo todo o seu grupo social. Assim, quando a infração fosse cometida por indivíduo do próprio grupo, sua punição seria o banimento, no entanto, quando cometida por um estranho ao grupo, eram travadas verdadeiras guerras grupais (Bitencout, 2003, p. 21-22).
Vislumbra-se certa evolução ainda nesta fase da vingança privada, com o surgimento da Lei de Talião e a Composição:
Com a evolução social, para evitar a dizimação das tribos, surge a lei de talião, determinando a reação proporcional ao mal praticado: olho por olho, dente por dente. Esse foi o maior exemplo de tratamento igualitário entre infrator e vítima, representando, de certa forma, a primeira tentativa de humanização da sanção criminal. A lei de talião foi adotada no Código de Hamurábi (Babilônia), no Êxodo (hebreus) e na Lei das XII Tábuas (romanos). No entanto, com o passar do tempo, como o número de infratores era grande, as populações iam ficando deformadas, pela perda de membro, sentido ou função, que o Direito talional propiciava. Assim, evoluiu-se para a composição, sistema através do qual o infrator comprava a sua liberdade, livrando-se do castigo (BITENCOURT, 2003, p. 22, grifo do autor).
Acerca do tema, Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 60) verifica se tratar de reação da sociedade contra o infrator e/ou seu grupo social, fazendo-se, portanto, justiça com as próprias mãos; o que não fora bem aceito pela sociedade, pois impunha sua própria existência ao risco de extinção.
Logo, é possível concluir que a fase da vingança privada fora uma das mais pungentes, porque além de permitir que a sanção ultrapassasse a pessoa do infrator atingindo toda uma comunidade, eram aplicadas penas atrozes.
No que se refere à segunda etapa (vingança divina), Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 21) explica que “nas sociedades primitivas, os fenômenos naturais maléficos eram recebidos como manifestações divinas (‘totem’) revoltadas com a prática de atos que exigiam reparação. Nessa fase, punia-se o infrator para desagravar a divindade”.
Na mesma senda, Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 60) ensina que “inicialmente, aplicava-se a sanção como fruto da libertação do clã da ira dos deuses, em face da infração cometida, quando a reprimenda consistia, como regra, na expulsão do agente da comunidade, expondo-o à própria sorte”.
Infere-se, portanto, que a fase da vingança divina se apresentava impregnada de preceitos religiosos, assim, tanto os delitos quanto os mais naturais acontecimentos eram interpretados como a exteriorização da revolta dos deuses, que atingiria toda a coletividade, servindo, a punição, como meio de proteger o grupo da cólera dos deuses.
Em relação à terceira etapa (vingança pública), nota-se que o poder punitivo destituiu-se de cunhos religiosos, para constituir-se pelo fortalecimento da autoridade pública, do Estado, centralizando o poder punitivo nas mãos do chefe do grupo e, por consequência, retirando a legitimidade outrora concedida ao ofendido ou à sua família (OLIVEIRA, 2003, p. 35-36).
Por sua vez, Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 61) observa que a punição apresentava características provenientes da Lei de Talião (olho por olho, dente por dente), o que traduz a aplicação de penas bárbaras ainda nessa etapa; o sentimento de segurança pública consistia, então, no equilíbrio observado entre o crime e a sanção, não na punição em si.
Por fim, relativamente à quarta etapa – fase humanitária – destaca-se a obra Dos delitos e das penas, de Cesare Beccaria como precursora desta corrente de pensamento.
Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 62) ao comentar a referida fase, assim o faz:
Contrário à pena de morte e às penas cruéis, pregou o Marquês de Beccaria o princípio da proporcionalidade da pena à infração praticada, dando relevo ao dano que o crime havia causado à sociedade. O caráter humanitário presente em sua obra foi um marco para o Direito Penal, até por que contrapôs-se ao arbítrio e à prepotência dos juízes, sustentando-se que somente leis poderiam fixar penas, não cabendo aos magistrados interpretá-las, mas somente aplicá-las tal como postas. Insurgiu-se contra a tortura como método de investigação criminal e pregou o princípio da responsabilidade pessoal, buscando evitar que as penas pudessem atingir os familiares do infrator, o que era fato corriqueiro até então. A pena, segundo defendeu, além do caráter intimidativo, deveria sustentar-se na missão de regenerar o criminoso.
Os ideais ressocializadores da pena defendidos por Beccaria se apresentam por meio de sua máxima “é melhor prevenir delitos que castigá-los”.
Dessa forma, conclui-se que a etapa de humanização do Direito Penal sustenta suas bases em concepções utilitaristas, ou seja, mais que castigar o infrator, hipótese em que a punição ficará somente na esfera individual do mesmo, deve-se procurar reeducá-lo para o convívio social, a fim de evitar que a sociedade tenha de suportar novamente um mal (delito) praticado pelo mesmo.
Nesse contexto, compreende-se que a evolução do Direito Penal, tal como está posto, relaciona-se com a evolução da convivência humana em sociedade, passando por períodos em que as sanções não apresentavam qualquer finalidade útil para, então, chegar a um período em que a pena além de representar um castigo, possui caráter preventivo e ressocializador.
2.2 CONCEITO
Os mais variados ramos do Direito possuem suas próprias peculiaridades, tornando, portanto, inquestionável a importância da conceituação de Direito Penal para melhor compreensão do tema.
Na visão de Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 02) “o Direito Penal apresenta-se como um conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes – penas e medidas de segurança”.
No mesmo sentido, Luiz Regis Prado (2005, p. 53, grifo do autor) define:
O Direito Penal é o setor ou parcela do ordenamento jurídico público interno que estabelece as ações ou omissões delitivas, cominando-lhes determinadas conseqüências jurídicas – penas ou medidas de segurança (conceito formal). Enquanto sistema normativo, integra-se por normas jurídicas (mandatos e proibições) que criam o injusto penal e suas respectivas conseqüências.
Para Jorge de Figueiredo Dias (2007, p. 03, grifo do autor):
Chama-se direito penal ao conjunto das normas jurídicas que ligam a certos comportamentos humanos, os crimes, determinadas consequências jurídicas privativas deste ramo do direito. A mais importante destas consequências – tanto do ponto de vista quantitativo, como qualitativo (social) – é a pena, a qual só pode ser aplicada ao agente do crime que tenha actuado com culpa. Ao lado da pena prevê porém o direito penal consequências jurídicas de outro tipo: são as medidas de segurança, as quais não supõem a culpa do agente, mas a sua perigosidade.
Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 57), por sua vez, conceitua Direito Penal como sendo “o conjunto de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação”.
Por fim, Frederico Marques (1954 apud BITENCOURT, 2003, p. 03) explica:
Direito Penal é o conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena como consequência, e disciplinam também as relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade de medidas de segurança e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado.
Conclui-se das explanações acima que a doutrina, mesmo através dos tempos, apresenta posicionamento unânime quanto à conceituação de Direito Penal, podendo-se afirmar, em vista disso, que o Direito Penal se trata de um conjunto de normas jurídicas disposto a criminalizar determinada conduta humana para, só depois, atribuir-lhe determinada consequência jurídica (sanção), no intuito de defender a ordem social e o próprio indivíduo infrator, ao passo que além de resguardar seus direitos e garantias fundamentais, se dispõe a recuperá-lo e reinseri-lo ao convívio social.
Dessa forma, analisado o conceito de Direito Penal passa-se à análise de sua função que além de proteger os bens jurídico-penais, atua também como um meio de controle social.
2.3 FUNÇÃO
Acerca da função do Direito Penal, Nilo Batista (2005, p. 111) afirma que “quando se fala nos fins (ou “missão”) do direito penal, pensa-se principalmente na interface pena/sociedade e subsidiariamente num criminoso antes do crime [...]”.
E, complementando, esclarece:
Por isso, a missão do direito penal defende (a sociedade), protegendo (bens, ou valores, ou interesses), garantindo (a segurança jurídica, ou a confiabilidade nela) ou confirmando (a validade das normas); ser-lhe-á percebido um cunho propulsor, e a mais modesta de suas virtualidades estará em resolver casos (BATISTA, 2005, p. 111, grifo do autor).
Logo, compreende-se que “a função primordial desse ramo da ordem jurídica radica na proteção de bens jurídico-penais – bens do Direito – essenciais ao indivíduo e à comunidade” (PRADO, 2005, p. 53).
E, acrescenta-se:
Para cumprir tal desiderato, em um Estado de Direito Democrático, o legislador seleciona os bens especialmente relevantes para a vida social e, por isso mesmo, merecedores da tutela penal. A noção de bem jurídico implica a realização de um juízo positivo de valor acerca de determinado objeto ou situação social de relevância para o desenvolvimento do ser humano.
Para sancionar as condutas lesivas ou perigosas a bens jurídicos fundamentais, a lei penal se utiliza de peculiares formas de reação – penas e medidas de segurança (PRADO, 2005, p. 53-54).
Contudo, Nilo Batista (2005, p. 20) destaca a característica finalística do direito penal, de sorte que “o direito penal existe para cumprir finalidades, para que algo se realize, não para a simples celebração de valores eternos ou glorificação de paradigmas morais”.
Assim, compreendido o Direito Penal como “um conjunto de normas jurídicas...”, por conseguinte entende-se que “esse conjunto de normas e princípios, devidamente sistematizados, tem a finalidade de tornar possível a convivência humana, ganhando aplicação prática nos casos ocorrentes, observando rigorosos princípios de justiça” (BITENCOURT, 2003, p. 02).
Podendo-se concluir, portanto, que “o Direito Penal regula as relações dos indivíduos em sociedade e as relações destes com a mesma sociedade” (BITENCOURT, 2003, p. 04).
Corroborando, Nilo Batista (2005, p. 19) afirma que “o direito penal vem ao mundo (ou seja, é legislado) para cumprir funções concretas dentro de e para uma sociedade que concretamente se organizou de determinada maneira”.
Nilo Batista (2005, p. 21) citando Mestieri (1971, p. 03); Damásio (1985, p. 03) e Heleno Fragoso (1985, p. 02) ensina que:
O direito penal é disposto pelo estado para a concreta realização de fins; toca-lhe, portanto, uma missão política, que os autores costumam identificar, de modo amplo, na garantia das ‘condições de vida da sociedade’, como Mestieri, ou na ‘finalidade de combater o crime’, como Damásio, ou na ‘preservação dos interesses do indivíduo ou do corpo social’, como Heleno Fragoso.
Chama-se “controle social” esta função conferida ao Direito Penal de estruturar e garantir toda uma ordem social (BATISTA, 2005, p. 21).
Lola Aniyar de Castro (1987 apud BATISTA, 2005, p. 21-22) dispõe que o controle social:
[...] não passa da predisposição de táticas, estratégias e forças para a construção da hegemonia, ou seja, para a busca da legitimação ou para assegurar o consenso; em sua falta, para a submissão forçada daqueles que não se integram à ideologia dominante.
E, assim, assevera Nilo Batista (2005, p. 22) que pode o direito penal desempenhar diversas funções, “a preponderância da função de controle social é, contudo, inquestionável”.
No que se refere às finalidades no moderno Direito Penal, vejamos:
Uma das principais características do moderno Direito Penal é a sua finalidade preventiva: antes de punir o infrator da ordem jurídico-penal, procura motivá-lo para que dela não se afaste, estabelecendo normas proibitivas e cominando as sanções respectivas, visando evitar a prática do crime (BITENCOURT, 2003, p. 04, grifo do autor).
E, ainda:
Falhando a função motivadora da norma penal, transforma-se a sanção abstratamente cominada, através do devido processo legal, em sanção efetiva, tornando aquela prevenção genérica, destinada a todos, uma realidade concreta atuando sobre o indivíduo infrator, caracterizando a prevenção especial, constituindo a manifestação mais autêntica do seu caráter coercitivo (BITENCOURT, 2003, p. 04).
Nesse contexto, percebe-se que inicialmente o Direito Penal atua com a finalidade de proteger os bens jurídicos essenciais ao convívio do ser humano em sociedade e, por consequência, se desenvolve como um meio de controle social formalizado, seja prevenindo a ocorrência do crime, seja punindo o homem que delinquiu.
2.4 LEGITIMIDADE
Compreendido o Direito Penal como um conjunto de normas jurídicas que visa regular as relações dos indivíduos em sociedade, mediante a aplicação de sanções (caráter sancionador); cumpre esclarecer que o exercício desse direito somente é conferido ao Estado, por tratar-se de matéria de ordem pública, o que significa dizer “os bens protegidos pelo Direito Penal não interessam ao indivíduo, exclusivamente, mas à coletividade como um todo” (BITENCOURT, 2003, p. 04).
Assim, “do ponto de vista objetivo, o Direito Penal (jus poenale) significa não mais do que um conjunto de normas que definem os delitos e as sanções que lhes correspondem, orientando, também, sua aplicação” (PRADO, 2005, p. 54).
À medida que o Direito Penal subjetivo (jus puniendi), “[...] diz respeito ao direito de punir do Estado (princípio da soberania), correspondente à sua exclusiva faculdade de impor sanção criminal diante da prática do delito” (PRADO, 2005, p. 54).
A respeito do tema, Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 06) leciona que “o Direito Penal positivo constitui-se do conjunto de preceitos legais que regulam a atividade soberana estatal de definir crimes e cominar as respectivas sanções”.
E, complementa:
Por sua vez, o Direito Penal subjetivo emerge do bojo do próprio Direito Penal objetivo, constituindo-se no ius puniendi, cuja titularidade exclusiva pertence ao Estado, soberanamente, como manifestação do seu poder de império. O Direito Penal subjetivo, isto é, o direito de punir, é limitado pelo próprio Direito Penal objetivo, que estabelece os seus limites, e pelo direito de liberdade assegurado constitucionalmente a todos os indivíduos (BRUNO, 1967 apud BITENCOURT, 2003, p. 07, grifo do autor).
Por sua vez, Jorge de Figueiredo Dias (2007, p. 06, grifo do autor) acentua:
O que deixamos formalmente definido constitui o direito penal em sentido objectivo (ius poenale). Deste costuma distinguir-se o direito penal em sentido subjectivo (ius puniendi), como poder punitivo do Estado resultante da sua soberana competência para considerar como crimes certos comportamentos humanos e ligar-lhes sanções específicas. Deste ponto de vista pode afirmar-se que o direito penal objectivo é expressão ou emanação do poder punitivo do Estado.
Ressalta-se, portanto, que o direito de punir não será, em hipótese alguma, transferido ao particular, sendo de titularidade exclusiva do Estado.
Vejamos, a esse respeito, outro ensinamento de Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 04, grifo do autor):
A relação existente entre o autor de um crime e a vítima é de natureza secundária, uma vez que esta não tem o direito de punir. Mesmo quando dispõe da persecutio criminis não detém o ius puniendi, mas tão-somente o ius accusationis, cujo exercício exaure-se com a sentença penal condenatória. Conseqüentemente, o Estado, mesmo nas chamadas ações de exclusiva iniciativa privada, é o titular do ius puniendi, que tem, evidentemente, caráter público.
E, corroborando, Fernando Capez (2009, p. 01, grifo do autor):
O Estado, única entidade dotada de poder soberano, é o titular exclusivo do direito de punir (para alguns, poder-dever de punir). Mesmo no caso da ação penal exclusivamente privada, o Estado somente delega ao ofendido a legitimidade para dar início ao processo, isto é, confere-lhe o jus persequendi in judicio, conservando consigo a exclusividade do jus puniendi.
Assim, percebe-se que a preocupação com o estudo acerca do direito de punir justifica-se pelo fato de ser inconcebível a imposição de uma pena por alguém que não tenha legitimidade para fazê-lo, por isso mesmo, esse direito resta limitado por uma gama de princípios.
De modo que, “todos esses princípios são de garantias do cidadão perante o poder punitivo estatal e estão amparados pelo novo texto constitucional de 1988 (art. 5º)” (BITENCOURT, 2003, p. 09).
Neste ínterim, conclui Fernando Capez (2009, p. 01-02) que:
esse direito de punir (ou poder-dever de punir) titularizado pelo Estado, é genérico e impessoal porque não se dirige especificamente contra esta ou aquela pessoa, mas destina-se à coletividade como um todo. Seria, aliás, de todo inconstitucional a criação de uma regra, unicamente, para autorizar a punição de determinada pessoa. Trata-se, portanto, de um poder abstrato de punir qualquer um que venha a praticar fato definido como infração penal.
Ante o exposto, infere-se que ocorrendo um delito, compete exclusivamente ao Estado a aplicação da respectiva sanção, em razão do princípio da soberania, aliás, mais que um direito, considera-se um dever.
2.5 CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO DELITO
De acordo com Luiz Regis Prado (2005, p. 552) “conseqüências jurídicas do delito são reações jurídicas aplicáveis à prática de um injusto punível. O moderno Direito Penal acolhe, como conseqüências jurídico-penais do delito, as penas e as medidas de segurança [...]”.
Com vistas à manutenção da estrutura lógica do presente trabalho, passa-se à análise, tão somente, do instituto da pena.
2.5.1 Pena
Inicialmente, é de suma importância discorrer sobre a origem da pena imposta ao transgressor da norma jurídica.
Pedro Rates Gomes Neto (2000, p. 17, grifo do autor) afirma não se poder precisar a origem da palavra pena, entretanto, para alguns autores “viria do latim poena significando castigo, expiação, suplício, ou ainda do latim punere (por) e pondus (peso), no sentido de contrabalançar, pesar, em face do equilíbrio dos pratos que deve ter a balança da Justiça”.
A respeito do tema, complementa:
Para outros, teria origem nas palavras gregas ponos, poiné, de penomai, significando trabalho, fadiga, sofrimento e eus, de expiar, fazer o bem, corrigir, ou no sânscrito (antiga língua clássica da Índia) pynia, com a idéia de pureza, virtude. Existem alguns doutrinadores que dizem que a pena deriva da palavra ultio empregada na Lei das XII Tábuas para representar castigo como retribuição pelo mal praticado a quem desrespeitar o mando da norma (GOMES NETO, 2000, p. 18, grifo do autor).
E, no que tange aos aspectos históricos da origem da pena, Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 407-408) leciona:
A origem da pena é muito remota, perdendo-se na noite dos tempos, sendo tão antiga quanto a História da Humanidade. Por isso mesmo é muito difícil situá-la em suas origens. Quem quer que se proponha a aprofundar-se na História da pena corre o risco de equivocar-se a cada passo. As contradições que se apresentam são dificilmente evitadas, uma vez que o campo encontra-se cheio de espinhos.
Em que pese exarar concordância com o posicionamento acima mencionado (inexatidão quanto à origem da pena), Pedro Rates Gomes Neto (2000, p. 20, grifo do autor) apresenta duas teorias para tentar explicá-la: “a do criacionismo, calcada na religião e a do evolucionismo, elaborada conforme princípios científicos”.
Para os adeptos da teoria criacionista, a pena nasceu quando Eva sucumbiu à tentação da serpente e provou do fruto proibido (primeira transgressão), recebendo como punição, de Deus, o degredo, a expulsão do “Jardim do Éden” (GOMES NETO, 2000, p. 21).
Os partidários da teoria evolucionista, por sua vez, informam que os primatas passaram a se organizar em grupos e, ao reagir a um ataque externo caracterizaram o nascimento da primeira punição – retribuição (GOMES NETO, 2000, p. 22).
Assim, é certo que mesmo em épocas mais remotas, a pena fora aplicada como forma de punição aos transgressores dos interesses protegidos (GOMES NETO, 2000, p. 22).
Quanto ao conceito de pena, Luiz Regis Prado (2005, p. 553) informa que “a pena é a mais importante das conseqüências jurídicas do delito. Consiste na privação ou restrição de bens jurídicos, com lastro na lei, imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao agente de uma infração penal”.
A respeito do tema, Franz Von Liszt (1899 apud GOMES NETO, 2000, p. 19) definia como sendo “o mal, que, por intermédio dos órgãos da administração da justiça criminal, o Estado inflige ao delinquente em razão do delito”.
Por sua vez, Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 368, grifo do autor) afirma se tratar de “sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes”.
A pena exterioriza-se na retribuição ao mal praticado, na reafirmação do próprio Direito Penal, na intimidação de toda a sociedade e do próprio autor do delito para que, não venham e não tornem a delinquir e, por fim, se propõe à ressocialização do condenado (NUCCI, 2008, p. 368).
Assevera Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 65) ser irrealizável a convivência na sociedade dos dias atuais, sem a existência de pena, justificando sua existência na própria necessidade de existir.
E, complementando, Pedro Rates Gomes Neto (2000, p. 22) assinala:
A ausência de punição só ocorrerá quando os homens alcançarem um estágio altamente avançado de evolução, que a pena se torne completamente desnecessária; hoje em dia é utopia, mas, nessa época por certo, já não existirão mais juízes, cadeias, hospitais, médicos, policiais etc.
Desta feita, visto que a origem da pena é considerada irresoluta, sabendo-se, tão somente, que existe por questão de necessidade, passa-se à análise das teorias que se propõem a justificar dita necessidade.
2.5.1.1 Teorias da pena
Assim como ocorre com o Direito Penal, a evolução das justificativas e funções da pena se relaciona com a evolução da convivência em sociedade, cumpre esclarecer, portanto, que são diversas as teorias que se propõem a explicar o tema, contudo, são reunidas pela doutrina em três grandes grupos: teorias absolutas, relativas e mistas, as quais merecem destaque.
Em relação às teorias absolutas (ou retributivas), Luiz Regis Prado (2005, p. 553-554, grifo do autor) ensina que:
Fundamentam a existência da pena unicamente no delito praticado (punitur quia peccatum est). A pena é retribuição, ou seja, compensação do mal causado pelo crime. É decorrente de uma exigência de justiça, seja como compensação da culpabilidade, punição pela transgressão do direito (teoria da retribuição), seja como expiação do agente (teoria da expiação). As concepções absolutas têm origem no idealismo alemão, sobretudo com a teoria da retribuição ética ou moral de Kant – a aplicação da pena decorre de uma necessidade ética, de uma exigência absoluta de justiça, sendo eventuais efeitos preventivos alheios à sua essência.
Na opinião de Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 68):
Segundo este esquema retribucionista, é atribuída à pena, exclusivamente, a difícil incumbência de realizar Justiça. A pena tem como fim fazer justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, e o fundamento da sanção estatal está no questionável livre-arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto.
Já Sidio Rosa de Mesquita Júnior (2003, p. 52, grifo do autor) considera:
Para as teorias absolutas, a pena tem um único fim, o retributivo. Pune-se o agente porque ele cometeu crime (punitur quia peccatum est). Se a pena e o crime são males, deve imperar a igualdade entre eles, uma vez que só o igual é justo. Destarte, a Lei de Talião seria a expressão mais fiel das teorias absolutas. Elas são unânimes em negar fins utilitários à pena, mas divergem quanto à natureza da retribuição oferecida pela lei. Muitos sustentam que o castigo tem caráter divino, outros dizem que a pena tem natureza moral e, finalmente, existem aqueles que constroem suas teses dizendo que a pena tem caráter jurídico.
Em Zaffaroni e Pierangeli (2008, p. 108, grifo do autor) encontra-se o seguinte ensinamento:
São chamadas teorias absolutas as que sustentam que a pena encontra em si mesma a sua justificação, sem que possa ser considerada um meio para fins ulteriores. Tais são as sustentadas por KANT e HEGEL [...]. Na atualidade tais teorias não possuem adeptos.
Por fim, Jorge Figueiredo Dias (2007, p. 45, grifo do autor) leciona:
Para este grupo de teorias a essência da pena criminal reside na retribuição, expiação, reparação ou compensação do mal do crime e nesta essência se esgota. Se, apesar de ser assim, a pena pode assumir efeitos reflexos ou laterais socialmente relevantes (de intimidação da generalidade das pessoas, de neutralização dos delinquentes, de ressocialização), nenhum deles contende com a sua essência e natureza, nem se revela susceptível de a modificar: uma tal essência e natureza é função exclusiva do facto que (no passado) se cometeu, é a justa paga do mal que com o crime se realizou, é o justo equivalente do dano do facto e da culpa do agente.
Diante dos ensinamentos expostos, infere-se que as teorias absolutas sustentam a finalidade exclusivamente retributiva da pena, ou seja, buscam devolver o mal àquele que o causou e fazer justiça ao ofendido; encontrando-se atualmente ultrapassadas.
Contrapondo-se às teorias absolutas, as teorias relativas (preventivas) se expressam com razões utilitárias, ou seja, atuam na prevenção dos crimes, conforme dispõe Luiz Regis Prado (2005, p. 555, grifo do autor):
Encontram o fundamento da pena na necessidade de evitar a prática futura de delitos (punitur ut ne peccetur) – concepções utilitárias da pena. Não se trata de uma necessidade em si mesma, de servir à realização da Justiça, mas de instrumento preventivo de garantia social para evitar a prática de delitos futuros (poena relata ad effectum). Isso quer dizer que a pena se fundamenta por seus fins preventivos, gerais ou especiais. Justifica-se por razões de utilidade social.
A respeito do tema, Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 75) assegura:
Para as teorias preventivas a pena não visa retribuir o fato delitivo cometido, e sim prevenir a sua prática. Se o castigo ao autor do delito se impõe, segundo a lógica das teorias absolutas, somente porque delinqüiu, nas teorias relativas à pena se impõe para que não volte a delinqüir.
Por sua vez, Edgard de Magalhães Noronha (1974 apud MESQUITA JÚNIOR, 2003, p. 52, grifo do autor):
As teorias relativas atribuem à pena a prevenção geral ou especial, por meio da cominação em abstrato. A cominação da pena é forma de coação psicológica, sendo que a aplicação em concreto da pena decorre do fato de a cominação não ter intimidado suficientemente. Para essas teorias, o crime não é a causa da pena, mas a ocasião para que ela seja aplicada. A pena não se explica pela idéia de justiça, mas pela necessidade social.
Do ponto de vista de Zaffaroni e Pierangeli (2008, p. 108, grifo do autor):
As teorias relativas desenvolveram-se em oposição às teorias absolutas, concebendo a pena como um meio para a obtenção de ulteriores objetivos. Essas teorias são as que se subdividem em teorias relativas da prevenção geral e da prevenção especial, cujos conceitos já examinamos: na prevenção geral a pena surte efeito sobre os membros da comunidade jurídica que não delinqüiram, enquanto na prevenção especial age sobre o apenado.
E, ainda, Jorge de Figueiredo Dias (2007, p. 49, grifo do autor) considera:
Contrariamente às teorias absolutas, as teorias relativas (do latim referre: referir-se a) são, com plena propriedade, teorias de fins. Também elas reconhecem que, segundo a sua essência, a pena se traduz num mal para quem a sofre. Mas, como instrumento político-criminal destinado a actuar no mundo, não pode a pena bastar-se com essa característica, em si mesma destituída de sentido social-positivo; para como tal se justificar tem de usar desse mal para alcançar a finalidade precípua de toda a política criminal, a prevenção ou profilaxia criminal.
Desse modo, percebe-se que as teorias relativas apontam a aplicação da pena como medida útil e necessária à prevenção de novos delitos, porque se aplicadas ao sujeito infrator, por meio da intimidação, produzirão também efeitos nos demais indivíduos da sociedade.
Vistos os posicionamentos acerca das teorias relativas, passa-se ao exame das teorias mistas (unitárias ou ecléticas).
Do ponto de vista de Luiz Regis Prado (2005, p. 563, grifo do autor):
A pena – espécie do gênero sanção penal – encontra sua justificação no delito praticado e na necessidade de evitar a realização de novos delitos. Para tanto, é indispensável que seja justa, proporcional à gravidade do injusto e à culpabilidade de seu autor, além de necessária à manutenção da ordem social. Não se pode admitir a imposição de um único paradigma para a matéria; muito ao contrário, exige-se uma espécie de solução de compromisso teórico.
Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 82) explica que “as teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Esta corrente tenta recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas ou relativas”.
De maneira mais simples, Sidio Rosa de Mesquita Júnior (2003, p. 53, grifo do autor) assevera que “para as teorias mistas, a pena tem fim retributivo, mas tem, também, fins de reeducação do delinqüente e de intimidação social”.
Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2008, p. 109, grifo do autor):
As teorias mistas quase sempre partem das teorias absolutas, e tratam de cobrir suas falhas acudindo a teorias relativas. São as mais usualmente difundidas na atualidade e, por um lado, pensam que a retribuição é impraticável em todas as suas conseqüências e, de outro, não se animam a aderir à prevenção especial. Uma de suas manifestações é o lema seguido pela jurisprudência alemã: ‘prevenção geral mediante retribuição justa’.
Desta feita, as teorias mistas buscam conciliar os princípios sustentados pelas teorias absolutas e relativas, assinalando como finalidades da pena, além da retribuição do mal praticado ao sujeito infrator, também a garantia da ordem social, mediante a prevenção de novos delitos.
Diante dos elementos expostos, percebe-se com clareza que as teorias dos fins da pena sofreram, no decorrer do tempo, alterações em consonância com a evolução social; porquanto ”sua essência não pode ser reduzida a um único ponto de vista, com exclusão pura e simples dos outros, ou seja, seu fundamento contém realidade altamente complexa” (PRADO, 2005, p. 567).
Para fins de encerramento do segundo capítulo do presente trabalho, passa-se à explanação do último tópico que se refere à história e evolução da pena de prisão, no intuito de introduzir o assunto a ser tratado no segundo capítulo (Sistema Prisional).
2.5.1.1.1 Penas de prisão
Conforme anteriormente exposto, o sujeito infrator da norma penal será punido mediante a aplicação de uma pena. Cumpre esclarecer, portanto, que a Constituição Federal prevê em seu art. 5º, inciso LXLI as penas que podem ser cominadas e o Código Penal as especifica em seu art. 32, a saber: privativas de liberdade, restritivas de direito e multa (MESQUITA JÚNIOR, 2003, p. 212).
No que se refere especificamente às penas privativas de liberdade, Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 378) ensina: “existem três espécies de penas privativas de liberdade – reclusão, detenção e prisão simples – que, na realidade, poderiam ser unificadas sob a denominação de pena de prisão”.
Quanto às diferenças entre as penas acima elencadas [reclusão, detenção e prisão simples], temos basicamente o regime de cumprimento a ser aplicado: fechado, aberto e semiaberto (NUCCI, 2008, p. 378).
Nesse contexto, para uma clara exposição acerca do Sistema Prisional (terceiro capítulo), imprescindível sejam analisados, antes, os aspectos concernentes à pena de prisão.
Pedro Rates Gomes Neto (2000, p. 43) sobre a origem da palavra prisão pondera: “prisão (do latim, Prensione), tanto significa o ato de prender, de deter, de capturar o indivíduo, como o local onde o sujeito fica retido, fica preso. As nossas leis empregam indistintamente essas duas acepções”.
Entretanto, nesta oportunidade utiliza-se a prisão na qualidade de pena, ato de prender, por isso, pouco importa a diferenciação quanto ao regime de cumprimento.
No que se refere aos aspectos históricos da origem da prisão-pena, Cezar Roberto Bitencourt (2004, p. 03) leciona:
Quem quer que se proponha a aprofundar-se na história da pena de prisão corre o risco de equivocar-se a cada passo. As contradições que se apresentam são dificilmente evitadas, uma vez que o campo encontra-se cheio de espinhos. Por tudo isso, não é tarefa fácil.
Pedro Rates Gomes Neto (2000, p. 46) assevera que “a história da prisão não é a de sua progressiva abolição, mas a de sua reforma”.
E, para Sidio Rosa de Mesquita Júnior (2003, p. 212-213) “a pena privativa de liberdade [...], surgiu para substituir a pena de morte, a qual se tornou tão dura que, às vezes, se constitui em pena mais atroz e cruel que a pena capital”.
No entendimento de Pedro Rates Gomes Neto (2000, p. 44) “antes de a prisão passar a ser instrumento de pena, ela se destinava a reter o condenado até a execução de sua pena, que era sempre corporal ou infamante [...]”.
Em consonância com o exposto, Luiz Regis Prado (2005, p. 569) citando Giuseppe Bettiol (1976) explica:
Largamente utilizada nas modernas legislações, comparativamente às outras sanções penais, a pena privativa de liberdade era outrora apenas um instrumento de custódia provisória do acusado, enquanto se desenrolava o processo ou se aguardava o início da execução da pena. Com efeito, assevera Bettiol que a origem recente da pena de prisão explica-se pelo fato de que, no passado ‘as verdadeiras penas eram a pena de morte, a mutilação, o exílio, o confisco, enquanto o encarceramento tinha escopo meramente processual, porque servia para assegurar, no processo, a presença do réu.
Adiante na explanação acerca dos aspectos históricos da pena de prisão, Cezar Roberto Bitencourt (2004, p. 04) revela:
A Antigüidade desconheceu totalmente a privação de liberdade estritamente considerada como sanção penal. Embora seja inegável que o encarceramento de delinquentes existiu desde tempos imemoráveis, não tinha caráter de pena e repousava em outras razões. Até fins do século XVIII a prisão serviu somente aos objetivos de contenção e guarda de réus, para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados. Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes.
Passando a análise da prisão-pena no período da Idade Média, Cezar Roberto Bitencourt (2004, p. 09) continua:
Durante todo o período da Idade Média, a idéia de pena privativa de liberdade não aparece. Há, nesse período, um claro predomínio do direito germânico. A privação da liberdade continua a ter uma finalidade custodial, aplicável àqueles que seriam ‘submetidos aos mais terríveis tormentos exigidos por um povo ávido de distrações bárbaras e sangrentas. A amputação de braços, pernas, olhos, língua, mutilações diversas, queima de carne a fogo, e a morte, em suas mais variadas formas, constituem o espetáculo favorito das multidões desse período histórico.
Na Idade Moderna, mais especificamente durante os séculos XVI e XVII, a Europa fora tomada por uma onda de pobreza e miséria, resultando, por consequência, em ascensão ao número de homens que vieram a delinquir. Considerando que não se poderiam aplicar pena de morte à quase toda a população e, ainda assim, era preciso manter a ordem social, foram criadas prisões organizadas para a correção do apenado (BITENCOURT, 2004, p. 14-15).
Por fim, observa-se no século XVIII, a reação de alguns pensadores [reformadores] contra a maneira com que eram aplicadas as prisões-pena, sugerindo, a humanização das prisões (BITENCOURT, 2004, p. 31-32).
Atualmente, conforme observa Cezar Roberto Bitencourt (2004, p. 01) “a prisão é concebida [...] como um mal necessário, sem esquecer que guarda em sua essência contradições insolúveis”.
E, complementa:
Quando a prisão se converteu na principal resposta penológica, especialmente a partir do século XIX, acreditou-se que poderia ser um meio adequado para conseguir a reforma do delinqüente. Durante muitos anos imperou um ambiente otimista, predominando a firme convicção de que a prisão poderia ser um meio idôneo para realizar todas as finalidades da pena e que, dentro de certas condições, seria possível reabilitar o delinqüente. Esse otimismo inicial desapareceu e atualmente predomina uma certa atitude pessimista, que já não se têm muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional. A crítica tem sido tão persistente que se pode afirmar, sem exagero, que a prisão está em crise. Essa crise abrange também o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte das críticas e questionamentos que se faz à prisão refere-se à impossibilidade – absoluta ou relativa – de obter algum efeito positivo sobre o apenado (BITENCOURT, 2003, p. 419, grifo do autor).
Feitas essas considerações, cumpre esclarecer, finalmente, que no período contemporâneo a prisão-pena objetiva antes de tudo a ressocialização do apenado, não mais o depositando ao aguardo do processo, não mais o castigando em razão do cometimento do crime.
Visto o segundo capítulo, em que foram abordadas as noções históricas, conceito, função e legitimidade do Direito Penal, bem como as consequências jurídicas do delito, destacando-se a pena de prisão, parte-se para o terceiro capítulo, que irá tratar sobre o Sistema Prisional.