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Organizações sociais:

a viabilidade jurídica de uma nova forma de gestão compartilhada

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Agenda 01/10/2002 às 00:00

6 - DA LICITAÇÃO, PESSOAL E CONCURSO PÚBLICO NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAS

Feita a abordagem das peculiaridades do regime jurídico das organizações sociais, temos a tratar uma das questões mais intrigantes, controvertidas e, por sua vez, inspiradora de uma série de desconfianças quando se fala nesse novo instituto, uma vez que, numa analise preliminar, é de se vislumbrar a possibilidade de se comprar sem licitação e contratar sem concurso.

Daí se indaga que normas regularão a contratação de obras, serviços, compras e alienações e de pessoal nas organizações sociais, como decorrência da execução do contrato de gestão, calhando a questão: impõe-se a realização de licitação e do concurso público nas organizações sociais? Vejamos.

O parágrafo único do art. 1º da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, situa, no campo de incidência da obrigatoriedade de licitação,os órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Por delegação do poder público, a organização social atua paralelamente ao Estado, não integrando a administração direta ou indireta.

Como o campo de incidência do parágrafo único do art. 1º da Lei 8.666/93 não alcança as organizações sociais, o resultado dessa interpretação conduz à conclusão de que ela não se submete ao regime do Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos.

É nesse sentido o escólio de CARLOS VASCONCELOS DOMINGUES acrescentado que a expressão"controladas indiretamente"contida no parágrafo único do art. 1º da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, "refere-se às subsidiárias que, controladas diretamente pelas sociedades de economia mista, submetem-se ao controle indireto da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" 18.

Todavia isso não quer significar que a organização social possa aplicar os recursos públicos que lhe são repassados da maneira que lhe convier.

Com efeito, o art. 4º, VIII, da Lei 9.637/98 determina que o conselho de administração deve aprovar o regulamento contendo os procedimentos que a organização social adotará para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, o qual deverá ser publicado no prazo máximo de 90 (noventa) dias após a assinatura do contrato de gestão, conforme prevê o art. 17.

Partindo-se do pressuposto de que nas organizações sociais os princípios de direito público devem sobrepor-se aos de direito privado, como procuramos demonstrar ao tratarmos das peculiaridades de seu regime jurídico, esse regulamento deve tomar como premissa os princípios gerais do processo licitatório contidos na Lei 8.666/93 visando a seleção da proposta mais vantajosa.

Ao tratar desse tema, LEON FREJDA SZKLAROWSKY leciona no mesmo sentido. Para o ilustre professor o regulamento deverá consubstanciar os princípios gerais do processo licitatório, tendo em vista recente decisão plenária, relatada pelo Ministro Lincoln M. da Rocha, corroborando decisão plenária do TCU n.º 907/97, em hipótese semelhante, ao concluir "que os Serviços Sociais Autônomos não estão sujeitos à observância aos estritos procedimentos estabelecidos na Lei n.º 8.666/93, e sim aos seus regulamentos próprios, devidamente publicados, consubstanciados nos princípios gerais do processo licitatório".19

Assim, as organizações sociais poderão dispor de normas mais flexíveis de licitação, não se submetendo aos procedimentos licitatórios aplicáveis ao poder público, mas devem observância aos princípios gerais consagrados na Lei 8.666/93.

Quanto às questões que envolvem a imposição ou não de concurso público destinado à seleção e recrutamento de pessoal nas organizações sociais, assim como saber se é certo ou não a ela ceder servidores públicos com ônus para a origem, a doutrina disponível é totalmente omissa nesses pontos.

É forçoso reconhecer que a maior parte dos recursos das Organizações Não Governamentais, gênero do qual a organização social é espécie, é canalizada para o custeio de pessoal, que constitui, por essência, a matéria prima que viabiliza suas atividades. Daí porque o elemento humano se revela imperioso ao implemento desta nova forma de gestão compartilhada, justificando sua disciplina na Lei 9.637/98.

No art. 4º, VIII, a Lei prevê que compete ao conselho de administração aprovar o plano de cargos, salários e benefícios dos empregados da entidade. Como pessoa jurídica de direito privado, o pessoal das organizações sociais se submete ao regime celetista de trabalho.

Por sua vez, o art. 7º, II, da Lei estatui que o contrato de gestão deve estipular os "limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidos pelos dirigentes e empregados das organizações sociais no exercício de suas funções".

Nesse ponto, a Lei deve ser objeto de severas críticas porque, muito embora estabeleça limites e critérios para a remuneração, ou seja, a fixação de pisos e tetos e um plano de cargos e salários, não estipula as mesmas diretrizes para a seleção e recrutamento de pessoal. Em suma, abre porta para fraudar o concurso público.

Nesse ínterim, somos de opinião que a Lei deveria dispensar à seleção de pessoal o mesmo tratamento para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, ou seja, o conselho de administração deveria aprovar normas reguladoras, estabelecendo critérios objetivos para a contratação de pessoal celetista, evitando-se eventuais privilégios ou favoritismos. Em suma, da mesma forma que se dá na licitação, devem ser observados na seleção de pessoal princípios de direito público.

Por sua vez, o art. 14, da Lei 9.637/98, faculta ao Poder Público ceder pessoal para as organizações sociais, com ônus para a origem. O Estado de São Paulo, ao instituir o modelo das organizações sociais no ordenamento jurídico local por meio da Lei Complementar n.º 846, de 04 de junho de 1998, bebe da mesma água do modelo federal, no que distancia o Estado da Bahia, pois sua lei estadual reguladora da matéria (Lei 7.027, de 29 de janeiro de 1997) veda terminantemente a cessão de servidores, com ou sem ônus para a origem. Entretanto permite que as organizações sociais admitam em seus quadros servidores públicos em regime celetista, desde que afastados por licença para tratar de assuntos particulares. A solução baiana, ao nosso ver, é incompatível com o salutar princípio da segurança jurídica, já que é notório que o servidor não está licenciado para tratar de "assuntos particulares", quando passa a exercer suas funções na organização social. Ele continua a atuar em benefício da própria Administração, ainda que de forma indireta. Por outro lado, a disciplina baiana sobre a matéria abre margem para eventuais fraudes, uma vez que pode o servidor licenciado ter sua remuneração majorada, quando contratado pela organização social no regime celetista, sem que esse aumento derive diretamente da lei, como determina o art. 37, X, da Constituição Federal, no que peca em relação ao regramento federal da matéria, apesar de seu inegável mérito quando disciplina o procedimento de qualificação e a conseqüente licitação, autorização e celebração do contrato de gestão com a organização social escolhida como delegatária dos serviços públicos, como procuraremos demonstrar no tópico seguinte.

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7 - QUALIFICAÇÃO E DESQUALIFICAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

Pela leitura do art. 2º, da Lei 9.637/98, temos os requisitos específicos para que as entidades privadas se habilitem à qualificação como organização social.

No inciso I, do aludido artigo, estão objetivamente enumerados os elementos que devem constar do ato constitutivo da pessoa jurídica sem fins lucrativos 20.

Esse ato constitutivo de que nos fala a Lei nada mais é do que o Estatuto da entidade civil, o qual deverá ser registrado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas para a aquisição de personalidade jurídica, nos termos em que dispõe o art. 114, I, da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

Aliado a esses pressupostos objetivos, o inciso II, do art. 2º, assume nítido caráter subjetivo, quando exige das pessoas jurídicas interessadas em receber o título especial a "aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro do Estado da Administração Federal e Reforma do Estado".

Como se vê, o comando normativo revela a natureza manifestamente discricionária do procedimento de qualificação. Com efeito, não basta à pessoa jurídica sem fins lucrativos cumprir todos os requisitos objetivamente contidos no art. 2º, I, da Lei 9.637/98. Requer-se mais. A aprovação da qualificação pelas autoridades destacadas no inciso II.

A intenção da regra disposta no art. 2º, II, não parece ser outra senão conferir ao administrador público um campo de atuação subjetiva para evitar a qualificação de entidades "fantasma" ou de origem e funcionamento duvidosos. E a preocupação encontra fundamento na medida em que serão executados serviços públicos, aí incluídos a gerência de bens patrimoniais, servidores e recursos estatais.

Todavia, ainda que procedente este resguardo, sob pena de se colocar submetida à séria e grave ameaça a tutela salutar sobre o gasto público, o dispositivo legal encerra controvérsia.

Com efeito, parcela dominante da doutrina entende que a subjetividade contida no art. 2º, II, da Lei 9.637/98, atribui ao administrador público um poder discricionário que confronta com o ordenamento jurídico pátrio, apesar de essa atribuição ter sido prevista em lei formalmente válida. Via de conseqüência, no procedimento de qualificação, a autoridade competente deveria restringir-se a apreciar o cumprimento dos requisitos legais objetivos impostos à pessoa jurídica que irá habilitar-se e qualificar-se como organização social, de tal modo que não deveria restar espaço para uma atuação discricionária.

É inegável reconhecer que, de um lado, o receio de se qualificar uma entidade inidônea levou o legislador a conferir um alto grau de subjetividade à prática daquele ato, de outro, abriu perigosa margem para dar vazão a intuitos particulares de favoritismos ou perseguição.

Esse é o ensinamento de ELIDA GRAZIANE PINTO, sustentada nas críticas de JUAREZ FREITAS e CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, pois

Aberto esse espaço politicamente inseguro, unilateral, pouco controlável e bastante subjetivo, as organizações sociais passam a ser, portanto, instrumento e alvo da completa discricionariedade do governo, quanto à escolha e definição de quais instituições assim serão classificadas 21

Assumindo esta conduta, inevitavelmente estaria ferido o princípio da impessoalidade, uma vez que é sempre o interesse público que deve nortear o comportamento da Administração, bem como o da moralidade, porque a atuação se distanciaria dos padrões éticos de probidade, decoro e boa fé.

A doutrina de CARLOS VASCONCELOS DOMINGUES, citando PERPÉTUA IVO VALADÃO CASALI BAHIA e PAULO MORENO CARVALHO conduz-se nessa diretriz. Para os procuradores baianos existe "inegável descompasso entre o interesse que deveria ser juridicamente protegido pela Lei e a sua redação final".

Adiante aduzem que

(...) a discricionariedade desse processo, eivado de subjetivismo, agride os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, razoabilidade, legalidade e igualdade, afrontando, assim, os artigos 5º e 37 da Carta Magna. Tal conduta afastaria o administrador do bem comum, que é o critério balizador da atividade administrativa. 22

Leciona na mesma linha de raciocínio ODETE MADAUAR, quando trata a discricionariedade como uma liberdade-vínculo, devendo ela ser guiada pela observância da Constituição, da Lei, dos princípios constitucionais da Administração, outros princípios de direito administrativo e os princípios gerais de direito. 23

Mas não é outro senão o autorizado CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que repudia incisivamente não só o ato de qualificação, mas o próprio instituto das Organizações Sociais em si mesmo, quem leciona que

a qualificação como Organização Social seria um gesto de graça, uma outorga imperial resultante tão só do soberano desejo dos outorgantes, o que, a toda evidência, é incompatível com as concepções do Estado moderno 24

Desta forma, a Lei não poderia oferecer ao administrador a opção para qualificar, ou não, uma entidade civil, que preencheu todos os requisitos exigidos no art. 2º, da Lei 9.637/98, ao argumento de não ter atendido o interesse público. Deveria a autoridade competente quedar-se manietado às condições formais vertidas à qualificação.

Todavia, ainda que preenchidos todos os elementos contidos no art. 2º, o dispositivo não está imune a críticas, pois a redação do artigo não confere nenhuma margem de segurança ao Poder Público, oferecendo o risco potencial de ser qualificada uma entidade que não possua credibilidade.

Com efeito, a Lei não exige da entidade privada existência de capital próprio, comprovação efetiva de serviços prestados na sua área de atuação, qualquer contrapartida ao apoio do Estado e um tempo mínimo de existência e funcionamento.

Nesse último e particular aspecto, chega a causar perplexidade o fato de a Lei não exigir um lapso temporal de funcionamento da entidade civil. A título de comparação, para que uma pessoa jurídica sem fins lucrativos seja reconhecida como uma "entidade de fins filantrópicos", nos moldes da Lei 8.742, de 08 de dezembro de 1993, requer-se um tempo mínimo de atuação de 03 (três) anos. Ao nosso ver, consideramos certo que este reconhecimento assume menor relevância que o cognome de organização social, na medida em que a entidade, assim titularizada, será responsável pela gestão de bens e recursos públicos a serem colocados à sua disposição, bem como lhe serão cedidos servidores públicos. A título de exemplo, vemos que o Estado de São Paulo é mais rigoroso no trato desta questão, pois impõe para a qualificação de entidades de serviços de assistência à saúde um tempo mínimo de 05 (cinco) anos de efetiva atuação, ao passo que no modelo federal não se exige idoneidade de qualquer espécie, a não ser uma habilitação jurídica, que consiste, unicamente, na verificação da capacidade jurídica da entidade civil, que nada mais é do que o registro de seu ato constitutivo no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

Nesse sentido, a Lei federal reclama adequações, de tal modo que se imponha uma fase de qualificação mais rigorosa e compatível com as responsabilidades que derivam daquele ato.

Por outro lado, outro aspecto de especial relevo é que, no modelo federal, a entidade civil qualificada como organização social já estaria apta a celebrar o contrato de gestão com a Administração pela via da dispensa de licitação.

Essa inovação foi incorporada ao Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos por intermédio da Lei 9.648, de 27 da maio de 1998, quando previu, entre as várias hipóteses de dispensa, "a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão (art. 24, XXIV) ".

Mas há modelos que se distanciam do federal.

Com efeito, o Estado da Bahia, um dos precursores da regulação da matéria no Brasil, por meio da Lei 7.027, de 29 de janeiro de 1997, instituiu o mesmo procedimento adotado no plano federal, com a exceção de que naquela unidade federativa a celebração do contrato de gestão deve ser precedida de processo seletivo e autorização, como nos relata PERPETUA IVO VALADÃO CASALI BAHIA E PAULO MORENO CARVALHO 25.

No modelo baiano, a autorização é o ato-condição para a celebração do contrato de gestão. Assim, o percurso para se chegar até a celebração do contrato de gestão passaria pela qualificação, licitação e autorização.

Essa parece ser, ao nosso modesto entendimento, a questão angular da qualificação, ou seja, deveria ela ser fase preliminar na rotina do procedimento que conduz à autorização e celebração do contrato de gestão.

Calha o registro porque a qualificação, não quer significar, como propõe o modelo federal, estar a Administração jungida e obrigada a firmar com a entidade, assim titularizada, o contrato de gestão pela via da dispensa de licitação.

Ora, por determinação constitucional (art. 37, XXI) a Administração Pública encontra-se vinculada à licitação, sendo imperiosa a instauração do certame para determinar a entidade civil que irá celebrar o contrato de gestão. A regra é a licitação. Dispensa e inexigibilidade são procedimentos aplicáveis, quando aquela não se vislumbrar possível.

Novamente recorremos à lição de CELSO ANTÔNIO BANDERIA DE MELLO, quando aborda o tema da imposição de licitação para a escolha da organização social que irá assumir as atividades do ente público:

Não se imagine que pelo fato do art. 37, XXI, mencionar a obrigatoriedade de licitação, salvo em casos previstos em lei, o legislador é livre para arredar tal dever sempre que lhe apraza. Se assim não fosse, o princípio não teria envergadura constitucional; (...). A ausência de licitação obviamente é uma exceção que só pode ter lugar nos casos em que razões de indiscutível tomo a justifiquem, até porque, é óbvio, a ser de outra sorte, agravar-se-ia o referido princípio constitucional da isonomia 26

Daí, o próprio substrato contido no art. 24, XXIV, da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, não se sustenta na natureza jurídica da dispensa de licitação. Esta só encontra fundamento nas situações em que a licitação seria possível, mas relevantes razões ensejam sua não realização, em homenagem de outros interesses públicos.

Alicerce jurídico posto, e até por razões práticas, é forçoso crer que não se deve olvidar da instauração do procedimento licitatório pois, havendo uma gama de pretendentes, amplia-se o leque de possibilidades para se obter a melhor gestão do contrato a ser celebrado.

Partindo desse pressuposto e da matriz constitucional, resta-nos claro e intocável que, se um universo maior de entidades civis se habilitassem e se qualificassem como organizações sociais, submetendo-se a um procedimento de escolha, maiores chances seriam potencializadas para uma melhor gestão do contrato a ser firmado. De fato, se ampliado o universo de opções, invariavelmente seriam obtidas propostas canalizadas para a melhor gestão da avença, propiciando a eleição daquela considerada mais vantajosa aos interesses do Estado, fim único e objetivo primeiro da licitação. Não seria nada honesto por parte do Poder Público qualificar uma entidade civil, dispensar a licitação e elegê-la para celebrar o contrato de gestão, quando se verifica ser possível instaurar o certame.

Mais uma vez reportamo-nos à lição de CARLOS VASCONCELOS DOMINGUES para quem a solução da "quaestio" deve conciliar o respeito aos princípios constitucionais e a manutenção de uma zona de discricionariedade do Poder Público, sempre em função do interesse público. Com efeito, o sábio doutrinador baiano sustenta que pode ser "trazida à colação a própria legislação que disciplina as licitações". 27

Se factível a licitação, que se instaure o procedimento. Caso contrário, vamos encontrar no art. 25, da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, a hipótese de inexigibilidade de licitação, quando for verificada a inviabilidade de competição, seja pela singularidade do objeto, seja pelos créditos de tradição, competência, probidade e experiência da entidade civil ou pela falta dos pressupostos jurídicos ou fáticos arrolados como hipóteses de dispensa. De fato, pode perfeitamente acontecer que determinada entidade civil seja a mais, senão a única, capacitada para celebrar o contrato de gestão, de tal modo que a Administração entenda ser do interesse público delegar-lhe os serviços sociais, como podem existir outras que possam assumir essa atribuição, caso em que se impõe a seleção.

Mas um aspecto da maior importância na realização da licitação é a oportunidade única que terá a Administração de comprovar a idoneidade da entidade civil pretendente da celebração do contrato de gestão, quando a submeteria a uma fase de habilitação mais rigorosa, nos moldes preconizados nos arts. 27 a 31 de Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Com efeito, o Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos exige do particular que celebra um contrato com o Poder Público a comprovação de sua capacidade jurídica, técnica, econômico-financeira e fiscal.

Com essa providência, a Administração superaria incertezas, evitando o risco de celebrar um contrato de gestão com uma entidade civil de origem e funcionamento temerários, eis que Lei 9.637/98, em seu art. 2º, I, exige, tão somente, da pessoa jurídica sem fins lucrativos, a comprovação de sua regularidade jurídica.

Por outro lado, quando forem verificados na espécie as hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de licitação, nada impede que o Poder Público exija da entidade civil o preenchimento das condições de habilitação contidas no Estatuto das Licitações e dos Contratos Administrativos. Com efeito, dispensar ou inexigir a licitação não quer significar que a Administração renuncie à verificação das condições formais de habilitação. Isso é um dever inafastável, uma garantia que tem o Poder Público de comprovar a capacidade jurídica, técnica, financeira e fiscal do contratado.

É nesse sentido a doutrina de DIOGENES GASPARINI quando trata da imposição da habilitação nos casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação. Para o Mestre

A dispensabilidade da licitação é unicamente do procedimento de escolha da melhor proposta. Sendo assim, tudo o mais (verificação da personalidade jurídica, capacidade técnica, idoneidade financeira, regularidade fiscal, empenho prévio, celebração de contrato, publicações) deve ser observado. Nenhum desses cuidados foi dispensado28(o grifo é nosso)

Assim, temos em mente que a fragilidade do art. 2º, I, da Lei 9.637/98, ao exigir tão somente a regularidade jurídica da entidade civil a ser qualificada como organização social, pode ser suprida com a imposição de uma fase de habilitação, evitando-se a contratação de entidades inidôneas, nas condições previstas na Lei 8.666, de 21 de junho de 1993.

Em face do regramento constitucional, a Administração não pode olvidar da instauração do procedimento de licitação para selecionar a entidade civil que proponha a melhor gestão do contrato a ser firmado, a exemplo do que se dá no Estado da Bahia, de tal modo que não reste à autoridade competente margem para uma atuação discricionária, uma vez que esta conflita com o ordenamento jurídico pátrio.

Quanto a desqualificação dispõe o art. 16 da Lei 9.637/98:

Art. 16 - O Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização social, quando constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão.

§ 1º - A desqualificação será precedida de processo administrativo, assegurado o direito de ampla defesa, respondendo os dirigentes da organização social, individual e solidariamente, pelos danos ou prejuízos decorrentes de sua ação ou omissão.

§ 2º - A desqualificação importará a reversão dos bens permitidos e dos valores entregues à utilização da organização social, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Assim, vemos que o Poder Público pode promover a desqualificação da entidade quando esta descumprir o contrato de gestão, cuja conseqüência importará na reversão dos valores entregues à organização social.

Como visto anteriormente, no modelo baiano, o ato-condição para a celebração do contrato de gestão é a autorização do Poder Público, dada posteriormente à instauração de um procedimento licitatório destinado à seleção da entidade civil, ao passo que, no modelo federal, é a qualificação considerada em si mesma que conduz àquela avença pela via da dispensa de licitação. Procuramos demonstrar que a solução baiana é mais consentânea com nosso ordenamento jurídico, pelos motivos ali contidos. Entretanto resta saber se a autorização dada pelo Poder Público é incompatível com a instauração de um processo administrativo onde se assegura ampla defesa, como prevê o art. 16, § 1º, da Lei 9.637/98, já que é da essência daquele ato administrativo o seu caráter extremamente precário, altamente discricionário, onde, a princípio, não se exige licitação e aplicável, por vezes, quando não há regulamentação específica da matéria.

Apesar desses caracteres, entendemos que a autorização concedida pelo Poder Público não se revela incompatível com a natureza deste ato, pelo mesmo raciocínio dele ser a condição "sine qua non" para a celebração do contrato de gestão. Melhor explicando. Como entendemos que o procedimento que leva à celebração do contrato de gestão é uma série de atos concatenados (qualificação – licitação – autorização – contrato de gestão), onde um é condição para a existência do outro, nada impede que se instaure o processo administrativo para desqualificar a entidade civil titularizada como organização social quando ela houver descumprido a avença. Ultimado o processo administrativo e feita a desqualificação, o corolário conseqüente seria a cassação do ato autorizativo, porquanto não haveria mais sentido na sua existência. De outro lado, a autorização aplicável à espécie é decorrência de um procedimento licitatório, caso em que a Administração fica vinculada aos termos do edital convocatório.

Ao tratar da desqualificação, a Lei 9.637/98 cometeu uma atecnia, ao disciplinar que o Poder Executivo poderá desqualificar a entidade que não cumpriu o contrato de gestão, o que nos traz uma primeira noção de que este ato é revestido de discricionariedade. Essa idéia é apenas sintomática e não resiste a uma análise mais profunda. (o grifo é nosso)

Com efeito, ELIDA GRAZIANI PINTO, desenvolvendo um raciocínio jurídico próprio sobre o escólio de JUAREZ DE FREITAS a respeito deste tema, nos ensina que " não há que se entender o dispositivo legal literalmente, mas aplicar, como é feita com várias outras disposições legais, o poderá com o sentido de deverá". E arremata: "Não cabe faculdade ao Poder Executivo na desqualificação", eis que esta "se torna um incontornável dever no caso de descumprimento do estabelecido no contrato de gestão" diante do valor jurídico que termo assume diante do ordenamento. 29

Sobre o autor
Belarmino José da Silva Neto

bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, servidor público da Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, Belarmino José. Organizações sociais:: a viabilidade jurídica de uma nova forma de gestão compartilhada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -274, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3254. Acesso em: 19 dez. 2024.

Mais informações

Monografia inédita, apresentada em dezembro de 2001 perante a banca de Direito Administrativo da PUC/MG, sob a orientação do Professor Ary Fernando R. do Nascimento, mestre em Direito Administrativo pela UFMG, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito, tendo obtido pontuação máxima.

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