~~ O que é urbanidade? Na Grécia antiga era sinônimo de se viver na cidade-Estado: só o cidadão usufruía da “ágora” - a praça pública em que se praticava a política. A isonomia (equiparação em direitos) se praticava com a liberdade de expressão (isegoria). Portanto, a urbanidade se praticava com a liberdade. Sob o Estado Moderno – depois do Renascimento – o cidadão também era um equivalente de “ser citadino”. Contudo, a cidadania acompanhava quem dirigia a soberania. Somente com a Revolução Francesa o citadino se forjou cidadão, como “ser social” sem as distinções dos velhos estamentos sociais e em oposição à servidão que se findara; a urbanidade era, então, sinônimo de construção da nova realidade social. A urbanidade se convertera em fraternidade: ser fraterno é pensar no Outro, pois sem ele não há o Eu. Se o espelho acha feio o que não é igual, você não dispõe de urbanidade. Portanto, da Grécia para cá, ser urbano não condiz exclusivamente com os moradores das cidades. Ainda que a urbanidade insista em que se dê preferência ao carro que precisa sair do meio-fio ou à ambulância com ou sem sirenes ligadas.
O apresentador Jô Soares diz que ser legal com alguém que você não gosta é urbanidade, respeito. Com educação superamos as expectativas e vamos a qualquer lugar – mesmo aos destinos que ainda nem foram sonhados, mas que a educação abriu as portas para que se apresentassem a nós. Che Guevara, na Revolução Cubana, afirmava o que todos dizem: “Há que endurecer; porém, sem perder a ternura”. Endurecer contra o mal-feito; leveza e ternura para a nova fase da vida que se inicia. Leveza com os mais inocentes e aprendizes, ternura para a sensibilidade das mulheres, com seu modo mágico de ver as relações humanas simples e complexas. Dureza diante das injustiças e das iniqüidades sociais. Leveza no ensinamento daqueles com maior dificuldade de se livrarem da “servidão voluntária” (no dizer de La Boetie). Leveza com crianças e idosos. Ítalo Calvino tem vários clássicos, inclusive um livro sobre Os Clássicos: “é clássico o que se configura em equivalência ao universo, no todo muito semelhante aos antigos talismãs”. A urbanidade é um antigo talismã, esquecido na modernidade porque se considera que combine com a fúria da produção/consumo de si e dos outros. Para um mundo melhor, não precisamos fazer caridade com dinheiro; o mais difícil é doar seus talentos, porque depende do empenho pessoal. Talento é tão raro e precioso que no longínquo passado babilônico era medida de sucesso, riqueza e poder. É mais fácil dar dinheiro nos cultos e nos semáforos; emprestar talento é custoso.
Quem pode mudar a vida de muita gente, deve ser delicado com a sua própria. As maneiras delicadas são gentis, prestativas, sem ironias veladas ou cinismos abertos. As pessoas delicadas são aquelas apenas atentas às necessidades daquele que é nosso interlocutor. Nas conversas, no artigo de jornal, nas mensagens eletrônicas, por exemplo, implica em tratar o leitor com um português de respeito, com cuidado na linguagem, sem palavrões ou provocações desnecessárias. Uma maneira delicada se serve com humor, porque melhora por alguns minutos a vida de quem ouve ou lê. O humor é dialético, restaurador - parafraseando o sociólogo brasileiro Octavio Ianni. De nada adianta pregar a justiça no papel e ser rude ou praticar a brutalidade no convívio social – com o garçom, por exemplo. Delicadeza não é frescura, até porque se deve elevar o tom e endurecer no tratamento dos que são intolerantes e injustos. Leveza é não levar peso para os outros carregarem. Quem pode o mais, pode/deve o menos.
Delicadeza não é frescura.
Vinício Carrilho Martinez
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
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